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Trotsky na Netflix


Acaba de chegar aos telespectadores brasileiros a série Trotsky, exibida pela Netflix. Ela é original da Rússia, foi produzida pela TV Pevry Kanal sob a direção-geral de Konstantin Ernst e tem a produção de Alexandre Tsekalo. No momento que soube da notícia que a Netflix iria exibir a série, como admirador da figura política e intelectual, sobretudo por que o biografado desempenhou um importante papel junto com Lênin na condução da primeira revolução operária/camponesa duradoura, fiquei entusiasmado. Mas, fui advertido por colegas e pessoas que conhecem a história do processo revolucionário e também a vida e obra do criador do Exército Vermelho.

Mesmo com as advertências, fiz questão de assisti-la e comprovar o quanto é problemática do ponto de vista histórico e político, tanto no que se refere à biografia do personagem principal, como também à ambientação na qual lhe fez ser conhecido internacionalmente: a revolução russa. Portanto, confirmei que o enredo da série não é só reacionário politicamente, como também pratica indigência teórica e histórica do co-líder da revolução russa e o processo da revolução, ou seja, nem fatos históricos a série teve a dignidade de respeitar. Acredito que os erros sucessivos que aparecem ao longo dos episódios se dão por questão de escolha, e não por falta de conhecimento da produção do seriado. Basta uma pequena olhada na produção cinematográfica para perceber que teve um alto investimento e não foi feita com baixo orçamento. Sendo assim, seria muito tranquilo a produção contratar uma consultoria de historiadores sérios que não cometessem equívocos. Mas, como se trata deliberadamente de falsificar a história da revolução russa e, com isso, produzir grosserias, eles não se preocuparam nem um pouco com os fatos históricos.

O tamanho do absurdo que aparece ao longo da série faz inveja à grande maioria das produções anticomunistas de Hollywood durante a guerra fria. O fato é que trata-se da narrativa oficial do Governo Putin e daqueles que na derrocada da URSS espoliaram os meios de produção. O objetivo é a reescritura da história recente da Rússia.

Portanto, antes de relatar e desmentir algumas passagens da série (sim, algumas, pois se eu fosse tentar desfazer todas as mentiras e falsificações que existem nela, certamente este texto seria longo e cansativo para os leitores) queria elencar alguns pontos que considerei importante que a narrativa da série tenta inculcar naqueles que a assistem.

A primeira é a maneira como é retratada a vida e a personalidade de um dos principais dirigentes da revolução de Outubro. Trotsky é mostrado como um homem egoísta, ambicioso financeiramente, machista, tirano e sanguinário.

O segundo alvo das inverdades contidas no enredo da série localiza-se sobre o movimento socialista russo, sobretudo sobre o partido bolchevique, que é tratado como uma facção criminosa que só pensa em iludir o povo em beneficio dos seus dirigentes – especialmente Lênin, que é colocado como o chefe da máfia –, mostrando os debates dentro do partido não como embates de ideias e princípios socialistas, mas como uma disputa de egos para ver quem comandaria a facção. Em suma, a intenção é desmoralizar ao máximo o partido bolchevique, que liderou a revolução de Outubro.

A terceira e, para mim, o elemento principal do enredo reacionário da série, foi mostrar que a revolução russa foi um grande erro que só gerou violência e barbárie, indo ao ponto da série demonstrar que a atitude do partido que dirigiu a revolução foi motivada por dinheiro, e não pelo princípio da emancipação humana, que foi o significado maior daquele outubro de 1917. O fato é que a revolução não foi produzida pelo partido bolchevique, e não foi financiada pelo governo alemão (como mostra a série), mas, sim, pelos operários e camponeses que viram nas Teses de Abril de Lênin um programa de sua emancipação, e que atendiam suas reivindicações mais básicas e imediatas.

A primeira cena da série mostra a famosa imagem do trem blindado no qual Trotsky foi “morador” durante os tempos difíceis da guerra civil, quando foi comissário de guerra, organizador e comandante do Exército Vermelho. Assim, era imprescindível o transporte sob trilhos para coordenar essas tarefas. Em seguida, as câmeras focam o interior do Trem, com um Trotsky conversando com uma moça charmosa, vestida de modo pomposo, e fumando no interior do vagão. Seguem-se algumas palavras, beijos e sexo. Parece uma cena inocente, retratando um caso de extra-conjugal, porém é uma cena lastimável quando olhamos com mais rigor. A primeira observação é a de que o biógrafo de Trotsky mais gabaritado, Isaac Deutscher, não apresenta em nenhum momento que ele teve algum caso com uma moça chamada Larissa Reissnerque teria nascido na Polônia em 1895, se tornando socialista na Alemanha e que finalmente vai para a Rússia em 1917 acompanhar o processo revolucionário russo ao lado dos bolcheviques. Na invasão dos exércitos estrangeiros na Rússia, ela aceitou de prontidão se alistar nas fileiras do partido para defender a revolução dos ataques estrangeiros, e foi nesta tarefa que foi convidada a acompanhar e auxiliar Leon Trotsky na coordenação do Exército Vermelho. Mas a série a retrata como uma espécie de concubina de Trotsky, cujas atenções negligenciavam as tarefas principais do conflito,enquanto o mundo soviético desabava sob a guerra civil. Ou seja, mostra o co-líder da revolução como uma pessoa sem escrúpulos.

Posteriormente, a série dá uma guinada temporal para o México, país de seu último exílio. A cena que acabamos de descrever foi construída como uma espécie de memória do comandante do Exército Vermelho. A série então se desloca temporalmente para a apresentação do então namorado de sua secretária, de pseudônimo Jacson, que na realidade se chamava Ramón Mercader. Ao conhecer Trotsky (isto é, depois do atentado à sua vida pelos agentes stalinistas), Mercader começa a fazer uma série de entrevistas na casa do líder soviético. Porém, esta informação também não consta nas biografias sobre vida e a obra do líder revolucionário. Mas o processo de falsificação não para por aí. O enredo da série começa a mostrar que Jacson era um ferrenho defensor de Stálin, colocando-o em constante conflito com Trotsky. E ainda pior: com Trotsky sempre provocando-o, dando a ideia que Ramón assassinou-o não por motivos políticos, mas por questões pessoais. Se Jacson já se apresentou como um stalinista, então por que Trostsky iria manter amizade com ele, uma vez que Stálin já tinha mandado lhe assassinar? O fato é que o afã de desmoralizar Trotsky e o partido bolchevique foi tão grande, que até elementos de ficção foram utilizados.

A propósito da ficção,  um episódio que me chamou muita atenção: os encontros que Leon Trotsky teve com Sigmund Freud, o pai da psicanálise.Mas a ficção vai além.  também uma cena em que Freud entra em debate com o co-líder da revolução russa. Aquele lhe faz um diagnóstico de um homem obcecado pela revolução comunista a ponto de passar por cima de tudo e todos para atingir este objetivo. E, diga-se, que este objetivo é um projeto pessoal de Trotsky, e não o projeto de uma emancipação dos trabalhadores russos.

Para além das mentiras do diagnóstico de Trotsky feito por Freud nas cenas mencionadas, nunca houve um tal encontro entre os dois – nenhuma biografia minimamente séria sobre a vida e a obra do revolucionário russo menciona tal encontro. O problema não é utilizar-se de ficção. Basta que se anuncie que trata-se de uma obra de tal gênero. Porém, em entrevista ao site de O Globo, o produtor diz: “É difícil ser objetivo cem anos depois, mas tentamos produzir uma série fundamentada em acontecimentos reais”.

Na segunda e última parte deste texto, mostrarei as outras deformações do enredo referente à biografia de Trotsky e à revolução russa, concatenando uma resposta para os supostos motivos por detrás das falsificações grosseiras que a série produz, tanto contra Trotsky como contra a revolução de Outubro.

Jefferson Lopesmestre em História pela UFCG.

Da administração pública burocrática à gerencial




Este artigo analisa os aspectos essenciais da reforma administrativa do Estado que está sendo proposta pelo Governo Fernando Henrique Cardoso. Como resposta à crise do Estado e ao processo de globalização da economia mundial, essa proposta visa funda­ mentalmente implantar uma administração do tipo gerencial no setor público brasileiro, cm contraposição a uma administração do tipo burocrática, atualmente predominante. No texto, faz-se uma análise da crise da administração pública burocrática brasileira e são definidas as linhas mestras para a implantação da administração pública gerencial, fun­ damental para responder à redefinição das funções do Estado. Finalmente, relacionam-sc as ações realizadas pelo Estado, que podem ser divididas em quatro tipos — núcleo es­ tratégico, atividades exclusivas de Estado, serviços sociais competitivos ou não exclusi­ vos, e produção para o mercado — com três tipos de propriedade. Os primeiros dois tipos de ações estão relacionados à propriedade pública estatal; o terceiro tipo de ação à pro­ priedade pública não-estatal; c o quarto tipo de ação à propriedade privada.

Autor: Bresser-Pereira, Luiz Carlos
Clique aqui para ler o artigo completo.

Empreendedorismo social: atual configuração, perspectivas e desafios


No presente artigo, procuramos apresentar os principais elementos introdutórios ao tema empreendedorismo, tomando como exemplo a realidade brasileira. Partimos da constatação de que o empreendedorismo social emerge no cenário dos anos 1990, ante a crescente problematização social, a redução dos investimentos públicos no campo social, o crescimento das organizações do terceiro setor e da participação das empresas no investimento e nas ações sociais. Atualmente, o empreendedorismo social se apresenta como um conceito em desenvolvimento, mas com características teóricas, metodológicas e estratégicas próprias, sinalizando diferenças entre uma gestão social tradicional e uma empreendedora. É o que procuramos apresentar, mesmo que sinteticamente e de forma introdutória, a partir dos principais conceitos, nacionais e internacionais, e de um exemplo típico brasileiro e de impacto global: as sensíveis diferenças entre empreendedorismo social e outros conceitos, como responsabilidade social empresarial e empreendedorismo privado. Finalizando, apontamos algumas características de entendimento do empreendedorismo social no Brasil, bem como alguns elementos sobre os desafios e possibilidades dessa nova forma e paradigma de gestão social que se apresenta como emergente e de grande poder de transformação social no cenário de um Brasil paradoxal, com muitos problemas, mas repleto de possibilidades. 

Autor: Edson Marques Oliveira

Palavras-chave 
Empreendedorismo social. Gestão social. Terceiro setor

Texto completo: Clique aqui


Indústria 4.0: Estratégias e Implementação

A indústria 4.0 é uma visão e uma realidade com um roteiro estratégico consideravelmente documentado para sua concretização.

Comparando a transformação digital e o papel da Internet Industrial das Coisas nele, juntamente com as evoluções na mecânica, engenharia e manufatura, são essencialmente do que a Indústria 4.0 trata.

Assim como a transformação digital e a Internet Industrial das Coisas, a adoção do Indústria 4.0 acontece no contexto individual de uma organização.

Em essência, isso significa que na Indústria 4.0 há um corpo de trabalho, modelos de referência, roteiros e componentes bem descritos antes que as implementações reais realmente aconteçam. Isso é completamente original quando se fala na quarta revolução industrial.

Confira agora um infográfico com algumas diretrizes para implementação da realidade da Indústria 4.0 de maneira mais descomplicada possível:


Do ponto de vista dos sistemas e equipamentos, essas etapas correspondem, respectivamente, à uma visão do que está acontecendo (dados), saber por que está acontecendo (análise, conhecimento), prever o que acontecerá (com base nos padrões e capacidades desenvolvidas e da Inteligência Artificial). O passo final seria o esforço da Indústria 4.0 rumo à uma reação autônoma das máquinas.

O que queremos alcançar e o que deve ser avaliado hoje é onde queremos ir e quais os links que faltam para chegar lá. Depois disso, pensar na implementação de um plano estratégico com um roteiro claro em relação aos processos, segurança e tecnologias necessárias.

Por fim
Espero que tenha curtido nosso infográfico e também tenha aprendido muito com ele! Se você acha que seus amigos irão gostar de conferir esse conteúdo tanto quanto você, por favor, compartilha com eles ou nas suas mídias sociais!

Caso tenha ficado alguma dúvida ou queira discutir mais sobre o assunto, pode entrar em contato comigo pelo debora.silva@logiquesistemas.com.br. Ficarei super feliz em ter a oportunidade de te ajudar!

Fonte: http://www.logiquesistemas.com.br/blog/industria-4-estrategias-e-implementacao/

Brasil: o grande salto para trás


Com o título “Crise brasileira e humor negro”, o jornal francês Le Monde publica um artigo sobre o documentário “Brasil: o grande salto para trás”, das francesas Frédérique Zingaro e Mathilde Bonnassieux, que será transmitido pela TV franco-alemã ARTE nessa terça-feira (18 de abril de 2017).

A correspondente do jornal Le Monde no Brasil, Claire Gatinois, escreve que em uma certa segunda-feira, no dia 17 de abril de 2016, o Brasil descobriu o rosto dos políticos que representavam a população na Câmara dos Deputados: conservadores, grandes fazendeiros, evangélicos loucos por Deus, homens apegados aos valores tradicionais e até saudosistas dos tempos da ditadura militar.

Na maioria, pessoas corrompidas.

O artigo informa que durante a sessão de votação, que entrou madrugada adentro, esses deputados selariam o destino da então presidente Dilma Rousseff, reeleita em 2014, desencadeando o impeachment.

Este é o momento histórico do documentário “Brasil: o grande salto para trás”, um momento-chave em que nosso país, numa crise vertiginosa, viu o seu futuro balançar.

“É como o fim de um parênteses encantado aberto por Lula da Silva em 2003, legando prosperidade e permitindo que milhares de brasileiros saíssem da miséria, sem falar na projeção na cena diplomática internacional, tornando-se um ator relevante dos BRICS”, escreve a jornalista, explicando que a indignação popular diante da corrupção de um Partido dos Trabalhadores desgastado pelo poder — corrupção que se alastra pelos partidos da direita e da esquerda — serviu de pano de fundo para o impeachment.

“Desse instante nascerá o confronto, muitas vezes maniqueísta, entre os pró e os contra a destituição, opondo uma esquerda progressista e uma direita agarrada aos seus privilégios”, analisa Claire Gatinois.

O documentário das cineastas francesas optou pela descrição desta fratura, centrando a narrativa em Gregório Duvivier, jovem humorista da esquerda, que fez a maioria das entrevistas, incluindo a própria ex-presidente Dilma.

Le Monde analisa que o telespectador é levado a seguir a interpretação muito pessoal do cômico, que serve de referência para se compreender a complexidade do Brasil.

O percurso é revelador do sentimento de uma parte dos brasileiros: depois do impeachment, os militantes e simpatizantes da esquerda denunciam um complô anti-PT por parte de uma justiça enviezada e das mídias mais fortes, dando à destituição de Dilma ares de “um golpe de Estado parlamentar.”

Como será o futuro agora? — indaga o documentário, colocando em foco a perspectiva de um triste destino para a esquerda nacional, a exemplo do que ocorreu em diversos países da América Latina.

Le Monde constata que a conclusão do documentário é que, sem negar os erros do PT, a atual política de Michel Temer, marcada pelo rigor e pelas reformas que seduzem os mercados financeiros, compromete, com seus cortes, as despesas destinadas à saúde, educação e ajuda aos desfavorecidos.

Fonte: https://www.viomundo.com.br/voce-escreve/brasil-o-grande-salto-para-tras-o-que-os-franceses-viram-sobre-o-impeachment-assista.html

"Quem se Importa?"

'Quem se Importa?' mostra pessoas que tentam mudar o mundo.

Documentário de Mara Mourão, filmado em sete países, retrata o trabalho de 18 empreendedores sociais



São Paulo - O bangladeshiano Muhammad Yunus, criador do primeiro banco comunitário do mundo; o peruano Joaquin Leguia, que procura destinar 1% da terra de seu país às crianças para o cultivo sustentável; o brasileiro Eugênio Scanavino, que levou um barco-hospital a navegar pelas águas da Amazônia paraense, atendendo a comunidades ribeirinhas. São estes alguns dos 18 empreendedores sociais retratados no documentário Quem se Importa?. Contando histórias de pessoas que desenvolveram projetos transformadores de realidades sociais no Brasil e no mundo, o filme aponta o sentido do empreendedorismo social, também chamado de setor cidadão ou setor social. Com locução de Rodrigo Santoro, o documentário é dirigido por Mara Mourão.

Mara dirigiu centenas de comerciais de televisão. Em 1998 fez Alo? e em 2002 dirigiu Avassaladoras, ambas comédias. Seu terceiro longa-metragem, o documentário Doutores da Alegria, de 2005, exibe o trabalho da organização de mesmo nome que tem buscado humanizar o sistema de saúde brasileiro, com palhaços que divertem e ajudam crianças em recuperação. O trabalho do Doutores da Alegria também compõe o painel do empreendedorismo social montado por Mara, em Quem se Importa?.

Com cenas gravadas em mais de sete países, o documentário difunde um movimento mundial de empreendedorismo social. O termo foi criado por Bill Drayton, entrevistado no filme. Ele, que diz desejar erradicar com todos os problemas sociais do mundo, é o fundador da Ashoka, uma organização sem fins lucrativos que auxilia empreendedores sociais em mais de 70 países. As pessoas entrevistadas no filme realizam trabalhos cujo objetivo é o bem-estar social, percebem problemas sociais, na maioria das vezes causados pela pobreza, e procuram soluções.

Confira entrevista com Mara Mourão

Quem é o empreendedor social?
O empreendedor social é aquele que tem as mesmas características de um empreendedor de negócios, só que aplicadas para o setor social. Enquanto o empreendedor de negócios visa ao lucro – geralmente este lucro é para um grupo pequeno de acionistas –, o empreendedor social visa o bem-estar social. E se ele visa ao lucro, sim, é para revertê-lo ao bem-estar social. Ele tem as mesmas características de liderança, visão, persistência. É um sonhador, mas é prático e consegue viabilizar e implementar o que deseja. No entanto, como Bill Drayton diz no filme, somente ter essas características não fazem de alguém um empreendedor social. O que o empreendedor social faz é ter a capacidade de saber o que a sociedade precisa em um determinado momento. E ele não descansa enquanto não conquistar seus objetivos. Esse é o verdadeiro empreendedor social.

O empreendedor seria aquele que desenvolve grandes projetos sociais e consegue provocar mudanças na sociedade?
Tem empreendedores de vários níveis. Se a pessoa faz um trabalho em grande escala e afeta milhões de vidas, ela é chamada de empreendedor social. Se faz em escala menor, é chamada de transformador ou agente de mudança. Tem vários nomes, mas acho uma bobagem, todos são nomes diferentes, para um espírito comum, o espírito de arregaçar as mangas e não se conformar com uma realidade que não deve existir.

Você é uma empreendedora social?
Tem gente dizendo que eu sou, mas acho que não. Sou uma cineasta que está causando impacto social com os filmes. Quem sabe se eu fizer mais filmes assim, já não possa ser chamada de empreendedora social. Mas, por enquanto, sou só uma cineasta causando impacto, aliás, não é nem isso: estou causando inspiração, porque os filmes não mudam o mundo, quem o muda são as pessoas que assistem aos filmes.

Quem se importa? pretende ser mais do que um filme? Ele é um movimento?
É um movimento de inspiração. Ele inspira as pessoas a tomarem consciência de seu poder de transformação. É plantar a semente do “eu também posso fazer”, principalmente nos jovens. Nas redes sociais, na internet já temos milhares de pessoas divulgando o filme e compartilhando e discutindo os ideais dele. E eu sinto que tem muita gente que se importa e que faz questão de passar essa mensagem do filme adiante.

No documentário, o apelo à conscientização dos jovens é constante. O jovem pode ser um transformador social?
O Bill Drayton acredita que se 3% das crianças nas escolas fossem transformadoras, mudávamos o sistema num instante. Como ele comenta no filme, os pais vão ficar preocupados se o filho estiver indo mal em matemática, mas será que eles notam se o filho está sendo um provocador de mudanças? Os pais estão preocupados em formar cidadãos proativos, pessoas que realmente lutam pelos direitos dos outros? Não, estão preocupados se o filho vai bem nas matérias. Queremos mostrar que empreendedorismo social é tão importante quanto a matemática. Já exibimos o filme em escolas. Somos parceiros do programa Cinema para Todos do governo do Rio de Janeiro, que o levará para muitas escolas de periferia no estado. E já estamos falando com fundações para tentar levá-lo para escolas públicas em todo o Brasil.

O que você pensa da crítica de que a existência de ONGs e do terceiro setor é uma forma de privatizar serviços que o Estado deveria garantir?
A princípio você pode pensar que o empreendedor social está aqui para tapar o buraco do que o governo não conseguiu fazer. Obviamente, em países mais ricos, como a Dinamarca e a Suíça, tem menos empreendedores sociais do que na Índia ou no Brasil. É óbvio que os países com mais questões sociais vão ter mais empreendedores sociais. Porém, nem sempre o governo pode fazer o que o empreendedores sociais fazem, e vice-versa, porque eles têm características diferentes. O governo vive de eleições, e o político eleito não pode errar, porque ele não tem o direito ao erro. Não tem esse luxo, porque o erro é considerado um escândalo e não reelege ninguém. Já no empreendedorismo social, o erro e a experimentação são permitidos. E o setor social é muito mais ágil e menos burocrático que o setor governamental. Tem coisa que não dá pra tornar política pública, tem coisa que precisa ser feita por ONG, assim como tem coisa que precisa ser feita pela iniciativa privada. E eu acho que o filme transmite a ideia de que casamento entre esses três setores pode dar certo. O empreendedorismo social vai dar certo quando ele estiver misturado em todos os setores da sociedade e quando as pessoas de todas as esferas começarem a agir.

O empreendedorismo social, então, não é característico só do terceiro setor?
Não, ele pode estar na iniciativa privada ou no governo. O empreendedor social é um cara que muda um padrão na sociedade, uma situação, mas não importa a esfera em que atua. A política é uma forma de transformação social, mas quando um político cria uma lei que muda a sociedade em algum aspecto, ele está fazendo tanta transformação social quanto um empreendedor social. Só são nomes diferentes. Esse espírito do setor cidadão atuante deve permear toda a sociedade e todos os setores dela. O setor social cresceu muito nas duas últimas três décadas, por várias razões. Primeiro, porque mais de 200 países passaram a ter sistemas democráticos, e antes eram sistemas ditatoriais, absolutistas e  de apartheid. Depois, houve um aumento da classe média. E houve o advento da internet. Isso tudo fez com que o setor cidadão tivesse esse boom. Mas creio que no futuro não vai ter essa divisão de quem é empreendedor social e quem é cidadão. Todos seremos cidadãos mais ativos. É esse momento que Bill Drayton chama de combinação da democracia: quando todos os cidadãos são ativos.

Quem se Importa? retrata o trabalho de 18 empreendedores sociais de vários lugares do mundo. Como você chegou a esses nomes?
Com esse painel de empreendedores do arredor do mundo, com empreendedores de diversos países, quis mostrar que é um movimento mundial. Escolhi esses 18 nomes, depois de uma pesquisa extensa, na qual eu fui buscando pessoas de continentes diferentes e de áreas de atuação diferentes, que soubessem se comunicar bem e cujos trabalhos teriam imagens às quais eu teria acesso. Foi com muita dor no coração, porque deixei milhares de pessoas que eu conheço e que eu não conheço. Não caberia mais do que isso. É por isso que estou pensando em fazer uma série de televisão, para justamente apresentar as várias pessoas que tem trabalhos muito bacanas. Busquei em livros, internet e na rede Ashoka, um grande celeiro de empreendedores sociais. Cheguei a 50 nomes e fui afunilando até chegar nesses 18. Eu tentei buscar uma diversidade para justamente mostrar a riqueza do empreendedorismo social. Com o filme, você passa a entender que eles podem estar na área da educação, da saúde, do meio ambiente, dos direitos humanos, da economia, em qualquer área. O filme passa a mensagem de que todo mundo pode mudar o mundo não importa em que setor. Seja ele privado, governamental ou social. Qualquer pessoa pode fazer a diferença.

Você dirigiu comerciais para televisão antes de dirigir as comédias Alô? Avassaladoras. Como mudou para as temáticas sociais?
É fácil de entender. Eu já conhecia o trabalho do Doutores da Alegria porque o fundador, Wellington Nogueira, é meu marido. Eu sempre achei que daria um filme, mas o próprio trabalho ainda estava em crescimento, ainda estava em formatação. Mas quando acabei de fazer Avassaladoras, o Doutores da Alegria já estava solidificado, já tinha livros escritos, teses defendidas, centro de estudos, já estava um projeto absolutamente solidificado. Percebi que havia chegado a hora de mostrar para o público o que acontece dentro dos hospitais e que as pessoas não conseguem ver. E a resposta ao filme foi completamente diferente do que eu tinha com as minhas comédias, porque com elas era muito bacana, mas ficava naquela história de “eu ri muito e me diverti muito”, mas com o Doutores da Alegria, as pessoas me diziam que o filme havia mudado a vida delas. Fiquei chocada com o impacto do filme. Teve professores que mudaram o jeito de ensinar e jovens que mudaram o rumo de suas carreiras. Resolvi fazer um filme na mesma linha que o Doutores da Alegria, só que mais abrangente. Fiquei muito tocada com a reação do público e com o impacto que um filme pode causar. 

Mas há uma diferença entre fazer filmes de entretenimento e documentários?
A diferença é entre ficção e documentário. A ficção é mais simples. De um certo modo, você segue um roteiro, e na hora da edição, é muito mais simples, pois edita aquele o roteiro. Num documentário você tem um roteiro e depois você o refaz na edição. Fiquei um ano editando o Quem se Importa? porque havia milhões de possibilidades, com o material todo que tinha nas mãos. Mas tudo é cinema, tudo é audiovisual. Gosto de fazer os dois e vou continuar a fazer os dois. O que você não vai me ver fazendo é um filme que só tenha tiros e nenhuma mensagem. Minha ideia é fazer ficção que tenha alguma mensagem e documentário que tenha impacto social.

Em Quem se Importa?, Wellington Nogueira, entrevistado, comenta que, quando começou o trabalho do Doutores da Alegria percebeu o poder social que a arte pode ter. Você teve uma percepção semelhante?
Total. O impacto social que um filme pode causar não passa pela bilheteria. É uma outra métrica que se usa, e é uma métrica invisível mesmo, é a frase de Albert Einstein: “Nem tudo o que conta pode ser contado, e nem tudo que pode ser contado conta”. Você começa um filme e começa a influenciar e a inspirar a própria equipe que fez o filme, e vai como uma onda. O filme Uma Verdade Inconveniente,  do Al Gore, por exemplo, levantou a questão climática, e me lembro que via muitas pessoas discutindo a questão mesmo antes de terem visto o filme. O documentário Super Size, do Morgan Spurlock, também teve uma bilheteria pequena e acabou mudando o cardápio do McDonald's. O impacto social do cinema é muito forte. Gosto muito disso e vou usar o cinema como uma arte que impacta as pessoas para uma mudança positiva. 

Quem se importa? 
Direção: Mara Mourão
Locução: Rodrigo Santoro
Duração: 91 minutos

Fonte: https://www.redebrasilatual.com.br/entretenimento/2012/04/quem-se-importa-mostra-pessoas-que-tentam-mudar-o-mundo

Como o anarquismo cresce na Grécia

Oferecendo serviços que o Estado abandonou e acolhendo a população empobrecida e refugiados, movimentos articulam-se e querem ocupar espaço político — obviamente, sem fundar partido.


Sete anos após as políticas de austeridade e mais recentemente, a crise de refugiados ter afetado os poucos recursos do governo, há cada vez menos recursos para os cidadãos. Muitos perderam a fé. Alguns dos que nunca tiveram fé desde o início decidiram resolver a situação com as próprias mãos, para a vergonha das autoridades.

Tasos Sagris, de 45 anos anos, membro do grupo anarquista grego chamado Void Network e do grupo de teatro auto-organizado Embros, é um dos que se colocam à frente do ressurgir do ativismo social que preenche o vácuo deixado pela ausência do Estado.

“As pessoas confiam porque não as usamos como consumidores ou eleitores,” diz Sagris. “Toda falha do sistema prova que a ideia do anarquismo é verdadeira.”

Nos últimos dias, a ideia não tem sido apenas o caos e a destruição das instituições do Estado e da sociedade — a crise econômica tem dado conta dessa demanda — mas também de apoio mútuo e ação cidadã.

Mas o movimento continua diverso, com alguns grupos enfatizando a necessidade do ativismo social e outros priorizando a luta contra a autoridade com atos de vandalismo e confrontos com a polícia em manifestações. Alguns buscam combinar ambas perspectivas.

Independente dos meios, desde 2008 espaços como os “centros sociais de auto-organização” têm se desenvolvido em toda a Grécia, financiadas por doações privadas ou o dinheiro arrecadado de eventos programados com certa regularidade, exibições e bares, a maioria aberta ao público. Existem cerca de 250 em todo o país.

Alguns ativistas organizam-se em torno de centros de distribuição de comida e remédios, por conta da intensificação da pobreza e do colapso dos serviços públicos.

Nos últimos meses, grupos anarquistas e de esquerda têm dedicado o seu tempo e energia para abrigar refugiados que sofreram com inundações ocorridas em 2015 e os despejados de suas casas, desde que a União Europeia e as nações balcãs fecharam as suas fronteiras. Cerca de 3 mil refugiados vivem em 15 prédios abandonados, que foram tomados pelos anarquistas na capital.

Os anarquistas tiveram um papel importante nos levantes estudantis que ajudaram a derrubar a ditadura grega no final de 1970 — inclusive na rebelião da Politécnica de Atenas, em novembro de 1973, reprimida pelas autoridades com policiais e tanques de guerra, o que resultou em diversas mortes.

Desde o final dos anos 1970 e o inicio da década de 80, os anarquistas somaram-se aos grupos de esquerda na ocupação dos espaços das universidades gregas para promover o seu pensamento e estilo de vida. Muitos desses espaços existem até hoje.

Ao longo dos anos, os anarquistas também apoiaram múltiplas causas, como a oposição à reforma neoliberal da educação ou a campanha contra os jogos olímpicos de Atenas em 2004.

O movimento continua sendo amplamente apoiado pelo público em geral, o que reflete uma profunda desconfiança nas autoridades. Boa parte dos gregos foi afetada pelas políticas de “austeridade” nos últimos anos, impostas pelos credores internacionais.

Em Atenas, o epicentro anarquista continua sendo o bairro bohêmio de Exarchia, onde o assassinato de um adolescente por um policial em 2008 desencadeou duas semanas de revolta, auxiliando a revigorar o movimento.

A policia desocupou recentemente alguns prédios ilegalmente ocupados (squats) por anarquistas de Atenas, no norte da cidade de Thesssalonika e na ilha de Lesbos, que foram possíveis alternativas para centenas de imigrantes pelos últimos dois anos. Por pouco, não emergiu uma ampla crise, que o Syriza — partido de esquerda do primeiro ministro Alexis Tsipras — teria dificuldade em administrar.

Em uma entrevista, o ministro da Ordem Pública, Nikos Toskas, disse que as remoções policiais seriam “sistemáticas”, e riam até onde “se fizesse necessário”. O prefeito de Atenas, Giorgos Kaminis, condenou os squats, dizendo que eles comprometem “a qualidade de vida dos refugiados”.

“Ninguém sabe quem os controla e em que condições estão vivendo as pessoas que estão sendo postas nos prédios”, disse ele, respondendo a pergunta de um repórter.

Os anarquistas dizem que os squats são espaços humanos alternativos aos acampamentos organizados pelo Estado, que estão lotados por 60 mil imigrantes e refugiados. Grupos dos Direitos Humanos têm condenado amplamente os campos como sujos e perigosos.

Em Exarchia, um dos squats é uma escola estadual do ensino secundário que foi abandonada por questões estruturais. Ela foi ocupada na ultima primavera com ajuda de anarquistas, tornando-se a casa de 250 refugiados, maioria da Síria, que tem uma copa e cozinha no teto. Muitos refugiados estão nas “listas de espera” para entrar em um dos prédios ocupados.

Segundo Lauren Lapidge, uma ativista social britânica de 28 anos, que veio à Grécia em 2015, no auge da crise dos refugiados gregos e está ativamente envolvida com as diversas ocupações de prédios, os squats funcionam na forma de comunidades auto-organizadas, independentes do Estado e de organizações não-governamentais. “Eles são organismos vivos: as crianças vão para a escola, alguns nasceram no squat, nós temos casamentos aqui dentro”, disse Lauren.

Outra iniciativa em Exarchia envolve anarquistas e moradores locais que levaram um container de carga para a praça central do bairro, convertendo-o em quiosque político, onde eles distribuem comida e remédio e vendem literatura anarquista.

Vassilik Spathara, uma pintora e anarquista de 49 anos que vive em Exarchia, disse que a iniciativa era necessária devido às autoridades locais não auxiliarem “nem mesmo para trocar lâmpadas’ na praça, conhecida pela presença de criminosos, que a atividade constante auxiliou a dissipar.

“As autoridades atacam a área porque é o único lugar de Atenas que tem se organizado, com uma identidade anti-establishment”, diz Spathara.

O prefeito Kaminis diz que as autoridades locais têm cooperado com os moradores “para renovar a área”, e insistiu que os moradores de Exarchia têm os mesmos direitos de todos os atenienses.

Dentro da perspectiva política desabante grega, os anarquistas parecem ter se constituído como uma alternativa política ao governo.

“Nós queremos que o povo resista, de todas as formas, desde tomar conta dos refugiados até queimar bancos e o Parlamento”, disse Sagris, membro do Void Network e do grupo de teatro Embros, que arrecada dinheiro para financiar os squats. “Os anarquistas usam todas as táticas, as violentas e não-violentas”.

Ele também notou que os anarquistas tem uma “obrigação moral” de ter certeza que tragédias — como a morte de três pessoas em maio de 2010 quando o banco de Atenas foi incendiado durante um ato anti-austeridade — não aconteça de novo. Apesar de os anarquistas terem sido culpados, ninguém foi condenado em um tribunal que terminou com três executivos de banco condenados por assassinato por negligência, resultante da ausência de precauções de segurança. (Ele foram soltos com fiança, podendo apelar).

Outro grupo anarquista, Rouvikonas, está querendo transcender a violência, apesar de seus membros terem vandalizado prédios públicos e de empresas. Na última semana, membros do grupo, armados com pedaços de pau com bandeiras pretas anarquistas, realizaram uma patrulha no centro de Atenas, dizendo que a polícia não age para interromper o tráfico de drogas e a prostituição envolvendo jovens imigrantes.

Membros do Rouvikonas recentemente entraram com um processo na corte para fundar uma “sociedade cultural” destinada a organizar os eventos de arrecadação. No sábado, o grupo apresentou sua “identidade política” em um squat em Exarchia. (Os anarquistas insistem que eles não estão formando um partido político).

Os anarquistas obviamente não podem forma um partido político”, disse Spiror Dapergolas, de 45 anos, um desenhista gráfico que participa do Rouvikonas. “Mas nós podemos ter os nossos próprios meios de entrar na arena política”, disse ele. “Nós queremos crescer.”

Por Niki Kitsantonis, no New York Times | Tradução: Lucca Ignácio, em seu espaço no Medium

Tecnologia pode criar elite de super-humanos e massa de 'inúteis'


"A desigualdade existe há no mínimo 30 mil anos. Os caçadores-coletores eram mais igualitários do que as sociedades subsequentes. Eles tinham poucas propriedades, e propriedade é um pré-requisito para desigualdade de longo prazo. Mas até eles tinham hierarquias. 

Nos séculos 19 e 20, porém, algo mudou. Igualdade tornou-se um valor dominante na cultura humana em quase todo o mundo. Por quê?

Foi em parte devido à ascensão de novas ideologias como o humanismo, o liberalismo e o socialismo.

Mas também se tratava de mudanças tecnológicas e econômicas - que estavam ligadas a essas novas ideologias, claro.

De repente, a elite começou a precisar de um grande número de pessoas saudáveis e educadas para servir como soldados nos exércitos e como trabalhadores nas fábricas.

Os governos não forneciam educação e vacinação porque eram bondosos. Eles precisavam que as massas fossem úteis. Mas agora isso está mudando novamente.

Os melhores exércitos da atualidade demandam poucos soldados, mas altamente treinados e com equipamentos de alta tecnologia.

As fábricas também estão cada vez mais automatizadas.

Esse é um dos motivos pelos quais poderemos - num futuro não tão distante - ver a criação das sociedades mais desiguais que já existiram na história humana. E há outros motivos para temer esse futuro.

Com rápidos avanços em biotecnologia e bioengenharia, nós podemos chegar a um ponto em que, pela primeira vez na história, desigualdade econômica se torne desigualdade biológica.

Até agora, humanos tinham controle sobre o mundo ao seu redor. Eles podiam controlar rios, florestas, animais e plantas. Mas eles tinham muito pouco controle do mundo dentro deles.

Eles tinham capacidade limitada de manipular seus próprios corpos, cérebros e mentes. Eles não podiam evitar a morte. Talvez esse não seja sempre o caso.

Há duas maneiras principais de aprimorar humanos: ou você altera algo em sua estrutura biológica por meio de alteração de seu DNA, ou - o jeito mais radical - você combina partes orgânicas e inorgânicas, talvez conectando diretamente cérebros e computadores.

Os ricos - ao adquirir tais melhorias biológicas - poderiam se tornar literalmente melhores que os demais: mais inteligentes, saudáveis e com vidas mais longas.

Nesse ponto, será fácil que essa classe "aprimorada" tenha poder. Pense desta forma: no passado, a nobreza tentou convencer as massas que eles eram superiores a todos os outros e que deveriam deter o poder. No futuro que estou descrevendo, eles realmente serão superiores às massas.

E como eles serão melhores que nós, fará mais sentido ceder a eles o poder e a prerrogativa de tomada de decisões.

Podemos também constatar que a ascensão da inteligência artificial - e não apenas automação - pode significar que grandes contingentes de pessoas, em todos os tipos de emprego, simplesmente perderão sua utilidade econômica.

Os dois processos casados - aprimoramento humano e ascensão de inteligência artificial - podem resultar na separação da humanidade em uma pequena classe de super-humanos e uma gigantesca subclasse de pessoas "inúteis".

Eis um exemplo concreto: pense no mercado de transporte.

Há centenas de motoristas de caminhões, táxis e ônibus no Reino Unido. Cada um deles comanda uma pequena parte do mercado de transporte, e todos ganham poder político em função disso. Eles podem se sindicalizar e, se o governo faz algo que não gostam, eles podem fazer uma greve e travar todo o sistema.

Agora, avance 30 anos no tempo. Todos os veículos conduzem a si próprios e uma corporação controla o algoritmo que comanda todo o mercado de transporte.

Todo o poder econômico e político previamente compartilhado por milhares agora está nas mãos de uma única corporação.

Depois que você perde sua importância econômica, o Estado perde ao menos um pouco do incentivo de investir em saúde, educação e bem-estar.

Seu futuro dependeria da boa vontade de uma pequena elite.

Talvez haja boa vontade mas, em tempo de de crise - como uma catástrofe climática -, seria muito fácil te descartar.

Tecnologia não é determinista. Ainda podemos fazer algo para lidar com tudo isso. Mas acho que deveríamos estar cientes de que descrevo um futuro possível. Se não gostamos dessa possibilidade, precisamos agir antes que seja tarde.

Existe mais um passo possível no caminho rumo à desigualdade previamente inimaginável.

A curto prazo, a autoridade pode se centrar em uma pequena elite que detenha e controle os algoritmos e os dados que os alimentam. A longo prazo, porém, a autoridade poderá se transferir completamente dos humanos aos algoritmos.

Quando uma inteligência artificial for mais inteligente que nós, toda a humanidade poderá se tornar inútil.

O que aconteceria depois disso? Não temos nenhuma ideia - literalmente não podemos imaginar. Como poderíamos? Estamos falando de uma inteligência muito maior do que a que a humanidade possui."

Yuval Noah Harari é professor de História na Universidade Hebraica de Jerusalém, ele estuda o passado para olhar para o futuro. Autor de dois best-sellers, Sapiens: Uma breve história da humanidade (editora L&PM) e Homo Deus: Uma breve história do amanhã (editora Companhia das Letras), Harari foi entrevistado pelo programa The Inquiry, da BBC, sobre a possibilidade de a tecnologia alterar o mundo e a espécie humana.

Os deficientes cívicos


Em tempos de globalização, a discussão sobre os objetivos da educação é fundamental para a definição do modelo de país em que viverão as próximas gerações.

Em cada sociedade, a educação deve ser concebida para atender, ao mesmo tempo, ao interesse social e ao interesse dos indivíduos. É da combinação desses interesses que emergem os seus princípios fundamentais e são estes que devem nortear a elaboração dos conteúdos do ensino, as práticas pedagógicas e a relação da escola com a comunidade e com o mundo.

O interesse social se inspira no papel que a educação deve jogar na manutenção da identidade nacional, na idéia de sucessão das gerações e de continuidade da nação, na vontade de progresso e na preservação da cultura. O interesse individual se revela pela parte que é devida à educação na construção da pessoa, em sua inserção afetiva e intelectual, na sua promoção pelo trabalho, levando o indivíduo a uma realização plena e a um enriquecimento permanente. Juntos, o interesse social e o interesse individual da educação devem também constituir a garantia de que a dinâmica social não será excludente.

Em todos os casos a sociedade será sempre tomada como um referente, e, como ela é sempre um processo e está sempre mudando, o contexto histórico acaba por ser determinante dos conteúdos da educação e da ênfase a atribuir aos seus diversos aspectos, mesmo se os princípios fundamentais permanecem intocados ao longo do tempo. Foi dessa forma que se deu a evolução da idéia e da prática da educação durante os últimos séculos, paralelamente à busca de formas de convivência civilizada, alicerçadas em uma solidariedade social cada vez mais sofisticada.

As modalidades sucessivas da democracia como regime político, social e econômico levaram, no após guerra, à social-democracia. A história da civilização se confundiria com a busca, sempre renovada, e o encontro das formas práticas de atingir aqueles mencionados princípios fundamentais da educação, sempre a partir de uma visão filosófica e abrangente do mundo.

Esse esforço, para o qual contribuíram filósofos, pedagogos e homens de Estado, acaba por erigir como pilares centrais do sistema educacional: o ensino universal (isto é, concebido para atingir a todas as pessoas), igualitário (como garantia de que a educação contribua a eliminar desigualdades), progressista (desencorajando preconceitos e assegurando uma visão de futuro).

Daí, os postulados indispensáveis de um ensino público, gratuito e leigo (esta última palavra sendo usada como sinônimo de ausência de visões particularistas e segmentadas do mundo) e, dessa forma, uma escola apta a formar concomitantemente cidadãos integrais e indivíduos fortes. Aliás, foram essas as bases da educação republicana, na França e em outros países europeus, baseada na noção de solidariedade social exercida coletivamente como um anteparo, social e juridicamente estabelecido, às tentações da barbárie.

A globalização, como agora se manifesta em todas as partes do planeta, funda-se em novos sistemas de referência, em que noções clássicas, como a democracia, a república, a cidadania, a individualidade forte, constituem matéria predileta do marketing político, mas, graças a um jogo de espelhos, apenas comparecem como retórica, enquanto são outros os valores da nova ética, fundada num discurso enganoso, mas avassalador.

Em tais circunstâncias, a idéia de emulação é compulsoriamente substituída pela prática da competitividade, o individualismo como regra de ação erige o egoísmo como comportamento quase obrigatório, e a lei do interesse sem contrapartida moral supõe como corolário a fratura social e o esquecimento da solidariedade.

O mundo do pragmatismo triunfante é o mesmo mundo do “salve-se quem puder”, do “vale-tudo”, justificados pela busca apressada de resultados cada vez mais autocentrados, por meio de caminhos sempre mais estreitos, levando ao amesquinhamento dos objetivos, por meio da pobreza das metas e da ausência de finalidades. O projeto educacional atualmente em marcha é tributário dessas lógicas perversas. Para isso, sem dúvida, contribuem: a combinação atual entre a violência do dinheiro e a violência da informação, associadas na produção de uma visão embaralhada do mundo; a perplexidade diante do presente e do futuro; um impulso para ações imediatas que dispensam a reflexão, essa cegueira radical que reforça as tendências à aceitação de uma existência instrumentalizada.

É nesse campo de forças e a partir dessa caldo de cultura que se originam as novas propostas para a educação, as quais poderíamos resumir dizendo que resultam da ruptura do equilíbrio, antes existente, entre uma formação para a vida plena, com a busca do saber filosófico, e uma formação para o trabalho, com a busca do saber prático.

Esse equilíbrio, agora rompido, constituía a garantia da renovação das possibilidades de existência de indivíduos fortes e de cidadãos íntegros, ao mesmo tempo em que se preparavam as pessoas para o mercado. Hoje, sob o pretexto de que é preciso formar os estudantes para obter um lugar num mercado de trabalho afunilado, o saber prático tende a ocupar todo o espaço da escola, enquanto o saber filosófico é considerado como residual ou mesmo desnecessário, uma prática que, a médio prazo, ameaça a democracia, a República, a cidadania e a individualidade. Corremos o risco de ver o ensino reduzido a um simples processo de treinamento, a uma instrumentalização das pessoas, a um aprendizado que se exaure precocemente ao sabor das mudanças rápidas e brutais das formas técnicas e organizacionais do trabalho exigidas por uma implacável competitividade.

Daí, a difusão acelerada de propostas que levam a uma profissionalização precoce, à fragmentação da formação e à educação oferecida segundo diferentes níveis de qualidade, situação em que a privatização do processo educativo pode constituir um modelo ideal para assegurar a anulação das conquistas sociais dos últimos séculos. A escola deixará de ser o lugar de formação de verdadeiros cidadãos e tornar-se-á um celeiro de deficientes cívicos.

É a própria realidade da globalização -tal como praticada atualmente- que está no centro desse debate, porque com ela se impuseram idéias sobre o que deve ser o destino dos povos, mediante definições ideológicas sobre o crescimento da economia, como a chamada competitividade entre os países. As propostas vigentes para a educação são uma consequência, justificando a decisão de adaptá-la para que se torne ainda mais instrumental à aceleração do processo globalitário. O debate deve ser retomado pela raiz, levando a educação a reassumir aqueles princípios fundamentais com que a civilização assegurou a sua evolução nos últimos séculos -os ideais de universalidade, igualdade e progresso-, de modo que ela possa contribuir para a construção de uma globalização mais humana, em vez de aceitarmos que a globalização perversa, tal como agora se verifica, comprometa o processo de formação das novas gerações.

“Os deficientes cívicos”, texto de Milton Santos sobre o papel da educação
Fonte: http://www.pensarcontemporaneo.com/1119-2/

Alternativas: e se energia for um Bem Comum?



Eletricidade e combustíveis são vitais para atividade humana — mas produzi-los pode causar enormes impactos sociais e ambientais. Por isso, não podem continuar submetidos aos interesses do mercado.

Como estender os benefícios e conforto oferecidos pela eletricidade a todos os seres humanos — inclusive a um bilhão de pessoas que não têm, hoje, acesso a uma lâmpada elétrica? Como evitar que, a pretexto de garantir este direito, mega-empresas, quase sempre financiadas por recursos públicos, desenvolvem imensos projetos que afetam a natureza e as populações locais?

A Assembleia Europeia dos Comuns (AEC), uma articulação da sociedade civil impulsionada pela Fundação Peer to Peer (saiba mais aqui) propõe uma resposta inovadora. Ela quer alterar o paradigma que orienta, hoje, tanto a produção de eletricidade e combustíveis quanto sua distribuição e suas receitas. Ao invés de subordinarem-se a interesses de mercado, estas atividades devem ser consideradas Bens Comuns da Humanidade. As decisões essenciais precisam ser transferidas das mega-empresas a comunidades organizadas.

No vídeo acima, Cecile Blanchet, da AEC, explica as bases da ideia. Sob a lógica mercantil em que estamos mergulhados, ela argumenta, as decisões essenciais que determinam a vida coletiva são tomadas com base apenas em sua capacidade de gerar lucro. Constroem-se imensas usinas, redes de transmissão, gasodutos transcontinentais sem planejamento real. Muitas vezes, estes empreendimentos são duplicados ou triplicados — multiplicando os danos ambientais e sociais — porque o interesse de cada empresa é competir e desbancar as concorrentes.

Já há condições materiais, diz Cecile, de superar esta dinâmica predatória. As tecnologias da informação permitem às comunidades conhecer suas necessidades energéticas reais e planejar a produção, distribuição e — eventualmente — importação ou exportação de energia necessárias para satisfazê-las. Redes inteligentes permitem que cada domicílio não apenas consuma, mas também produza energia (a partir, por exemplo, de coletores solares ou pequenos cataventos).

É preciso derrubar as legislações que bloqueiam, na maioria dos países, esta geração decentralizada — para reforçar o poder do oligopólio. É preciso também que as agências estatais, hoje voltadas ao apoio a mega-empresas e projetos (vide, no Brasil, o papel do BNDES), financiem e viabilizem as iniciativas locais, muito mais modestas e racionais.

Será uma luta difícil e prolongada — tamanho o poder do oligopólio e a força de inércia do paradigma atual. Mas que transformação importante pode ser alcançada com facilidade, no cenário global áspero que vivemos? A potência da iniciativa da AEC está em ir além da crítica; formular uma alternativa; demonstrar que ela é concretamente possível — falta criar as condições políticas.

Fonte: http://outraspalavras.net/blog/2017/03/04/alternativas-e-se-energia-for-um-bem-comum/