Missão da Igreja

"... Violência nas ruas, armas, direitos deturpados, órfãos desamparados, viúvas roubadas, devastação, ódio, morte, saques, opressão, extorsões, incesto, assassinatos, matricídios, parricídios..."

À primeira vista parece uma lista das principais manchetes policiais dos jornais, mas não é. São fatos tão comuns hoje em dia que pensamos tratar de nosso cotidiano.

Na verdade são denúncias dos profetas que viveram há quase 2.500 anos, em época e lugares bem distintos dos nossos. Parece tão viva a cena, parece tão contemporânea que chegamos a confundir seus vaticínios com notícias de jornal.

Em meio a tal caos, a Igreja não definiu seu papel de atuação, não encontrou seu roteiro, não estudou bem o script. Alguns setores enfatizam que a missão primordial da Igreja é kerigma. Ou seja, a proclamação do Evangelho. Entendendo que as boas novas é que o Cristo veio libertar do pecado. Outros, porém, crêem que a missão da igreja é diaconia, enfatizando a ação social. Crêem que o Cristo veio libertar da opressão social. É a igreja indo ao encontro do oprimido, necessitado, faminto, órfão, viúva etc. Tendo uma visão profética, onde a denúncia da opressão e da violência é um ministério. Tal como fizeram os profetas da Bíblia.

Alheios a toda essa discussão, anônimos desprezam a questão da lógica aristotélica do terceiro excluído. Alguns teóricos crêem que é só para proclamar o Evangelho, outros que o verdadeiro Cristianismo é engajar-se, e assim a querela continua e a Igreja não sai da inércia. Cristãos humildes dizem: Por que não se faz os dois ao mesmo tempo, por que não se prega o Evangelho, praticando-o? Por que tem que ser um ou outro? Por que não os dois?

Eles sintetizam as duas visões. Por isso, gente humilde e simples dá opção aos sem opção de vida, esperança aos desesperançados, distribuem empatia e amor nos corredores e enfermaria de hospitais, teimam em cumprir os mandamentos de Jesus: "... estava preso e foste ver-me...". Muitos e infinitos anônimos, provam para os teóricos de gabinete, que a missão da Igreja é proclamar o Evangelho, não apenas das tribunas, púlpitos e naves imensas dos templos, também proclama-se o Evangelho, nos becos da fome, nas vielas da miséria, nos quintais do desespero. Pessoas inconformadas com injustiça e violência saem às ruas para anunciar que o pobre e o oprimido são o rosto do Cristo, que avilta-los é aviltar os céus.

Está no Evangelho: "... cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes..."

Diário de Pernambuco Edição de Sábado, 22 de Fevereiro de 2003

Filhos de Deus

"Não busquemos satisfazer a sede pela liberdade tomando da taça da amargura e do ódio..."

Essas verdades foram vaticinadas por Martin Luther King, o mesmo que, no dia 20 de janeiro último, comemorou-se o seu dia nos EUA. Pacifista morto em 68, era contra até a guerra justa, foi martirizado em sua própria nação. Morreu porque buscava assegurar a outros o direito a viver num mundo justo e sem desigualdades. Na mesma semana do feriado, nos corredores da Casa Branca e do Pentágono, circulam nas mãos dos burocratas pesquisas de opinião, feitas para descobrir se os americanos são ou não favoráveis à guerra.

Isso parece enredo de peça de teatro no estilo Kafka: non sense. Enquanto algumas igrejas e instituições de direitos humanos se reuniam para comemorar o nascimento de alguém que lhes indicou o caminho da igualdade, do amor e da paz, os líderes do seu país só respiram guerra e ainda procuram saber se estão agradando, se estão dando ibope. King foi discípulo de um homem que procurou a paz em todos os instantes de sua vida. Paz entre os homens e paz dos homens com Deus: Jesus Cristo. Num de seus discursos, usando um pequeno morro como plataforma para divisar os rostos ansiosos de seus seguidores, ele proclama com sua voz suave e macia, cheia de amor e paz: "Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus...".

Os EUA que, orgulhosamente, não sem razão, se gabam de terem sido fundados sobre as verdades bíblicas, dão mostram da superficialidade do Cristianismo que vivem. Uma geração que é a favor da guerra, uma geração belicista, uma geração que elege seus dirigentes pelo discurso duro e beligerante. À cada queda nas pesquisas, George, o Bush (Cauda de Raposa), que também se diz cristão, só precisa disparar uns mísseis e promover umas invasões e logo a sua popularidade dispara. Com soberba desdenha das opiniões contrárias à guerra, da ONU e de seus aliados, e ao melhor estilo non-sense espera que o Iraque obedeça à ONU, mas ele mesmo não obedece, pensa estar acima do Bem e do Mal. Rev. King indicou o caminho da paz, porque conhecia o evangelho e procurava vivê-lo. Jesus não deixou opção, não deixou escolha, sua ética era radical:

Os filhos de Deus buscam a paz. Pacificador no entender dele era a credencial de seus seguidores, não o dogma, nem tampouco reuniões de êxtase espiritual, mas uma simples e sublime busca pela implantação do Reino: "... Venha o Teu reino..." Esqueceram das palavras de King, ou melhor, esqueceram as de Jesus.

Diário de Pernambuco Edição de Sábado, 8 de Fevereiro de 2003