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O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo

Valsa com Bashir


Título Nacional: Valsa com Bashir
Título Original: Vals im Bashir 
Idioma: Hebraico 
Diretor: Ari Folman 
Gênero: Filme/Documentário/Biográfico 

O conflito no oriente médio não é de agora. Há décadas, países lutam por questões territoriais e religiosas, resultando em grandes destruições e aumentando ainda mais o ódio étnico e a intolerância multicultural vizinha. A migração de refugiados de guerra também é uma questão para se analisar com bastante cautela. 

O filme-documentário-biográfico "Valsa com Bashir" (em hebraico Vals im Bashir) aborda essa última questão. O ex-combatente israelense e diretor do filme, Ari Folman, retrata um dos períodos mais conturbados na história, marcados por intensos conflitos durante a ocupação das forças Israelenses no Líbano até a chegada à capital Beirute, em 1982, no intúito de derrubar as forças palestinas. 

O assassinato do presidente cristão Bashir Gemayel colaborou no massacre de dois mil civis nas cidades de Sabra e Chatila, cidades em destaque no filme. 

Diferente da linha comercial cinematográfica, Ari Folman relata a sua angústia e intensa busca às lembranças dos acontecimentos em formato de animação. Alías, "Valsa com Bashir" foi o primeiro documentário animado a ser veiculado e indicado a cinco Oscars de melhor filme estrangeiro.

Io Sì - Laura Pausini

Quando você fica sem palavras

Estou aqui
Estou aqui
Talvez te sirvam apenas duas
Estou aqui
Estou aqui
Quando você aprende a sobreviver
E aceita o impossível
Ninguém acredita
Eu sim

 

Eu não sei
Qual é o seu destino
Mas se quiser
Se me quiser
Estou aqui
Ninguém te escuta
Mas eu sim

Quando você não sabe mais onde ir
Estou aqui
Estou aqui
Você foge ou ergue as barreiras
Estou aqui
Estou aqui

Quando ser invisível
É pior do que não viver
Ninguém te vê
Eu sim

Eu não sei
Qual é o seu destino
Mas se quiser
Se me quiser
Estou aqui
Ninguém te vê
Mas eu sim

Quem se ama sabe
Serve encanto e realidade
Às vezes basta aquilo que há
A vida à sua frente

Eu não sei
Qual é o seu destino
Mas se quiser
Se me quiser
Estou aqui
Ninguém te vê
Eu sim
Ninguém acredita
Mas eu sim

Era uma vez...

Se alguma música pudesse definir minha personalidade ou minha própria vida em toda sua totalidade, esta seria C’era una volta il West de autoria do italiano Ennio Morricone (tema do filme de faroeste Once upon a time in the West, versão brasileira: Era uma vez no Oeste), revelo isto com temor de ser linchado pelos fundamentalistas modernos, já que a música que mais me fala à alma é uma música secular e não uma música sacra, além disso ela não tem letra e fala mais que muitas músicas que só tem palavrório sem melodia e harmonia. É triste e bela, tão triste quanto bela, triste ainda que bela, bela ainda que triste. Só aqueles que associam a beleza apenas às coisas alegres, pensamento fruto da pós-modernidade vaga e de modismos efêmeros, não conseguirão entender isto que eu estou apregoando, posso até parecer um arauto louco ou bêbado em cima de um telhado, mas pelo menos tenho a coragem de gritar o que penso sem fazer coro com a massa.



O início suave, quase imperceptível da música, a leveza do trinado das cordas, o piano que parece ter vida própria e querer falar, a harmonia da orquestra, a coesão dos instrumentos, a sensação de que nada é inadequado ou que está fora do lugar, o êxtase qual onda que quebra na praia, o sentimento de paz que se instala após a passagem do turbilhão avassalador e aquele solfejo triste da solista, qual Polimnia a musa grega do canto solene, encantam minha alma, com a mesma intensidade que a entristecem, o único ato propício, como uma liturgia recomendada por meio de rubrica, para ouvir adequadamente é fechar os olhos e calar, só assim, desligando alguns periféricos é possível ouvir com a alma, os olhos abertos podem distrair, as palavras ditas, por mais belas que sejam se mostram inadequadas.

Se compararmos essa “universidade” musical com a superficialidade das músicas gospel de hoje de pouca letra e menos acordes ainda, não fica difícil entender a minha preferência por ela, as músicas contemporâneas parecem mantras, versos repetidos à exaustão, vãs repetições já dizia o evangelho. Quando a música acaba fica uma sensação de vazio que só passa quando eu volto e a ouço novamente, hoje com comodidade graças ao controle remoto, santa tecnologia! Antes tinha que fazer um esforço físico grande para mover o braço mecânico da radiola e posicionar no começo da faixa do disco de vinil. Sei que quando a ouço eu fico triste, mas a ouço exatamente para isso. Quando quero ficar reflexivo, pensativo, sondar minha própria alma, eu me sento e vou ouvi-la, não há saída, ao ouvir alimento minha alma, às vezes de uma tristeza profunda e de sentimentos inexplicáveis, sou tomado de uma sensação, que não sei definir, e não consigo fugir disso.

Já devo ter ouvido esta música pelo menos umas 5.000 vezes, ainda pretendo ouvir mais umas 10.000, mormente depois que eu me aposentar, mas a sensação é de que estou ouvindo pela primeira vez, os sentimentos se renovam ao primeiro acorde. Parece estranho este fato, principalmente para alguém que se sente inadequado quando tem que cantar o mesmo estribilho 10 ou quinze vezes só porque um ministro de louvor, que tem vontade de parecer com André Valadão, quer, tem alguns que até a flanela põe no bolso para ficarem mais caricatos, seria risível, se não fosse tão ridículo.

 Quando tinha uns 10 anos de idade eu era apaixonado por filmes de faroeste, ainda sou, mesmo hoje com 52 anos de idade, e a TV do Grande Irmão, que à época era apenas o braço direito na área de comunicação da ditadura militar, gostava de passar filmes que não permitiam a reflexão social, era para entreter, hoje é para “emburrecer” mesmo. Um dos que mais repetiu foi o citado Era uma vez no Oeste, com toda a poesia da direção do italiano criador de metáforas Sérgio Leone, a fotografia impecável, a capacidade de dar a uma cena de uma goteira uma dimensão inigualável e fazer de uma mosca uma atriz coadjuvante, o latinismo visceral, a atuação de grandes atores (como o novato Charles Bronson, o já veterano Henry Fonda e o expressivo e assustador Jason Robards) e a trilha sonora assinada pelo mestre Ennio Morricone, muito embora esta à época me passasse despercebida. Eu adorava assoviar a música de “O Bom, o Mal e o Feio”, mas não me lembro de ter sentido nenhum êxtase ao ouvir C’era una volta il West quando Cláudia Cardinale (seria Melpômene a musa grega da tragédia?) descia na estação do trem e o crescente melodioso até o âmago na chegada à fazenda e encontrar seu marido e os filhos deste todos mortos pondo um aparente fim à possibilidade de uma vida decente para uma prostituta em recuperação.

 Quando eu tinha uns dezesseis anos tentei entrar para o seminário, tinha pressa em cursar teologia o quanto antes possível para exercer o sacerdócio, quanto antes eu estivesse pronto mais rápido o mundo seria consertado, era mais ou menos o que eu pensava, não me deixaram entrar, o mundo deve ter agradecido, porém a “salvação” do mesmo foi adiada um pouco, era muito novo, como prêmio de consolação me colocaram num grupo teatral, composto em sua maioria de alunos do seminário, que tinha como missão despertar vocações nas igrejas da região.

Uma das minhas participações era como soldado comunista, eu vestia uma farda de verdade e junto com outros seminaristas (o hoje Rev. Alexandre da Igreja Episcopal Carismática e o também Rev. Marco Cosmo da Igreja Anglicana) representávamos soldados do então regime comunista que torturavam pastores, missionários e até mesmo leigos cristãos, era época da Guerra Fria e “Torturado por amor a Cristo”, “Ivan”, “Perdoa Natasha” e “Torturado por sua fé” estavam em evidência, eu já os tinha lido várias vezes e tinha uma grande vontade de ser missionário no leste europeu, porém na peça eu é que estava por trás do gatilho, recebíamos então ordens do “General” Zózomo Malta (isso mesmo, não escrevi errado o nome do sujeito é esse mesmo, Zózomo, irmão do Senador Magno Malta) para arrancar as unhas dos cristãos.

Os que representavam os missionários colocavam unhas feitas com pedaços de plástico de carretel de linha de costura, que eram presas com sabão, fingíamos então que cada unha era arrancada com alicate, o sangue de “brincadeira” escorria pelos braços e os gritos convincentes deixavam a plateia em prantos e depois atirávamos neles com revólveres de espoleta, que nem sempre davam tiros com qualidade, parecia que “a bala pinava”, os nossos missionários portavam por baixo da roupa um “saquinho” com suco de uva que ao ser apertado vazava parecendo sangue, o que dava um tom de realismo às cenas. Quantas crianças não fizemos chorar de medo, tínhamos que mostrar depois que era de brincadeira e que ninguém tinha morrido. 

A música que fazia fundo musical para a cena era essa, confesso que não associava a música ao filme, não fazia essa ilação. Um dia ao ouvir intencionalmente na casa de um parente essa música me dei conta das duas épocas de minha vida que ela tinha marcado e desde então eu passei a ouvi-la cada vez mais intensamente. 

Um dia estava fazendo terapia em grupo, não sei quanto ao grupo, mas eu num aprendi nada daquilo tudo e nem aproveitei uma linha sequer de caderno pequeno, quando a psicóloga colocou essa música eu travei, ela tinha invadido meu santuário particular, pois a música falava demais ao meu coração e o que ela falava não combinava com o momento, foi desde então que eu a “canonizei”, só a ouço em momentos especiais e que eu mesmo tenha escolhido ouvir, não gosto de intromissão. Até hoje não perdoei àquela psicóloga por tamanha heresia. 

Muito tempo depois, não sei se foi sonho ou realidade, estava deitado numa praça bastante arborizada pensando na vida, sempre que não estamos fazendo nada, dizemos que estamos pensando na vida, até parece um contrassenso ou que a vida não vale nada para nós, já estava meio sonolento e quase dormindo, quando de repente ouvi esta música tocando, no começo tocava baixo, depois foi aumentando, ainda sem acreditar me ergui sobressaltado, a sensação que tenho hoje é que senti pânico (o sentimento trazido pelo mítico Pã), e vi que era um carro de som que havia parado próximo à praça e que tocava a música, tocava e repetia sem parar, achei que estava morrendo com minha cabeça repousada no colo de uma ninfa do bosque ou de uma náiade e que os anjos do céu ou as fortes e doces valquírias nórdicas tinham vindo me buscar tocando a música de minha preferência.

Seria uma ótima forma de se despedir da vida e entrar na eternidade, provavelmente não sentiria medo, tal era o êxtase, mas justamente por conta deste que eu queria permanecer vivo, a sensação de paz era maior que eu mesmo. A melhor definição do que senti naquele momento é o que disse o Leone sobre a película: “O ritmo do filme pretendeu criar a sensação dos últimos suspiros que uma pessoa exala antes de morrer. Era uma vez no Oeste é do começo ao fim, uma dança da morte...”. Na hora de partir da vida, tendo como fundo musical esta música, nada melhor que tirar a morte para uma dança. Ela vai gostar, há muito que não se diverte, trabalha demais e a área de atuação dela é muito sombria. 

Desde este dia decidi que se eu não morrer ouvindo esta música, pelo menos que a toquem em meu velório, tenho certeza que ela, naquele momento, não me poderá deixar triste, será vez de ouvi-la e sorrir, será a vez de mudar a história, será o momento de cantar definitivamente “era uma vez...

Dois modelos de homem, dois modelos de Igreja


Acabei de assistir o filme do consagrado cineasta brasileiro Fernando Meirelles: Dois Papas.

Considero o filme técnica e esteticamente bem elaborado, feito nos próprios espaços grandiosos do Vaticano. Sua base é fundada em fatos históricos, evidentemente, com a criatividade que este tipo de arte permite, particularmente na construção dos diálogos. Mas neles se entrevê suas respectivas teologias e afirmações conhecidas.

O que digo é opinião estritamente pessoal. Tive o privilégio de conhecer a ambos os Papas pessoalmente e com os quais entretive e entretenho relações de certa proximidade e até amizade.

O Papa Ratzinger: finíssimo e rigoroso
Com o Prof. Joseph Ratzinger tenho uma dívida de gratidão por ter apreciado minha tese doutoral sobre “A Igreja como Sacramento Fundamental no Mundo secularizado”, volumosa, mais de 500 páginas impressas. Ajudou-me financeiramente com uma soma considerável de marcos e encontrou um editora para sua publicação, pois ninguém queria assumir o risco de lançar um livro desta proporção. A acolhida na comunidade teológica internacional foi grande, considerada uma obra fundamental, especialmente pelo renomado especialista em Igreja Jean Yves Congar, dominicano francês.O Prof. Ratzinger é uma pessoa finíssima no trato, extremamente inteligente e nunca o vi alçando a voz; mas é muito tímido e reservado.

Ao saber de sua eleição a Papa, logo pensei: “É um Papa que vai sofrer muito, pois talvez jamais tenha abraçado pessoas, mesmo uma mulher e se exposto às multidões”.

Nossa amizade se fortaleceu porque durante cinco anos, a partir de 1974, toda semana de Pentecostes (por volta de maio) cerca de 25 teólogos e teólogas progressistas, renomados do mundo inteiro, nos encontrávamos em Nimega na Holanda ou em outra cidade europeia. Durante uma semana discutíamos ecumenicamente, acompanhados por um pequeno grupo de cientistas, inclusive de Paulo Freire, sobre temas relevantes do mundo e da Igreja. Editávamos uma revista Concilium que se publicava em 7 línguas que ainda continua a ser publicada (no Brasil pela Editora Vozes). Ai colaboraram as melhores cabeças mundiais, nas várias áreas do conhecimento que vai da sexualidade, da Teologia da Libertação, à moderna cosmologia.

O Prof. Ratzinger sentava-se quase sempre ao meu lado. Depois do almoço enquanto quase todos tiravam uma sesta eu e ele passeávamos pelo jardim, discutindo temas de teologia, nossos preferidos, Santo Agostinho e São Boaventura dos quais li praticamente toda obra.

Cada um com seu papel sem perder a relação
Feito Cardeal e Presidente da Congregação para a Doutrina da Fé, teve a ingrata missão de me interrogar sobre o livro Igreja: carisma e poder em 1984. Ele cumpria institucionalmente sua função de interrogador e eu de defensor de minhas opiniões. Foi um diálogo firme, mas sempre elegante da parte dele, mesmo quando, após o interrogatório, tivemos um encontro já mais duro com ele e os Cardeais brasileiros Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Aloysio Lorscheider que me acompanharam em Roma e testemunharam a meu favor. Éramos três contra um. Devo reconhecer que ele se sentia constrangido.

Depois de um ano, recebi a solução do processo doutrinário com a deposição da cátedra de teologia, de minhas funções na Editora Vozes e a imposição de um “silêncio obsequioso” que me impedia de falar, de ensinar, de dar entrevistas e de publicar qualquer coisa. A decisão final após o interrogatório foi feita por 13 cardeais (13 para desempatar). Soube mais tarde, através de um emissário de seu secretário particular que ele, Card. Ratzinger, votou a meu favor mas foi voto vencido. Cabe dizer que sempre que jornalistas perguntavam a ele sobre mim, respondia, com certo humor, que sou “ein frommer Theologe”(um teólogo piedoso) que um dia vai aprofundar seu verdadeiro caminho teológico.

O filme não retrata a figura fina e elegante que o caracteriza. Em certa cena, levanta a voz e quase grita, o que, me parece, totalmente inverosímel e contra seu caráter.

Apesar de estarmos agora em situações diferentes, ele Papa e eu um um teólogo promovido a leigo, nunca perdemos a amizade. Por seus 90 anos, ao ser organizada uma Festschrift (um livro de homenagem), na qual muitos notáveis escreveram, a pedido dele solicitaram-me que escrevesse meu testemunho a seu respeito, o que fiz, prazerosamente. A amizade é mais forte que qualquer doutrina sempre humana.

O Papa Francisco: terno, fraterno e inovador
Com referência ao Jorge Mario Bergoglio, agora Papa Francisco, diria o seguinte: Conhecemo-nos em 1972 no Colégio Máximo de San Miguel em Buenos Aires, cada um discorrendo sobre a singularidade do caminho espiritual de Santo Inácio de Loyola (ele) e o caminho espiritual de São Francisco (eu). Ai discutimos a vertente da teologia da libertação de tipo argentino (do povo silenciado e da cultura oprimida) e a nossa brasileira e peruana (sobre a injustiça social e a opressão histórica sobre os pobres e afrodescendentes). Deste encontro há uma foto que ele, desde Roma, teve a gentileza de me mandar, onde aparecemos, todo um grupo de teólogos e teólogas, a maioria não mais entre nós, alguns perseguidos e torturados pela repressão bárbara dos militares argentinos ou chilenos. Depois nos perdemos de vista.

O Papa Francisco: teólogo da libertação integral
Soube pelo seu professor de teologia, recentemente falecido, Juan Carlos Scannone, o representante maior da teologia da libertação argentina. que Bergoglio entrou para a Ordem Jesuítica como vocação adulta (era químico antes, como aparece no filme). Entusiasmou-se logo com a teologia da libertação e aí mesmo fez um voto que cumpriu sempre, mesmo como cardeal de Buenos Aires: toda semana passar uma tarde ou mesmo um dia numa favela (villa miseria), sempre sozinho, entrando nas casas e conversando com todo mundo.

Foi Superior Maior da Província dos Jesuitas da região de Buenos Aires. Era muito rigoroso. Aqui teve que enfrentar uma situação gravíssima que carregou no coração até os dias de hoje: dois jesuítas, o padre Jalish e o padre Yorio (que conheci pessoalmente em Quilmes) viviam numa favela, apoiando os pobres e marginalizados. Quem trabalhava com o povo, como no Brasil de 1964 (e talvez também hoje sob o novo governo) seriam considerados marxistas e subversivos. Eram vigiados pelos órgãos de segurança dos militares. Bergoglio soube que seriam sequestrados com as torturas que se seguiam. Tentou salvá-los até apelando ao voto de obediência, típico de sua Ordem, no sentido de abandonaram a favela para não serem vítimas da repressão.

Eles argumentaram de forma evangélica: “um pastor não abandona seu rebanho, seu povo; participa de seu destino; vale mais obedecer ao Deus dos pobres do que obedecer a um superior religioso”.

Efetivamente foram sequestrados e duramente torturados. Jalish se reconciliou com Bergoglio e vive na Alemanha, enquanto Yorio se sentiu abandonado e distanciou-se dele (morreu no Uruguai, anos atrás). Pude sentir sua amargura pessoal, ao mesmo tempo que procurava entender o impasse que uma autoridade religiosa, com responsabilidade, enfrenta em situações-limite. Mesmo assim, Bergoglio escondeu a muitos no Seminário Maior de San Miguel ou os levou até a fronteira de outro país para fugirem da morte certa.

O Papa Francisco: o cuidado da Casa Comum
Ao ser eleito Papa, voltamos a nos comunicar. Sabendo que havia me ocupado intensivamente com o tema da ecologia integral, envolvendo a Casa Comum, a Mãe Terra, solicitou-me subsídios, coisa que fiz com assiduidade. Mas logo me advertiu:”não mande os textos para o Vaticano, pois, não me serão entregues (o famoso sottosedere da Cúria: sentar em cima e esquecer) mas envie-os diretamente ao embaixador argentino junto à Santa Sé, especialmente aquele que todos os dias, bem cedo, toma o chimarrão (el mate), comigo”. Assim fiz sempre, mesmo com textos sobre o Sínodo Panamazônico de 2019. Respondeu várias vezes agradecendo.

Ao escolher o nome de Francisco sob inspiração de seu amigo brasileiro, o Card. Dom Cláudio Hummes que lhe sussurrou logo fazer uma opção clara pelos pobres, ele se transformou. O rigor jesuítico se uniu com a ternura franciscana. Com os problemas internos da Cúria, a pedofilia, a corrupção financeira dentro do Banco do Vaticano é extremamente rigoroso. Contrariamente, com o povo é visivelmente terno e fraterno.

Nenhum Papa anterior castigou tão duramente o sistema que perdeu a sensibilidade, a solidariedade com os milhões de pobres e famintos, a capacidade de chorar e que são adoradores do ídolo do dinheiro. Depredam a natureza e são anti-vida e anti-Mãe Terra. Não precisamos declarar a que sistema se refere. Sua opção pelos pobres é altissonante. Tornou-se por suas posturas corajosas face à emergência ecológica da Terra, ao aquecimento global e à desumanização das relações humanas, um líder religioso e político. Sua voz é ouvida e respeitada pelo mundo afora.

Dois modelos de homem e dois modelos de Igreja
O propósito do filme é mostrar dois modelos de personagens religiosas e dois modelos de Igreja.

Primeiramente mostra como ambos, Ratzinger e Bergoglio. são humanos, profundamente humanos. Nesse sentido: ambos possuem seu lado luminoso e também seu lado sombrio. O Papa Bento XVI sua leniência com os pedófilos. Não devemos esquecer que escreveu a todos os bispos, sob sigilo pontifício que jamais deve ser quebrado, de não entregar os padres e os bispos pedófilos aos tribunais civis. Isso desmoralizaria a instituição Igreja. Deviam, sim, confessar-se do pecado e ser transferidos para outro lugar. O Papa não se deu conta suficientemente de que não tinha a ver apenas com um pecado perdoável pela confissão. Tratava-se de um crime contra inocentes que a justiça comum deve investigar e punir. Não se pensou nas vítimas, apenas na salvaguarda da imagem da instituição-Igreja.

O Papa Bento XVI colocou-se na esteira do João Paulo II que era moral e doutrinariamente conservador. Procurou relativizar arggiornamento do Concílio Vaticano II (1962-1965). Via a Igreja como uma fortaleza sitiada por todos os lados por inimigos, vale dizer, pelos erros e desvios da modernidade. A solução que se propunha era a de voltar à grande disciplina anterior, vinda do Concílio de Trento (século XVI) e do Concílio Vaticano I (1870). A centralidade era a ortodoxia e a sã doutrina, como se fossem as prédicas que salvassem e não as práticas. Nesta linha o Card. Joseph Ratzinger foi rigoroso: mais de 110 teólogos ou teólogas foram condenados, depostos de suas cátedras, silenciados (no Brasil Yvone Gebara e eu pessoalmente) ou de alguma forma punidos. Um deles, excelente teólogo, foi condenado sem receber nenhuma explicação. Ficou tão deprimido que pensou em suicidar-se. Só se curou quando foi à América Central trabalhar com as comunidades eclesiais de base.Viveu-se um inverno eclesial severo.Toda uma geração de padres foi formada nesse estilo doutrinário e com os olhos voltados ao passado, usando os símbolos do poder clerical.  Igualmente, toda uma plêiade de bispos foram sagrados, mais autoridades eclesiásticas ortodoxas que pastores no meio de seu povo.

Outro modelo de personalidade religiosa é o Papa Francisco. Ele vem do fim do mundo, de fora da velha e quase agônica cristandade europeia. Ele trouxe uma primavera para a Igreja e para o mundo secularizado.

Primeiramente inovou os hábitos. Ao negar-se de vestir a “mozzeta” o pequeno manto branco, cheio de brocados que os papas carregam aos ombros, símbolo do absoluto poder dos imperadores romanos pagãos, diz o filme claramente : “acabou-se o carnaval”. Não aceita a cruz dourada, continua com sua cruz de ferro; rejeita o sapato vermelho (Prada) e continua com o seu velho sapato preto. Não se anuncia como Papa da Igreja, mas como bispo de Roma e somente a partir daí, Papa da Igreja universal. Animará a Igreja não com o direito canônico, mas com o amor e com a colegialidade (consultando a comunidade dos bispos). Em sua primeira fala pública diz “como gostaria uma Igreja pobre para os pobres”. Não mora no palácio papal, o que seria uma ofensa ao poverello de Assis, mas numa casa de hóspedes. Come na fila como os outros e comenta, com humor:”assim é mais difícil que me envenenem”.

Dispensa um carro especial e um corpo de proteção pessoal. Mistura-se no meio do povo, dá as mãos a quem as estende e beija as crianças. É pai e avô querido das multidões.

Seu modelo de Igreja é o de “um hospital de campanha” que atende a todos, sem perguntar de onde vem e qual é sua situação moral. É uma “Igreja em saída” para as periferias humanas e existenciais. Respeita os dogmas e doutrinas mas diz claramente que prefere colocar-se vivamente diante do Jesus histórico, opta pelo encontro direto com as pessoas e a pastoral da ternura. Insiste que Jesus veio para nos ensinar a viver o amor incondicional, a solidariedade e o perdão. Central para ele é a misericórdia infinita de Deus. Vai mais longe ao dizer :”Deus não conhece uma condenação eterna pois perderia para o mal. E Deus não pode perder. Sua misericórdia não conhece limites”. Por isso chama a todos, uma vez purificados de suas maldades, para a casa que o Pai e Mãe de bondade preparou para todos desde toda a eternidade. Morrer é sentir-se chamado por Deus e vai-se alegre para o Grande Encontro.

Eis outro tipo de pontificado, outro modelo de ser humano que reconhece que perdeu a paciência quando uma mulher o puxou e apertou longa e duramente sua mão. Irritado, bateu-lhe a mão por duas ou três vezes. Mas no dia seguinte pediu publicamente perdão.

Dois Papas: diferentes e complementares
O Papa Francisco abriu sua inteira humanidade, dando-se o direito à alegria de viver, de torcer pelo seu time de estimação o San Lorenzo, de apreciar a música dos beatles até conquistar o Papa Bento XVI a dançar um tango, impensável a um severo acadêmico alemão. Aqui aparece não o Papa mas o homem Bergoglio que desentranha humanidade recolhida do homem Ratzinger. Ambos são diferentes mas se integram na dança de um tango de pessoas anciãs.

O filme é uma bela metáfora da condição humana, de dois modos diferentes de realizar a humanidade, que não se opõem mas se compõem e se completam, uma com a ternura e a outra com o rigor. Vale ver o filme, pois nos faz pensar e nos oferece lições de mútua escuta, de verdades ditas sem rebuços e de uma amizade que vai crescendo na medida em que a relação se descontrai  de encontro a encontro. O perdão que um dá ao outro e o abraço final, longo e carinhoso, engrandece o humano e o espiritual presentes em cada  um de nós.

Leonardo Boff é teólogo,filósofo e membro da Comissão Internacional da Carta da Terra
Fonte

All Boundaries are Conventions


"I understand now that boundaries between noise and sound are conventions. All boundaries are conventions, waiting to be transcended. One may transcend any convention if only one can first conceive of doing so.” 

David Mitchell, Cloud Atlas

Brasil: o grande salto para trás


Com o título “Crise brasileira e humor negro”, o jornal francês Le Monde publica um artigo sobre o documentário “Brasil: o grande salto para trás”, das francesas Frédérique Zingaro e Mathilde Bonnassieux, que será transmitido pela TV franco-alemã ARTE nessa terça-feira (18 de abril de 2017).

A correspondente do jornal Le Monde no Brasil, Claire Gatinois, escreve que em uma certa segunda-feira, no dia 17 de abril de 2016, o Brasil descobriu o rosto dos políticos que representavam a população na Câmara dos Deputados: conservadores, grandes fazendeiros, evangélicos loucos por Deus, homens apegados aos valores tradicionais e até saudosistas dos tempos da ditadura militar.

Na maioria, pessoas corrompidas.

O artigo informa que durante a sessão de votação, que entrou madrugada adentro, esses deputados selariam o destino da então presidente Dilma Rousseff, reeleita em 2014, desencadeando o impeachment.

Este é o momento histórico do documentário “Brasil: o grande salto para trás”, um momento-chave em que nosso país, numa crise vertiginosa, viu o seu futuro balançar.

“É como o fim de um parênteses encantado aberto por Lula da Silva em 2003, legando prosperidade e permitindo que milhares de brasileiros saíssem da miséria, sem falar na projeção na cena diplomática internacional, tornando-se um ator relevante dos BRICS”, escreve a jornalista, explicando que a indignação popular diante da corrupção de um Partido dos Trabalhadores desgastado pelo poder — corrupção que se alastra pelos partidos da direita e da esquerda — serviu de pano de fundo para o impeachment.

“Desse instante nascerá o confronto, muitas vezes maniqueísta, entre os pró e os contra a destituição, opondo uma esquerda progressista e uma direita agarrada aos seus privilégios”, analisa Claire Gatinois.

O documentário das cineastas francesas optou pela descrição desta fratura, centrando a narrativa em Gregório Duvivier, jovem humorista da esquerda, que fez a maioria das entrevistas, incluindo a própria ex-presidente Dilma.

Le Monde analisa que o telespectador é levado a seguir a interpretação muito pessoal do cômico, que serve de referência para se compreender a complexidade do Brasil.

O percurso é revelador do sentimento de uma parte dos brasileiros: depois do impeachment, os militantes e simpatizantes da esquerda denunciam um complô anti-PT por parte de uma justiça enviezada e das mídias mais fortes, dando à destituição de Dilma ares de “um golpe de Estado parlamentar.”

Como será o futuro agora? — indaga o documentário, colocando em foco a perspectiva de um triste destino para a esquerda nacional, a exemplo do que ocorreu em diversos países da América Latina.

Le Monde constata que a conclusão do documentário é que, sem negar os erros do PT, a atual política de Michel Temer, marcada pelo rigor e pelas reformas que seduzem os mercados financeiros, compromete, com seus cortes, as despesas destinadas à saúde, educação e ajuda aos desfavorecidos.

Fonte: https://www.viomundo.com.br/voce-escreve/brasil-o-grande-salto-para-tras-o-que-os-franceses-viram-sobre-o-impeachment-assista.html

"Quem se Importa?"

'Quem se Importa?' mostra pessoas que tentam mudar o mundo.

Documentário de Mara Mourão, filmado em sete países, retrata o trabalho de 18 empreendedores sociais



São Paulo - O bangladeshiano Muhammad Yunus, criador do primeiro banco comunitário do mundo; o peruano Joaquin Leguia, que procura destinar 1% da terra de seu país às crianças para o cultivo sustentável; o brasileiro Eugênio Scanavino, que levou um barco-hospital a navegar pelas águas da Amazônia paraense, atendendo a comunidades ribeirinhas. São estes alguns dos 18 empreendedores sociais retratados no documentário Quem se Importa?. Contando histórias de pessoas que desenvolveram projetos transformadores de realidades sociais no Brasil e no mundo, o filme aponta o sentido do empreendedorismo social, também chamado de setor cidadão ou setor social. Com locução de Rodrigo Santoro, o documentário é dirigido por Mara Mourão.

Mara dirigiu centenas de comerciais de televisão. Em 1998 fez Alo? e em 2002 dirigiu Avassaladoras, ambas comédias. Seu terceiro longa-metragem, o documentário Doutores da Alegria, de 2005, exibe o trabalho da organização de mesmo nome que tem buscado humanizar o sistema de saúde brasileiro, com palhaços que divertem e ajudam crianças em recuperação. O trabalho do Doutores da Alegria também compõe o painel do empreendedorismo social montado por Mara, em Quem se Importa?.

Com cenas gravadas em mais de sete países, o documentário difunde um movimento mundial de empreendedorismo social. O termo foi criado por Bill Drayton, entrevistado no filme. Ele, que diz desejar erradicar com todos os problemas sociais do mundo, é o fundador da Ashoka, uma organização sem fins lucrativos que auxilia empreendedores sociais em mais de 70 países. As pessoas entrevistadas no filme realizam trabalhos cujo objetivo é o bem-estar social, percebem problemas sociais, na maioria das vezes causados pela pobreza, e procuram soluções.

Confira entrevista com Mara Mourão

Quem é o empreendedor social?
O empreendedor social é aquele que tem as mesmas características de um empreendedor de negócios, só que aplicadas para o setor social. Enquanto o empreendedor de negócios visa ao lucro – geralmente este lucro é para um grupo pequeno de acionistas –, o empreendedor social visa o bem-estar social. E se ele visa ao lucro, sim, é para revertê-lo ao bem-estar social. Ele tem as mesmas características de liderança, visão, persistência. É um sonhador, mas é prático e consegue viabilizar e implementar o que deseja. No entanto, como Bill Drayton diz no filme, somente ter essas características não fazem de alguém um empreendedor social. O que o empreendedor social faz é ter a capacidade de saber o que a sociedade precisa em um determinado momento. E ele não descansa enquanto não conquistar seus objetivos. Esse é o verdadeiro empreendedor social.

O empreendedor seria aquele que desenvolve grandes projetos sociais e consegue provocar mudanças na sociedade?
Tem empreendedores de vários níveis. Se a pessoa faz um trabalho em grande escala e afeta milhões de vidas, ela é chamada de empreendedor social. Se faz em escala menor, é chamada de transformador ou agente de mudança. Tem vários nomes, mas acho uma bobagem, todos são nomes diferentes, para um espírito comum, o espírito de arregaçar as mangas e não se conformar com uma realidade que não deve existir.

Você é uma empreendedora social?
Tem gente dizendo que eu sou, mas acho que não. Sou uma cineasta que está causando impacto social com os filmes. Quem sabe se eu fizer mais filmes assim, já não possa ser chamada de empreendedora social. Mas, por enquanto, sou só uma cineasta causando impacto, aliás, não é nem isso: estou causando inspiração, porque os filmes não mudam o mundo, quem o muda são as pessoas que assistem aos filmes.

Quem se importa? pretende ser mais do que um filme? Ele é um movimento?
É um movimento de inspiração. Ele inspira as pessoas a tomarem consciência de seu poder de transformação. É plantar a semente do “eu também posso fazer”, principalmente nos jovens. Nas redes sociais, na internet já temos milhares de pessoas divulgando o filme e compartilhando e discutindo os ideais dele. E eu sinto que tem muita gente que se importa e que faz questão de passar essa mensagem do filme adiante.

No documentário, o apelo à conscientização dos jovens é constante. O jovem pode ser um transformador social?
O Bill Drayton acredita que se 3% das crianças nas escolas fossem transformadoras, mudávamos o sistema num instante. Como ele comenta no filme, os pais vão ficar preocupados se o filho estiver indo mal em matemática, mas será que eles notam se o filho está sendo um provocador de mudanças? Os pais estão preocupados em formar cidadãos proativos, pessoas que realmente lutam pelos direitos dos outros? Não, estão preocupados se o filho vai bem nas matérias. Queremos mostrar que empreendedorismo social é tão importante quanto a matemática. Já exibimos o filme em escolas. Somos parceiros do programa Cinema para Todos do governo do Rio de Janeiro, que o levará para muitas escolas de periferia no estado. E já estamos falando com fundações para tentar levá-lo para escolas públicas em todo o Brasil.

O que você pensa da crítica de que a existência de ONGs e do terceiro setor é uma forma de privatizar serviços que o Estado deveria garantir?
A princípio você pode pensar que o empreendedor social está aqui para tapar o buraco do que o governo não conseguiu fazer. Obviamente, em países mais ricos, como a Dinamarca e a Suíça, tem menos empreendedores sociais do que na Índia ou no Brasil. É óbvio que os países com mais questões sociais vão ter mais empreendedores sociais. Porém, nem sempre o governo pode fazer o que o empreendedores sociais fazem, e vice-versa, porque eles têm características diferentes. O governo vive de eleições, e o político eleito não pode errar, porque ele não tem o direito ao erro. Não tem esse luxo, porque o erro é considerado um escândalo e não reelege ninguém. Já no empreendedorismo social, o erro e a experimentação são permitidos. E o setor social é muito mais ágil e menos burocrático que o setor governamental. Tem coisa que não dá pra tornar política pública, tem coisa que precisa ser feita por ONG, assim como tem coisa que precisa ser feita pela iniciativa privada. E eu acho que o filme transmite a ideia de que casamento entre esses três setores pode dar certo. O empreendedorismo social vai dar certo quando ele estiver misturado em todos os setores da sociedade e quando as pessoas de todas as esferas começarem a agir.

O empreendedorismo social, então, não é característico só do terceiro setor?
Não, ele pode estar na iniciativa privada ou no governo. O empreendedor social é um cara que muda um padrão na sociedade, uma situação, mas não importa a esfera em que atua. A política é uma forma de transformação social, mas quando um político cria uma lei que muda a sociedade em algum aspecto, ele está fazendo tanta transformação social quanto um empreendedor social. Só são nomes diferentes. Esse espírito do setor cidadão atuante deve permear toda a sociedade e todos os setores dela. O setor social cresceu muito nas duas últimas três décadas, por várias razões. Primeiro, porque mais de 200 países passaram a ter sistemas democráticos, e antes eram sistemas ditatoriais, absolutistas e  de apartheid. Depois, houve um aumento da classe média. E houve o advento da internet. Isso tudo fez com que o setor cidadão tivesse esse boom. Mas creio que no futuro não vai ter essa divisão de quem é empreendedor social e quem é cidadão. Todos seremos cidadãos mais ativos. É esse momento que Bill Drayton chama de combinação da democracia: quando todos os cidadãos são ativos.

Quem se Importa? retrata o trabalho de 18 empreendedores sociais de vários lugares do mundo. Como você chegou a esses nomes?
Com esse painel de empreendedores do arredor do mundo, com empreendedores de diversos países, quis mostrar que é um movimento mundial. Escolhi esses 18 nomes, depois de uma pesquisa extensa, na qual eu fui buscando pessoas de continentes diferentes e de áreas de atuação diferentes, que soubessem se comunicar bem e cujos trabalhos teriam imagens às quais eu teria acesso. Foi com muita dor no coração, porque deixei milhares de pessoas que eu conheço e que eu não conheço. Não caberia mais do que isso. É por isso que estou pensando em fazer uma série de televisão, para justamente apresentar as várias pessoas que tem trabalhos muito bacanas. Busquei em livros, internet e na rede Ashoka, um grande celeiro de empreendedores sociais. Cheguei a 50 nomes e fui afunilando até chegar nesses 18. Eu tentei buscar uma diversidade para justamente mostrar a riqueza do empreendedorismo social. Com o filme, você passa a entender que eles podem estar na área da educação, da saúde, do meio ambiente, dos direitos humanos, da economia, em qualquer área. O filme passa a mensagem de que todo mundo pode mudar o mundo não importa em que setor. Seja ele privado, governamental ou social. Qualquer pessoa pode fazer a diferença.

Você dirigiu comerciais para televisão antes de dirigir as comédias Alô? Avassaladoras. Como mudou para as temáticas sociais?
É fácil de entender. Eu já conhecia o trabalho do Doutores da Alegria porque o fundador, Wellington Nogueira, é meu marido. Eu sempre achei que daria um filme, mas o próprio trabalho ainda estava em crescimento, ainda estava em formatação. Mas quando acabei de fazer Avassaladoras, o Doutores da Alegria já estava solidificado, já tinha livros escritos, teses defendidas, centro de estudos, já estava um projeto absolutamente solidificado. Percebi que havia chegado a hora de mostrar para o público o que acontece dentro dos hospitais e que as pessoas não conseguem ver. E a resposta ao filme foi completamente diferente do que eu tinha com as minhas comédias, porque com elas era muito bacana, mas ficava naquela história de “eu ri muito e me diverti muito”, mas com o Doutores da Alegria, as pessoas me diziam que o filme havia mudado a vida delas. Fiquei chocada com o impacto do filme. Teve professores que mudaram o jeito de ensinar e jovens que mudaram o rumo de suas carreiras. Resolvi fazer um filme na mesma linha que o Doutores da Alegria, só que mais abrangente. Fiquei muito tocada com a reação do público e com o impacto que um filme pode causar. 

Mas há uma diferença entre fazer filmes de entretenimento e documentários?
A diferença é entre ficção e documentário. A ficção é mais simples. De um certo modo, você segue um roteiro, e na hora da edição, é muito mais simples, pois edita aquele o roteiro. Num documentário você tem um roteiro e depois você o refaz na edição. Fiquei um ano editando o Quem se Importa? porque havia milhões de possibilidades, com o material todo que tinha nas mãos. Mas tudo é cinema, tudo é audiovisual. Gosto de fazer os dois e vou continuar a fazer os dois. O que você não vai me ver fazendo é um filme que só tenha tiros e nenhuma mensagem. Minha ideia é fazer ficção que tenha alguma mensagem e documentário que tenha impacto social.

Em Quem se Importa?, Wellington Nogueira, entrevistado, comenta que, quando começou o trabalho do Doutores da Alegria percebeu o poder social que a arte pode ter. Você teve uma percepção semelhante?
Total. O impacto social que um filme pode causar não passa pela bilheteria. É uma outra métrica que se usa, e é uma métrica invisível mesmo, é a frase de Albert Einstein: “Nem tudo o que conta pode ser contado, e nem tudo que pode ser contado conta”. Você começa um filme e começa a influenciar e a inspirar a própria equipe que fez o filme, e vai como uma onda. O filme Uma Verdade Inconveniente,  do Al Gore, por exemplo, levantou a questão climática, e me lembro que via muitas pessoas discutindo a questão mesmo antes de terem visto o filme. O documentário Super Size, do Morgan Spurlock, também teve uma bilheteria pequena e acabou mudando o cardápio do McDonald's. O impacto social do cinema é muito forte. Gosto muito disso e vou usar o cinema como uma arte que impacta as pessoas para uma mudança positiva. 

Quem se importa? 
Direção: Mara Mourão
Locução: Rodrigo Santoro
Duração: 91 minutos

Fonte: https://www.redebrasilatual.com.br/entretenimento/2012/04/quem-se-importa-mostra-pessoas-que-tentam-mudar-o-mundo

Humano, Demasiado Humano II


Documentário II: Humano, Demasiado Humano – Martin Heidegger: Projeto Para Viver. O projeto do tratado Ser e Tempo, foi publicado em 1927 no mesmo ano que Minha Luta (Adolf Hitler). Este programa examina a vida e a filosofia de Martin Heidegger, descreve a sua ascensão a proeminência intelectual, expondo os motivos do seu envolvimento no partido Nazi. Entrevistas com o seu filho, Hermann Heidegger, George Steiner autor de uma influente critica da sua filosofia, contado também com o seu biógrafo Hugo Ott; e ex-aluno de Hans-Georg Gadamer, fornecem novas ideias enquanto se faz uma reconstrução dos momentos chaves da vida de Heidegger. Vida e história de um homem cujos apologistas e os antagonistas ainda amargamente se dividem.

O homem que amava os cachorros


“A dor e a miséria figuram entre aquelas poucas coisas que, quando repartidas, tornam-se sempre maiores.”

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“O ódio é uma doença incontrolável.”

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“O olhar de Liev Davidovitch, no entanto, tentava ver para lá dos edifícios, das igrejas pontiagudas, das mesquitas arredondadas: tentava ver a si próprio naquela cidade (turca) onde não tinha um único amigo, um único seguidor de confiança. E não se encontrou. Sentiu que, naquele preciso instante, começava o seu exílio: verdadeiro, total, sem ter onde se agarrar. Para além da família e de alguns poucos amigos que lhe tinham reiterado a sua solidariedade, era um homem aflitivamente só. Seus únicos aliados úteis numa luta que devia iniciar (como?, por onde?) continuavam isolados em campos de trabalho ou já tinham claudicado, mas permaneciam todos dentro das fronteiras da União Soviética, e a relação com eles ia se apagando com a distância, a repressão e o medo.

Ao evocar aquela manhã de aspecto tão agradável, Liev Davidovitch recordaria sempre da urgência que experimentara de apertar a mão de Natália Sedova para sentir algum calor humano ao seu lado, para não asfixiar de tanta angústia diante da sensação de abandono que o acossava. Mas recordaria também que nesse momento tinha fortalecido a sua decisão de que, embora só, o seu dever seria lutar. Se a Revolução pela qual tinha combatido se prostituía na ditadura de um czar vestido de bolchevique, seria necessário nesse caso arrancá-la com raiz e tudo e semeá-la de novo, porque o mundo precisava de revoluções verdadeiras. Aquela decisão, estava ciente, o aproximaria ainda mais da morte que já o vigiava das torres do Kremlin. A morte, no entanto, podia ser considerada apenas uma contingência inevitável: Liev Davidovitch sempre pensara que as vidas de um, de dez, de cem, de mil homens podem e até devem ser devoradas se o turbilhão social assim o exigir para atingir seus fins transformadores, pois o sacrifício individual é muitas vezes a lenha que se queima na pira da revolução. Por isso lhe dava vontade de rir quando certos jornais insistiam em mencionar a sua “tragédia pessoal”. De que tragédia falavam?, escreveria. No processo sobre-humano da revolução não tinha cabimento pensar em tragédias pessoais. Sua tragédia, quando muito, era saber que para se lançar na luta não tinha à mão correligionários forjados no forno da revolução, nem meios econômicos e muito menos um partido. Mas restava-lhe aquela que sempre fora a sua melhor arma: a pena, a mesma que difundira as suas ideias nas colaborações entregues ao Iskrae que, já no seu primeiro desterro, o conduzira ao coração da luta, desde aquela noite de 1901 em que recebera a mensagem capaz de situar a sua vida de lutador no vórtice da história; a pena fora convocada para a sede do Iskra, em Londres, onde o esperava Vladimir Ilitch Ulianov, já conhecido como Lenin.”

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“O verdadeiro revolucionário começa a sê-lo quando subordina sua ambição pessoal a um ideal. Os revolucionários podem ser cultos ou ignorantes, inteligentes ou limitados, mas não podem existir sem vontade, sem devoção, sem espírito de sacrifício.” (L. D. Trotski)

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“Em Prínkipo, a presença de Trotski não provocava sobressaltos, e essa evidência o fez compreender que, se seu nome ainda gerava confusões na Europa, não se devia ao que ele pudesse originar mas àquilo que seus inimigos exigiam que lhe fosse entregue em pagamento dos seus atos: hostilidade, repressão, rejeição. O ódio de Stalin, transformado em razão de Estado, tinha posto em marcha a mais potente engrenagem de marginalização jamais dirigida contra um indivíduo solitário. Mais ainda, tinha se entronizado como estratégia universal do comunismo, controlado a partir de Moscou, e até como política editorial de dezenas de jornais. Por isso, engolindo os vestígios do seu orgulho, teve de admitir que, enquanto no Kremlin não decidissem quando a sua vida deixaria de ser útil, manteriam-no preso num ostracismo inflexível justamente até se decretar a queda do pano e o fim da palhaçada. E, pela primeira vez, atreveu-se a pensar em sua vida em termos de tragédia: a clássica, a grega, sem oportunidade para apelações.”

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“Olha, Ramón, entre as muitas coisas que você tem de aprender estão a ter paciência e a saber que não se atacam os inimigos quando estão de pé, mas quando estão de joelhos. E atacam-se sem piedade, caralho!”

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“A morte é tão definitiva e irreversível que quase não deixa margem para outros temores.”

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“Aquela jogada sórdida permitiu que Liev Davidovitch percebesse uma coisa que lhe escapara durante os julgamentos anteriores: Stalin também se propusera a transformar as poucas figuras do passado que ainda o acompanhavam já não em comparsas submissos de suas mentiras, mas em cúmplices diretos de sua fúria criminosa. Quem não fosse vítima seria cúmplice e, mais ainda, carrasco. O terror e a repressão estabeleciam-se como política de um governo que adotava a perseguição e a mentira como recursos de Estado e estilo de vida para o conjunto da sociedade.”

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“A primeira conclusão de Trotski foi que, de acordo com o governo stalinista, todos os membros do bureau político que levaram a revolução ao triunfo, que acompanharam Lenin nos dias mais difíceis da guerra e da fome e colocaram o país em marcha, homens que sofreram a cadeia, o desterro e inúmeras repressões, na realidade tinham sido desde sempre traidores dos seus ideais e, mais ainda, agentes a serviço de potências estrangeiras desejosas de destruir o que eles próprios tinham construído. Não seria um paradoxo os líderes de Outubro, todos eles, acabarem sendo traidores? Será que o traidor não era um só e se chamava Stalin?”

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“Há várias semanas, um grupo de escritores e ativistas políticos que se diziam próximos das posições do velho revolucionário tinham se obstinado, no calor dos vinte anos de Outubro, em procurar os defeitos do sistema bolchevique que proporcionaram a entronização do stalinismo. Para isso, quiseram desenterrar, com particular insistência, a repressão sangrenta da revolta dos marinheiros de Kronstadt e, invocando a pureza da verdade histórica, decidiram tornar pública a responsabilidade do exilado nos acontecimentos. O argumento mais utilizado fora de que aquela repressão podia ser considerada o primeiro ato do “terror stalinista” inerente ao bolchevismo no poder, e equiparavam a resposta militar e o fuzilamento de reféns aos expurgos de Stalin. Devido à sua responsabilidade à frente do exército, consideravam o então comissário da Guerra o progenitor daqueles métodos de repressão e de terror.

Fora doloroso para Liev Davidovitch saber que homens como Eastman, Victor Serge ou Souvarine sustentavam aquelas opiniões acerca de uma responsabilidade que o acossava há anos, mas incomodava-o, sobretudo, que tivessem retirado do seu contexto um motim militar, verificado no tempo da guerra civil, e o tivessem colocado ao lado de processos fabricados e fuzilamentos sumários de civis em tempos de paz.

Durante semanas, Liev Davidovitch se embrenharia naquela disputa histórica. Para começar a rebatê-los, o exilado teve de aceitar a responsabilidade que lhe correspondia como membro do Politburo, por ter aprovado, ele também, a repressão daquela estranha sublevação, mas recusou-se a aceitar a acusação de que ele pessoalmente favorecera a repressão e incentivara a crueldade com que tinha se manifestado. “Estou disposto a considerar que a guerra civil não é precisamente uma escola de conduta humanitária e que, de um lado e de outro, se cometem excessos imperdoáveis”, escreveu. “É verdade que em Kronstadt houve vítimas inocentes, e o pior excesso foi o fuzilamento de um grupo de reféns. Mas, mesmo tendo morrido inocentes, o que é inadmissível em qualquer tempo e lugar, e mesmo tendo sido eu, como chefe do exército, o derradeiro responsável pelo que aconteceu ali, não posso admitir uma equiparação entre o esmagamento de uma rebelião armada contra um governo frágil e em guerra com 21 exércitos inimigos e o assassinato frio e premeditado de camaradas cujo único crime foi pensar e, quando muito, dizer que Stalin não era a única nem a melhor opção para a revolução proletária.”

Mas Liev Davidovitch sabia que Kronstadt ficaria eternamente marcado como um capítulo negro da Revolução e que ele próprio, cheio de vergonha e de dor, carregaria para sempre essa culpa. Também sabia que, se em Kronstadt os bolcheviques (e incluía-se a si próprio e a Lenin) não tivessem reprimido sem piedade a rebelião, talvez tivessem aberto as portas à restauração. Assim, simples, terrível e cruel, podem ser a revolução e suas opções, pensou nessa altura e continuaria a pensar até o fim, sem que nada o fizesse mudar de opinião.”

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“A jogada de mestre da procuradoria era acusar Iagoda de ter agido como um instrumento das agressões trotskistas. Em consequência disso, durante os dez anos em que perseguira, prendera e torturara os camaradas de Liev Davidovitch e confinara milhares de pessoas aos campos da morte, seus excessos criminosos deviam-se a ordens contrarrevolucionárias justamente de Trotski, e não a disposições de Stalin…

Sentindo como aquela agressão à verdade lhe devolvia as forças, o exilado escreveu que Stalin, o Coveiro da Revolução, conseguia superar toda a sua experiência anterior, além de ultrapassar os receptáculos da credulidade mais militante. A irracionalidade das acusações era tanta que lhe era quase impossível conceber um contra-ataque, embora inicialmente tenha decidido responder usando a ironia: é tamanho o meu poder, escreveu, que por ordens minhas, dadas a partir da França, da Noruega ou do México, dezenas de funcionários e de embaixadores com quem nunca falei se transformam em agentes de potências estrangeiras e me enviam dinheiro, muito dinheiro, para apoiar minha organização terrorista; chefes de indústrias tornam-se sabotadores; médicos respeitáveis dedicam-se a envenenar seus pacientes. O único problema, comentaria, era aqueles homens terem sido dirigentes escolhidos pelo próprio Stalin, pois há muitos anos ele não nomeava ninguém na União Soviética.

As confissões inacreditáveis ouvidas durante os dez dias que durou o processo e a forma como foram obrigados a humilhar-se homens repletos de história como Bukharin e Rikov não surpreenderam Liev Davidovitch. Mas provocou-lhe uma enorme tristeza, pelo contrário, ler as autoincriminações de um lutador como o radical Rakovski (tão perto da morte que lhe fora permitido prestar declarações sentado), que reconheceu ter se deixado levar pelas aventureiras teorias trotskistas, apesar de Trotski ter lhe confessado em 1926 sua condição de agente britânico. A que extremos teriam chegado as pressões para quebrar a dignidade de um homem que resistira a anos de deportações e de prisão sem renunciar às suas convicções e que sabia, além disso, estar no fim da vida? Será que algum deles acreditava que, com a sua confissão, prestava um serviço à União Soviética, como eram obrigados a repetir? Liev Davidovitch teve de reconhecer ser incapaz de compreender aquelas exibições de submissão e covardia.

Um primeiro contratempo do processo revelou as costuras da sua montagem. Foi protagonizado por Krestinski, que, durante uma tarde inteira, se atreveu a afirmar que suas confissões, feitas à polícia secreta, eram falsas e se declarou inocente de todas as acusações. Mas, na manhã seguinte, quando subiu ao estrado, Krestinski admitiu serem verdadeiras as acusações anteriores, além de mais algumas, certamente elaboradas a toda a pressa. Com que argumentos teriam quebrado um homem já convencido de que ia ser fuzilado? A nova GPU estava desenvolvendo métodos que apavorariam o mundo no dia em que fossem conhecidos, métodos graças aos quais se verificou a revelação mais espetacular do processo, quando Iagoda, depois de se declarar inocente e de receber o mesmo tratamento que Krestinski, confessou ter preparado o assassinato de Kirov por ordens de Rikov, uma vez que este invejava a ascensão meteórica do jovem.

Mas a estrela do julgamento, como seria de se esperar, foi Nicolai Bukharin, que, depois de um ano de estada nos porões da Lubianka, parecia pronto para cometer o último ato de sua autodestruição política e humana. Embora negasse ser responsável pelas atividades de terrorismo e de espionagem mais assustadoras, Liev Davidovitch julgou compreender que sua tática era aceitar o inaceitável com uma convicção e uma ênfase com que pretendia demonstrar aos observadores mais perspicazes a falsidade da instrução criminal. O velho revolucionário, no entanto, percebeu o erro de perspectiva cometido por Bukharin ao tentar lançar um grito de alarme aos alarmados, para quem (apesar do silêncio que mantinham) todas aquelas acusações seriam tão pouco críveis como as dos julgamentos anteriores. Mas a grande massa, aquela que em Moscou e no mundo seguia o decorrer dos processos, tinha tirado de suas palavras uma única conclusão que validava as acusações e destruía a estratégia do réu: Bukharin confessou, disseram, e isso era o mais importante. Fora para acabar ajoelhado e choroso, admitindo crimes fictícios, que Bukharin preferira voltar a Moscou?, Liev Davidovitch se perguntaria, recordando a carta dramática que Fiodor Dan lhe remetera há três anos.

Parecia evidente a Liev Davidovitch que, nos processos, Stalin exigia dos acusados, mais que uma verdade, a sua autodestruição humana e política. Quando executara os condenados dos julgamentos anteriores, obrigara-os a morrer com a consciência de que não só tinham escarnecido de si próprios, como, além disso, tinham condenado muitos inocentes. Por isso se admirava de que Bukharin, que sem dúvida aprendera a lição dos bolcheviques que o antecederam naquela situação, conservasse a esperança vã de salvar a vida. Numa das muitas cartas que escreveu a Stalin dos porões da Lubianka e que o Coveiro se encarregava de fazer circular em algumas esferas, Bukharin chegou a dizer-lhe que só sentia por ele, pelo Partido e pela causa, um amor grandioso e infinito, e despedia-se abraçando-o em pensamentos… Liev Davidovitch podia imaginar a satisfação de Stalin ao receber mensagens como aquela, que o transformavam num dos poucos carrascos da história a obter a veneração de suas vítimas enquanto as empurrava para a morte… Em 11 de março, os autos tinham sido conclusos para a sentença. Quatro dias depois, os condenados à morte foram executados, garantia o Pravda…

Desde que aquela encenação começou a ser exibida, Liev Davidovitch manteve-se no seu quarto porque lhe era doloroso tentar responder às perguntas que lhe colocavam jornalistas, correligionários, secretários e guarda-costas, todos à procura de uma lógica existente para além do ódio, da obsessão conspiratória e da insanidade criminosa do homem que governava um sexto da Terra e a mente de milhões de pessoas em todo o mundo. Liev Davidovitch sabia que o único objetivo possível de Stalin nesses processos era desacreditar e eliminar adversários reais e potenciais e transferir para eles as culpas por cada um de seus fracassos. O que lhes escapava era aquele descrédito ser dirigido para o interior da sociedade soviética, que, numa porcentagem sem dúvida notável, devia acreditar em tudo o que era divulgado, por mais difícil que fosse sua assimilação. Outro grande objetivo era tornar o medo extensivo e onipresente, sobretudo o medo dos que tinham alguma coisa a perder. Por isso os primeiros destinatários daqueles expurgos tinham sido, na realidade, os burocratas: seguindo essa estratégia, Stalin atingia dezenas dos seus acólitos, incluindo vários membros do Politburo e secretários do Partido nas repúblicas, stalinistas que, de um dia para o outro, tinham sido qualificados como traidores, espiões ou ineptos. Se os oposicionistas de outros tempos foram desonrados publicamente, os stalinistas, pelo contrário, costumavam ser destruídos em silêncio, sem processos abertos, da mesma forma que tinham sido dizimados os comunistas de diversos países refugiados na União Soviética, contra quem Stalin, depois de usá-los, parecia ter se encarniçado.

O mais preocupante era saber que aquelas limpezas tinham afetado toda a sociedade soviética. Como era de se esperar, num Estado de terror vertical e horizontal, a participação das massas na depuração contribuíra para sua difusão geométrica, porque não era possível desencadear uma caçada como aquela que se vivia na União Soviética sem exacerbar os instintos mais baixos das pessoas e, sobretudo, sem que cada uma delas sofresse do terror de cair em suas redes, por qualquer motivo que fosse – ou mesmo sem motivos. O terror gerara o efeito de estimular a inveja e a vingança, além de ter criado um ambiente de histeria coletiva e, pior ainda, de indiferença pelo destino dos outros. A depuração alimentava-se de si própria e, uma vez desencadeada, libertava forças infernais que a obrigavam a seguir em frente e a crescer…

Semanas antes, Liev Davidovitch constatara dramaticamente o horror vivido por seus compatriotas quando uma velha amiga, fugida milagrosamente para a Finlândia, lhe escrevera: “É terrível verificar que um sistema nascido para resgatar a dignidade humana tenha recorrido à recompensa, à glorificação, ao estímulo da denúncia, e que se apoie em tudo o que é humanamente vil. A náusea sobe-me pela garganta quando ouço as pessoas dizerem: fuzilaram M., fuzilaram P., fuzilaram, fuzilaram, fuzilaram. As palavras, de tanto as ouvirmos, perdem seu sentido. As pessoas repetem-nas com a maior tranquilidade, como se estivessem dizendo: vamos ao teatro. Eu, que vivi esses anos no medo e senti a compulsão de denunciar (confesso com pavor, mas sem sentimento de culpa), deixei de sentir na minha mente a brutalidade semântica do verbo fuzilar… Sinto que chegamos ao fim da justiça na Terra, ao limite da indignidade humana. Que morreram demasiadas pessoas em nome daquela que, prometeram-nos, seria uma sociedade melhor”…”

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“Para a arte, a liberdade é sagrada, é a sua única salvação. Para a arte, tudo tem de ser tudo”. (Trotski)

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“Para indignação de poucos e para confirmação popular de suas boas intenções, o Grande Capitão tinha criticado os executores do expurgo, que fora acompanhado, as palavras eram suas, de “mais erros que os esperados”. Nesse caso, tudo teria corrido bem se só tivessem sido cometidos os erros esperados? Quantas pessoas podiam ser fuziladas por engano?

Na realidade, a mais dramática das certezas históricas que o Congresso revelara foi a de que o secretário-geral tinha chegado finalmente aonde desejava em sua ascensão ao céu do poder. O terror daqueles últimos anos tinha lhe permitido tirar de cena, de uma maneira ou de outra, dezoito dos vinte e sete membros do Politburo eleitos no último congresso presidido por Lenin, e poupar a cabeça de apenas um quinto dos membros do Comitê Central eleitos em 1934, quando a situação, pela última vez, esteve prestes a fugir-lhe das mãos. Stalin tinha demonstrado ser um verdadeiro gênio da trapaça: sua bem-sucedida eliminação de qualquer oposição no interior do Partido (apoiando-se no acordo sobre a ilegalidade das facções promovido por Lenin) transformou-se em sua arma política mais eficaz para acabar com a democracia e, mais tarde, instaurar o terror e levar a cabo os expurgos que lhe deram o poder absoluto. Talvez o primeiro erro do bolchevismo, deve ter pensado Liev Davidovitch, tenha sido a eliminação radical das tendências políticas que se lhe opunham. Quando essa política passou do exterior da sociedade para o interior do Partido, começou o fim da utopia. Se a liberdade de expressão fosse permitida na sociedade e dentro do Partido, o terror não teria conseguido se implantar. Por isso Stalin empreendera a depuração política e intelectual, para que ficasse tudo sob a alçada de um Estado devorado pelo Partido, de um Partido devorado pelo secretário-geral. Exatamente como Liev Davidovitch, antes da abortada revolução de 1905, disse a Lenin que aconteceria.”

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“O que mais o encorajava Trotski a dedicar-se à escrita daquela desoladora biografia de Stalin, era a convicção de que, tal como acontecera ao também deificado Nero, depois de sua morte as estátuas de Stalin seriam derrubadas e seu nome apagado de toda a parte, porque a vingança da história costuma ser mais terrível do que a do mais poderoso imperador que alguma vez existiu.”

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“Minha fama de boa pessoa, mais que a de veterinário eficiente, espalhou-se pela zona e as pessoas iam me ver com animais tão magros como elas (conseguem imaginar uma serpente magra?) e, por absurdo que pareça naqueles dias de escuridão, ofereciam-me medicamentos, linha para suturas, ataduras que por alguma razão haviam sobrado, numa prática fervorosa da solidariedade entre os fodidos, que é a única verdadeira.”

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“Embora ainda não tivesse começado a acompanhar Ana à igreja, Dany, Frank e os outros poucos amigos que via diziam que eu parecia estar trabalhando para minha candidatura à beatificação e minha ascensão incorpórea aos céus. A verdade era que, lendo e escrevendo sobre como a maior utopia que alguma vez os homens tiveram ao alcance da mão fora pervertida, mergulhando nas catacumbas de uma história que mais parecia um castigo divino que obra de homens ébrios de poder, de ânsias de controle e de pretensões de transcendência histórica, tinha aprendido que a verdadeira grandeza humana está na prática da bondade incondicional, na capacidade de dar aos que nada têm não o que nos sobra, mas uma parte do pouco que temos. Dar até doer, e não fazer política nem pretender prerrogativas com essa ação, muito menos praticar a enganosa filosofia de obrigar os outros a aceitar nossos conceitos do bem e da verdade por (acreditarmos) serem os únicos possíveis e por, além disso, deverem estar agradecidos pelo que lhes demos, mesmo que não o tivessem pedido. E, embora soubesse que a minha cosmogonia era de todo impraticável (e que merda fazemos com a economia, com o dinheiro, com a propriedade, para que tudo isso funcione? e que porra fazemos com os espíritos predestinados e com os filhos da puta de nascença?), satisfazia-me pensar que talvez um dia o ser humano pudesse cultivar essa filosofia, que me parecia tão elementar, sem sofrer as dores de um parto ou os traumas da obrigatoriedade, por pura e livre escolha, por necessidade ética de ser solidário e democrático. Masturbações mentais minhas…”

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“Com aquele impulso, que ele sabia ser um epílogo, Trotski pôs-se a dar forma às suas últimas vontades. “Durante 43 anos da minha vida consciente fui um revolucionário”, escreveu, “e durante 42 lutei sob a bandeira do marxismo. Se tivesse de começar outra vez, tentaria evitar este ou aquele erro, mas o decurso geral da minha vida permaneceria inalterado. Morrerei sendo um revolucionário proletário, um marxista, um materialista dialético e um ateu irreconciliável. Minha fé no futuro comunista da humanidade não é hoje menos ardente (antes, mais firme) do que era nos dias de minha juventude. (...) A vida é bela, os sentidos celebram sua festa… Que as gerações futuras limpem a vida de todo o mal, de toda a opressão e violência, e desfrutem dela com plenitude”.”

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“Ramón decidira desde o princípio, mesmo quando estava convencido de que Roquelia tinha sido enviada por seus chefes distantes, manter a mulher à margem dos pormenores mais profundos de sua relação com o mundo das trevas, porque, no meio dos ímpios de sempre, não saber é a melhor maneira de estar protegido.”

*

“– Compreende agora que somos uns empestados? Você consegue se dar conta de que somos o que Stalin criou de pior e, por isso, ninguém nos quer, nem aqui na União Soviética depois de sua morte, nem no Ocidente? Que, quando aceitamos a missão mais honrosa, estávamos nos condenando para sempre, porque íamos executar uma vingança que o cérebro enfermo de Stalin julgava necessária para conservar o poder?

– Stalin não era um doente. Nenhum doente governa meio mundo durante trinta anos. Vocês mesmos diziam: Stalin sabe o que faz…

– É verdade. Mas uma parte dele estava doente. Dizem que matou cerca de 20 milhões de pessoas. Um milhão pode ter sido por necessidade, os outros 19 milhões foram por doença, eu digo… Mas já lhe disse que Stalin não era o único doente.”

*

“Stalin, pare de enviar assassinos para me liquidarem. Já apanhamos cinco. Se não parar com isso, eu enviarei pessoalmente um homem a Moscou, e não haverá necessidade de mandar outro.” (Marechal Tito, em carta datada de 1950 encontrada nos arquivos pessoais de Stalin)

*

“Pensou que o fato de ter acreditado e lutado pela maior utopia jamais concebida implicava doses necessárias de sacrifícios. Ele, Ramón Mercader, tinha sido um dos arrastados pelos rios subterrâneos daquela luta desproporcional, e não valia a pena esquivar-se de responsabilidades nem tentar atribuir suas culpas a enganos e manipulações: ele encarnava um dos frutos podres que apareciam mesmo nas melhores colheitas e, ainda que fosse verdade que outros lhe tinham aberto as portas, ele atravessara, satisfeito, o umbral do inferno, convencido de que deveria existir a morada das trevas para que houvesse um mundo de luz.”

O homem que amava os cachorros – Leonardo Padura
Editora: Boitempo
ISBN: 978-85-7559-445-2
Tradução: Helena Pitta
Páginas: 592
Fonte: http://jornalggn.com.br/blog/doney/lista-de-livros-o-homem-que-amava-os-cachorros-de-leonardo-padura

da servidão moderna

 
Capítulo I: Epigrafo
“Meu otimismo está baseado na certeza que esta civilização vai desmoronar. Meu pessimismo em tudo aquilo que ela faz para arrastar-nos em sua queda.”

Capítulo II: A servidão voluntária
“Que época terrível esta, onde idiotas dirigem cegos.” 
William Shakespeare

A servidão moderna é uma escravidão voluntária, aceita por essa multidão de escravos que se arrastam pela face da terra. Eles mesmos compram as mercadorias que lhes escravizam cada vez mais. Eles mesmos correm atrás de um trabalho cada vez mais alienante, que lhes é dado generosamente se estão suficientemente domados. Eles mesmos escolhem os amos a quem deverão servir. Para que essa tragédia absurda possa ter sucedido, foi preciso tirar desta classe, a capacidade de se conscientizar sobre a exploração e a alienação da qual são vítimas. Eis então a estranha modernidade da época atual. Ao contrário dos escravos da Antiguidade, aos servos da Idade Média e aos operários das primeiras revoluções industriais, estamos hoje frente a uma classe totalmente escrava, que  no entanto não se dá conta disso ou melhor ainda, que não quer enxergar. Eles não conhecem a rebelião, que deveria ser a única reação legítima dos explorados. Aceitam sem discutir a vida lamentável que foi planificada para eles. A renúncia e a resignação são a fonte de sua desgraça.

Eis então o pesadelo dos escravos modernos que só aspiram a deixar-se levar pela dança macabra do sistema de alienação.

A opressão se moderniza estendendo-se por todas as partes, as formas de mistificação que permitem ocultar nossa condição de escravos. 

Mostrar a realidade tal qual é na verdade e não tal como mostra o poder constitui a mais autentica subversão.

Somente a verdade é revolucionária

Capítulo III: A organização territorial e o habitat
“O urbanismo é a tomada do meio ambiente natural e humano pelo capitalismo que, ao desenvolver-se em sua lógica de dominação absoluta, refaz a totalidade do espaço como seu próprio cenário.” 
Guy Debord, A sociedade do espetáculo

À medida que o homem constrói seu mundo com a força do trabalho alienado, o cenário deste mundo se converte na prisão onde terão que viver. Um mundo sórdido, sem sabor, nem odor, que leva consigo a miséria do modo de produção dominante.

Este cenário está em eterna construção. Nada nele é estável. A remodelação permanente do espaço que nos envolve se justifica pela amnésia generalizada e pela insegurança na qual devem viver seus habitantes. Trata-se de refazer tudo a imagem do sistema: o mundo se torna cada dia mais sujo e barulhento, como uma usina.

Cada parcela deste mundo é propriedade de um Estado ou de um particular. Este roubo social que é a apropriação exclusiva do solo, se encontra materializada na onipresença de muros, barreiras, e fronteiras... São as marcas visíveis desta separação que invade tudo. 

Mas ao mesmo tempo, a unificação do espaço, de acordo com os interesses da cultura mercante, é o grande objetivo da nossa triste época. O mundo deve transformar-se em uma imensa autopista, racionalizada ao extremo, para facilitar o transporte das mercadorias. Todo obstáculo, natural ou humano, deve ser destruído.

O ambiente onde se aglomera esta massa servil é o fiel reflexo de sua vida: se assemelha a jaulas, a prisões, a cavernas. Porém contrariamente aos escravos e aos prisioneiros, o explorado dos tempos modernos deve pagar por sua jaula.

““Porque não é o homem mas o mundo que se tornou um anormal.”
Antonin Artaud

Capítulo IV: A mercadoria
“A primeira vista, a mercadoria parece uma coisa simples, trivial, evidente, porém, analisando-a, vê-se complicada, dotada de sutilezas metafísicas e discussões teológicas.”

O Capital, Karl Marx, capítulo I, livro 4

E é neste lugar estreito e lúgubre, onde o escravo moderno acumula as novas mercadorias que deveriam, segundo as mensagens publicitárias onipresentes, trazer-lhe a felicidade e a plenitude. Porém quanto mais acumula mercadorias, mais ele se afasta da oportunidade de ser feliz.

“Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?
Marcos 8, 36

A mercadoria, ideológica por essência, despoja de seu trabalho aquele que a produz e despoja de sua vida aquele que a consume. No sistema econômico dominante, já não é mais a demanda que condiciona a oferta, mas a oferta que determina a demanda. Então é assim que de maneira periódica, surgem novas necessidades que são rapidamente consideradas como vitais para a maioria da população: primeiro foi o radio, depois o carro, a televisão, o computador e agora o telefone celular.

Todas estas mercadorias, distribuídas massivamente em um curto lapso de tempo, modificam profundamente as relações humanas: servem por um lado para isolar os homens um pouco mais de seu semelhante e por outro a difundir as mensagens dominantes do sistema. As coisas que se possuem acabam por possuir-nos.

Capítulo V: A Alimentação
“O que vem a ser alimento para um é veneno para o outro.”
Paracelso

Porém é quando se alimenta que o escravo moderno ilustra melhor o estado de decadência em que se encontra. Dispondo de um tempo cada vez mais limitado para preparar a comida que ingurgita, ele se vê obrigado a engolir rápido o que a indústria agroquímica produz, errando pelos supermercados à procura dos ersatzes que a sociedade da falsa abundância consenti em dar-lhe. Ai ainda, só lhe resta a ilusão da escolha. A abundância dos produtos alimentícios apenas dissimula sua degradação e sua falsificação. Não são mais que organismos geneticamente modificados, uma mistura de colorantes e conservantes, de pesticidas, de hormônios e de outras tantas invenções da modernidade. O prazer imediato é a regra do modo de alimentação dominante, também é a regra de todas as formas de consumo. E as conseqüências que ilustram esta forma de alimentação se vêem em todas as partes.

Mas é frente a indigência da maioria que o homem ocidental goza de sua posição e de seu consumismo frenético. Em vista disso, a miséria está em todos os lados onde reina a sociedade totalitária mercante. A escassez é o reverso da moeda da falsa abundância. E num sistema que promove a desigualdade como critério de progresso, mesmo se a produção agro-química é suficiente para alimentar a totalidade da população mundial, a fome nunca deverá desaparecer.

Estão convencidos de que o homem, espécie pecadora por excelência, domina a criação. Como  se todas as outras criaturas tivessem sido criadas apenas para servir-lhes a comida, a roupa, para serem martirizadas e exterminadas.” 
Isaac Bashevis Singer

A outra conseqüência da falsa abundância alimentícia é a generalização das usinas de concentração e de exterminação massiva e bárbara das espécies que servem de alimento aos escravos. Esta é a real essência do modo de produção dominante. A vida e a humanidade não resistem ante o desejo de proveito de certos indivíduos.

Capítulo VI: A destruição do meio ambiente
«Que triste é pensar que a Natureza fala e que a espécie humana não a escuta»
Victor Hugo

E a espoliação dos recursos do planeta, a abundante produção de energia ou de mercadorias, o lixo e os resíduos do consumo ostentoso, hipotecam a possibilidade de sobrevivência de nossa Terra e das espécies que nela habitam. Porém para deixar livre curso ao capitalismo selvagem, o crescimento econômico nunca deve parar. É preciso produzir, produzir e reproduzir mais ainda.

E são os mesmo poluidores que se apresentam hoje como salvadores potenciais do planeta. Estes imbecis da indústria do espetáculo patrocinados pelas empresas multinacionais tentam convencer-nos de que uma simples mudança em nossos hábitos seria suficiente para salvar o planeta de um desastre.  E enquanto nos culpam, continuam poluindo sem cessar, nosso meio ambiente e nosso espírito. Essas pobres teses pseudo-ecológicas são repetidas pelos políticos corruptos em seus slogans publicitários. Porém nunca propõem uma mudança radical no sistema de produção. Trata-se, como sempre, de mudar alguns detalhes para que tudo fique como antes.

Capítulo VII: O trabalho
Trabalho, do latin Tripalium, três paus, instrumento de tortura.

Mas para entrar na ronda do consumo frenético, é necessário ter dinheiro e para conseguir dinheiro, é preciso trabalhar, ou  seja vender-se. O sistema dominante fez do trabalho seu principal valor. E os escravos devem trabalhar mais e mais para pagar a crédito sua vida miserável. Eles estão esgotados de tanto trabalhar, perdem a maior parte de sua energia e têm que suportar as piores humilhações. Passam toda sua vida realizando uma atividade extenuante e insidiosa que é proveitosa apenas para alguns.

A invenção do desemprego moderno tem como objetivo assustar-los e fazê-los agradecer sem parar a generosidade do poder que se mostra tão generoso com eles. Que fariam sem essa tortura que é o trabalho? E são essas atividades alienantes que são apresentadas como libertadoras. Que mesquinhez e que miséria!

Sempre apressados pelo cronômetro ou pela chibata, cada gesto dos escravos é calculado afin de aumentar a produtividade. A organização científica do trabalho constitui a real essência da desapropriação dos trabalhadores, seja do fruto de seu trabalho, mas também do tempo que eles passam na produção automática das mercadorias ou dos serviços. O papel do trabalhador se confunde com o da máquina nas usinas, com o do computador nas oficinas. O tempo pago não volta mais.


Assim, a cada trabalhador é atribuído um trabalho repetitivo, seja ele intelectual ou físico. Ele é um especialista em seu domínio de produção. Essa especialização encontra-se na escala do planeta, no âmbito da divisão internacional do trabalho. Concebe-se em Ocidente, se produz na Ásia, se morre na África.

Capítulo VIII: A colonização de todos os setores da vida
“é o homem inteiro que é condicionado ao comportamento produtivo pela organização do trabalho, e fora da fábrica ele conserva a mesma pele e a mesma cabeça.”
Christophe Dejours

O escravo moderno teria sido capaz de se contentar de sua servidão ao trabalho, mas à medida que o sistema de produção coloniza todos os setores da vida, o dominado perde seu tempo com lazeres, com diversões e férias organizadas. Em nenhum momento de seu cotidiano, ele foge da influência do sistema que faz parte de cada instante de sua vida. É um escravo a tempo integral.

 Capíulo IX: A medicina mercantil
"A medicina faz-nos morrer mais...”
Plutarco

A origem dos males do escravo moderno está na degradação generalizada de seu ambiente, do ar que respira, e da comida que ele consome; o stress provocado pelas suas condições de trabalho e pelo conjunto de sua vida social.

Sua condição subserviente é um mal que nunca encontrará remédio. Somente a total liberação da condição na qual ele se encontra, pode permitir ao escravo moderno se liberar de seus sofrimentos.

A medicina ocidental só conhece um remédio contra os males dos quais sofrem os escravos modernos: a mutilação. É à base de cirurgias, de antibiótico ou de quimioterapia que se trata os pacientes da medicina mercantil. Nunca se ataca a origem do mal, senão que a suas conseqüências, pelo motivo de que esta busca da origem do mal nos conduziria inevitavelmente à condenação fatal da organização social em toda sua totalidade.

Assim como ele transformou todos os detalhes de nosso mundo em simples mercadoria, o sistema atual fez de nosso corpo uma mercadoria, um objeto de estudo e de experiências para os pseudo-aprendizes de medicina mercantil e para a biologia molecular. Os donos do mundo já estão prontos para patentear os seres vivos. 

A seqüência completa do ADN do genoma humano é o ponto de partida de uma nova estratégia posta em ação pelo poder. A descodificação genética não tem outro objetivo que o de amplificar consideravelmente as formas de dominação e de controle.

Depois de tudo, nosso corpo também não nos pertence. 

 Capítulo X: A obediência como segunda natureza
“De tanto obedecer, adquirimos reflexos de submissão.”

Anônimo

O melhor de sua vida foge entre seus dedos, mas ele prossegue assim, pois já está acostumado a sempre obedecer. A obediência se tornou sua segunda natureza. Ele obedece sem saber por qual razão, simplesmente porque ele sabe que deve obedecer. Obedecer, produzir e consumir, eis ai o trítico que domina sua vida. Obedece-se aos pais, aos professores, aos patrões, aos proprietários, aos comerciantes, obedecem-se também as leis, as forças da ordem e a todos os tipos de poderes, pois ele não sabe fazer outra coisa. Não existe algo que lhe dê mais medo que a desobediência, já que desobedecer, aventurar, mudar, é muito arriscado. Assim como uma criança que perde de vista seus pais, o escravo moderno se sente perdido sem o poder que o criou. Então ele continua obedecendo.

É o medo que nos fez escravos e que nos mantêm nesta condição. Baixamos a cabeça frente aos donos do mundo, aceitamos esta vida de humilhação e de miséria somente por medo.

No entanto, dispomos da força numérica frente a esta minoria que governa. A força deles não sai de seus policiais, mas de nosso consentimento. Justificamos nossa covardia diante do enfrentamento legítimo contra as forças que nos oprime com um discurso cheio de humanismo moralizador. A rejeição da violência revolucionária está ancorada nos espíritos daqueles que se opõem ao nome dos valores que esse mesmo sistema nos ensinou.

Porém, quando se trata de conservar sua hegemonia, o poder não hesita em se servir da violência.

Capítulo XI: A repressão e a violência
Sob um governo que prende qualquer homem injustamente, o único lugar digno para um homem justo é também a prisão.”
Henry David Thoreau, A desobediência civil

No entanto, ainda existem indivíduos que escapam ao controle das consciências, mas estão sob vigilância. Todo ato de rebelião ou de resistência está de fato assimilada a uma atividade desviada ou terrorista. A liberdade só existe para aqueles que defendem os imperativos mercantis. A oposição real ao sistema dominante, infelizmente, é totalmente clandestino. Para estes opositores, a repressão é a regra em uso. E o silêncio da maioria dos escravos frente a essa repressão está justificado na aspiração mediática e política que nega o conflito existente na sociedade atual.

Capítulo XII: o dinheiro
“O que outrora se fazia “por amor a Deus”, hoje se faz por amor do dinheiro, isto é, daquilo que hoje confere o sentimento de poder mais elevado e a boa consciência.” 
Aurora, Nietzsche

Como todos os seres oprimidos da historia, o escravo moderno precisa de seu misticismo e de seu deus para anestesiar o mal que lhe atormenta e o sofrimento que o sufoca. Mas este novo deus, a quem entregou sua alma, não é nada mais que nada. Um pedaço de papel, um número que apenas tem sentido porque todo mundo decidiu dar-lhe. É em nome desse novo deus que ele estuda, que ele trabalha, que ele luta e se vende. É em nome desse novo deus que abandonou seus valores e está disposto a fazer qualquer coisa. Ele acredita que quanto mais tem dinheiro mais se libertará dos problemas dentro dos quais ele está aprisionado.  Como se a possessão andasse de mãos dadas com a liberdade. A liberação é uma ascese que provém do domínio de si mesmo; um desejo e uma vontade de atuar. Está no ser e não no ter. Porém é preciso decidir-se a não mais servir, nem obedecer. É preciso também romper com esse hábito que, ao parecer, ninguém ousa recriminar.

Capitulo XIII: Não há alternativa na organização social dominante

Acta est fabula
(a peça está representada)

Ora, escravo moderno está convencido de que não existe alternativa na organização do mundo atual. Ele se resignou a esta vida porque pensa que não pode haver outra. E é ai mesmo que se encontra a força da dominação presente: entreter a ilusão desse sistema que colonizou toda a face da Terra é o fim da história. Convenceu a classe dominada que adaptar-se a sua ideologia é como adaptar-se ao mundo tal qual se mostra e como sempre foi. Sonhar com outro mundo se tornou um crime criticado unanimemente pelos meios de comunicação e os poderes públicos. O criminoso é na realidade aquele que contribui, consciente ou não, na demência da organização social dominante. Não existe loucura maior que a do sistema atual.

Capítulo XIV: A imagem
E, se não, fica sabendo ó rei, que não serviremos a teus deuses nem adoraremos a estátua de ouro que levantaste.

Antigo Testamento, Daniel 3 :18.

Frente à devastação do mundo real, é preciso que o sistema atual colonize a consciência dos escravos. É por isso que no sistema dominante, as forças de repressão são precedidas pela dissuasão, que desde a infância, realiza sua obra de formação de escravos. Eles devem esquecer-se de sua condição servil, de sua prisão, e de sua vida miserável. Basta olhar essa multidão hipnotizada frente as telas que acompanham sua vida cotidiana. Eles enganam sua insatisfação permanente com o reflexo manipulado de uma vida sonhada, feita de dinheiro, de glória e de aventura. Mas seus sonhos são tão lamentáveis como sua vida miserável.

Existem imagens para todos e por todos os lados. Essas imagens levam consigo a mensagem ideológica da sociedade moderna e serve de instrumento de unificação e de propaganda. Vão crescendo à medida que o homem é desapropriado de seu mundo e de sua vida.

A criança é a primeira vítima destas imagens, pois se trata de sufocar a liberdade desde o berço. É necessário tornar-los estúpidos e tirar-lhes toda capacidade de reflexão e de crítica. Tudo isso se faz, evidentemente, com a cumplicidade desconcertante dos pais que não buscam se quer resistir frente à força imponente de todos os meios modernos de comunicação. Eles mesmos compram todas as mercadorias necessárias para escravizar sua progenitura. Desapropriam-se da educação de seus filhos e deixam que o sistema alienador e medíocre, se encarregue dela.

Existem imagens para todas as idades e para todas as classes sociais. Os escravos modernos confundem essas imagens com cultura e, às vezes, com arte. Recorrem-se aos instintos mais baixos para vender qualquer mercadoria. E, é a mulher duplamente escrava da sociedade atual, que paga o preço mais alto. Ela é apresentada como simples objeto de consumo. A revolta foi também transformada em uma imagem que se vende para melhor destruir seu potencial subversivo. A imagem ainda é, até hoje, a forma de comunicação mais direta e mais eficaz: ela cria modelos, aliena as massas, menti, e promove frustrações. Difundi-se a ideologia mercantil pela imagem, pois o objetivo continua sendo o mesmo: vender, modelos de vida ou produtos, comportamentos ou mercadorias. Vender é o único que importa.  

Capítulo XV: A diversão
“A televisão aliena  aos que a vêm, e não aos que a fazem.”
Patrick Poivre d’Arvor

Estas pobres criaturas se divertem, mas esse divertimento só serve para distrair os mesmos do verdadeiro mal que lhes afeta. Deixaram que fizessem de suas vidas qualquer coisa e fingem sentirem-se orgulhosos por isso. Tentam transmitir uma satisfação, mas ninguém acredita. Não conseguem se quer enganar-se a si mesmos quando se deparam com reflexo frio do espelho da vida. Assim perdem tempo com estúpidos que lhes fazem rir e cantar, sonhar ou chorar. 

Através do esporte midiatizado se representa o êxito e o fracasso, os esforços e as vitórias, que os escravos modernos deixaram de viver em seu cotidiano. Sua insatisfação lhe incita a viver por procuração frente ao aparelho de televisão. Assim como os imperadores da Roma antiga compravam a submissão do povo com pão e jogos, hoje em dia é com diversões e consumo do vazio que se compra o silêncio dos escravos. 

Capítulo XVI: A linguagem 
“Nós acreditamos que dominamos as palavras, mas são as palavras que nos dominam.”
Alain Rey

O controle das consciências passa essencialmente pela utilização viciada da linguagem utilizada pela classe economicamente e socialmente dominante. Sendo o detentor de todos os meios de comunicação, o poder difusa a ideologia mercantil através da definição petrificada, parcial e falsa que ele dá das palavras. 

As palavras são apresentadas como neutras e sua definição como evidente. Porém estando sob controle do poder, a linguagem designa sempre algo muito diferente da vida real.  É antes de tudo uma linguagem de resignação e impotência, a linguagem da aceitação passiva das coisas tais como são e tais quais devem permanecer. As palavras trabalham por conta da organização dominante da vida e o fato mesmo de utilizar a linguagem do poder nos condena a impotência.

O problema da linguagem está no centro da luta pela emancipação humana. Não é uma forma de dominação que se junta a outras, mas o coração mesmo do projeto de submissão do sistema mercantil totalitário.

Para que uma mudança radical surja de novo, é preciso uma retomada radical da linguagem, e também da comunicação real entre as pessoas. É nisto que o projeto revolucionário se une ao projeto poético. Na efervescência popular, a palavra é tomada e reinventada por grupos extensos. A espontaneidade criadora se apodera de cada um e nos reúne a todos.  

Capítulo XVII: A ilusão do voto e da democracia parlamentar 
“Votar é abdicar.”
Élisée Reclus

No entanto, os escravos modernos ainda se vêm como cidadãos. Eles acreditam que votam realmente e decidem livremente quem vai dirigir seus negócios. Como se eles ainda tivessem escolha. Apenas conservaram a ilusão. Vocês acreditam que ainda existe uma diferença fundamental quanto à escolha da sociedade na qual nós queremos viver entre o Partido Socialista e a Direita Populista na França, entre os Democratas e os Republicanos nos Estados Unidos, entre os Trabalhistas e Conservadores no Reino Unido? Não existe oposição, pois os partidos políticos dominantes estão de acordo sobre o essencial que é a conservação da atual sociedade mercantil.

Não existem partidos políticos susceptíveis de chegar ao poder que duvidem do dogma do mercado. E são estes partidos que com a cumplicidade mediática monopoliza as aparências. Discutem por pequenos detalhes esperando que tudo fique onde está.  Brigam por saber quem ocupará os lugares oferecidos pelo parlamentarismo mercantil. Estas estúpidas briguinhas são difundidas pelos meios na intenção de ocultar um verdadeiro debate sobre a escolha da sociedade na qual desejamos viver. A aparência e a futilidade dominam profundamente o afronto e as idéias. Tudo isto não se parece nem de perto nem de longe a uma democracia.

A democracia real se define primeiro e antes de tudo pela participação massiva dos cidadãos na gestão dos interesses da cidade. Ela é direta e participativa e encontra sua maior expressão na assembléia popular e no diálogo permanente sobre a organização da vida comum. A forma representativa e parlamentar que usurpa o nome da democracia limitam o poder dos cidadãos pelo simples direito ao voto, ou seja, a nada, tão real, que não existe diferença entre o cinza claro e o cinza escuro. As cadeiras do Parlamento estão ocupadas pela imensa maioria da classe econômica dominante, seja ela de direita ou da pretendida esquerda social-democrática.

O poder não é para ser conquistado, ele tem que ser destruído. O poder é tirano por natureza, seja ele exercido por um rei, por um ditador ou um presidente eleito. A única diferença no caso da democracia parlamentar é que os escravos têm a ilusão de que podem escolher eles mesmos o mestre que eles deverão servir. O direito ao voto fez dos mesmos cúmplices da tirania esmagadora. Eles não são escravos porque existem amos, senão que existem amos porque decidiram permanecerem escravos. 

Capítulo XVIII: O sistema mercantil totalitário
"A natureza não criou amos nem escravos, eu não quero dar nem receber leis.”
Denis Diderot

O sistema dominante se define então pela onipresença de sua ideologia mercante.  Ela ocupa ao mesmo tempo todo o espaço e todos os setores da vida. Ela não diz nada mais que: Produza, venda, consuma, acumula! Ela reduziu todas as relações humanas em relações mercantes e considera nosso planeta como uma simples mercadoria. O dever que nos impõe é o trabalho servil. O único direito que ele reconhece é o direito a propriedade privada. O único deus que ele adora é o dinheiro.   

O monopólio da aparência é total. Somente aparecem os homens e os discursos favoráveis na ideologia dominante. A crítica deste mundo está afogada no mar mediático que determina o que é bem ou mal, o que se pode ver ou não.

A onipresença da ideologia, o culto ao dinheiro, monopólio da aparência, partido único disfarçado de pluralismo parlamentar, ausência de uma oposição visível, repressão sob todas as formas, vontade de transformar o homem e o mundo. Eis o verdadeiro rosto do totalitarismo moderno que chamamos “democracia liberal”, porém é necessário chamá-la pelo seu verdadeiro nome: o sistema mercantil totalitário.

O homem, a sociedade e o conjunto de nosso planeta estão ao serviço desta ideologia. O sistema mercantil totalitário realizou o que nenhum totalitarismo conseguiu fazer antes: unificar o mundo a sua imagem. Hoje já não existe exílio possível.

Capítulo XIX: Perspectivas

À medida que a opressão se estende por todos os setores da vida, a revolta toma aspecto de uma guerra social. Os motins renascem e anunciam a futura revolução.

A destruição da sociedade mercantil totalitária não é um caso de opinião. É uma necessidade absoluta num mundo que já está condenado. Pois o poder está em todos os lados, deve ser por todas as partes e todo o tempo que devemos combatê-lo.

A reinvenção da linguagem, o transtorno permanente da vida cotidiana, a desobediência e a resistência são as palavras mágicas da revolta contra a ordem estabelecida. Mas para que desta revolta surja uma revolução, é preciso reunir as subjetividades em uma frente comum. 

É na unidade de todas as forças revolucionárias que devemos trabalhar. Isso só se pode conseguir quando temos consciência de nossos fracassos passados: nem o reformismo estéril, nem a burocracia totalitária não podem ser uma solução para nossa insatisfação. Trata-se de inventar novas formas de organização e de luta.

Capítulo XX: Epílogo 
"Cavalheiros, a vida é muito curta… Se nós vivemos, vivemos para andar sobre a cabeça dos reis.”
William Shakespeare, Henrique IV

A autogestão nas empresas e a democracia direta na escala comunal constituem as bases desta nova organização que deve ser anti-hierárquica tanto na forma quanto no conteúdo.

O poder não é para ser conquistado, ele deve ser destruído.

Jean-François Brient

Tradução: Elisa Gerbenia Quadros
Fonte: http://razaoradical.org/servidaomoderna.htm