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Alívio após uma doença


Jair acordou a meio da noite. Mandara colocar uma cama dentro do closet e era ali que dormia. Durante o dia tirava a cama, instalava uma secretária e recebia os filhos, os ministros e os assessores militares mais próximos.

Alguns estranhavam. Entravam tensos e desconfiados no armário, esforçando-se para que os seus gestos não traíssem nenhum nervosismo. Interrogado a respeito pela Folha de São Paulo, o deputado Major Olímpio, que chegou a ser muito próximo de Jair, tentou brincar: “Não estou sabendo, mas não vou entrar em armário nenhum. Isso não é hétero.” Michelle, que também se recusava a entrar no armário, fosse de dia ou de noite, optou por dormir num outro quarto do Palácio da Alvorada.

Aliás, o edifício já não se chamava mais Palácio da Alvorada. Jair oficializara a mudança de nome: “Alvorada é coisa de comunista!” — Esbravejara: “Certamente foi ideia desse Niemeyer, um esquerdopata sem vergonha.”

O edifício passara então a chamar-se Palácio do Crepúsculo. O Presidente tinha certa dificuldade em pronunciar a palavra, umas vezes saía-lhe grupúsculo, outras prepúcio, mas achava-a sólida, máscula, marcial. Ninguém se opôs.

Naquela noite, pois, Jair Messias Bolsonaro despertou dentro de um closet, no Palácio do Crepúsculo, com uma gargalhada escura rompendo das sombras. Sentou-se na cama e com as mãos trêmulas procurou a glock 19, que sempre deixava sob o travesseiro.

— Largue a pistola, não vale a pena!

A voz era rouca, trocista, com um leve sotaque baiano. Jair segurou a glock com ambas as mãos, apontando-a para o intenso abismo à sua frente:

— Quem está aí?

Viu então surgir um imenso veado albino, com uma armação incandescente e uns largos olhos vermelhos, que se fixaram nos dele como uma condenação. Jair fechou os olhos. Malditos pesadelos.

Vinha tendo pesadelos há meses, embora fosse a primeira vez que lhe aparecia um veado com os cornos em brasa. Voltou a abrir os olhos. O veado desaparecera. Agora estava um índio velho à sua frente, com os mesmos olhos vermelhos e acusadores:

— Porra! Quem é você?

— Tenho muitos nomes. — Disse o velho. — Mas pode me chamar Anhangá.

— Você não é real!

— Não?

— Não! É a porra de um sonho! Um sonho mau!

O índio sorriu. Era um sorriso bonito, porém nada tranquilizador. Havia tristeza nele. Mas também ira. Uma luz escura escapava-lhe pelas comissuras dos lábios:

— Em todo o caso, sou seu sonho mau. Vim para levar você.

— Levar para onde, ô paraíba? Não saio daqui, não vou para lugar nenhum.

— Vou levar você para a floresta.

— Já entendi. Michelle me explicou esse negócio dos pesadelos. Você é meu inconsciente querendo me sacanear. Quer saber mesmo o que acho da Amazônia?! Quero que aquela merda arda toda! Aquilo é só árvore inútil, não tem serventia. Mas no subsolo há muito nióbio. Você sabe o que é nióbio? Não sabe porque você é índio, e índio é burro, é preguiçoso. O pessoal faz cordãozinho de nióbio. As vantagens em relação ao ouro são as cores, e não tem reação alérgica. Nióbio é muito mais valioso que o ouro.

O índio sacudiu a cabeça, e agora já não era um índio, não era um veado — era uma onça enfurecida, lançando-se contra o presidente:

— Acabou!

Anhangá colocou um laço no pescoço de Jair, e no instante seguinte estavam ambos sobre uma pedra larga, cercados pelo alto clamor da floresta em chamas. Jair ergueu-se, aterrorizado, os piscos olhos incrédulos, enquanto o incêndio avançava sobre a pedra:

— Você não pode me deixar aqui. Sou o presidente do Brasil!

— Era. — Rugiu Anhangá, e foi-se embora.

Na manhã seguinte, o ajudante de ordens entrou no closet e não encontrou o presidente. Não havia sinais dele. “Cheira a onça”, assegurou um capitão, que nascera e crescera numa fazenda do Pantanal. Ninguém o levou a sério.

Ao saber do misterioso desaparecimento do marido, Michelle soltou um fundo suspiro de alívio.

Os generais soltaram um fundo suspiro de alívio. Os políticos (quase todos) soltaram um fundo suspiro de alívio.

Os artistas e escritores soltaram um fundo suspiro de alívio. Os gramáticos e outros zeladores do idioma, na solidão dos respetivos escritórios, soltaram um fundo suspiro de alívio.

Os cientistas soltaram um fundo suspiro de alívio. Os grandes fazendeiros soltaram um fundo suspiro de alívio.

Os pobres, nos morros do Rio de Janeiro, nas ruas cruéis de São Paulo, nas palafitas do Recife, soltaram um fundo suspiro de alívio.

As mães de santo, nos terreiros, soltaram um fundo suspiro de alívio.

Os gays, em toda a parte, soltaram um fundo suspiro de alívio.

Os índios, nas florestas, soltaram um fundo suspiro de alívio.

As aves, nas matas, e os peixes, nos rios e no mar, soltaram um fundo suspiro de alívio.

O Brasil, enfim, soltou um fundo suspiro de alívio — e a vida recomeçou, como se nunca, à superfície do planeta Terra, tivesse existido uma doença chamada Jair Messias Bolsonaro.

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Publicado originalmente na revista “Visão” de Portugal. Reproduzido no blog do Juca Kfouri.
Por José Eduardo Agualusa

Fonte: https://www.brasil247.com/cultura/escritor-angolano-descreve-o-triste-fim-de-jair-messias-bolsonaro?fbclid=IwAR3SKBlHl6s4WL5xjFvLRxpGvrN7u8GoLC_ZKDmUX3E3JchB5kZX5gMX1js

A professora



Dois termos se confundem hoje, mas carecem de resgate da significância: pedagogo e mestre. O primeiro deriva etimologicamente do substantivo grego paidós (criança) e do verbo agô (guiar, conduzir) e era como se chamavam os escravos que acompanhavam os filhos de seus senhores quando estes iam à escola estudar com os mestres (o segundo termo, que os gregos chamavam de didáskalós) e pode ser definido como “aquele que guia”. Com a evolução diacrônica do vocábulo, os dois termos tornaram-se intercambiáveis.

O nome dela era Niedja, foi minha professora de português e inglês desde a 6ª Série Ginasial até o 2º Grau (hoje Ensino Médio). Eu não lembro o primeiro dia de aula que tive com ela, talvez não estivesse consciente do quão indelevelmente ela marcaria a minha vida, mas eu lembro a última vez que a vi, há mais de trinta anos. Envergava a farda alabastrina da Marinha, ela me saudou com um galanteio e foi embora, não sabia que era a última vez que a via.

Ela conseguia enxergar em mim alguns valores e predicados que eu sequer achava que tinha, talvez nem enxergasse, talvez apenas estivesse semeando na minha mente sem luz (alumnus: "sem luz"). Quando descobriu o meu amor pelos livros, invariavelmente me trazia livros dela para que eu lesse, lembro de ter lido Canguru de D H Lawrence, que só vim entender muitos anos depois, alguns outros títulos eu sequer tornei a encontrar depois, foi uma experiência rara. Ainda consigo rever com nitidez a cena: ela entrando na sala colocando os materiais de aula sobre a mesa e chamando meu nome, eu me levantava, ela então me entregava um livro, nem sei se eu agradecia, tal era a vergonha que ficava, e empreendia a jornada de regresso. A distância do bureaux até minha cadeira se tornava quilométrica, era fulminado por dezenas de olhos, nem sempre favoráveis e compreensivos.

Algumas vezes me fazia ir ao quadro-negro que já era verde à época, para transcrever as palavras que ela ditava (chamávamos esse tipo de atividade de “ditado”) para toda a classe, como sabia que eu dificilmente erraria, me expunha sem medo. Sabia que ela fazia isso porque acreditava em mim, eu porém tinha a letra feia e não conseguia escrever no quadro de forma simétrica, minhas linhas pareciam um eletrocardiograma, e não gostava da gozação dos meus colegas me perguntando que letra era aquela que eu tinha "hieroglifado".

Um dia eu não me dei conta de que era aula de português e me preparei para a aula de inglês, ela me pediu para ir ao quadro e soletrou: "h-e-d-i-o-n-d-o", eu não consegui escrever, minha mente se recusava a me ajudar, eu pensava que era um vocábulo novo, eu nunca tinha ouvido aquele som em inglês, depois de minutos de confusão e caos, ela me disse que a aula era de português, eu me sentei constrangido e deixei que outro aluno tomasse meu lugar.

A sensação de decepcionar àquela professora me acompanha até hoje, foi a primeira pessoa que enxergou em mim o que ninguém enxergava, nunca me perdoei por aquele deslize, talvez por isso até hoje seja tão cuidadoso com o ato de escrever e falar.

Posso dizer sem medo de errar que Niedja foi a professora de minha vida, ela era até bonita, elegante, tinha a idade da minha mãe (suponho até que fosse mais velha), porém, não havia a relação de transferência de afeto ou de estar apaixonado pela professora, havia uma transcendentalidade naquela relação, tanto que a venero até hoje, muito embora não saiba sequer se ela já partiu desta realidade.

Tive outras duas professoras que me marcaram muito: uma na segunda série primária e outra na quarta. A da segunda era carinhosa e atenciosa, a da quarta me mandava corrigir as provas de meus colegas, eles me detestavam por isso, eu só tirava dez, ela corrigia e saia da sala e me pedia para corrigir as dos demais, nunca trai a sua confiança e ela nunca alterou qualquer nota que eu tenha colocado. Me fez aprender o que era responsabilidade e profissionalismo, antes mesmo dos dez anos. Falo profissionalismo por um fato: eu tinha, obviamente, desafetos na sala, nunca deixei que as nossas diferenças interferissem no meu julgamento e eles sabiam disso. Um dos professores que nunca esqueci foi um de história na academia na Marinha que eu estudei ao término da ditadura, ele descobriu que eu conseguia ler parágrafos inteiros sem pestanejar e numa velocidade acima da média, então me pedia para que eu lesse todos os capítulos que lecionaria, eu gostava daquela atividade, tornava a aula menos entediante, pelo menos para mim, por causa disso virei motivo de chacota dos meus colegas de turma: me alcunharam de “Jornal Nacional”.

Olhando para trás eu percebo hoje que sempre fui um aluno prestigiado por meus professores de português e história, as disciplinas que eu sequer precisava estudar para ser aprovado. Raquel e Dulce foram responsáveis pelo meu amor pela história e por ter me aprofundado com tanto gosto e zelo por essa disciplina, a gratidão que tenho a estas professoras é muito grande, mormente a conjuntura atual de completa alheação da história e de seus marcos basilares. Não sabia à época o quanto o estudo da história seria imprescindível para mim, hoje olho para trás com satisfação, acredito que as duas teriam orgulho de mim se soubessem quais as escolhas ideológicas que fiz nestes quase 40 anos.

Tive professores ruins também: um de matemática que sadicamente dava aulas, detesto matemática até hoje por causa dele, atribuí a disciplina ao seu caráter irascível e ranzinza. Era um sádico que se divertia em mostrar o lado difícil da matemática, não de ensinar de fato, deve ter sido uma pessoa triste e solitária, era perceptível que ele se divertia ao reprovar os alunos, não conheci nenhum outro professor tão pequeno e mesquinho quanto ele. Outro professor que não gosto de lembrar foi um de ciências. Ele me fez abandonar a aula depois que discutimos Criacionismo X Evolucionismo, eu argumentei que Criacionismo era mais uma questão de fé do que de provas científicas, ele se irou com o fato de eu dizer que colocaria na prova os argumentos de Darwin, porém, não alteraria a minha fé em função do que havia ensinado. Como podem ver não é de hoje que eu gosto de uma polêmica. A incapacidade dele de lidar com um aluno disciplinado e estudioso que divergia de suas afirmações me marcaram bastante e me ensinaram muito, me mostraram qual o caminho que eu como professor nunca deveria trilhar.

A foto que está no início desse post é da professora Marcia Friggi, de 51 anos, que foi agredida por um aluno recententemente (outubro de 2017), vou usar como a imagem do estereótipo de docente que quero homenagear neste texto.

Mestra Niedja, onde estiver, meu muito obrigado por acreditar em mim, muito do que sou devo a você, espero que a vida lhe tenha sido generosa o quanto você foi com um adolescente desengonçado, magricela e esquisito que só vivia com um livro debaixo do braço. Todas as vezes que assumo uma cátedra, que inicio uma aula, você está ali, pois foi com você que eu aprendi a ser professor: descobri o que há de melhor em cada um dos alunos e permitir que estas qualidades aflorem. Espero que tenha orgulho de eu ter escolhido tua profissão e espero estar honrando tua memória dignamente cada vez que inicio uma aula.

Um beijo muito carinhoso de quem nunca vai deixar de ser teu aluno.

"Sangue nas mãos"


Senhores (as) líderes evangélicos, graça, paz e discernimento!

As eleições se avizinham, e boa parte dos pastores de nosso país tem manifestado seu apoio à candidatura de Jair Bolsonaro. A maioria alega ser ele o que melhor representa os anseios do povo evangélico, principalmente devido ao seu discurso favorável à família tradicional e aos valores morais tão caros ao cristianismo.

De repente, sinto-me como se houvesse viajado no tempo e revivesse os dias da guerra fria, quando o mundo se via ameaçado pela eclosão de uma guerra nuclear envolvendo as duas potências mundiais: A União Soviética e os Estados Unidos. Colegas vociferam de seus púlpitos sobre o perigo do comunismo que ronda a nossa sociedade. Pergunto-me em que mundo estamos vivendo, afinal? Qualquer um que levante sua voz a favor do pobre, do excluído, do oprimido, logo é tachado de esquerdopata, comunista, “agente do inferno”, e coisa parecida.

Os senhores já pararam para se perguntar sobre o que estaria por trás deste discurso ultraconservador? Há uma onda conservadora varrendo a Europa e os EUA, suscitando velhos rancores contra os imigrantes, os homossexuais, as minorias, a classe operária, etc.

No meio desta avalanche de intolerância, eis que uma voz destoante se faz ouvir mundo afora. Não de um pastor como foi nos dias de Luther King nos EUA, ou de Bonhoeffer na Alemanha, mas de um Papa, líder da instituição mais conservadora do mundo. Por ironia, justamente o primeiro Papa latino-americano se levanta contra tudo e contra todos os que insistem em ressuscitar um discurso que há décadas parecia ter sido abandonado e enterrado. Enquanto isso, a igreja evangélica, que por tanto tempo esteve na vanguarda na luta pelos direitos humanos passa a se aliar com o que há de mais retrógrado e ultrapassado. Que vergonha! Tudo em nome de nossos escrúpulos moralistas.

Conseguiram a façanha de diluir o puro Evangelho da graça num discurso de ódio e intolerância.

Esquecemo-nos dos colegas que foram perseguidos, torturados, e, alguns até mortos e desaparecidos, durante o regime militar. Justificamo-nos no fato de que o tal candidato defenda os mesmos valores. Será que ser a favor da tortura soa menos cruel quando se é contrário ao aborto? Será que ser a favor do armamento da população condiz com o que foi ensinado por Jesus? Afinal, bem-aventurados são os pacificadores ou os que pretendem armar a população? Ser pela família tradicional abona a conduta de quem se revela contrário aos direitos trabalhistas conquistados a duras penas? Se você, pastor, é contra tais direitos, recomendo que não aceite mais dízimos de décimo-terceiro ou de férias de seus membros.

Não ajamos como o profeta Natan que encorajou a Davi a construir o templo, afirmando-lhe categoricamente que Deus o havia escolhido para aquela empreitada. Porém, o Senhor não o tinha autorizado a fazer tal coisa, de modo que, mesmo constrangido, teve que retornar ao rei e dizer-lhe a verdade. Por causa do sangue que havia em suas mãos, Deus não o designou para edificar Sua casa, ainda que já houvesse levantado todos os recursos para tal, e recebido do Senhor a planta, caberia ao seu sucessor tocar a obra.

Quem somos nós para abençoar o que Deus não abençoou? Quem somos nós para encorajar o que contraria frontalmente a Sua vontade?

Sei que muitos alegarão que tudo não passa de manipulação da mídia esquerdista. Mas basta assistir aos inúmeros vídeos de discursos e entrevistas do candidato para verificar que exatamente assim que ele pensa. Ele mesmo afirma que o trabalhador terá que escolher entre ter seus direitos assegurados ou o emprego. Ele é quem diz com todas as letras que o Estado não é laico, mas cristão e que as minorias terão que se dobrar à vontade das maiorias. Ele diz que seria incapaz de amar um filho homossexual e que a homossexualidade é falta de p*rrada na infância. Diz que não empregaria uma mulher, já que esta engravida. Diz que educou seu filhos para que jamais namorassem negras. Diz que em seu governo os índios não receberiam nem mais um centímetro de terra. Se ele é a favor da família tradicional, por que disse que usava o apartamento para “comer gente”? Como defender quem diz que uma mulher não merecia ser estuprada por ser feia? Como apoiar quem defende o uso da tortura se somos seguidores de um Cristo torturado e morto numa cruz? Como apoiar quem diz que ordenaria que helicópteros metralhassem uma favela se os criminosos não se rendessem? Será que na favela só mora bandido? Com que cara visitaremos os presídios para pregar o amor de Cristo depois de apoiar que tem como slogan “bandido bom é bandido morto”?

O sangue de toda uma geração poderá cair em nossas mãos!

Se você é pastor de uma pequena congregação, talvez esteja indo na onda de grandes líderes que já manifestaram seu apoio a Bolsonaro. Não seja ingênuo. Muitos deles o fazem, não por convicção, mas por conveniência, movidos por interesses nem sempre louváveis (alguns até sórdidos).

Lembre-se de quem nos considerou fiéis, pondo-nos em seu ministério (1 Timóteo 1:12), e que um dia, teremos que prestar contas (Hebreus 13:17).

Por isso, deixo aqui uma recomendação que deveria perturbar o sono de todos os que levam a sério o ministério pastoral:

“Pastoreiem o rebanho de Deus que está aos seus cuidados. Olhem por ele, não por obrigação, mas de livre vontade, como Deus quer. Não façam isso por ganância, mas com o desejo de servir. Não ajam como dominadores dos que lhes foram confiados, mas como exemplos para o rebanho.” 1 Pedro 5:2,3

Não compete a pastor algum dizer em quem seu rebanho deve votar. Mas compete-nos instrui-los a reconhecer os riscos por trás de todo discurso de ódio e intolerância.

Jesus disse que enquanto o bom pastor dá a vida pelas ovelhas, o ladrão, ao ver o lobo, foge e deixa suas ovelhas à mercê do perigo. Portanto, cumpramos nosso papel. Pois cuidar das ovelhas que nos foram confiadas é a melhor maneira de dizer: TU SABES QUE TE AMO, SENHOR.

Hermes Carvalho Fernandes é pastor, escritor, conferencista e teólogo com doutorado em Ciências da Religião e editor do blog HermesFernandes.com
Fonte: Sangue nas mãos

Indústria 4.0: Estratégias e Implementação

A indústria 4.0 é uma visão e uma realidade com um roteiro estratégico consideravelmente documentado para sua concretização.

Comparando a transformação digital e o papel da Internet Industrial das Coisas nele, juntamente com as evoluções na mecânica, engenharia e manufatura, são essencialmente do que a Indústria 4.0 trata.

Assim como a transformação digital e a Internet Industrial das Coisas, a adoção do Indústria 4.0 acontece no contexto individual de uma organização.

Em essência, isso significa que na Indústria 4.0 há um corpo de trabalho, modelos de referência, roteiros e componentes bem descritos antes que as implementações reais realmente aconteçam. Isso é completamente original quando se fala na quarta revolução industrial.

Confira agora um infográfico com algumas diretrizes para implementação da realidade da Indústria 4.0 de maneira mais descomplicada possível:


Do ponto de vista dos sistemas e equipamentos, essas etapas correspondem, respectivamente, à uma visão do que está acontecendo (dados), saber por que está acontecendo (análise, conhecimento), prever o que acontecerá (com base nos padrões e capacidades desenvolvidas e da Inteligência Artificial). O passo final seria o esforço da Indústria 4.0 rumo à uma reação autônoma das máquinas.

O que queremos alcançar e o que deve ser avaliado hoje é onde queremos ir e quais os links que faltam para chegar lá. Depois disso, pensar na implementação de um plano estratégico com um roteiro claro em relação aos processos, segurança e tecnologias necessárias.

Por fim
Espero que tenha curtido nosso infográfico e também tenha aprendido muito com ele! Se você acha que seus amigos irão gostar de conferir esse conteúdo tanto quanto você, por favor, compartilha com eles ou nas suas mídias sociais!

Caso tenha ficado alguma dúvida ou queira discutir mais sobre o assunto, pode entrar em contato comigo pelo debora.silva@logiquesistemas.com.br. Ficarei super feliz em ter a oportunidade de te ajudar!

Fonte: http://www.logiquesistemas.com.br/blog/industria-4-estrategias-e-implementacao/

"Quem se Importa?"

'Quem se Importa?' mostra pessoas que tentam mudar o mundo.

Documentário de Mara Mourão, filmado em sete países, retrata o trabalho de 18 empreendedores sociais



São Paulo - O bangladeshiano Muhammad Yunus, criador do primeiro banco comunitário do mundo; o peruano Joaquin Leguia, que procura destinar 1% da terra de seu país às crianças para o cultivo sustentável; o brasileiro Eugênio Scanavino, que levou um barco-hospital a navegar pelas águas da Amazônia paraense, atendendo a comunidades ribeirinhas. São estes alguns dos 18 empreendedores sociais retratados no documentário Quem se Importa?. Contando histórias de pessoas que desenvolveram projetos transformadores de realidades sociais no Brasil e no mundo, o filme aponta o sentido do empreendedorismo social, também chamado de setor cidadão ou setor social. Com locução de Rodrigo Santoro, o documentário é dirigido por Mara Mourão.

Mara dirigiu centenas de comerciais de televisão. Em 1998 fez Alo? e em 2002 dirigiu Avassaladoras, ambas comédias. Seu terceiro longa-metragem, o documentário Doutores da Alegria, de 2005, exibe o trabalho da organização de mesmo nome que tem buscado humanizar o sistema de saúde brasileiro, com palhaços que divertem e ajudam crianças em recuperação. O trabalho do Doutores da Alegria também compõe o painel do empreendedorismo social montado por Mara, em Quem se Importa?.

Com cenas gravadas em mais de sete países, o documentário difunde um movimento mundial de empreendedorismo social. O termo foi criado por Bill Drayton, entrevistado no filme. Ele, que diz desejar erradicar com todos os problemas sociais do mundo, é o fundador da Ashoka, uma organização sem fins lucrativos que auxilia empreendedores sociais em mais de 70 países. As pessoas entrevistadas no filme realizam trabalhos cujo objetivo é o bem-estar social, percebem problemas sociais, na maioria das vezes causados pela pobreza, e procuram soluções.

Confira entrevista com Mara Mourão

Quem é o empreendedor social?
O empreendedor social é aquele que tem as mesmas características de um empreendedor de negócios, só que aplicadas para o setor social. Enquanto o empreendedor de negócios visa ao lucro – geralmente este lucro é para um grupo pequeno de acionistas –, o empreendedor social visa o bem-estar social. E se ele visa ao lucro, sim, é para revertê-lo ao bem-estar social. Ele tem as mesmas características de liderança, visão, persistência. É um sonhador, mas é prático e consegue viabilizar e implementar o que deseja. No entanto, como Bill Drayton diz no filme, somente ter essas características não fazem de alguém um empreendedor social. O que o empreendedor social faz é ter a capacidade de saber o que a sociedade precisa em um determinado momento. E ele não descansa enquanto não conquistar seus objetivos. Esse é o verdadeiro empreendedor social.

O empreendedor seria aquele que desenvolve grandes projetos sociais e consegue provocar mudanças na sociedade?
Tem empreendedores de vários níveis. Se a pessoa faz um trabalho em grande escala e afeta milhões de vidas, ela é chamada de empreendedor social. Se faz em escala menor, é chamada de transformador ou agente de mudança. Tem vários nomes, mas acho uma bobagem, todos são nomes diferentes, para um espírito comum, o espírito de arregaçar as mangas e não se conformar com uma realidade que não deve existir.

Você é uma empreendedora social?
Tem gente dizendo que eu sou, mas acho que não. Sou uma cineasta que está causando impacto social com os filmes. Quem sabe se eu fizer mais filmes assim, já não possa ser chamada de empreendedora social. Mas, por enquanto, sou só uma cineasta causando impacto, aliás, não é nem isso: estou causando inspiração, porque os filmes não mudam o mundo, quem o muda são as pessoas que assistem aos filmes.

Quem se importa? pretende ser mais do que um filme? Ele é um movimento?
É um movimento de inspiração. Ele inspira as pessoas a tomarem consciência de seu poder de transformação. É plantar a semente do “eu também posso fazer”, principalmente nos jovens. Nas redes sociais, na internet já temos milhares de pessoas divulgando o filme e compartilhando e discutindo os ideais dele. E eu sinto que tem muita gente que se importa e que faz questão de passar essa mensagem do filme adiante.

No documentário, o apelo à conscientização dos jovens é constante. O jovem pode ser um transformador social?
O Bill Drayton acredita que se 3% das crianças nas escolas fossem transformadoras, mudávamos o sistema num instante. Como ele comenta no filme, os pais vão ficar preocupados se o filho estiver indo mal em matemática, mas será que eles notam se o filho está sendo um provocador de mudanças? Os pais estão preocupados em formar cidadãos proativos, pessoas que realmente lutam pelos direitos dos outros? Não, estão preocupados se o filho vai bem nas matérias. Queremos mostrar que empreendedorismo social é tão importante quanto a matemática. Já exibimos o filme em escolas. Somos parceiros do programa Cinema para Todos do governo do Rio de Janeiro, que o levará para muitas escolas de periferia no estado. E já estamos falando com fundações para tentar levá-lo para escolas públicas em todo o Brasil.

O que você pensa da crítica de que a existência de ONGs e do terceiro setor é uma forma de privatizar serviços que o Estado deveria garantir?
A princípio você pode pensar que o empreendedor social está aqui para tapar o buraco do que o governo não conseguiu fazer. Obviamente, em países mais ricos, como a Dinamarca e a Suíça, tem menos empreendedores sociais do que na Índia ou no Brasil. É óbvio que os países com mais questões sociais vão ter mais empreendedores sociais. Porém, nem sempre o governo pode fazer o que o empreendedores sociais fazem, e vice-versa, porque eles têm características diferentes. O governo vive de eleições, e o político eleito não pode errar, porque ele não tem o direito ao erro. Não tem esse luxo, porque o erro é considerado um escândalo e não reelege ninguém. Já no empreendedorismo social, o erro e a experimentação são permitidos. E o setor social é muito mais ágil e menos burocrático que o setor governamental. Tem coisa que não dá pra tornar política pública, tem coisa que precisa ser feita por ONG, assim como tem coisa que precisa ser feita pela iniciativa privada. E eu acho que o filme transmite a ideia de que casamento entre esses três setores pode dar certo. O empreendedorismo social vai dar certo quando ele estiver misturado em todos os setores da sociedade e quando as pessoas de todas as esferas começarem a agir.

O empreendedorismo social, então, não é característico só do terceiro setor?
Não, ele pode estar na iniciativa privada ou no governo. O empreendedor social é um cara que muda um padrão na sociedade, uma situação, mas não importa a esfera em que atua. A política é uma forma de transformação social, mas quando um político cria uma lei que muda a sociedade em algum aspecto, ele está fazendo tanta transformação social quanto um empreendedor social. Só são nomes diferentes. Esse espírito do setor cidadão atuante deve permear toda a sociedade e todos os setores dela. O setor social cresceu muito nas duas últimas três décadas, por várias razões. Primeiro, porque mais de 200 países passaram a ter sistemas democráticos, e antes eram sistemas ditatoriais, absolutistas e  de apartheid. Depois, houve um aumento da classe média. E houve o advento da internet. Isso tudo fez com que o setor cidadão tivesse esse boom. Mas creio que no futuro não vai ter essa divisão de quem é empreendedor social e quem é cidadão. Todos seremos cidadãos mais ativos. É esse momento que Bill Drayton chama de combinação da democracia: quando todos os cidadãos são ativos.

Quem se Importa? retrata o trabalho de 18 empreendedores sociais de vários lugares do mundo. Como você chegou a esses nomes?
Com esse painel de empreendedores do arredor do mundo, com empreendedores de diversos países, quis mostrar que é um movimento mundial. Escolhi esses 18 nomes, depois de uma pesquisa extensa, na qual eu fui buscando pessoas de continentes diferentes e de áreas de atuação diferentes, que soubessem se comunicar bem e cujos trabalhos teriam imagens às quais eu teria acesso. Foi com muita dor no coração, porque deixei milhares de pessoas que eu conheço e que eu não conheço. Não caberia mais do que isso. É por isso que estou pensando em fazer uma série de televisão, para justamente apresentar as várias pessoas que tem trabalhos muito bacanas. Busquei em livros, internet e na rede Ashoka, um grande celeiro de empreendedores sociais. Cheguei a 50 nomes e fui afunilando até chegar nesses 18. Eu tentei buscar uma diversidade para justamente mostrar a riqueza do empreendedorismo social. Com o filme, você passa a entender que eles podem estar na área da educação, da saúde, do meio ambiente, dos direitos humanos, da economia, em qualquer área. O filme passa a mensagem de que todo mundo pode mudar o mundo não importa em que setor. Seja ele privado, governamental ou social. Qualquer pessoa pode fazer a diferença.

Você dirigiu comerciais para televisão antes de dirigir as comédias Alô? Avassaladoras. Como mudou para as temáticas sociais?
É fácil de entender. Eu já conhecia o trabalho do Doutores da Alegria porque o fundador, Wellington Nogueira, é meu marido. Eu sempre achei que daria um filme, mas o próprio trabalho ainda estava em crescimento, ainda estava em formatação. Mas quando acabei de fazer Avassaladoras, o Doutores da Alegria já estava solidificado, já tinha livros escritos, teses defendidas, centro de estudos, já estava um projeto absolutamente solidificado. Percebi que havia chegado a hora de mostrar para o público o que acontece dentro dos hospitais e que as pessoas não conseguem ver. E a resposta ao filme foi completamente diferente do que eu tinha com as minhas comédias, porque com elas era muito bacana, mas ficava naquela história de “eu ri muito e me diverti muito”, mas com o Doutores da Alegria, as pessoas me diziam que o filme havia mudado a vida delas. Fiquei chocada com o impacto do filme. Teve professores que mudaram o jeito de ensinar e jovens que mudaram o rumo de suas carreiras. Resolvi fazer um filme na mesma linha que o Doutores da Alegria, só que mais abrangente. Fiquei muito tocada com a reação do público e com o impacto que um filme pode causar. 

Mas há uma diferença entre fazer filmes de entretenimento e documentários?
A diferença é entre ficção e documentário. A ficção é mais simples. De um certo modo, você segue um roteiro, e na hora da edição, é muito mais simples, pois edita aquele o roteiro. Num documentário você tem um roteiro e depois você o refaz na edição. Fiquei um ano editando o Quem se Importa? porque havia milhões de possibilidades, com o material todo que tinha nas mãos. Mas tudo é cinema, tudo é audiovisual. Gosto de fazer os dois e vou continuar a fazer os dois. O que você não vai me ver fazendo é um filme que só tenha tiros e nenhuma mensagem. Minha ideia é fazer ficção que tenha alguma mensagem e documentário que tenha impacto social.

Em Quem se Importa?, Wellington Nogueira, entrevistado, comenta que, quando começou o trabalho do Doutores da Alegria percebeu o poder social que a arte pode ter. Você teve uma percepção semelhante?
Total. O impacto social que um filme pode causar não passa pela bilheteria. É uma outra métrica que se usa, e é uma métrica invisível mesmo, é a frase de Albert Einstein: “Nem tudo o que conta pode ser contado, e nem tudo que pode ser contado conta”. Você começa um filme e começa a influenciar e a inspirar a própria equipe que fez o filme, e vai como uma onda. O filme Uma Verdade Inconveniente,  do Al Gore, por exemplo, levantou a questão climática, e me lembro que via muitas pessoas discutindo a questão mesmo antes de terem visto o filme. O documentário Super Size, do Morgan Spurlock, também teve uma bilheteria pequena e acabou mudando o cardápio do McDonald's. O impacto social do cinema é muito forte. Gosto muito disso e vou usar o cinema como uma arte que impacta as pessoas para uma mudança positiva. 

Quem se importa? 
Direção: Mara Mourão
Locução: Rodrigo Santoro
Duração: 91 minutos

Fonte: https://www.redebrasilatual.com.br/entretenimento/2012/04/quem-se-importa-mostra-pessoas-que-tentam-mudar-o-mundo

Os deficientes cívicos


Em tempos de globalização, a discussão sobre os objetivos da educação é fundamental para a definição do modelo de país em que viverão as próximas gerações.

Em cada sociedade, a educação deve ser concebida para atender, ao mesmo tempo, ao interesse social e ao interesse dos indivíduos. É da combinação desses interesses que emergem os seus princípios fundamentais e são estes que devem nortear a elaboração dos conteúdos do ensino, as práticas pedagógicas e a relação da escola com a comunidade e com o mundo.

O interesse social se inspira no papel que a educação deve jogar na manutenção da identidade nacional, na idéia de sucessão das gerações e de continuidade da nação, na vontade de progresso e na preservação da cultura. O interesse individual se revela pela parte que é devida à educação na construção da pessoa, em sua inserção afetiva e intelectual, na sua promoção pelo trabalho, levando o indivíduo a uma realização plena e a um enriquecimento permanente. Juntos, o interesse social e o interesse individual da educação devem também constituir a garantia de que a dinâmica social não será excludente.

Em todos os casos a sociedade será sempre tomada como um referente, e, como ela é sempre um processo e está sempre mudando, o contexto histórico acaba por ser determinante dos conteúdos da educação e da ênfase a atribuir aos seus diversos aspectos, mesmo se os princípios fundamentais permanecem intocados ao longo do tempo. Foi dessa forma que se deu a evolução da idéia e da prática da educação durante os últimos séculos, paralelamente à busca de formas de convivência civilizada, alicerçadas em uma solidariedade social cada vez mais sofisticada.

As modalidades sucessivas da democracia como regime político, social e econômico levaram, no após guerra, à social-democracia. A história da civilização se confundiria com a busca, sempre renovada, e o encontro das formas práticas de atingir aqueles mencionados princípios fundamentais da educação, sempre a partir de uma visão filosófica e abrangente do mundo.

Esse esforço, para o qual contribuíram filósofos, pedagogos e homens de Estado, acaba por erigir como pilares centrais do sistema educacional: o ensino universal (isto é, concebido para atingir a todas as pessoas), igualitário (como garantia de que a educação contribua a eliminar desigualdades), progressista (desencorajando preconceitos e assegurando uma visão de futuro).

Daí, os postulados indispensáveis de um ensino público, gratuito e leigo (esta última palavra sendo usada como sinônimo de ausência de visões particularistas e segmentadas do mundo) e, dessa forma, uma escola apta a formar concomitantemente cidadãos integrais e indivíduos fortes. Aliás, foram essas as bases da educação republicana, na França e em outros países europeus, baseada na noção de solidariedade social exercida coletivamente como um anteparo, social e juridicamente estabelecido, às tentações da barbárie.

A globalização, como agora se manifesta em todas as partes do planeta, funda-se em novos sistemas de referência, em que noções clássicas, como a democracia, a república, a cidadania, a individualidade forte, constituem matéria predileta do marketing político, mas, graças a um jogo de espelhos, apenas comparecem como retórica, enquanto são outros os valores da nova ética, fundada num discurso enganoso, mas avassalador.

Em tais circunstâncias, a idéia de emulação é compulsoriamente substituída pela prática da competitividade, o individualismo como regra de ação erige o egoísmo como comportamento quase obrigatório, e a lei do interesse sem contrapartida moral supõe como corolário a fratura social e o esquecimento da solidariedade.

O mundo do pragmatismo triunfante é o mesmo mundo do “salve-se quem puder”, do “vale-tudo”, justificados pela busca apressada de resultados cada vez mais autocentrados, por meio de caminhos sempre mais estreitos, levando ao amesquinhamento dos objetivos, por meio da pobreza das metas e da ausência de finalidades. O projeto educacional atualmente em marcha é tributário dessas lógicas perversas. Para isso, sem dúvida, contribuem: a combinação atual entre a violência do dinheiro e a violência da informação, associadas na produção de uma visão embaralhada do mundo; a perplexidade diante do presente e do futuro; um impulso para ações imediatas que dispensam a reflexão, essa cegueira radical que reforça as tendências à aceitação de uma existência instrumentalizada.

É nesse campo de forças e a partir dessa caldo de cultura que se originam as novas propostas para a educação, as quais poderíamos resumir dizendo que resultam da ruptura do equilíbrio, antes existente, entre uma formação para a vida plena, com a busca do saber filosófico, e uma formação para o trabalho, com a busca do saber prático.

Esse equilíbrio, agora rompido, constituía a garantia da renovação das possibilidades de existência de indivíduos fortes e de cidadãos íntegros, ao mesmo tempo em que se preparavam as pessoas para o mercado. Hoje, sob o pretexto de que é preciso formar os estudantes para obter um lugar num mercado de trabalho afunilado, o saber prático tende a ocupar todo o espaço da escola, enquanto o saber filosófico é considerado como residual ou mesmo desnecessário, uma prática que, a médio prazo, ameaça a democracia, a República, a cidadania e a individualidade. Corremos o risco de ver o ensino reduzido a um simples processo de treinamento, a uma instrumentalização das pessoas, a um aprendizado que se exaure precocemente ao sabor das mudanças rápidas e brutais das formas técnicas e organizacionais do trabalho exigidas por uma implacável competitividade.

Daí, a difusão acelerada de propostas que levam a uma profissionalização precoce, à fragmentação da formação e à educação oferecida segundo diferentes níveis de qualidade, situação em que a privatização do processo educativo pode constituir um modelo ideal para assegurar a anulação das conquistas sociais dos últimos séculos. A escola deixará de ser o lugar de formação de verdadeiros cidadãos e tornar-se-á um celeiro de deficientes cívicos.

É a própria realidade da globalização -tal como praticada atualmente- que está no centro desse debate, porque com ela se impuseram idéias sobre o que deve ser o destino dos povos, mediante definições ideológicas sobre o crescimento da economia, como a chamada competitividade entre os países. As propostas vigentes para a educação são uma consequência, justificando a decisão de adaptá-la para que se torne ainda mais instrumental à aceleração do processo globalitário. O debate deve ser retomado pela raiz, levando a educação a reassumir aqueles princípios fundamentais com que a civilização assegurou a sua evolução nos últimos séculos -os ideais de universalidade, igualdade e progresso-, de modo que ela possa contribuir para a construção de uma globalização mais humana, em vez de aceitarmos que a globalização perversa, tal como agora se verifica, comprometa o processo de formação das novas gerações.

“Os deficientes cívicos”, texto de Milton Santos sobre o papel da educação
Fonte: http://www.pensarcontemporaneo.com/1119-2/

Ouvir Bolsonaro?


Realizado o desejo de que uma chacina ocorra a cada semana, como um ex-secretário nacional da juventude confessou recentemente, então começaremos a respirar.

“Um animal não passa sem inquietação
ao lado de um animal morto de sua espécie”
(Rousseau, Discurso sobe a desigualdade, I)

Pode ter havido mais de uma razão para que outros não tenham feito o mesmo que Jean Willys, mas a verdade é que muitos inclusive que votaram pelo impeachment poderiam ter se juntado ao deputado do PSOL para mostrar seu repúdio àquele que, ao defender o ex-militar que homenageou o coronel Ustra, acenava com uma ordem que supostamente iria além do que admitiriam muitos do partido do “sim” à revogação do mandato presidencial. Deputados do PSDB, do PSB, mesmo do DEM e do PTB, além, naturalmente, dos partidos de esquerda, poderiam, todos, sem distinção, ter reagido, para além do “decoro”, cuja manutenção, nessa altura, apenas duplicava o horror – é verdade que a câmara televisiva, fixada no local da votação, não permitiu ver muito. Em todo caso, o exagero retórico aqui é necessário, pois o nome “Ustra”, pronunciado com devoção – como se devesse adquirir características táteis, tomar corpo e grudar em outros corpos, especialmente no corpo de Dilma – constituía mais propriamente uma fórmula invocatória de tudo que não deveria jamais ser trazido à lembrança, a não ser sob uma controlada e precisa ritualização, pois deve ser respeitado o temor de que certas palavras acordem os mortos. Por isso, deixar essa palavra soar livremente, como se tem feito, em debates promovidos por clubes, programas de auditório, talk-shows, como a imprensa norte-americana fez tanto com Trump, a quem, no entanto, repudia (mas não repudiava as cifras trazidas pelo seu ibope), ao longo de anos e muito antes de sua campanha eleitoral, permitindo que se tornasse familiar o mais sinistro, ouvir o que ele tem para falar, “por sórdido que seja”, como dizem alguns bem-pensantes, pois isso seria respeitar o “Estado Democrático de Direito”, reduzido por alguns a uma espécie de fórmula mágica, salva-vidas precário daqueles que já não sentem o tapete debaixo dos pés e veem se dissolver a própria identidade política – não é ouvir, na verdade, mas consentir que soe livremente o veredito arcaico de seu enunciado, ávido por destruição tanto como o gesto de “não devo nada a ninguém”, lido como ousadia por seus entusiastas – oh ele ousa dizer o que estava na ponta de nossa língua, mas não dissemos até agora porque somos covardes. Ele é que tem colhões! E assim, na vala da covardia, vão sendo jogados decoro, respeito, senso de limite, assim como a expressão formalizada de uma convicção íntima, a tal opinião. Na verdade, seria interessante imaginar o que seria a convicção do deputado se minimamente formalizada, assim como as convicções de tantos que se expressam selvagemente em portais e redes sociais. Por uma imposição interna da forma, esse conteúdo mortífero teria de perder um pouco de si. Creio que nem o partido nacional-socialista alemão ousava se expressar assim em suas campanhas iniciais e falar tão cruamente de seu projeto de morte: ao menos na fachada, prometiam vida, comunidade, espírito, e se expressavam de um modo que mal se distinguiu em princípio das propostas do partido comunista, de que tiravam impulso para sua posição, atraindo até mesmo um certo contingente de forças progressistas para a sua base, como a promessa aos trabalhadores de que se apossariam dos meios de produção – ainda que aos capitalistas dissesse o contrário: impedir a expropriação. De fato, a assombrosa pobreza de linguagem do ex-sargento de polícia deve muito ao empobrecimento geral do vocabulário da política, também à esquerda.

Na falta de requisitos como forma e senso de limite, não há a menor perspectiva de debate esclarecido. Pois se se tratasse de debate republicano, esfera pública democrática, instituições iluministas, “o que ele tem para falar” talvez nem chegasse à consciência e buscasse outras soluções, não racionais, como um sintoma, um tique nervoso, mas jamais a expressão articulada. “O que ele tem para falar” só teria lugar no divã de um analista ou em convescotes subterrâneos com seus camaradas, jamais na esfera pública que se quer democrática. O que chamam, mesmo os que o desprezam, “ouvir a opinião de Bolsonaro”, que em pesquisa recente atinge 20% de intenções de voto, é permitir que se escoe a água mole do elogio da tortura, do estupro e do extermínio, sobre cabeças não tão duras assim, é permitir a relativização de máximas universais e a consideração de mil casos particulares em que cabe o assassinato, avulso ou de massa: em vista do momento, de certos grupos, em vista disso, daquilo – no fim de tudo chamado, conforme a expressão local e grosseira de seu fascismo, de bandidos

Por que então não houve mais manifestações como as de Willys, que solitariamente reagiu ao que no entanto deveria ter feito tremer boa parte daquele coletivo? Cuspir não seria a única reação possível –o corpo poderia exprimir, espontaneamente, sua repulsa de várias formas: gritando, desmaiando, vomitando, abandonando a sala, se enrugando numa careta. Em suma, haveria muitas maneiras, e, claro, também cuspindo, não necessariamente no deputado – alguém já o fazia –, mas no chão. Por que não cuspiram todos no chão em sinal de repulsa e em defesa da humanidade? Sim, o corpo poderia exprimir, só ele, na sua inteligência própria, formada ao custo de inúmeras lutas e perigos, que antecedem a própria história humana. O corpo tem memória – sim, ele tem, ele deve ter! Em quantos braços ali a linha dos pelos se eriçou? Em quantos dos presentes o pulso cardíaco se acelerou? Se fossem gambás, teriam certamente desprendido um cheiro ruim, que isolasse o agressor. Como já disse, não é possível saber pelas imagens se soou um sinal de alerta mais geral na Câmara. Mas o fato é que se buscou mais tarde advertir e punir o único que reagiu, mediante a sentença, tão cara, mas tão cara, aliás, ao espírito do capitalismo de forma geral e, na versão última, neoliberal, reduzida à única máxima geral que entre os homens da cidade ainda faria sentido: isso não é profissional – não é assim que se age com colegas, isso fere o decoro parlamentar, eles estavam em ambiente de trabalho e outras patacoadas. Quando era de supor que a Câmara devesse pertencer a uma esfera mais alta e mais livre de negócios e interesses humanos que o mundo do trabalho… Buscou se salvar por uma particularíssima ética o que afrontava o âmbito mais amplo da moral e da dignidade humana. O “profissional” só pôde entrar no lugar do humano por uma dessensibilização pelo sofrimento para o qual qual acenava a palavra nefanda – nessa dessensibilização, ou descolamento do corpo vivo, toda razoabilidade é rematada burrice e tão cega como criaturas de um olho só.

A sensibilidade para as dores alheias o filósofo Schopenhauer chamaria de compaixão, a propensão em diminuir o sofrimento do outro, a qual, apesar de seu pessimismo, ele considerava universal. Mas a compaixão como ato moral puro se revelaria especialmente no momento em que um corpo, em movimento espontâneo, sai em auxílio de alguém que vê sofrer ou está em perigo. Trata-se de “uma participação imediata, sem nenhum pensamento de fundo, em princípio nas dores do outro e em seguida na supressão desse mal”, o que supõe por um momento “que seja destruída a diferença entre mim e o outro”. Mais inimigo da piedade era para ele não o egoísmo, que tinha por um afeto antimoral embora humano, mas o sadismo, que chamava de crueldade, o interesse e o prazer no sofrimento alheio e mesmo em sua produção – interesse que considerava “diabólico”, e não mais humano. Por isso, apesar de emprestar da moral cristã alguns termos, era uma oração de antigos hindus a que mais admirava: “Não sei de oração mais bela que aquela de que os antigos hindus se servem para fechar seus espetáculos (…). Eles dizem: ‘Possa tudo o que tem vida ser libertado do sofrimento!’. É inequívoca a base somática da virtude que elege como anterior à justiça, a qual é tanto mais verdadeira quanto mais provém daquela. Por razões semelhantes é que Eduardo Pavlovski, grande dramaturgo argentino, psicanalista de formação e nome de referência do psicodrama na América Latina, escreveu num de seus artigos na imprensa: “A cumplicidade civil é um conglomerado de corpos imóveis e aterrados. Quando falo de corpos me refiro a um regime de afecção, ao regime de conexão com outros corpos”. No centro de muitas de suas peças e reflexões está o problema, muito reichiano, aliás (sua fonte teórica mais citada a esse respeito, porém, é Deleuze), do fascismo como uma forma de relação com o mundo e com o homem, de uma atitude diante da vida, para ele plenamente endossada pelo neoliberalismo: é essa a atitude do médico de Potestad, que vistoriava, com frieza profissional e a serviço do governo ditatorial, o estado clínico de recém-torturados. Não se trata em princípio de um homem cruel, mas antes de um patético e atribulado pai de família. Um homem banal – “O mal é banal”, como se espantou Hannah Arendt na análise que fez de Eichman, que, submetido, durante o processo de seu julgamento em Jerusalém, a diversas perícias com equipes de psicólogos e psiquiatras, foi julgado “normal”. Seria preciso então, diz ela, questionar esse conceito de normalidade.

São normais afinal os que não acodem quando se grita socorro, não desmaiam, não se enrugam, não se contraem num espasmo, mas apenas assistem impassíveis, quando não filmam, o espetáculo do sofrimento do outro se desenrolando diante dos seus olhos e ao vivo, ou tranquilamente jogam futebol ao lado de um corpo desovado na praia durante a madrugada? A atonia somática, que parece aumentar à proporção do incremento de estímulos e choques da mais variada natureza, inclusive midiática, precisaria ser investigada, mas em conexão com a barbárie já própria a uma sociedade de origem escravista, que criou condições especialmente propícias para a formação de indivíduos sádicos, perfeitamente frios, ao menos quando se trata de certa “classe” de gente. Quantos olhos não se envisgaram e pararam, absortos no espetáculo oferecido diariamente pelos nossos pelourinhos? – mas a compaixão, diz Schopenhauer, não reconhece classe (nem mesmo espécie). Ela é uma capacidade natural de retratibilidade como uma acusação mimética da dor do outro, seguida de uma ação com vista a impedi-la, mesmo que se corram riscos. Mais enigmáticos ainda que os que, tomados de fúria irracional, lincham – são os que assistem ao linchamento.

Numa entrevista à TV Câmara do Rio, sob a complacente escuta do jornalista, que tinha começado a conversa com Bolsonaro avisando se tratar de um “querido amigo”, o ex-policial afirmava, depois de dizer que um colega parlamentar deveria ser submetido ao pau-de-arara: “Você sabe que defendo a tortura…”. O programa está tranquila e espantosamente disponível na internet, e não devem ter chovido críticas e mensagens furiosas – não devem ter se viralizado – o suficiente para fazer que seu diretor e a emissora o retirassem com um devido “mea culpa” e o próprio entrevistado voltasse a colocar o rabo entre as pernas, pois não seria tempo de fazê-lo passear à luz do dia. Mas este tempo, passado ou futuro, chegou, e multiplicam-se as hipóteses e versões para isso ter acontecido – o mais importante de tudo é que ele chegou, não percamos isto de vista em nenhum momento nem adiemos mais essa constatação. Aquilo que jamais deveria ter acontecido aconteceu. Quanto à emissão (de 2009), vê-la é penetrar numa zona que toda civilização que merecesse esse nome deveria tratar como santuário, acessível a poucos e apenas mediante certas provas –porque também o horrendo precisa de santuários: “Não vai falar de ditadura militar aqui. Só desapareceram 282. A maioria marginais, assaltantes de bancos, sequestradores. (…) E fazemos um trabalho que a ditadura ainda não fez: matamos uns 30.000, começando com o FHC (…). Se vão morrer alguns inocentes, tudo bem”. Talvez o mais grave de tudo seja: parte da multidão não se importa e outra parte está entusiasmada (“ele é muito querido”, como disse esta semana o diretor do Clube Hebraica do Rio de Janeiro). Enunciados de conteúdo tão grave podem ser proferidos antes mesmo que o candidato seja eleito, ou a “batalha” comece. O governo de Bolsonaro provavelmente seria muito mais… do mesmo. Como ele já avisou, terão mais pulso firme em fazer que só um lado da batalha vá para o cemitério, como se isso já não fosse o mais comum… “O que falta neste Brasil, Sr. Presidente? Falta um Presidente da República que assuma, que diga o seguinte: ‘Em combate, soldado meu vivo não senta em banco de réu’. E ponto final. Estamos em combate!”. A escala em que o horror ocorre ainda não é suficiente…

Mas deixemos o entrevistado de lado, e contemplemos mais, já que nos é tão facilmente acessível, aqueles que o olham e ouvem, impassíveis, ou quase. Essa complacência – ela talvez seja mais assombrosa. A partir de que momento ela começou a existir? A partir de que momento se começou a defender publicamente a tortura, prática no entanto jamais extinta entre nós, da senzala à periferia, presídios e morros, e irradiada para corpos de outras classes em períodos de exceção mais generalizada? A sua defesa pública e continuada, nem sempre seguida de tremores e contemporizada por muitos (oh, ele é polêmico, chega a ser engraçado!), me parece inédita no país e pertence, ao mesmo tempo, a um contexto mais amplo, em que a justificativa de sua prática começou há muito a tomar espaço. A propósito da invasão do plenário da Assembleia Nacional em novembro de 2016 por 40 pessoas exigindo a volta da ditadura militar, bem foi lembrado que não se tratava de mera opinião. É verdade, sob a capa de “opinião” e, eu acrescentaria também, liberdade de imprensa, o mais bárbaro vem à tona na dita esfera pública, se replica e viraliza, com risadinhas nervosas ou não, condescendentes ou não, de quem lhe deu toda a corda pra falar, com toda a “liberdade”. Com esta palavra, muitas vezes se amordaça aquele que diz “basta, não suporto mais, piedade, senhores, piedade! Meus ouvidos e meus olhos não suportam tanto estímulo letal! Vocês não têm o direito que imaginam ter, a liberdade de me matar um pouco a cada dia”. Dando costas quentes para o criminoso e o cúmplice na incitação ao crime, ela garante que circule a última mercadoria de um mercado exausto, que alimentou de todas as formas e imagens que pôde a fome de morte Escutar um louco com sede de tortura e acenando com um futuro em que poderia ser presidente – sentimos um frisson, a morte de raspão, talvez no vizinho – consegue ser ainda mais emocionante do que assistir ao elogio ou a franca incitação ao crime, à tortura e ao linchamento da parte de alguns jornalistas ou âncoras. Trafegando numa zona entre política, policial e midiática, ela constitui valor de uso para o telespectador, acrescido, assim, de mais-emoção – o enunciado de um provável presidenciável acalentando crimes contra a humanidade! Dêem-me o voto, e vocês verão. Por enquanto, nos excitamos, acumulamos sensações.

Uma brisa passa, o leite se enruga numa nata – muitos não se enrugam, não se retraem, não parecem afetados pela descarga de forças mortíferas a seu lado. Estamos diariamente submetidos ao nefando, olhando o que jamais deve ser olhado sem nenhuma proteção, como o rosto de Medusa, que nos deveria petrificar a um único acontecimento destes, e continuamos –mas só deus sabe de que forma é que estamos continuando. De que forma afinal estamos continuando? Isso só é possível com partes vitais queimadas.

Conforme um juízo que Bolsonaro exprimiu em 2014: “A única coisa boa do Maranhão é o presídio de Pedrinhas”. Não está em jogo apenas um pronunciamento “polêmico”, adjetivo, aliás, com que o ex-sargento é frequentemente apresentado em programas televisivos e radiofônicos, como se se tratasse de uma “diferença” a mais no mercado identitário: há os gays, os negros, as mulheres etc. e os excêntricos hostis a gays, mulheres e negros. De novo, chamá-lo de “polêmico” é nos deixar engambelar pelo uso inapropriado, embora provavelmente não ingênuo, de um vocabulário iluminista, pelo qual se trataria de apenas “uma opinião” entre outras, a ser ouvida, apesar de horrenda. Na verdade, não estamos apenas diante de um de juízo de gosto, opinião ou qualquer outro termo que se poderia retirar de um vocabulário tão decrépito como o do mundo que este secundava e estertora. No enunciado conforme o qual o melhor de um Estado – aliás, esse é dos mais pobres do país – é o lugar onde rolam cabeças dos que não tiveram lugar nele, há desejo e projeto, pois mal se oculta que o melhor que se poderia fazer ao Maranhão é transformar Pedrinhas em totem e princípio de organização de toda a sociedade, o que aliás já está em andamento. Mas o edifício de uma verdadeira nação precisará de muito mais pedrinhas… O melhor não é o que se pode apontar para a vida da sociedade, mas o que se pode propor de morte – assim como alguns pastores neopentecostais preferem falar mais em Satã que em Deus – , separando-se o vasto joio de um trigo cada vez mais restrito. Para o joio imprestável se retira a universalidade dos direitos, cuja lei que os determina já vai sendo modificada a toque de caixa e em muitas madrugadas de modo que esta não venha rigorosamente a prometer mais nada. O que está sendo pavimentado é o caminho para a política meramente como extermínio, pois, acredita-se, depois de todos os indesejáveis terem sido abolidos, depois de os violentos (e não importa se sob essa categoria se “subsumem” também inúmeros pobres ladrões de galinha) terem sido violentados até a morte pelas milícias e grupos informais semelhantes a Einsatzgruppen e tribunais de exceção e, claro, pela polícia, a vida então poderá começar. Para isso, deixe-se, aliás, que a polícia, ainda mais desumanizada pelas condições de trabalho e formação, aja a seu bel-prazer, sem precisar de ordens de cima, como em parte já ocorre, autônoma ou anárquica, “pró-ativa”, pois há muito trabalho pela frente. 

Realizado o desejo de que uma chacina como a de Amazonas ou Roraima ocorra a cada semana, como um ex-secretário nacional de juventude confessou recentemente, então começaremos a respirar.

Por Priscila Figueiredo

Riscos, crise, pobreza


Pedro Demo (2016)

Neste terceiro remix da obra de Nielsen (2013) (N) sobre os filhos do currículo central, vamos estudar três capítulos: os perigos da teste padronizado; a crise real da educação; cura para a pobreza? Cita Meighan: “Ninguém cresceu mais porque ser medido” (N:85). Em 1971, Rivlin publicou “Systematic Thinking for Social Action”, que consolidou a ideologia espalhada de que todos os resultados educacionais poderiam ser medidas estatísica e cientificamente. Incluía-se a ideia de que o que entra se correlaciona com o que sai. Cria que os escores de este estudantil acuradamente refletiam a efetividade das estruturas instrucionais. Uma de suas frases no livro: “Queremos o melhor retorno para o nosso dinheirinho” (Ib.). Como Nielsen é da área de matemática e ciência, sabe bem que estatística não pode prometer isso, já que uma correlação linear não dá conta de relações não lineares, complexas, sem falar que esta ideia arranha completamente o a neurociência diz ser aprendizagem: esta ocorre na mente do estudante, dependendo em parte de fora, mas sobretudo de dentro (autopoiese); o professor não pode aprender pelo estudante, pois é mediação. Mas este erro grosseiro estatístico se consolidou, em especial porque era o que empresários queriam ouvir para poderem vender instrucionismo (aula). Professores precisam ser bem formados, modestamente pagos e aula ser a atividade por excelência na escola, à la negócio.

I. AVALIAÇÕES NACIONAIS E ESTADUAIS
Em 1994, os primeiros resultados de National Assessment of Educacional Progress (NAEP) foram lançados, incluindo dados desde 1970 até 1994 em matemática, ciência e leitura para as idades de 9, 13 e 17 anos. O acho mais clamoroso foi o “hiato de desempenho”: afroamericanos e hispano-americanos se desempenhavam muito abaixo. NAEP continua publicando relatórios para testes anuais em alguns tópicos curriculares, e o hiato persiste. Embora os escores de teste melhorem todo ano (com poucas exceções), o hiato parece alargar-se. Infelizmente, o relatório de 1994 não inclui subgrupos com base em ingresso, de sorte que as únicas medidas para correlação da proficiência era com localização, participação em financiamento e raça – os estudantes com financiamento, sendo os mais pobres, se saíram pior. Como exemplo: proficiência em leitura para o 12o ano em 1994, onde 98% dos estudantes proficientes não tinham financiamento (assistencial), e só 2% dos proficientes eram pobres. Mesmo assim, o teste alarmou o país, com surpresas como baixíssimos escores na Califórnia (National..., 1994).

Depois do choque de 1994, Clinton assinou Improving America’s Schools Act, alocando financiamento adicional a escolas frequentadas por estudantes de baixos ingressos e marginalizados. Estados contemplados tinham que criar padrões e sistemas padronizados de teste para dar conta dos efeitos do financiamento. Califórnia passou a usar Standardized Testing and Reporting (STAR) no ano seguinte, tornando lei teste dos 3o a 8o anos. Carolina do Norte estava trabalhando em testes para o estado no ano anterior ao relatório e implementou logo depois; a meta era achar deficiências no progresso dos estudantes e direcionar ação e fundos parar as escolas necessitadas. Infelizmente, quatro anos depois, a despeito de algum crescimento, o hiato de desempenho aumentou mais ainda. W. Bush entrou com firme na batalha, prometendo solucionar de vez o problema, na esteira de Rivlin. Se os estados quisessem financiamento, tinha que alinhar-se aos padrões de teste, aplicados anualmente. Escolas sem progresso podiam ser castigadas, até mesmo fechar (Federal..., 2012). NCLB fazia ameaças a escolas marcadas por fracasso, responsabilizando em especial os professores, apelando para correlações lineares fraudulentas. Certamente, o desempenho estudantil se associa ao desempenho do professor, mas não linearmente. O estudante pode não aprender por muitos outros motivos, sem falar que papel docente é mediador. NCLB quer medir se os estudantes aprendem; RttT quer medir se os professores estão ensinando. Do ponto de vista qualitativo – que é o que interessa – testes padronizados não são capazes de fazer esta façanha.

Eis os perigos dos testes padronizados, segundo Nielsen:
1. Teste padronizado é “ciência fajuta” (junk science).
Para Nielsen, qualquer criança do 4o ano, na posição de “pequeno cientista”, vai lhe dizer que ciência começa com uma questão. NCLB começou a questão famosamente irônica de W. Bush: “Is our children learning?” (Estão nossas crianças aprendendo – o mais irônico é o inglês capenga – deveria ser “Are our children learning?”) (N:89). Esta criança do 4o ano vai ainda lhe dizer que precisamos de uma hipótese, uma resposta a esta questão. Problema ácido é que a evidência trazida por NCLB à mesa da discussão não era válida. Pior que isso, a evidência sendo usada para rastrear o sucesso de NCLB não tem qualquer validade, para Nielsen. NCLB veio dos resultados dos testes de NAEP, mostrando hiato de desempenho, causa óbvia de incômodo por conta da desigualdade se agravando. Tentou-se evitar discutir a correlação entre pobreza e escores, preferindo alegar que a assistência não estava sendo bem aplicada. Era tempo de responsabilização e ciência ruim. Em texto de segunda página em Time Magazine de outubro de 20121, Rooks descreve testes padronizados como medidas torpes da aprendizagem estudantil. Variáveis que afetam aprendizagem não são efetivamente isoladas, o que invalida o teste. As duas grandes variáveis, segundo Rooks, são raça e status socioeconômico, que são pesadamente enviesadas nos testes comuns (2012). Ademais, Popham, professor emérito da UCLA, advertiu contra a efetividade de NCLB em 1999; sugeriu que, como técnica de avaliação referenciada à norma que sopesa entendimento estudantil de tópico/conceito, os testes padronizados fazem exatamente o que se supõe fazerem; ele até aclama os bons testes por fazerem isso muito bem; contudo, volta-se contra usar os testes para outros fins, em especial para tentar incriminar o sistema de ensino e aprendizagem. Há variáveis demais em jogo, complexas, que não podem ser dominadas linearmente, sugerindo que pais e professores reajam a isso (Popham, 1999).

2. Os expertos não estão fazendo política.
Virou meme na internet: “Quem pode, ensina; quem não pode, faz leis de ensino” (N:91). Docentes sabem que são forçados a fazer coisas que jamais fariam para o bem dos estudantes. Deixar expertos de fora, para que políticos e cúmplices assaltem as políticas é risco ensandecido. Mesmo CCSS, embora com participação de expertos, é peça feita via conchavos mal tecidos. É sempre má política prejudicar a autonomia docente – o professor decide o que fazer em sala de aula, não estranhos interessados em negócios (Ramer, 2013).

3. Professores não podem usar esses testes dispendiosos.
Como são testes cujos resultados saem depois, não servem para intervenção imediata na escola. Não quer dizer que não sirvam para nada, mas para o professor chegam sempre muito tarde. Ele precisa agir no ato e para isso precisa de sua própria avaliação.

4. Resultados são usados impropriamente.
Primeiro, não servem como avaliação única, porque é tardia. Pode apenas  servir de roteiro aproximativo. Segundo, não servem para responsabilizar linearmente docentes, diretores e escolas, porque má aprendizagem tem outras origens (uma delas, facilmente encoberta, é pobreza).

5. Crianças aprendem que a vida é um teste de múltipla escolha.
Ironicamente, Nielsen questiona os testes como propostas reducionistas, simplistas, mostrando que se trata de visão instrucionista tacanha, muito distanciada das necessidades reais de aprendizagem.

6. Crianças não estão aprendendo habilidade e conceitos significativos.
Sempre se promete que os testes padronizados vão resolver o problema de outros testes rasos, superficiais e irrealistas. Esta crítica acaba voltando-se contra os próprios testes, a começar pela múltipla escolha que sempre é algo superficial e artificial. O desfio autoral, por exemplo, fica totalmente de fora.

7. Testes adaptativos de computador são inválidos.
Conta Nielsen que ficou preocupada que seus estudantes estavam por tomar um exame Accuplacer na escola média para determinar quais estariam prontos para Álgebra I. Accuplacer é conhecido como teste adaptativo de computador (CAT). Agora, testes somativos de fim de ano  alinhando-se com CCSS por dois consórcios de empresas de avaliação (SBAC e PARCC) tentam-se vender com estardalhaço em educação. Por quê? Porque esses testes também são CAT, significando: um teste adaptativo de computador é concebido para seguir o nível de habilidade de um estudante enquanto toma o teste; cada vez que responde um item corretamente, o teste automaticamente dá outro mais desafiador; por outra, se o estudante erra, o próximo é mais fácil. Isto é muitas vezes usado como exames de alocação para faculdades (como Accuplacer), mas podem ser usados para determinar proficiência para alunos do 3o ao 8o anos em leitura e matemática? O experto em avaliação, Muldoon, explica que não são apropriados (2013). À medida que estudantes vão errando, sacam que a coisa fica mais fácil – virando o que se chama de fenômeno “homem vs teste”, derrotando o tomador de teste por si mesmo, não por conta de não saber.

8. Crianças estão sofrendo estresse mental e físico.
Duas categorias são mais afetadas: quem tem inglês como segunda língua e estudantes com necessidades especiais (NYC, 2013).

II. A CRISE EDUCACIONAL REAL
Cita dito europeu, na versão de Einstein: “Educação é o resta quando se esqueceu o que se aprendeu na escola” (N:113). Em outras versões: “Formação é o que resta depois que se esqueceu tudo” – indicando que decoreba não vale nada. Sugere-se que a questão mais importante descartada pela reforma é a qualitativa, bem como um dos porta-vozes mais importantes dela, os estudantes (Goyal, 2012). Parece análise muito pertinente. Na escola temos o quantitativo em geral bem preservado: aula, prova, repasse. Em abundância. Só aprendizagem pouca, nenhuma, em queda. Vale também para a universidade.

Em especial para crianças mais necessitadas – em todos os sentidos – o que se oferece não corresponde, tornando-se ritos repetitivos que não agregam oportunidade. Para crianças marginalizadas, que chegam com déficits e atrasos clamorosos, a escola deveria ser totalmente diferente, partindo naturalmente o que elas precisam, não do cardápio padronizado fundamentalmente alucinado. Não adianta oferecer coisa pobre para o pobre, nem o mesmo, por conta dos pontos muito diversos de partida. Elas precisam de oferta extremamente mais elevada, acurada, elaborada. Mais ainda, as crianças com necessidades especiais precisam de atendimento bem focado, próprio, de preferência junto com as outras crianças, com exceção dos caso em que tratamento individualizado é o caso. Em certo sentido, como na Finlândia, todos que apresentam qualquer necessidade de aprendizagem tem tratamento individualizado, uma iniciativa vista hoje como imprescindível.

Assim, a reforma caminha para a exclusão crescente de quem mais precisa, atendendo melhor a quem menos precisa, tornando-se, outra vez, segregadora. Por isso, Nielsen acentua a necessidade de ouvir as crianças. Não se trata de princípio absoluto, porque naturalmente as crianças podem ainda não discernir bem o que querem. Mas o que se quer dizer é partir das necessidades da crianças, não dos comandantes atrasados/perversos da reforma. Testes padronizados são proposta que pode ainda ter algum valor – Nielsen já não dá nenhum – como avaliação distante, de cima, de fora, para termos referência aproximativa apenas. Mas não servem para cuidar das crianças, uma a uma (Krashen, N.d.).

III. CURA DA POBREZA?
Nielsen retoma tese fundamental de que é preciso superar a pobreza infantil, um dos maiores entraves para aprendizagem adequada na escola e cita Edelman: “Países bem menos industrializados se comprometeram a eliminar pobreza infantil, enquanto que os Estados Unidos escorrega para trás. Podemos fazer melhor. Precisamos exigir que nossos líderes façam melhor” (N:126). Eis diferença flagrante: na Finlândia, 5% dos estudantes são pobres; nos Estados Unidos podem ser 30%. O teste já se fez: quando se retiram os pobres americanos do PISA, seu desempenho é similar a dos europeus! Assim, pobreza tem muito a ver, ainda que, como sempre, não se pode fazer correlação mecanicista. Há estudantes pobres que, mesmo assim, podem aprender (por exemplo, quando a família se dedica de corpo e alma), como há estudantes ricos que não aprendem nada. Precisamos fazer as duas coisas: eliminar a pobreza infantil e elevar o desempenho dos mais pobres.

A tragédia se anuncia em distritos mais pobres com financiamento precário. Quando se aplicam regras de mercado, cada distrito precisa funcionar como pode, com o que arrecada, e isto não vai além de manter o hiato. Enquanto isso, distritos ricos mantêm sua vantagem e a curtem. Educação é empreendimento que deveria ir na direção contrária: não privilegiar os mais ricos; privilegiar sempre os mais pobres. Sempre que propala a ideia de que educação equaliza oportunidades, esquecemos que, com pontos de partida tão desiguais, ela apenas reforça a desigualdade. Isto se vê na pressão por escola privada para os mais ricos. Estes não querem a oferta genérica, pública, de nível menos elevado, com exceções. Querem uma escola que esteja à altura de seus privilégios, porque os querem manter/alargar. Vemos isso também na ocupação das Federais pelos mais ricos; são públicas e gratuitas sob a alegação do acesso igual para todos. Nada é mais farsante. Os mais pobres não conseguem entrar porque seus pontos de partida são avessos. O que se estuda na escola pública não basta para entrar nas Federais; enquanto isso, os que estudam em colégios privados de ponta vão estudar de graça; os mais pobres vão estudar em entidades privadas, pagando (National..., 2014. Wade, 2012).

Esta visão rechaça também a proposta da reforma quantitativa e neoliberal, fixada em mais tempo de aula, disciplina militar, avaliações draconianas dos estudantes para responsabilizar os docentes etc. Certamente, há escolas públicas bagunçadas, onde é impossível aprender. Mas a cura disso não é autoritarismo que nunca combina com educação. É oferta na qualidade da necessidade dos estudantes. Também não cabe alegar que, primeiro, precisamos vencer a pobreza, porque os pobres não podem esperar. Precisamos tocar a carruagem com rédea dupla. Para muitos, o desacerto americano na educação básica tem a pobreza como um dos desafios maiores. É inócuo pretender que educação sozinha acaba com a pobreza, embora possa ser proposta importante. Ela, sozinha, tende a agravar a desigualdade, na situação em que o país se encontra (Simon, 2012. Granacki, 2012).

IV. SOLUÇÃO GATES
Gates, inventor da Microsoft e superbilionário hoje, sempre foi visto como garoto prodígio, que, via capacidade incrível de programação digital, mudou o mundo da computação. Nielsen reclama que ele não tão inteligente assim e não sabe de educação, embora pose disso sempre que pode. Andou pelo mundo para observa problemas (fome, pobreza...), mas daí retirou a conclusão miserável única: “medir” (N:138). Dados são sempre importantes, porque lidamos melhor com o que medimos. Quantificar é necessário, mesmo a preço de reducionismo, desde que não nos reste apenas o reducionismo (Ravitch, 2013. Cody, 2012. Brandenburg, 2013).

O que mais tem incomodado é a pressão de Gates e comparsas (outros filantrópicos prepotentes) para uma reforma privatista, que tenho a lógica do mercado como reguladora maior. Como seu êxito é de mercado e aí são reis, acham que se aplica o mesmo para educação. Esta não é comodidade, entre outras coisas porque, quando se compartilha, não se perde, como ocorre com uma mercadoria. Quando vendida, é do comprador. Conhecimento não. Mas ignora-se isso e toca-se o barco neoliberal a todo vento. Doações são trunfo enorme, porque o poder do dinheiro é avassalador. O problema é que são doações carimbadas – buscam solapar a escola pública. Em parte há alguma razão, porque muitas escolas públicas traem a causa popular, pois são coisa pobre para o pobre. Mas é tosco supor que escola privada é melhor sempre – pode ser a mesma arapuca, via instrucionismo, padronização, repasse frenético de conteúdo, totalmente à revelia do que os próprios empregadores preferem como formação. Trabalhar educação apenas como questão de mercado é equívoco clássico, porque a lógica da mercadoria não cabe minimamente. As coisas se complicaram muito porque educação agora é vista como fator maior de competitividade (uma das razões são as melhores universidades do mundo, não por acaso privadas não lucrativas – ou seja, tocadas como negócios altamente impactantes no futuro do país), do que em geral se depreende que deveria ser conduzida na lógica do mercado. Certamente, podemos aprender do mercado. É o que as privadas não lucrativas fazem. Mas seu produto não é mercadoria, é  conhecimento de ponta, aquele que mais produz oportunidades e decide a posição do país e das pessoas.

Lembra Nielsen a preocupação tradicional americana da ligação entre prisão e má escola. Os Estados Unidos têm a maior população carcerária do mundo. Vai custar mais que os estudantes... Seria melhor educar (American..., N.d.). No entanto, não basta garantir frequência escolar, porque o X da questão não é quantidade; é qualidade, ou seja, a aprendizagem, que, como regra, se reduz ou se acaba para populações mais pobres. Não tendo estas oportunidades geradas pela educação – no fundo sua única chance de melhorar de vida – facilmente recorrem ao crime.

CONCLUSÃO
Sempre foi um espinho na garganta para os Estados Unidos reconhecer que são o país mais rico do mundo, mas com dose inaceitável de pobreza interna. Em parte isto se deve ao fato de que, tendo mercado liberal como regular final de tudo, a concentração da renda é fatal. Países europeus investem pesadamente na atuação do Estado como possível equalizador de oportunidades, mesmo sendo, ao fundo, também neoliberais. Por isso ainda há países onde educação e saúde não são mercadorias – todos devem ter acesso gratuito e de boa qualidade. Para os Estados Unidos isto não cabe, porque, ao final, é o mercado que “equaliza” oportunidades – o autointeresse conduzido no mercado acaba por favorecer a todos. Este princípio da economia liberal nunca foi demonstrado. É pura fé. Hoje temos um dos níveis mais elevados do mundo de concentração de renda e pode piorar.

As escolas para populações mais pobres precisam ter compromisso frontal de equalização de oportunidades e para tanto têm de montar oferta extremamente diferenciada, o que nunca acontece, menos ainda com escola privatizadas. Sempre foi assim que, para lucrar, é preciso padronizar, mesmo que hoje se acentue a customização em favor do cliente. Uma escola onde todos recebem a atenção de que precisam não combina com mercado. Combina com direitos humanos. Isto não impede de reconhecer o quanto é difícil para a esfera pública realizar este milagre...

Fonte: https://docs.google.com/document/d/19kttyTgyMNvERSmU3JJRKJnjcyk93Y9Bw4d_tyR5YLo/pub

REFERÊNCIAS
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