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Por que prosperam os EUA?

No século passado o piedoso inglês, Martin Lloyd-Jones, clérigo presbiteriano, de larga fama por conta de sua competência profissional como médico de corpo e médico de almas, escreveu um livro sobre o Salmo 73(72) que se tornou um best-seller, decantado bastante também deste lado do Atlântico, o livro é fruto de uma observação acurada e de uma dependência do Espírito nas conclusões a que chega: Por que prosperam os ímpios?(Editora PES) Nele o autor analisa a vivência cúltica e litúrgica do poeta que compôs essa canção e atualiza-a para nossos dias. Tomo-o como leme ao escrever este artigo.

O que mais complica no salmo citado é: "... Para eles não existem tormentos, sua aparência é sadia e robusta(...) Não são molestados como outros. Daí a soberba, cingindo-os como colar, a violência, envolvendo como veste(...) seu coração transborda de maus projetos..." (Bíblia de Jerusalém) Onde o autor lamenta cantando uma verdadeira elegia, uma belíssima canção de tristeza, de luto, que eles, os impiedosos, não dependem de Deus para nada e vivem melhor do que os humildes e penitentes que se rendem aos pés d'Ele, crendo que a Sua providência basta para a sua subsistência. Lamenta isso e queixa-se diante de Deus. Boa coisa queixar-se a Deus e não se queixar de Deus. Ato contínuo ele diz que entrou no santuário divino e só então entendeu o destino deles, dos ímpios: "... De fato, tu os pões em ladeiras, tu os fazes cair, em ruínas...".

Deus soluciona o mistério: a aparente tranqüilidade advinda da riqueza e da opulência que tais nações ou pessoas possuem, é reflexo de um alçapão armado por Deus para reduzi-las ao pó. Garante que elas adormeçam e fiquem passivas, passividade e adormecimento. Tais riquezas não seriam, portanto, benefícios divinos, ou no dizer bíblico: Bênçãos Divinas.

Comparo esta terrível conclusão, com a posição ocupada hoje pelos EUA: encastelados por suas riquezas, intocáveis por suas armas, abastecidos por seus mananciais tecnológicos, é a terra que mana computadores e softwares, conduzidos com mão férrea por um político de sanidade duvidosa, que além de tudo é xenófobo, que procura justificar o seu imperialismo avassalador com frases bíblicas e com sua filiação a um credo religioso cristão, muito embora o credo não tenha culpa das insanidades dele, a Igreja Metodista a qual pertence é uma instituição séria, inclusive é contra a guerra. Ele renasce o Macartismo e o Destino Manifesto. Usa a tática da ameaça velada, da inibição, agora é a Síria que tem armas químicas.

Cadê as do Iraque? Será que os cientistas americanos ainda as estão forjando para poderem apresentar ao mundo? Terrorista da primeira hora!

São as cruzadas renascidas, só que essas não têm apoio de nenhum credo sério e sóbrio mundial. (Apenas teólogos do quilate de Max Lucado, John McArthur e Bob Jones o apóiam, se eu não os lia por achar que a teologia deles é enlatada, percebo agora que a ética e o compromisso cristão com a paz não ficam atrás. Dá vontade de perguntar: Quanto ganharam ou ganharão para isso? Boicotarei com muito prazer seus livros, primeiro porque os livros não são grande coisa, segundo porque eles precisam rever a fé e a ética, não são exemplos no momento para ninguém) A pilhagem que os pobres iraquianos começaram, não se compara com a que será promovida pelos EUA e seus aliados, ou melhor, vassalos e comensais.

Porém, essa tranqüila posição mundial que hoje desfruta os EUA, não seria uma armadilha? Não seria uma forma de sutilmente empurrá-los para a beira do precipício sem que eles percebam? Não seria o laço do passarinheiro? Não tenho muita dúvida quanto a isso. Deixemos pois que durmam!

O gigante opulento dorme de barriga cheia, roncando alto, sem sentir falta de nada, enquanto o laço se aperta nos seus pés. O texto diz que só podemos entender essas verdades, quando entramos no santuário divino. Todos os grandes impérios ruíram: assírio, babilônico, medo-persa, grego, romano, germânico, napoleônico, Terceiro Reich. Por que seria diferente com os EUA?

Diário de Pernambuco Edição de Sexta-Feira, 25 de Abril de 2003

Testemunho fiel

Cantando: "... quer nas lutas, quer nas provas, a igreja sempre caminhando...", no próximo dia 26, a comunidade anglicana da Diocese do Recife, que se estende por todo o Nordeste, efusivamente comemorará o 1º Aniversário da Sagração de D. Filadelfo Oliveira Neto, carinhosamente apelidado de D. Filal, bispo sufragâneo, uma espécie de bispo auxiliar.

Natural de Garanhuns, interior de Pernambuco, desde cedo dedicou-se ao serviço do Senhor na Igreja. No Seminário Presbiteriano Independente em São Paulo, teve o primeiro contato com o Anglicanismo, sua teologia, seu ethos e sua liturgia. Vindo morar em Recife, optou pelo anglicanismo e foi confirmado na Catedral da Santíssima Trindade, concluiu seus estudos teológicos no Seminário Anglicano do Recife.

Ordenado Diácono em fevereiro 1999, presbítero em outubro do mesmo ano. Nomeado secretário executivo diocesano em outubro de 1999. Em março de 2000 foi designado como arcediago da Paraíba e Rio Grande do Norte, onde desenvolveu o trabalho de acompanhamento e de estabilização da igreja na região. Em março de 2001, assumiu o arcediagado do Litoral Sul da Diocese, que se estende de Boa Viagem - Recife- PE até a Ilha de Itaparica, BA. Leciona Aconselhamento Pastoral, História da Igreja Anglicana no Brasil e Cânones e Administração Eclesiástica no Seminário Anglicano de Estudos Teológicos em Boa Viagem, foi membro da Comissão Diocesana Bilateral de Intercâmbio e reitor da Paróquia Anglicana do Bom Samaritano.

Em dezembro de 2001, foi eleito bispo sufragâneo da Diocese Anglicana do Recife e sua ordenação e sagração aconteceu em 28 de abril de 2001. Seu ministério tem sido pastorear o rebanho, junto com o bispo diocesano D. Robinson Cavalcanti, de quem é amigo e companheiro em todas as lutas. É membro da Ordem Evangélica de Sto. Estevão. Para muitos clérigos e seminaristas é um verdadeiro Pai em Deus, seus conselhos abalizados, seu carinho e, sobretudo, sua sempre presente atenção, retratada em seu abraço carinhoso e largo sorriso, faz com que ele seja amado e respeitado, pelo que a igreja agradece a Deus pela vida de seu pastor. Eu, teólogo menor, periférico e pecador, vi e dou testemunho. Jocelenilton Gomes - Recife

Diário de Pernambuco Edição de Quinta-Feira, 24 de Abril de 2003

A fé depende da ressurreição

"Se Cristo não ressuscitou, ilusória é a vossa fé...".

Palavras melancólicas demais para começar um texto, porém calam bem nos corações nostálgicos e penitentes pré-pascais, apresentam uma condicionante, onde o único termo é o desespero. Se o Domingo da Ressurreição fosse falácia, ou produto de uma mente doentia: seria ilusão o amor de São Paulo: "... Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos, se eu não tivesse amor seria como o bronze que soa...". Teria amado em vão, pois amou crendo no ressuscitado.

Seria ilusão a esperança de Santo Agostinho: "... E, contudo, se nossos lamentos não chegarem a teus ouvidos, não haverá para nós esperança alguma...". Teria vivido esperando em vão, pois esperava no ressuscitado.

Seria ilusão o ideal de São Francisco: "... Fazei que eu procure mais, consolar que ser consolado...". Teria vivido um ideal em vão, pois tentou seguir o caminho do ressuscitado.

Seria ilusão a humildade de Tomás de Kempis: "... A glória dos bons está na própria consciência e não na bocados homens...". Teria buscado a humildade em vão, pois a buscou espelhando-se no ressuscitado.

Seria ilusão a fé de Lutero: "... Se temos de perder, família, bens, prazer, se tudo se acabar, e a morte em fim chegar, com ele reinaremos...". Teria sido fiel em vão, pois cria num ressuscitado.

Teriam vivido em ilusão David Brainerd, John Bunyan, Thomas Cranmer, Soren Kierkegaard, Teresa D'Ávila, Madre Teresa de Calcutá, D. Helder Câmara, Avelina Maria, minha avó, José Trezena, meu pai, Marias, Josés, Joões. Eles creram e ainda crêem, esperando num ressuscitado.

Há muitos que acordam todos os dias e oram: "... Não nos deixes cair em tentação..." A tentação de acreditar que sem Jesus, podem fazer alguma coisa, podem viver sem a sombra da cruz, podem viver sem a certeza da ressurreição.

A ressurreição nos concede não receber o que merecemos, é misericórdia, e receber o que não merecemos, é graça. Sem ela seria tudo perdido, desesperador, pois, vivemos e morremos, crendo que o sepulcro não reteve Jesus, crendo que um morto ressuscitou na história, não numa brecha ou falha dela, e nos deu sua vida.

Mas ele ressuscitou! O brado do Domingo da Ressurreição é: Ele vive! Por isso a vida não tem sido em vão, a existência tem sentido.

Não à toa a igreja repete todos os dias: "... Anunciamos a sua morte, Proclamamos a sua ressurreição...". Graças à morte na cruz, e graças à ressurreição, temos vida. Não procure entre os mortos aquele que já ressuscitou! Ele vive? Ele vive!

Diário de Pernambuco Edição de Sexta-Feira, 18 de Abril de 2003

Mister Bush ou mister Nabucodonosor?

"... desfaze os teus pecados pela justiça (...) usando de misericórdia para com os pobres, e talvez se prolongue a tua tranquilidade..."

Mister Bush! Em Bagdá, a mesma que você quer destruir, no ano 608 a.C. viveu o profeta Daniel, que foi salvo dos leões, ele registrou em suas memórias que um déspota imperialista, Nabucodonosor, governava o Mundo com ambição. O conselho acima lhe foi dado pelo profeta.

Ele não prestou atenção, respirava, dormia, acordava com a idéia de suplantar reinos, dominar países, conquistar nações. A ninguém ouvia, a ninguém atendia.

Hoje o mundo conhece um déspota tão imperialista quanto Nabucodonosor: Você mister George Bush, você é cristão, mas, mostra-se soberbo, autoritário, auto-suficiente, o típico fundamentalista que prega: quem não é por mim(EUA) é contra mim(EUA). Até o bispo da diocese a que a sua igreja é vinculada está contra essa sua guerra. O seu radicalismo é a versão cristã do Taleban, aquele que você prometeu destruir eque continua vivo.

Por que essa fixação com o Islã? Será por causa do fechamento de países dessa religião à influência americana? Será que lá tem muitas placas de Coca-Cola e McDonalds? Você está de volta aos idos medievais, quando se conclamava dos púlpitos das catedrais cruzadas contra os chamados infiéis do Islã.

Você hoje é o pregoeiro, seus cúmplices nesse genocídio, ou têm os mesmos interesses espúrios seus, de apropriação das riquezas naturais do Iraque ou estão com o chapéu na mão pedindo esmola a você, vendem a alma, vendem a soberania. É a prostituição diplomática.

Você ordena que outros países expulsem diplomatas iraquianos. Você se acha o Dono do Mundo, quer mandar na casa dos outros. Certamente que os cofres americanos se fecharão para as nações que não atenderem aos seus pedidos. Seu dinheiro, mister Bush, está sujo, sujo com o sangue dos afegãos, dos hispanos, dos milhares de africanos que morrem de fome por sua causa, dos iraquianos inocentes, que não têm culpa por seu pai não ter conseguido destruir Saddam, e que você agora quer tirá-lo ao custo de milhares de vidas inocentes.

Tanto você quanto seu pai, cada um já teve seu Vietnam, por que não aprendem? Você quer vingar o Vietnam é? Não era preciso ser analista internacional para prever que um desastre atingiria as instituições democráticas, no momento em que um político de inteligência mediana, a pouca que tinha foi corroída pelo álcool, na maior trapalhada eleitoral de todos os tempos, digna dos dramalhões mexicanos, num enredo à la Chapolin Colorado, assume o governo da nação mais rica do Mundo.

Você passará para a história como o presidente mais medíocre dos EUA. Você governa como se tivesse nas mãos um console de um game irado, só que não lhe explicaram as regras do jogo, ainda que o fizessem, você não entenderia. Você só tem competência para despertar no Mundo um antiamericanismo. Você parece um vaqueiro de filmes de Hollywood, que desafia os mocinhos e corteja as donzelas, falastrão sem cérebro.

Você recorre à violência para não ter que falar, pois quando fala mostra-se de verdade: poucas inteligências cognitiva e emocional. Seus mísseis inteligentes estão caindo sobre inocentes, será que o Quociente de Inteligência deles é igual ao seu? A história de Nabucodonosor diz que ele ficou louco, comeu capim até desistir de seu imperialismo. O império dele? Virou pó. Ele ouviu: "... passou de ti o reino...".

A história ensina, os sábios aprendem. É necessário que você tenha o mesmo destino dele para conhecer a humildade? Nunca mais financiarei suas guerras, seu sanduíche e seu refrigerante jamais verão meu dinheiro.

Neste mês estamos lembrando a morte de Jesus, o mesmo que você diz seguir. Pergunto humildemente: Em seus passos que faria Jesus? Essa frase, não é minha e nem é nova. Ele mataria inocentes, por causa de barris de petróleo? Ou por uma obsessão? Não coloque o nome de Jesus na sua guerra suja, não mate em nome de quem morreu para dar a vida. Yankee go home!

Diário de Pernambuco Edição de Quarta-Feira, 2 de Abril de 2003

Sua Graça Revmª D. Rowan Williams

Já se vão mais de 1.400 anos, desde que o beneditino Agostinho desembarcou como bispo na Inglaterra no outono de 597, enviado pelo Papa Gregório Magno, o iniciador da Idade Média, para representar a Sé romana na Bretanha. A obra dele consistiu em levar o evangelho aos povos bárbaros que então habitavam a ilha.

Como sinal da incalculável herança histórica e de renovo, os mais de 70 milhões de anglicanos espalhados pelo Mundo, em comunhão com a Sé de Cantuária, têm novo líder espiritual desde o último dia 27/02. Por meio de ritual que se perpetua milenarmente, foi entronizado Sua Graça D. Rowan Williams, o 104º Arcebispo de Cantuária, dele se pode dizer que nasceu para a púrpura. O galês Rowan, é o primeiro arcebispo de Cantuária, desde o Século XVI que não pertence à Igreja da Inglaterra, além de ser o mais jovem, dos últimos tempos. Piedoso, possuidor de espiritualidade profunda, reconhecidamente culto, porém dotado de humildade verdadeira, todos o tratam pelo primeiro nome, coisa pouco comum na fleumática Inglaterra.

Certamente que, uma das tônicas de seu arquiepiscopado será engajar mais ainda, a Igreja da Inglaterra com a sociedade e com a cultura. Se ela seguir seu exemplo pessoal, certamente que se envolverá, e muito, em questões sociais e éticas. Em 1980, quando ainda era o capelão no Claire College, participou de um protesto a favor do desarmamento nuclear, em Cambridge, na frente da base aérea norte-americana, acabou preso. Ele também é contra a guerra no Iraque, acredita que ela segue intenções escusas, que não justificam o morticínio que acontecerá, considera-a como "imoral". Chegou a criticar veementemente o ataque ao Afeganistão, além de defender a abolição das sanções contra o Iraque. De outra feita "orientou" o primeiro-ministro Tony Blair, anglicano, a empregar ética no comércio internacional de armas, e ressaltou a obrigação que ele tem, (Blair) de diminuir os índices de pobreza e de fome no Mundo.

É crítico ferrenho na área de política e voz ativa clamando contra a injustiça social. Não é arcebispo por geração espontânea, foi eleito por vontade da igreja, por vontade de Deus. Teologicamente ele é o que se pode chamar de conservador ou ortodoxo, pois defende Verdades Credais: encarnação de Deus, nascimento virginal, ressurreição histórica de Jesus. "... O vento sopra onde quer..." Esse sopro de Deus que atinge a Igreja da Inglaterra, prenuncia o seu renovar contínuo pelo Espírito, é resposta à oração: "... dirige o que seremos...". Sopra Senhor!

Diário de Pernambuco Edição de Sexta-Feira, 21 de Março de 2003

Receita da fama

Segundo Sto. Estevão, diácono da igreja primitiva, Moisés, o príncipe do Egito, passou de sua infância até seus quarenta anos no Egito sendo instruído em toda ciência e sabedoria antigas, depois quarenta anos no deserto pastando cabras, sendo instruído pragmaticamente a como sobreviver em meio à adversidade em terras áridas, depois mais quarenta anos liderando o povo de Israel na jornada à terra prometida, aplicando o que tinha aprendido nos dois primeiros terços de sua vida e aprendendo como liderar uma turba pusilânime e melindrosa, assim ele tornou-se famoso, mesmo que não tenha sido essa a sua vontade.

João, o Batista, segundo o relato do Evangelho, primo de Jesus, era uma personalidade excêntrica e extravagante, mas também era um ser dirigido e guiado pelo Espírito de Deus. A despeito de sua esquisitice, foi considerado por Jesus como o maior dentre os nascidos de mulher. Nunca buscou a fama, mas a adquiriu por sua vida e na sua morte, que ocorreu por manter-se apegado ao que cria e ao que pregava.

Santo Agostinho, bispo, um dos pilares do pensamento do Cristianismo ocidental, nunca procurou a glória, mas ela veio, dizia: "... porque nos fizeste para ti, e nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso...". Dessa forma viveu uma odisséia em busca de Deus, esquecendo-se de si mesmo, tornou-se famoso, mesmo que desprezasse tal coisa.

São Francisco de Assis, il poverello, conquistou a notoriedade justamente ao se afastar dela, sua humildade e sua busca incessante em seguir as pegadas do Nazareno, o fizeram uma das maiores personalidades da história do Cristianismo. Nunca procurou a fama, embora ela tenha vindo.

Lutero, o homem do Castelo Forte, entristeceu-se profundamente quando viu seu nome unido a uma igreja. Não queria ser lembrado, não queria a fama. Suas palavras em Worms: "... não é seguro e nem certo ir contra a consciência...", o tornam uma das maiores personalidades do Mundo, ao defender a liberdade de expressão. É lembrado em qualquer compêndio de história, embora se achasse apenas um simples monge.

Existem muitos modos diferentes de ser famoso, alguns difíceis e outros menos difíceis, mas todos árduos e trabalhosos. Alguns precisaram morrer para que seu nome fosse escrito nas pedras da História.

Mas a luz do Século XXI trouxe consigo uma receita imbatível e fácil de alcançar a fama: não é necessário fazer o que essas pessoas fizeram, basta participar de um reality show e a fama cai de pára-quedas na sala, sem o mínimo esforço.

Diário de Pernambuco Edição de Terça-Feira, 11 de Março de 2003

Mártires nossos de cada dia

Habacuque, um profeta existencialista, que viveu entre 600 e 300 a.C., era um homem de fé, ainda que arrazoando com Deus, ainda que duvidando d'Ele. Chegou pois a questionar a intervenção divina na história humana, quando indagou em suas pressuposições kierkegaardianas: "Até quando clamarei eu e tu não me escutarás?..."Era um homem cansado e desenganado.

Clamores contemporâneos! Queixas hodiernas! Reclamos de alguém que anseia pelo advento do Reino de Deus. Quando Deus perguntou a Caim onde estava Abel, usou uma figura muito vívida "...a voz do sangue de teu irmão clama a mim desde a terra..." Ele ouviu os brados metafóricos, os gritos lancinantes por justiça, feitos por uma voz silenciosa, muda, inaudível. São dois brados, são dois gritos, são dois protestos antitéticos, de um lado o profeta de Deus que ainda tem voz para reclamar, do outro o sangue do mártir que já não pode falar nem clamar, a violência calou sua voz.

O sangue clama porque não há quem grite em seu lugar, não há quem fale por si, então ele sobe em clamor até Deus. Tertuliano dizia que o sangue dos mártires cristãos, vítimas da sanha sanguinária e da violência gratuita do Império Romano, servia de insumo para um novo semear do Espírito Santo.

Mártir, um termo que bem pode ser interpretado como testemunha, é todo aquele que morreu por uma causa, dando sua morte como legado da vida e das idéias que defendeu, como combustível que impulsiona aqueles que testemunham sua morte e sua vida. Foi assim com os primeiros cristãos, com os atraiçoados da Guanabara, com os curdos, com os judeus durante quase toda sua história, com os afegãos, com os kosovares, com os palestinos e agora com o povo Xukuru.

Mártires de todos os dias, do cotidiano, mortes banais, pois caem rápido demais no esquecimento. Quando alguém fala em nome de outro que foi imolado, o sangue dele descansa em paz, mas quando calamos por medo ou omissão, seu sangue sobe até Deus. Como Habacuque, sinto-me cansado de ter que ir ao Monumento Tortura Nunca Mais, pois não tenho ido para depositar flores, tenho ido com muitos outros cúmplices e conspiradores da paz em busca de justiça, para gritar que a violência ainda não acabou.

Somos famintos de sede e de justiça, ainda temos voz, por isso não podemos deixar que o sangue dos mártires precise subir até Deus, falemos por eles, pelo povo iraquiano, curdo, afegão, xucuru, atikum, palestino e os nossos irmãos que são sacrificados todos os dias pela violência. "Venha o Teu reino".

Diário de Pernambuco Edição de Sexta-Feira, 7 de Março de 2003

Missão da Igreja

"... Violência nas ruas, armas, direitos deturpados, órfãos desamparados, viúvas roubadas, devastação, ódio, morte, saques, opressão, extorsões, incesto, assassinatos, matricídios, parricídios..."

À primeira vista parece uma lista das principais manchetes policiais dos jornais, mas não é. São fatos tão comuns hoje em dia que pensamos tratar de nosso cotidiano.

Na verdade são denúncias dos profetas que viveram há quase 2.500 anos, em época e lugares bem distintos dos nossos. Parece tão viva a cena, parece tão contemporânea que chegamos a confundir seus vaticínios com notícias de jornal.

Em meio a tal caos, a Igreja não definiu seu papel de atuação, não encontrou seu roteiro, não estudou bem o script. Alguns setores enfatizam que a missão primordial da Igreja é kerigma. Ou seja, a proclamação do Evangelho. Entendendo que as boas novas é que o Cristo veio libertar do pecado. Outros, porém, crêem que a missão da igreja é diaconia, enfatizando a ação social. Crêem que o Cristo veio libertar da opressão social. É a igreja indo ao encontro do oprimido, necessitado, faminto, órfão, viúva etc. Tendo uma visão profética, onde a denúncia da opressão e da violência é um ministério. Tal como fizeram os profetas da Bíblia.

Alheios a toda essa discussão, anônimos desprezam a questão da lógica aristotélica do terceiro excluído. Alguns teóricos crêem que é só para proclamar o Evangelho, outros que o verdadeiro Cristianismo é engajar-se, e assim a querela continua e a Igreja não sai da inércia. Cristãos humildes dizem: Por que não se faz os dois ao mesmo tempo, por que não se prega o Evangelho, praticando-o? Por que tem que ser um ou outro? Por que não os dois?

Eles sintetizam as duas visões. Por isso, gente humilde e simples dá opção aos sem opção de vida, esperança aos desesperançados, distribuem empatia e amor nos corredores e enfermaria de hospitais, teimam em cumprir os mandamentos de Jesus: "... estava preso e foste ver-me...". Muitos e infinitos anônimos, provam para os teóricos de gabinete, que a missão da Igreja é proclamar o Evangelho, não apenas das tribunas, púlpitos e naves imensas dos templos, também proclama-se o Evangelho, nos becos da fome, nas vielas da miséria, nos quintais do desespero. Pessoas inconformadas com injustiça e violência saem às ruas para anunciar que o pobre e o oprimido são o rosto do Cristo, que avilta-los é aviltar os céus.

Está no Evangelho: "... cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes..."

Diário de Pernambuco Edição de Sábado, 22 de Fevereiro de 2003

Filhos de Deus

"Não busquemos satisfazer a sede pela liberdade tomando da taça da amargura e do ódio..."

Essas verdades foram vaticinadas por Martin Luther King, o mesmo que, no dia 20 de janeiro último, comemorou-se o seu dia nos EUA. Pacifista morto em 68, era contra até a guerra justa, foi martirizado em sua própria nação. Morreu porque buscava assegurar a outros o direito a viver num mundo justo e sem desigualdades. Na mesma semana do feriado, nos corredores da Casa Branca e do Pentágono, circulam nas mãos dos burocratas pesquisas de opinião, feitas para descobrir se os americanos são ou não favoráveis à guerra.

Isso parece enredo de peça de teatro no estilo Kafka: non sense. Enquanto algumas igrejas e instituições de direitos humanos se reuniam para comemorar o nascimento de alguém que lhes indicou o caminho da igualdade, do amor e da paz, os líderes do seu país só respiram guerra e ainda procuram saber se estão agradando, se estão dando ibope. King foi discípulo de um homem que procurou a paz em todos os instantes de sua vida. Paz entre os homens e paz dos homens com Deus: Jesus Cristo. Num de seus discursos, usando um pequeno morro como plataforma para divisar os rostos ansiosos de seus seguidores, ele proclama com sua voz suave e macia, cheia de amor e paz: "Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus...".

Os EUA que, orgulhosamente, não sem razão, se gabam de terem sido fundados sobre as verdades bíblicas, dão mostram da superficialidade do Cristianismo que vivem. Uma geração que é a favor da guerra, uma geração belicista, uma geração que elege seus dirigentes pelo discurso duro e beligerante. À cada queda nas pesquisas, George, o Bush (Cauda de Raposa), que também se diz cristão, só precisa disparar uns mísseis e promover umas invasões e logo a sua popularidade dispara. Com soberba desdenha das opiniões contrárias à guerra, da ONU e de seus aliados, e ao melhor estilo non-sense espera que o Iraque obedeça à ONU, mas ele mesmo não obedece, pensa estar acima do Bem e do Mal. Rev. King indicou o caminho da paz, porque conhecia o evangelho e procurava vivê-lo. Jesus não deixou opção, não deixou escolha, sua ética era radical:

Os filhos de Deus buscam a paz. Pacificador no entender dele era a credencial de seus seguidores, não o dogma, nem tampouco reuniões de êxtase espiritual, mas uma simples e sublime busca pela implantação do Reino: "... Venha o Teu reino..." Esqueceram das palavras de King, ou melhor, esqueceram as de Jesus.

Diário de Pernambuco Edição de Sábado, 8 de Fevereiro de 2003

Richard Shaull

"Não sabeis que hoje caiu um grande homem?" Estas palavras ditas há séculos pelo rei-poeta Davi, bem poderiam ter sido ditas para Richard Shaull em 25/10/2002. Um dos precursores da Teologia da Libertação. Ele teve uma passagem controvertida nas igrejas presbiterianas brasileiras. Através de seu discurso profético, conseguiu que os evangélicos discutissem o tema da responsabilidade social da igreja, durante o regime ditatorial de 60, quando falar de social era coisa de comunista nos ambientes conservadores do protestantismo indígena.

Foi um dos ícones do ecumenismo no Brasil. Conseguiu que cabeças importantes daquela década lessem autores europeus e americanos, que não se enquadravam no leito de Procrusto do evangelicalismo de então. Os jovens precisavam de referências, precisavam de um profeta, e encontraram em Shaull essa pessoa. Gente como Rubem Alves, João Dias, Áureo Bispo, e tanto outros beberam de suas palavras, e na hora em que foram requisitados, se fizeram presentes, na luta contra o autoritarismo que imperava nos meios eclesiásticos.

Rubem Alves, amigo e discípulo fiel, escreveu: "... Agora ele ficou encantado. Partiu. É certo que plantarei uma árvore para ele no meu lugarzinho solitário, no alto de uma montanha, à beira de um vulcão, junto com as árvores de outros conspiradores... quando não houver ninguém por perto, as árvores conversarão entre si...".

Richard Shaull, antes de vir para o Brasil, havia sido expulso da Colômbia pelos católicos, e aqui foi expulso pelos protestantes, e mesmo assim, teimava em anunciar para todos os lados os seus ideais de ecumenismo. "... Para que sejam um..." era sua singela oração. Tal como a flor perfuma a mão que a arranca, Shaull brinda seus algozes com amor e defende o direito deles de falar e pensar. Para gente como ele o escritor sagrado diz: "... homens dos quais o mundo não era digno..." - Até breve profeta!

Diário de Pernambuco Edição de Sexta-Feira, 24 de Janeiro de 2003