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Maher Zain - Palestine Will Be Free


 

Hamas é uma organização terrorista?


Entenda por que o Brasil não trata o Hamas como organização terroristaClassificação de organizações terroristas é atribuição da ONU, diz MRE. 

Publicado em 12/10/2023 - 17:26, por Pedro Rafael Vilela - Repórter da Agência Brasil - Brasília.

Os ataques do grupo extremista islâmico Hamas em uma festa rave no último sábado (7), em Israel, deram início a um novo capítulo sangrento no histórico conflito entre esse grupo e o exército israelense. As características do ataque, com centenas de mortes de civis e outras vítimas sendo levadas como reféns, levantou a questão sobre a denominação do Hamas como um grupo terrorista.

Veículos de imprensa de todo o mundo e algumas nações classificam assim o grupo extremista que controla a Faixa de Gaza. Ao lamentar o episódio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelas redes sociais, se referiu ao ataque como terrorista, mas não estendeu tal adjetivo ao Hamas. Assim, o presidente segue a linha adotada pelo governo brasileiro.

O Palácio do Itamaraty emitiu um comunicado, nesta quinta-feira (12), para informar que segue as avaliações do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) na designação dos grupos considerados terroristas. Pela Carta da ONU, o Conselho de Segurança é o órgão encarregado de zelar pela paz internacional.

“O Conselho de Segurança mantém listas de indivíduos e entidades qualificados como terroristas, contra os quais se aplicam sanções. Estão incluídos o Estado Islâmico e a Al-Qaeda, além de grupos menos conhecidos do grande público”, diz um trecho do comunicado.

Na nota, o Ministério das Relações Exteriores reafirma que, “em aplicação dos princípios das relações internacionais previstos no Artigo 4º da Constituição, o Brasil repudia o terrorismo em todas as suas formas e manifestações”.

Apesar da definição da ONU, países como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália, Japão, integrantes União Europeia e outras nações classificam o Hamas como uma organização terrorista.

Já maioria dos países-membros da ONU, incluindo países europeus como Noruega e Suíça, além de China, Rússia, nações latino-americanas, como o próprio Brasil, México, Colômbia, seguem a definição atual da ONU que não classifica o Hamas como grupo terrorista. A ideia de uma posição mais neutra também é uma forma de manter os países como mediadores de conflitos, além de ampliarem a capacidade de proteção a seus cidadãos em áreas conflagradas.

“A prática brasileira, consistente com a Carta da ONU, habilita o país a contribuir, juntamente com outros países ou individualmente, para a resolução pacífica dos conflitos e na proteção de cidadãos brasileiros em zonas de conflito – a exemplo do que ocorreu, em 2007, na Conferência de Anápolis, EUA, com relação ao Oriente Médio”, diz ainda a nota do Itamaraty, para reforçar a posição brasileira atual.

Um grupo de deputados de oposição chegou a pedir, essa semana, que o Ministério das Relações Exteriores mude a classificação brasileira sobre o Hamas.

A violência em Israel e na Palestina chegou ao sexto dia nesta quinta, com a continuidade de intensos bombardeios na Faixa de Gaza, onde vivem 2,3 milhões de palestinos. Autoridades locais já contabilizam 1,2 mil mortes e mais de 5 mil feridos. Há pelo menos 180 mil desabrigados.

Em Israel, segundo a emissora pública Kan, o número de mortos havia aumentado para 1,3 mil desde o último sábado, quando começaram os ataques violentos promovidos pelo grupo islâmico Hamas.

Quem é o Hamas
O Hamas, nome que significa, em árabe, Movimento de Resistência Islâmica, é um movimento palestino constituído de uma entidade filantrópica, um braço político e um braço armado. Foi criado em 1987, no contexto da 1ª Intifada, que foi uma das revoltas Palestinas contra a ocupação de Israel.

Em 2006, o Hamas derrotou o Fatah nas eleições legislativas para a Autoridade Nacional Palestina (ANP), conquistando o direito de formar o novo governo. Os dois partidos, no entanto, entraram em conflito. O Hamas expulsou o Fatah da Faixa de Gaza. Em resposta, o Fatah rejeitou o governo de unidade e se manteve à frente da ANP, que passou a ter uma administração política voltada para as áreas da Cisjordânia.

Segundo o cientista político Leonardo Paz, o Hamas não reconhece o Estado de Israel e briga pela independência de um Estado Palestino. “Israel, por sua vez, diz que o território é seu e não tem como oferecer qualquer tipo de soberania a esse Estado palestino porque não haveria nenhuma garantia de segurança de que esse Estado não seria um posto avançado para atacar Israel”, acrescenta.
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O Nakba e a reviravolta na política palestina

O horror israelense já dura 72 anos, mas o ataque à Sheikh Jarrah pode ter saído pela culatra. A Autoridade Palestina se mostrou fraca e impotente. Hamas ganha mais popularidade, apostando na luta unificada e resistência “mais contundente”


O bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, é o lar e o exílio de algumas famílias palestinas desde 1950, quando foram desalojados de suas casas em 1948, em decorrência dos confrontos violentos, conhecido como a Nakba (“catástrofe”). Muitos palestinos, de segunda e terceira geração, nasceram em Sheikh Jarrah. Para eles, Sheikh Jarrah sempre foi e sempre será o seu lar nacional.

A vitória israelense na guerra de 1948 determinou conquistas territoriais importantes e o deslocamento interno e externo de mais de 700 mil palestinos. Parte dos palestinos desalojados foram alocados nos Estados árabes vizinhos como a Jordânia, Síria, Líbano e Egito e outra parte para os territórios da Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Se do lado israelense, 1948 foi o ano de independência do Estado de Israel, do lado palestino, 1948 é a Nakba, um período marcado pela desintegração da sociedade palestina através da dispersão humana, dos massacres e da destruição da vida em sociedade. A Nakba está enraizada na memória e na história palestina como um ponto de ruptura e de mudanças irreversíveis.

O momento, definido pelos palestinos como catástrofe, paradoxalmente, marca o nascimento do lar nacional do povo judeu, o Estado de Israel, após uma década de perseguições e de extermínios da comunidade judaica da Europa promovido pelo nazismo. A criação do Estado de Israel representa, na memória coletiva judaica, o renascimento e a ressurreição do povo judeu.

Embora a sociedade palestina seja detentora de diversas identidades étnicas, culturais, políticas e religiosas, desde antes de 1948, a Nakba unificou a memória coletiva e a identidade nacional palestina. A Nakba é frequentemente invocada durante a eclosão de novos conflitos e de ciclos de violência nos territórios ocupados, em Israel e nos campos de refugiados. Isso ocorre porque muitos conflitos registrados na história palestina, como o Setembro Negro, na Jordânia, em 1971; os massacres nos campos de refugiados de Sabra e Chatila, no Líbano, e as Intifadas (de 1987 e 2000) nos territórios ocupados, não teriam acontecido se não fossem precedidos pela Nakba.

De um modo geral, a Nakba representa um trauma constante, uma injustiça irreparável. A Nakba não é apenas uma lembrança do passado, a Nakba está presente nas condições de vida de todos os palestinos dos territórios ocupados, em Jerusalém Oriental, Cisjordânia e Faixa de Gaza; nos campos de refugiados e na diáspora. A Nakba é traduzida pelo cerceamento da locomoção dos palestinos, nos inúmeros check in points, na precariedade dos campos de refugiados no mundo árabe e na legislação discriminatória em Israel. A Lei de Nacionalidade, aprovada pelo parlamento israelense em julho de 2018, estabeleceu que o exercício do direito de autodeterminação em Israel é exclusivo do povo judeu. Essa nova lei retirou o idioma árabe da categoria de língua cooficial do Estado de Israel.


Os palestinos vivem, até hoje, o seu exílio e o seu deslocamento permanente.

Para os palestinos, os lugares do período pré-Nakba não são apenas lugares de memória, mas, acima de tudo, um símbolo de tudo que foi perdido. Muitos refugiados palestinos ainda guardam as chaves de suas propriedades perdidas durante a Nakba. Para os palestinos, nascidos nos campos de refugiados e no exílio, a Palestina se resume à memória de seus pais e avós que lutam para que esta lembrança não seja esquecida e a Palestina não desapareça. A Palestina não é apenas um território geográfico, mas a memória dos palestinos exilados.

O caso de Sheikh Jarrah, particularmente, tornou-se dramático porque no mesmo mês em que os palestinos estavam sendo ameaçados de perderem suas casas para alguns israelenses que reclamavam na justiça o direito de posse de propriedade, perdida em 1948, aconteciam duas importantes celebrações do calendário religioso judaico e islâmico, o Iyyar e o Ramadã.

No início desse ano de 2021, a Suprema Corte israelense decidiu a favor de alguns colonos reaverem suas propriedades em Sheikh Jarrah, e outorgou até o dia 2 de maio para que as famílias palestinas de Sheikh Jarrah negociassem um acordo com esses colonos israelenses sobre a propriedade de suas casas. Diante do impasse, o Poder Judiciário israelense propôs um acordo, requereu que as famílias palestinas despejadas pagassem aluguel aos colonos pelas residências até que o título de propriedade fosse transferido aos cidadãos israelenses e não exatamente aos herdeiros, desalojados em 1948. O que é ilegal, de acordo com a lei internacional.

Ainda, no dia 10 de maio, aconteceu a controversa marcha anual do “Dia de Jerusalém”, que celebra a “reunificação” da cidade de Jerusalém, em decorrência da vitória israelense na guerra de Junho de 1967. Nessa manifestação, grupos nacionalistas israelenses costumam percorrerem os territórios palestinos, localizados na cidade velha de Jerusalém. Foi nesse mesmo dia que muitos muçulmanos palestinos celebravam o fim do mês sagrado do Ramadã, o Eid al-Fitr, no Haram al-Sharif, nos arredores da mesquita de Al-Aqsa, conhecido pelos judeus como o Monte do Templo.

Em meio às celebrações religiosas do calendário judaico e islâmico, foi deflagrado uma guerra entre jovens palestinos e israelenses no bairro de Sheikh Jarrah. Os ataques à mesquita de Al-Aqsa, durante as celebrações do fim do mês sagrado do Ramadã, provocaram a fúria dos grupos de resistência palestina. Os foguetes do Hamas, dessa vez, alcançaram cidades importantes de Israel, chegando a atingir os arredores de Jerusalém e de Tel Aviv, provocando medo entre a população israelense, além de pôr em cheque o sistema de defesa aérea, o Iron Dome.

A decisão de retaliação aos ataques do Hamas em Israel deu projeção ao premiê israelense, Benjamin Netanyahu, que, até então, vivia um momento político conturbado. Netanyahu fracassou na formação de um governo em Israel, além de, atualmente, enfrentar alguns processos judiciais por corrupção, fraude e abuso de poder. Do lado palestino, o presidente da autoridade palestina, Mahmoud Abbas, cada vez mais impotente e enfraquecido e que se perpetua no poder há mais de 12 anos, adiou mais uma vez as eleições palestinas, diante da nova crise instalada.

O novo ciclo de violência, deflagrado em Jerusalém Oriental e na Faixa de Gaza, fortaleceram os dois extremos: o ministro Benjamin Netanyahu e o grupo Hamas. Os projetos políticos de ambos se sobrepõem à existência e à narrativa do outro.

Benjamin Netanyahu nunca reconheceu o Estado palestino. Ao longo de sua gestão, em Israel, Netanyahu anexou territórios palestinos por intermédio de construção de assentamentos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. Em dezembro de 2017, em apoio ao atual premiê israelense, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a transferência da embaixada dos Estados Unidos, da cidade de Tel Aviv para Jerusalém, de modo a reconhecer oficialmente Jerusalém como a capital indivisível do Estado de Israel e, assim, inviabilizar o projeto de tornar Jerusalém Oriental a capital de um futuro Estado palestino. O gesto do governo americano influenciou outros Estados, como a Sérvia e a Guatemala, a transferirem suas embaixadas.

O grupo Hamas (Movimento de Resistência Islâmica), por outra parte, é cada vez mais popular entre os palestinos, sobretudo na Faixa de Gaza. A gradual popularidade do Hamas ocorre basicamente por duas razões. O grupo islamita mantém inúmeros programas sociais, culturais e religiosos, capazes de aproximar os palestinos, sobretudo os mais pobres, de sua ideologia. Além disso, o fracasso dos Acordos de Paz de Oslo (1993), combinado com a progressiva brutalidade da ocupação israelense provocou, ao longo do tempo, o ceticismo de muitos palestinos pelas iniciativas de diálogos com o governo de Israel.

A permanência da Nakba, refletida nos contínuos ataques em Gaza e nos últimos acontecimentos em Sheikh Jarrah, sequestraram o movimento nacional e secular palestino. O Hamas passou a ser reconhecido como o “campeão” da resistência palestina, ao enfrentar arduamente o inimigo israelense. Diante de uma autoridade palestina extremamente impopular e enfraquecida, o Hamas passou a controlar a narrativa palestina e a garantir a sua popularidade frente ao partido al-Fatah, de Mahmoud Abbas, e, do mesmo modo, entre as comunidades da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental. Muitos estudiosos, como o professor de Ciências Políticas da Universidade de Bar Ilan, Ariel Zellman, acredita, inclusive, que o cancelamento das eleições na palestina se deveu ao receio da autoridade palestina pelas chances reais de vitória do Hamas.

Além da sobreposição de narrativas, os últimos confrontos comprovaram que o Hamas está belicamente mais forte. Os foguetes lançados contra Israel são mais potentes e sofisticados. Mesmo assim, os 11 dias de pesados bombardeios israelenses deixou 232 palestinos mortos, entre as vítimas fatais haviam 65 crianças, 39 mulheres e 17 idosos. O número de vítimas palestinas escancara publicamente a força militar desproporcional de Israel frente ao seu adversário palestino.


O fortalecimento de dois adversários que não se reconhecem mutuamente é especialmente trágico, pois tende a sinalizar para mais confrontos violentos. Os eventos em Sheikh Jarrah e na Faixa de Gaza refletem a fragmentação da sociedade palestina desde a Nakba e reafirma a face cruel e desumana de Israel, representada pelo atual governo. Além disso, os interesses políticos dos governos israelense e palestino abafam as inúmeras tentativas de aproximação e de diálogo entre as sociedades civis israelense e palestina. A ocupação da Palestina, desde a Nakba, impediu e ainda impede o encontro de muitos palestinos e israelenses que se recusam a ser inimigos. Contudo, apesar das dificuldades, durante os eventos violentos em Sheikh Jarrah houve manifestações conjuntas em 30 cidades israelenses. “A luta é política, entre os que querem a ocupação e a supremacia e aqueles que desejam a paz e a igualdade”, afirmou publicamente o deputado palestino Ayman Odeh, em uma grande manifestação na cidade de Tel Aviv. A conciliação acontecerá entre palestinos e israelenses quando os palestinos passarem a viver com dignidade. Enquanto houver Nakba a paz estará longe de ser alcançada...

Luciana Garcia de Oliveira é mestre no Programa de Estudos Judaicos e Árabes do Departamento de Letras Orientais da Universidade de São Paulo (DLO-USP) e uma das responsáveis pela tradução da coletânea Escritos Judaicos, de Hannah Arendt, publicado pelo selo Amarilys (2016).

A ideia fracassou

Este poema acaba de chegar de Gaza, uma mensagem enviada para o mundo em meio à barbárie. Bassman Addirawi é escritor e poeta da cidade de Gaza, nascido em 1988. É também um dos 17 jovens poetas do livro Gaza, terra da poesia (org. Muhammad Taysir), em que assina os poemas: “Filhos desobedientes” (أبناء عاقون) e “O estandarte da ira” (راية الغيظ).

O poema árabe foi publicado originalmente no site da revista Arablit Quarterly e a tradução do árabe ao português é de Beatriz Gemignani.      

Todo nosso apoio ao povo palestino.


por Bassman Addirawi

Fecho com Deus.
Também meu coração está decepcionado.
Se eu pudesse agora me sentava com Ele,
fumaríamos um cigarro e daria tapinhas no Seu ombro,
choraríamos juntos até cair uma chuvinha fina
que lavasse Gaza dessa nuvem de fumaça, que não é do céu,
e estancasse o estrondo que mata outra criança em Gaza
então meu sangue pararia de fluir das mãos e da boca do mundo,
a vida sopraria no peito de Gaza e uma nova ressurreição se daria
sem feridas, sem gemidos.
Mas o gemido, meu Deus, não morre. 
Escuto Deus soluçar: “Um bilhão de calados, um milhão de assassinos”.
O choro se adensa.
Apesar do meu jeito, servo desobediente, eu rezo
e lembro o rosto de todas as famílias e amigos,
lembro as ruas, as cidades, o rosto do mar,
o rosto de todos que passaram por mim em Gaza.
Rezo e escuto a voz de Deus em cada explosão e em cada corpo decepado que grita:
A ideia fracassou.
A ideia fracassou.

Israel: 70 anos de brutalidade

Desde a criação do Estado hebreu, palestinos são expulsos de suas casas, presos, torturados, mortos e submetidos a violência econômica grosseira. É a “nakba”. Poderia ser a “solução final” de Hitler.


Por Greg Shupak, no Jacobin | Tradução: Mauro Lopes

Em 14 de maio de 1948, setenta anos atrás, Israel lançou sua “declaração de independência”. Desde então, todo dia 15 de maio tem sido o Dia Nakba quando os palestinos marcam a limpeza étnica sofrida por seu povo depois da criação de Israel. [Nakba é uma palavra árabe que significa “desastre” ou “catástrofe”, termo similar a shoá em hebraico, que os judeus utilizam para designar o massacre nazista – nota OP]. Este Dia Nakba foi marcado pela Grande Marcha de Retorno, uma grande mobilização em massa até a cerca que Israel ergueu para separar Gaza e Israel, para manifestar seu desejo de passar pela barreira. Até o momento, Israel já matou pelo menos 52 manifestantes palestinos, no que a Anistia Internacional chamou de “uma violação repugnante da lei internacional”, envolvendo “o que parecem ser assassinatos intencionais, que constituem crimes de guerra”.

Como outros estados coloniais, Israel pretende asfixiar a vida social das populações dos territórios ocupados que procura dominar. Esse imperativo é particularmente urgente no caso de Israel, onde as populações judias e não-judias são de tamanho equivalente e a terra em questão é relativamente pequena. A negação discriminatória de direitos estende-se aos palestinos em outros países -são cidadãos de segunda classe em Israel, sob ocupação, na diáspora ou em campos de refugiados. Todos são impedidos de retornar às suas casas através do uso da violência e com a ajuda decisiva dos EUA.

A mensagem inconfundível para os palestinos de todas as gerações, desde antes da Nakba até a Grande Marcha de Retorno, é que a menor resistência ao etnoestado erigido em sua terra natal será combatido com prisões e mortes.

Anatomia da repressão
A violência israelense permeia todos os aspectos da vida dos palestinos, com estratégias de controle que assumiram uma variedade de formas ao longo do tempo. Para criar o Estado em 1948, as forças sionistas expulsaram 750.000 palestinos de suas casas. No processo, realizaram cerca de dez massacres em grande escala, cada um com pelo menos cinquenta vítimas, juntamente com cerca de cem massacres menores. As forças dos paramilitares israelenses mataram palestinos em quase todas as suas aldeias, despejando repetidamente os corpos das vítimas em covas, antes da oficialização do Estado de Israel. Em várias ocasiões, milícias sionistas mataram crianças e estupraram mulheres palestinas.

Atrocidades semelhantes continuaram nos primeiros anos do Estado de Israel. Em 1953, as forças israelenses massacraram 69 aldeões palestinos em Qibya, depois de alegarem “infiltração” do território israelense por refugiados palestinos. Durante o conflito de Suez, três anos depois, eles mataram 48 trabalhadores palestinos em Kafr Kassim; 275 civis palestinos em Khan Yunis e num campo de refugiados próximo; em seguida, mais 111 palestinos no campo de refugiados de Rafah.

Depois de 1967, com o estado de Israel consolidado, o governo começou a perseguir o que Tariq Dana e Ali Jarbawi chamam de “sonho de uma ‘Grande Israel’ com o máximo de terra e o mínimo de árabes”. Mais de 350.000 palestinos foram expulsos de suas casas, enquanto Israel ocupava a Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental (assim como as Colinas de Golan da Síria e o Sinai do Egito). Quase 600.000 colonos adentraram ilegalmente nos territórios ocupados com o apoio do Estado. E os massacres de palestinos em Israel continuaram desde então: no verão de 2014, Israel matou 2.251 palestinos – incluindo 1.462 civis e 556 crianças – durante a fúria assassina chamada Operação Margem Protetora. Como observou o estudioso canadense Nahla Abdo, a violência dos palestinos deve ser vista no contexto dessa “relação assimétrica” entre os dois lados.

Enquanto isso, aos palestinos nos territórios ocupados é sistematicamente negado o devido a processo legal: mantidos sem julgamento em detenções administrativas ou submetidos a processos militares e rotineiramente torturados. Tal tratamento estende-se às crianças palestinas, sujeitas a práticas que, nas palavras da UNICEF, “resultam em tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante, de acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção contra a Tortura”, incluindo ameaças de “morte, violência física, confinamento solitário e agressão sexual, contra si mesmos ou um membro da família”. Atualmente, existem mais de 6.000 presos políticos palestinos em prisões israelenses.

Quando os palestinos não estão sendo algemados, torturados, bombardeados ou abatidos, eles vivem sob a ameaça contínua de tais ações. Depois da guerra de 1967, Israel estabeleceu um regime para examinar tudo, desde oficinas palestinas que fabricam móveis, sabão, tecidos, produtos de azeitonas e doces, até listar quantos televisores, refrigeradores, fogões a gás, pomares, animais e tratores os palestinos possuem, muitas vezes censurando livros, romances, filmes, jornais e panfletos políticos.

Expropriação econômica
A violência econômica – a expropriação da riqueza palestina e a destruição da capacidade dos palestinos de se sustentarem – marcou o tratamento de Israel aos palestinos desde o início do Estado israelense. Nos anos imediatamente posteriores a 1948, Israel adotou políticas destinadas a confiscar e controlar a terra palestina, destacadamente com a Lei da Propriedade Desocupada de 1950, pela qual Israel garantiu para si 90% da terra, designando como “desocupada” toda terra que os palestinos tivessem sido obrigados a abandoar devido repartição conduzida pelas Nações Unidas em 1947.

Os assentamentos israelenses são construídos em áreas ricas em recursos, projetados para explorar a água palestina e a terra arável – uma política que aumenta os recursos de Israel e priva os palestinos de desenvolvimento econômico. Após a ocupação de 1967, Israel construiu um regime econômico destinado a incorporar a economia palestina à economia de Israel, tornando seu governo colonial um empreendimento barato e, ao mesmo tempo, frustrando o desenvolvimento econômico palestino. Entre as medidas adotadas estavam o fechamento de instituições financeiras e monetárias árabes, a imposição da moeda israelense, a proibição de exportações e importações, exceto através de fronteiras controladas por Israel, a imposição de altos impostos (alfândega, imposto de renda, IVA), quase nenhum investimento em infraestrutura nas áreas palestinas, licenciamento restrito para atividades industriais e controle sobre comunicações, recursos de eletricidade, água e recursos naturais. As políticas israelenses transformaram o mercado palestino num mercado cativo, que se tornou um conveniente lixão para produtos industriais israelenses de má qualidade que não podiam competir com os fabricantes dos países industrializados da Europa e EUA. Isso não só trouxe grande lucro para a economia israelense, mas igualmente formou uma nova classe de capitalistas israelenses, cujas principais atividades industriais foram projetadas para os territórios ocupados.

Assim, as políticas israelenses provocaram uma deterioração da base econômica palestina e criaram uma dependência estrutural à economia de Israel, na medida em que o Estado ocupante controla os principais pontos nodais da atividade econômica, como fronteiras, terras, recursos naturais, comércio, movimentação de mão-de-obra, gestão fiscal e zoneamento industrial. Por mais de uma década, além disso, um brutal cerco militar combinado entre EUA e Israel e o Egito dizimou Gaza, a ponto de em breve a região ser inabitável. Militares e colonos de Israel arrancaram centenas de milhares de oliveiras palestinas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza e nos primeiros anos do milênio o exército israelense arrasou quatro milhões de metros quadrados de terra cultivada.

A Grande Marcha do Retorno

Desde o início da Grande Marcha do Retorno, em 30 de março, Israel matou dezenas de palestinos e feriu quase 4.000. Nenhum israelenses foi morto ou ferido. O poder da Marcha é que ela chama a atenção para a ilegitimidade de manter artificialmente uma maioria demográfica judaica na Palestina histórica. Enquanto massas de palestinos aproximam-se da cerca entre Gaza e Israel, os manifestantes personificam a “ameaça” de palestinos retornando a seus lares e vivendo em uma Palestina-Israel que não pode ter como premissa manter os palestinos fora e perpetuamente apátridas -como refugiados ou como uma minoria oprimida dentro de Israel.

Os manifestantes estão, em suma, tentando afirmar, pelo menos temporária e simbolicamente, seu direito à sua terra, identidade, nacionalidade, liberdade -o que as negociações com Israel e seu patrono norte-americano não produziram até hoje.

Greg Shupak é professor de mídias na Universidade de Guelph, Canadá. É autor de “A história equivocada: Palestina, Israel e a Media (OR Books)

Fontehttps://outraspalavras.net/sem-categoria/israel-70-anos-de-brutalidade/ - Publicado originalmente em 16/05/2018. 



A limpeza étnica da Palestina

 

Comentário sobre o livro de Ilan Pappé

Há livros difíceis de serem lidos. Às vezes empacamos diante de conceitos ou de formulações rebuscadas. Há, também, outros tipos de dificuldades. Paramos a leitura para tomar ar, para dar ao pensamento tempo para se conectar com a narrativa de experiências históricas terríveis, devastadoras. Somos postos diante do precipício daquilo que chamamos “humanidade”.

Os crimes contra a humanidade nos arrancam do nosso lugar confortável e nos fazem pensar sobre os próprios sentidos que os criminosos dão ao “humano”. Foi a conta-gotas que li A limpeza Étnica da Palestina, do historiador israelense Ilan Pappé. A cada página o autor nos apresenta aos horrores cometidos pelos sionistas para expulsar os/as palestinos/as de suas terras para que pudessem fundar um Estado judeu.

Nas duas viagens que fiz à Palestina vi fragmentos. Conheci parte considerável dos 700 quilômetros de muro, serpentes de concreto; as barreiras militares. Escutei tiros que executaram um jovem na Cidade Velha de Jerusalém, ritual de morte que acontece quase todos os dias nas barreiras militares. Acompanhei e chorei com os moradores de Silwan (bairro palestino em Jerusalém Oriental) que tiveram suas casas demolidas. Conversei com crianças que tinham sido presas pelo Estado de Israel. Visitei alguns campos de refugiados.

Faltava, contudo, ligar os vários pontos dos múltiplos atos de terror cometidos pelo Estado de Israel contra o povo palestino. Tão logo voltei ao Brasil, em janeiro de 2017, o livro de Ilan Pappé foi lançado. Este livro me deu um quadro histórico mais coerente e completo, que seria impossível de alcançar apenas pela dimensão da experiência. O que eu tinha assistido era, de fato, a continuidade da política iniciada em 1947 pelo futuro Estado de Israel: eu vi a continuidade da limpeza étnica da Palestina.

Um dos principais mitos que tenta justificar a existência de Israel se fundamenta no lema “Uma terra sem povo para um povo sem terra”. A narrativa sionista é mais ou menos assim: “judeus miseráveis, perseguidos pelos antissemitas na Europa, finalmente, voltam para suas terras ancestrais. Encontraram terras desocupadas e, com seu trabalho, fizeram da terra seca brotar a abundância. Cercado de inimigos por todos os lados, os/as heroicos/as soldados/as judeus/judias resistiram, lutaram e fundaram o glorioso Estado de Israel!”. Após a pesquisa de Ilan Pappé, este mito foi definitivamente destruído.

A tese da limpeza étnica não é nova. Walid Khalidi, por exemplo, nos seus escritos, já seguia este caminho. Em sua obra-prima, Una Historia de los Palestinos a traves de la fotografia 1876-1948, Khalidi nos apresenta uma Palestina pulsante, com uma vida urbana conectada com grandes centros culturais e econômicos do mundo. O autor combina vários elementos narrativos em seu livro: fotografias, mapas, dados censitários e textos analíticos. A própria palavra síntese, usada pelos/as palestinos/as para se referir ao que lhes aconteceu, principalmente a partir de novembro de 1947, Nakba (catástrofe), nos revela que a tese de limpeza étnica não é nova.

Qual seria, então, a singularidade da obra de Ilan Pappé e por que sua leitura deve ser obrigatória para todos/as que estão conectados/as com a luta do povo palestino e/ou interessados/as em entender os mecanismos de dominação do neocolonialismo materializados nas políticas do Estado de Israel? Pela primeira vez, um pesquisador entra na alma do projeto sionista: vale-se dos arquivos da Haganá, das FDI (Forças de Defesa de Israel), arquivos centrais sionistas, registro das reuniões da Consultoria, diário e os arquivos pessoais de Ben-Gurion.

Com rigor científico cirúrgico, o autor nos apresenta também cartas, documentos da ONU, repercussão em jornais de alguns dos massacres cometidos contra o povo palestino, arquivos da Cruz Vermelha. Além da descrição e análise histórica dos fatos, o livro ainda mostra fotos, cronologia dos fatos principais, mapas e um apartado com centenas de notas explicativas das fontes consultadas. São estas notas que garantem o rigor científico e o compromisso com a verdade. São centenas, iguais à Nota 5 (Capítulo 6): “Isso estava nas ‘Ordens operacionais para as brigadas de acordo com o Plano Dalet’, Arquivos das FDI, 22/79/1.303” (p. 313).

No primeiro capítulo, o historiador irá apresentar o conceito de “limpeza étnica” aceita por todos os organismos internacionais como “um esforço para deixar homogêneo um país de etnias mistas, expulsando e transformando em refugiados um determinado grupo de pessoas” (p. 23). Logo depois, nos conduzirá aos antecedentes históricos do projeto sionista de construção de um Estado para os judeus (por exemplo, a Declaração Balfour, de 1917) e nos apresentará aos “intelectuais orgânicos” da limpeza étnica, destacando-se o grande arquiteto Ben-Gurion.

Em carta ao filho, em 1937, Ben-Gurion antecipará o que iria acontecer: “Os árabes terão de ir, mas para fazê-lo acontecer, é necessário um momento oportuno, como uma guerra” (p. 43). Dez anos depois, em 1947, Yigael Yadin (outro importante quadro político-militar que planejou e executou a limpeza) afirmará: “os árabes palestinos não têm ninguém para organizá-los devidamente” (p. 42). Ou seja, a suposta guerra que Ben-Gurion já desejava em 1937 não aconteceu. Guerra só existe quando há um mínimo de equilíbrio na correlação de forças bélicas entre os inimigos. O que mostra a falsidade da retórica acionada sem timidez por Ben-Gurion de que os judeus na Palestina corriam risco de serem vítimas de um segundo Holocausto. Ao descrever os palestinos como nazistas, “a estratégia era uma manobra deliberada de relações públicas para garantir que, três anos depois do Holocausto, o ímpeto dos soldados judeus não vacilasse quando eram ordenados a limpar, matar e destruir outros seres humanos” (p. 93).

Foram três planos, ao todo, para realizar a limpeza étnica (Plano A, 1937; Plano B, 1946 e que passou a integrar o Plano C, de 1948). No entanto, o mais minucioso e melhor estruturado foi o Plano Dalet (“D” em hebraico). Assim, “alguns dias depois de escrito, o Plano D foi distribuído entre os comandantes das 12 brigadas incorporadas agora à Haganá. Junto à lista recebida vinha uma descrição detalhada dos vilarejos no seu raio de ação e de seu destino imanente: ocupação, destruição e expulsão. Os documentos israelenses liberados pelo arquivo das Forças de Defesa de Israel, no fim dos anos 1990, mostram claramente que, ao contrário das alegações feitas por historiadores como Benny Morris [historiador israelense], o Plano Dalet foi entregue aos comandantes de brigadas não como diretrizes gerais, mas como categóricas ordens para a ação” (p. 103).

Palestina: o Holocausto dos Filhos de Ismael

Nota: Artigo escrito pelo bispo Robinson Cavalcanti para a revista Ultimato 194, em 1988. O mesmo texto também foi publicado no livro “A Utopia Possível”, em 1993. Foi bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política — teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo — desafios a uma fé engajada. Faleceu no dia 26 de fevereiro de 2012 em Olinda (PE).


O mundo tem assistido consternado às cenas de violência envolvendo tropas israelenses e civis palestinos nos territórios ocupados. A brutalidade mostrada pela televisão causa perplexidade em muitos cristãos expostos, por tantos anos, a uma visão unilateral sempre favorável à causa sionista: os bons judeus versus os maus árabes.

Como é sabido, com a Guerra dos Seis Dias (1967), Israel anexa a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, onde vivem mais de um milhão de palestinos. Essas regiões permanecem sob governo militar e lei marcial, com seus habitantes sujeitos a condições subumanas, privados de direitos e transformados em mão de obra barata, como os guetos negros da África do Sul. Qualquer pessoa pode ser detida sem justificativa e por tempo indeterminado, sem poder ver o seu advogado. Todos são suspeitos do crime de querer se ver livres dos seus ocupantes. Segundo a Cruz Vermelha e a Anistia Internacional, o uso de torturas é uma prática habitual, e os presos são julgados por tribunais militares judeus. Ao mesmo tempo, grupos extremistas, como o Gush Emunin, vão erigindo, à força, povoamentos israelitas.

Enquanto isso, o Estado de Israel propriamente dito é uma sociedade estratificada e desigual, onde a minoria de judeus brancos askhenazitas detêm o controle do governo e da economia, com a massa dos judeus morenos sefarditas inferiorizada e discriminada e os árabes e drusos como cidadãos de terceira classe.

Não podemos esquecer que o sionismo significou um revés para a Igreja Cristã naquela região. Em 1948, 50% da população de Jerusalém era cristã, bem como 90% da população de Belém. O Patriarcado Ortodoxo Grego de Jerusalém data de 451 d.C. Discriminados como cristãos e perseguidos como árabes, a maioria dos cristãos deixou o país, não restando hoje mais do que 10%. Desde 1967, 100.000 cristãos árabes emigraram. A postura unilateralmente pró Israel dos cristãos ocidentais é um obstáculo à evangelização dos árabes e deixa em situação difícil os cristãos locais.

A História registra que o pró judaísmo entre os cristãos está ligado à figura do teólogo inglês dispensacionalista John Nelson Darby (1800 82) e à disseminação da Bíblia comentada Scofield. Em 1876, foi realizada a Conferência de Niágara sobre as Profecias, com forte influência sobre os Bible College. Por um literalismo, procurou se defender um direito divino dos judeus às terras palestinas, a qualquer preço. São esses protestantes que dão as bases bíblicas para o sionismo (esse originalmente secular e nacionalista, humanista e socialista). Isso é algo totalmente estranho ao pensamento evangélico do século XVI, que nem era pré-milenista nem dispensacionalista. Lutero e Calvino tomariam um susto com essas interpretações.

O Dr. Marvin Wilson, do Gordon College, denuncia que os fins não justificam os meios, que o Israel de hoje nem é uma teocracia nem o Reino de Deus, e que não pode ser julgado por outro padrão de moralidade diferente das outras nações. Para o Dr. Anthony Compolo, do Easton College, o dispensacionalismo nos fez entusiastas do desalojamento dos palestinos e indiferentes às injustiças praticadas contra aquele povo. E o Dr. Wesley Brown, presidente do Seminário Batista Americano do Oeste, na Califórnia, afirma que Deus está ao lado dos oprimidos, e no caso do conflito árabe israelense não há dúvida de que os palestinos árabes são os oprimidos, e que a maioria das interpretações dispensacionalistas é amplamente baseada numa hermenêutica inválida.

Quanto ao terrorismo palestino, é bom lembrar que Israel foi construído à base do terrorismo judeu contra os ocupantes ingleses e as populações árabes. Segundo o historiador menonita canadense Dr. Frank Epp, quatro ex Primeiros-Ministros israelenses estiveram envolvidos pessoalmente em atividades guerrilheiras ou militares para a expulsão dos palestinos. Menahem Begin (depois Prêmio Nobel da Paz), em seus verdes anos, escreveu um livro defendendo a ação terrorista e foi responsável, em 1948, pelo massacre da vila árabe de Deir Yassin, quando morreram 250 homens, mulheres e crianças. Sua organização, o Irgun, bem como a Haganah (fundada em 1920) e a Palmach, foram responsáveis por inúmeros massacres contra civis (vide Hotel Rei Davi).

Por séculos, árabes mulçumanos, cristãos, judeus e drusos viveram harmoniosamente na região, antes do retorno em massa dos judeus louros, eslavos e germânicos (estranhos para a paisagem humana da região) que migraram em massa para a Palestina em virtude do sionismo. Em 1948, a ONU concede a 1/3 de judeus o direito de mandar em 2/3 de árabes.

Não devemos temer a defesa da justiça com medo de sermos acusados de antissemitas. Os cristãos sentem a consciência culpada do antissemitismo da Inquisição e do Nazismo, sentem simpatia pelos “kibutsin” e pelos “moshavim”, mas não podem negar sua soteriologia histórica, que nos ensina que só há um caminho para Deus inclusive para os judeus que é Jesus Cristo, e que o Povo de Deus hoje é o Corpo de Cristo, a Igreja, chamada a exercer um ministério de reconciliação e a lutar pelos valores do Reino.

Não podemos sucumbir à tentação militarista e intolerante, genocida dos judeus, nem nos esquecer que os árabes também são filhos de Abraão, sob promessa de bênção de Deus, e que ali está presente a maior parte dos cristãos, nossos irmãos. Por dois Estados soberanos: Israel e Palestina. Por um estatuto internacional para Jerusalém.


Valsa com Bashir


Título Nacional: Valsa com Bashir
Título Original: Vals im Bashir 
Idioma: Hebraico 
Diretor: Ari Folman 
Gênero: Filme/Documentário/Biográfico 

O conflito no oriente médio não é de agora. Há décadas, países lutam por questões territoriais e religiosas, resultando em grandes destruições e aumentando ainda mais o ódio étnico e a intolerância multicultural vizinha. A migração de refugiados de guerra também é uma questão para se analisar com bastante cautela. 

O filme-documentário-biográfico "Valsa com Bashir" (em hebraico Vals im Bashir) aborda essa última questão. O ex-combatente israelense e diretor do filme, Ari Folman, retrata um dos períodos mais conturbados na história, marcados por intensos conflitos durante a ocupação das forças Israelenses no Líbano até a chegada à capital Beirute, em 1982, no intúito de derrubar as forças palestinas. 

O assassinato do presidente cristão Bashir Gemayel colaborou no massacre de dois mil civis nas cidades de Sabra e Chatila, cidades em destaque no filme. 

Diferente da linha comercial cinematográfica, Ari Folman relata a sua angústia e intensa busca às lembranças dos acontecimentos em formato de animação. Alías, "Valsa com Bashir" foi o primeiro documentário animado a ser veiculado e indicado a cinco Oscars de melhor filme estrangeiro.

“The Lobby”: censurado por Israel (Parte 4)

Nada assusta mais Israel do que os jovens negros americanos. Mesmo com a maioria do Congresso dos Estados Unidos ao seu lado, o lobby israelense treme na base com o Black Lives Matter, movimento que surgiu após o assassinato de Michael Brown pelo policial Darren Wilson em 2014 e vem escancarando a violência racista – e letal – das polícias dos EUA. Mas por quê?
Para começar, o assassinato de Brown aconteceu no mesmo verão que Israel apertou o cerco em Gaza, criando uma solidariedade online entre o Black Lives Matter e o BDS, movimento pacífico pró-Palestina que pede, entre outras medidas, o boicote a produtos israelenses.

O lobby, é claro, não aceitou essa aproximação quieto. Após o Black Lives Matter declarar publicamente apoio ao BDS, um evento de arrecadação de fundos para a causa negra foi cancelado por pressão do The Israel Project, uma das dezenas de grupos que compõem o lobby nos EUA.

E mais: Clarence V. Jones, autor do famoso discurso de Martin Luther King, “Eu tenho um sonho”, foi usado como arma. Jones era “amigo íntimo” de Andy David, cônsul-geral de Israel em São Francisco. E, por conta dessa relação, publicou três artigos na imprensa afirmando que King se reviraria no túmulo se visse as tendências anti-Israel do Black Lives Matter.

É o que confessou Andy David, então cônsul-geral de Israel em São Francisco. Sem saber que estava sendo gravado, David aparece no quarto e último episódio da série documental “The Lobby – USA”, da Al Jazeera.

Criado a partir das descobertas de James Kleinfeld, repórter que se infiltrou no coração do lobby israelense nos EUA, o documentário acabou censurado por causa da pressão do lobby de Israel nos EUA, que tem ligações diretas com o governo israelense. Agora, ele é exibido pela primeira vez em português pelo Intercept.

Diários do Apocalipse

Sob terror e escombros, humanidade e poesia. Crônica da guerra, por uma escritora palestina. A família confinada em Gaza. As bombas gritam, os telefones se calam. As mortes que não contam. Em meio ao terror de Israel, a Palestina viverá.


Por Sarah Aziza, no The Baffler | Tradução: Antonio Martins

Acordo cedo, de maneira estranha, em 7 de outubro, sonolenta após uma noite que terminou tarde. Coloco a chaleira para ferver e ligo o rádio na BBC. Um momento depois, ouço um noticiário que começa com “Lutadores palestinos de Gaza cruzaram a fronteira para Israel…”. Viro na direção do som desencarnado. Estou acostumada a acordar com notícias de violência na Cisjordânia – pelo menos uma manhã a cada semana começa assim, com uma história de ataques de colonos ou outra incursão do exercito de Israel. Labib Dumaidi, um estudante universitário palestino de dezenove anos, foi baleado ontem durante outro pogrom em Huwara, na Cisjordânia. Mas este relato é algo diferente, e minha mente luta para compreender as palavras. Gaza? Como?

* * *

Uma imagem: uma escavadeira estoura uma cerca em torno a Faixa de Gaza, vinda de Israel, e corpos passam pela abertura. Fora da câmera, um homem rouco grita em árabe: “Quebrei! Deus é grande! Quebrei!” Por um instante, Gaza já não significa inacessível, encurralada, inerte. Toda a minha vida, esse nome tem sido uma dor, amada e intransponível, íntima e fora de alcance. É a terra onde meu pai nasceu como refugiado, um lugar que ele amou apesar da Grande Tragédia [Nakba] que enroscou sua família por lá. Gaza, um lugar que nasceu em mim da primeira vez que ele me contou histórias do mar. Quando tinha seis anos, ele mergulhava no Mediterrâneo a caminho de casa, nadando nu na água até que seu irmão chegasse para puxá-lo de volta. Vejo Gaza retornar em seus olhos cada vez que ele avista as ondas.

Gaza, também o lugar onde meu pai viu minha avó cavar trincheiras à medida que se aproximava a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Ele não entendeu as valas até que os aviões rasgaram o céu. Por toda a vida, lamentei os familiares mantidos cativos lá, suas vidas tornando-se mais desesperadas a cada ano de cerco que começou em 2007. Prendi a respiração com eles através de quatro guerras, seus corpos presos sob céus em queda, impedidos de qualquer fuga. Um massacre tão rotineiro que Israel o chama de “aparar a grama”. Minha família e dois milhões de outros, enjaulados por um poder nuclear que os chama de ervas daninhas. Muitas vezes desesperei que jamais viveria para vê-los livres.

No entanto, por um instante, vendo aqueles corpos correndo sob o sol, parece absurdamente simples. Um muro é apenas um muro.

* * *

“Lutadores palestinos romperam as barreiras israelenses…”. Aguardo a inevitável sequência – notícias de que esses guerrilheiros em potencial foram mortos, como é o destino da maioria dos palestinos que se rebelam. Em vez disso, ouço que dezenas de israelenses foram mortos – a contagem acabou de começar. Ruptura. O único status quo que já conheci – aquele em que qualquer violência desvia-se para a morte brutal dos palestinos – foi, ainda que brevemente, derrubado. Uma sensação estranha: minha visão embaçando, meu corpo se dividindo ao meio, as partes se separando. Meu corpo sabe o que ainda está além da minha capacidade de compreensão. Uma história terminou, e estamos caindo, já sangrando, na próxima.

* * *

Começam a chegar mensagens de um dos meus primos em Gaza começam: “Exatamente às seis e trinta [em 7 de outubro], acordamos com o som de mísseis partindo da Faixa de Gaza como relâmpagos. A pergunta repetida por todos foi: ‘O que está acontecendo???’. . . A situação até este momento não é nada. . . mas tememos a resposta da ocupação. Eles não nos deixarão dormir esta noite. . . Pedimos a Deus segurança. . .”

* * *

Levará dias para saber o número final de israelenses mortos pelo Hamas. Mas quando ultrapassa cem, entro em pânico. Embora meu estômago se revolte com imagens dos mortos, tenho certeza de que eles já estão sendo metabolizados pela máquina sionista. Receio a maneira como a violência – tanto real quanto fabricada – será alavancada para lançar um arsenal do tamanho de um século em uma jaula humana. Este é o cálculo cruel de nossa opressão: minha compaixão pelos mortos é ofuscada pelos números altos de nossos já mortos e dos que em breve morrerão.

“Eles nos chamam de terroristas, Sarah”. A voz do meu pai está perplexa, ferida. Por trinta anos, ele esperou, certo de que os Estados unidos retribuiriam seu amor. Estamos falando no domingo, 8 de outubro, e as últimas 36 horas passaram por nós como dentes. “Eles chamaram isso de massa…?”. Sua boca gagueja a palavra em inglês. “Massacre, Baba. Isso significa matar em grande escala. E sabe de uma coisa? Acho que foi um massacre… Muitas pessoas foram mortas”. Na cozinha, meu parceiro judeu mantém-se discreto sobre o fogão, preparando comida que não iremos provar. Meu pai suspira. Estamos nos afogando em um luto complexo.

É uma pesar muito maior que as palavras. Grande o suficiente para reconhecer a dor judaica, tanto recente quanto histórica. Como palestina, recuso-me a imitar o opressor negando a humanidade dos falecidos. Mas essa tristeza situa-se dentro da cratera da certeza de que o mundo continuará a recusar a nossa. É um abismo esculpido por décadas de discurso, no qual apenas certos corpos sangram. Dentro deste consenso, não há desapropriação violenta da nossa terra, nenhuma forma aceitável em que possamos resistir às nossas muitas mortes lentas e instantâneas. Recusa o fato de que, por décadas, enterramos centenas de mortos para cada israelense morto. Nesse olhar seletivo do Ocidente, só há a nossa barbárie, que deve ser brutalmente contida.

Para o meu pai e para mim, o assassinato de cidadãos israelenses em 7 de outubro vibra com uma familiaridade primal, uma espécie de déjà vu. Minha família foi expulsa etnicamente da região a nordeste da Faixa de Gaza durante a Nakba em 1948 – bem perto do local dos ataques. Muitos dos meus parentes perderam irmãos, pais e filhos para balas e bombas sionistas. O horror vivenciado em 7 de outubro pareceu estranho, como se eu já tivesse visto isso antes. Essa ressonância não mistura tristezas ou histórias únicas, mas para nós a terra há muito tempo está assombrada, o chão já está manchado. Por mais chocados que estejamos com os ataques, também os vemos pelo que são – as convulsões inevitáveis de um corpo político violento. A erupção de uma verdade purulenta: a de que um regime de apartheid é sempre um território de morte.

* * *

Massacres de Israel contra a Palestina

Violência contra civis de Israel é condenável, mas a história está cheia de ataques a palestinos – e mostra que colonizadores só cedem com faca no pescoço.

Bruno Huberman
Professor do Curso de Relações Internacionais da PUC-SP.


O contexto importa para entender o que se passa na Palestina, mais particularmente em Gaza, desde 7 de outubro. A ofensiva militar liderada pelo Hamas não surgiu como um raio no céu azul. Os guerrilheiros palestinos que improvisaram drones e outras formas de superar o bloqueio terrestre, aéreo e marítimo imposto sobre a Faixa de Gaza desde 2005 são o estouro da panela de pressão.

Importante destacar: a violência que gera mortes de civis, como na ofensiva do Hamas, não deve ser justificada sob nenhum ponto. O objetivo aqui é compreender a razão que faz os palestinos recorrerem à violência para lutar por libertação nacional. E a razão principal é a violência colonial sionista-israelense.

Este é o ataque palestino mais letal desde o início da colonização sionista-israelense da Palestina no final do século 19. Foi a primeira vez, desde 1948 (quando o estado de Israel foi criado por meio de um processo de limpeza étnica), que palestinos retomaram território expropriado pelos israelenses.

Descolonização, como muitos palestinos têm lembrado desde sábado, não é uma metáfora, não é um discurso, não é uma teoria acadêmica, mas um ato material de retomada de terra, libertação e autodeterminação. A questão é que, aos povos colonizados, como os palestinos, muitas vezes não resta outra alternativa a não ser a violência. Frantz Fanon, intelectual martinicano ativo na libertação anticolonial da Argélia contra a França nos lembra: o colonizador cede apenas com a faca no pescoço.

As descolonizações, ao longo da história, sempre envolveram, em maior ou menor grau, formas de violência por parte dos povos colonizados. Isso porque o colonialismo é a representação da violência pura. E a única linguagem que ele compreende, segundo o mesmo Fanon, é a violência. O intelectual martinicano acrescenta: a violência ainda é essencial para a humanização do colonizado. Para a sua transformação em novos homens e mulheres que deixem de ser objetificados e animalizados pelo colonizador.

Algo muito similar é dito pelo intelectual C.R.L. James sobre a libertação dos haitianos contra os mesmos franceses e por Rosemary Saiygh. Ela mostra como os refugiados palestinos que viviam sob opressão do Líbano em campos de refugiados se sentiram humanizados quando guerrilheiros palestinos pegaram em armas e assumiram o controle dos campos para lutar por sua libertação e retorno à Palestina.

O resultado do levante dos palestinos no Líbano foi o massacre de Shabra e Shatila, em 1982. A milícia libanesa formada por cristãos maronitas de direita, a Kataib, aliada de Israel na Guerra Civil do Líbano, assassinou entre 800 e 3,5 mil palestinos, incluindo idosos e crianças. O ataque contou com apoio das tropas israelenses que ocupavam Beirute sob a anuência do então ministro da Defesa de Israel, Ariel Sharon.

Esse foi o mais famoso de uma série de massacres que os israelenses provocaram contra os palestinos. Essa é a realidade da Palestina desde a Nakba, que é o termo em árabe para catástrofe, que os palestinos utilizam para designar a tragédia que o seu povo sofreu no processo de criação de Israel e da Guerra Árabe-Israelense de 1948-1989. Isso porque, além da expulsão em massa e da criação da diáspora palestina (são aproximadamente 7 milhões de refugiados espalhados pelo mundo), aconteceram diversos massacres contra a população nativa.

O maior deles ocorreu no vilarejo de Dawayima, perto de Hebron, quando 145 palestinos foram executados por militares israelenses, em 29 de outubro de 1948. Mas o massacre mais famoso aconteceu no vilarejo de Deir Yassin, próximo a Jerusalém. Na ocasião, integrantes das milícias sionistas de direita Gang Stern e Irgun mataram 110 palestinos – incluindo 30 crianças – depois que a liderança palestina do vilarejo fez um acordo de não agressão com a principal milícia sionista, a Haganah.

O ataque provocou pânico nos palestinos dos vilarejos do entorno e causou a fuga de milhares durante as operações israelenses de conquista de Jerusalém. Os massacres contribuíram decisivamente para o que o historiador israelense Ilan Pappe chamou de processo de “limpeza étnica” na Palestina.

Massacres de Israel contra palestinos se acumulam
Listo aqui os massacres cometidos por Israel contra os palestinos antes do conflito iniciado este mês. O compilado foi feito pelo historiador Nur Masalha em seu livro “The Palestine Nakba: Decolonising History, Narrating the Subaltern, Reclaiming Memory” [“A Nakba palestina: descolonizando a história, narrando o subalterno e reivindicando a memória”] e atualizado por mim:

Qibya, em outubro de 1953: tropas israelenses da Unidade 101 atacaram o vilarejo de Qibya, na Cisjordânia, matando 69 palestinos. Muitos se escondiam em suas casas quando bombas explodiram as residências. Foram destruídas 45 casas, uma escola e uma mesquita.

• Kafr Qasim, em outubro de 1956: a polícia de fronteira israelense massacrou 48 cidadãos palestinos de Israel, incluindo seis mulheres e 23 crianças.

Vilarejos na Galileia, em março de 1976: seis cidadãos palestinos de Israel foram mortos, 100 foram feridos e outros 100 foram presos em protestos contra a expropriação de terras na Galileia pelo estado de Israel.

Hebron, em fevereiro de 1994: foram massacrados 29 muçulmanos dentro de uma mesquita em Hebron pelo colono fundamentalista judeu Baruch Goldstein.

Campo de refugiados de Jenin, em abril de 2002: o Exército de Israel atacou o campo usando bulldozers, tanques e helicópteros. Estima-se que morreram centenas de homens, mulheres e crianças, embora não se saiba o número exato, pois muitos foram enterrados sob os escombros.

Intifadas em 1987, 1993, 2000 e 2002: milhares foram mortos e feridos pelo Exército de Israel.

Gaza, em dezembro de 2008: 1.417 palestinos foram mortos, sendo mais de 900 deles civis.

Gaza, em novembro de 2012: 174 palestinos foram mortos e centenas ficaram feridos em uma ação israelense para assassinar o dirigente militar do Hamas, Ahmad Jabari.

Gaza, em julho e agosto de 2014: o sequestro de três jovens israelenses pelo Hamas resultou em uma guerra de sete semanas em que 2,1 mil palestinos e 73 israelenses foram mortos, incluindo seis civis de Israel.

Gaza, em março de 2018: milhares de palestinos protestaram próximos à cerca em torno de Gaza na Marcha do Retorno. As tropas israelenses abriram fogo e mataram 170 palestinos ao longo de vários meses de protesto, resultando em um novo confronto entre Hamas e Israel.

Gaza, em maio de 2021: depois de meses de tensão durante o Ramadan, centenas de palestinos foram feridos em um dia de reza na mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém. O Hamas demandou a desocupação israelense. Em um confronto que durou 11 dias, 260 palestinos e 11 israelenses foram assassinados em Gaza.

O resultado de décadas de colonialismo israelense é a formação de um apartheid em todo o território da Palestina. Dentro de Israel, existem os palestinos que sobreviveram à Nakba e que compõe cerca de 20% da população israelense como cidadãos de terceira classe. Eles são uma minoria marginalizada, mas com direitos civis.

Nos territórios palestinos ocupados da Cisjordânia e da Faixa de Gaza desde 1967, Israel é soberano e não oferece direito algum aos palestinos. A Autoridade Nacional Palestina, estabelecida nos Acordos de Oslo, tem o poder de uma prefeitura: assegura serviços como educação, saúde, transporte, etc. Mas o poder de controlar fronteiras, finanças, comércio, entre outros, pertence exclusivamente ao estado de Israel, o que limita severamente a autodeterminação palestina.

Anos de cooperação de segurança e reza à cartilha neoliberal de desenvolvimento pela ANP não resultaram na criação de um estado da Palestina. A moderação do grupo dirigente da ANP, o Fatah, e a negociação diplomática trouxe apenas mais colonização para os palestinos. Essa é a razão de o Hamas ainda optar pela resistência violenta, como fizeram diferentes grupos guerrilheiros palestinos durante a Guerra Fria.

Em Gaza, é onde os palestinos têm a vida mais restrita. Onde ninguém entra nem sai. Onde Israel controla a entrada de alimentos calculando a quantidade de calorias mínimas para sobrevivência dos 2 milhões de palestinos. Onde bombas caem do céu e destroem prédios inteiros. Onde a ONU considera a vida “invivível”. Uma distopia na realidade. É nesse ambiente que a radicalidade do Hamas ferve e explode.O que acontece agora em Gaza é uma continuação do que ocorre desde 1948. É por isso que os palestinos dizem viver uma “Nakba contínua” , isto é, uma catástrofe diária. Os massacres se repetem, as expulsões se repetem, as demolições de casas e vilarejos se repetem. A negação da autodeterminação palestina por meio da ocupação militar na Cisjordânia e na Faixa de Gaza criou uma panela de pressão de insatisfação e ressentimento entre os palestinos. No sábado, ela estourou.


Repito: a violência do Hamas é fruto do colonialismo israelense, que segue a lógica dos colonialismos por povoamento, segundo o teórico australiano Patrick Wolfe. Enquanto houver terra indígena, os colonos buscarão expropriá-la. Enquanto houver resistência indígena, os colonos buscarão silenciá-la. A ofensiva dos ruralistas brasileiros sobre as terras indígenas na proposta do Marco Temporal revela como essa lógica vai do Brasil a Israel, passando também por países como EUA, Canadá, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. A eventual reação violenta de indígenas contra o roubo de terras por grileiros operaria na mesma racionalidade observada em Gaza.

Importante ressaltar que os palestinos têm encontrado diferentes formas de resistir ao longo da história além do levante armado. Manifestações em massa, boicotes e auto-organização são algumas das formas utilizadas para lutar por sua libertação nacional. E, embora a luta armada possa ser importante para fazer os palestinos serem ouvidos globalmente e interromper a normalização da sua ausência de liberdade, ela nunca trouxe vitórias significativas para a conquista do seu estado. O aumento da opressão após a Segunda Intifada e o fim das negociações diplomáticas entre Israel e palestinos demonstram o fracasso da luta armada.

Será somente com o combate à ordem internacional liderada pelos EUA, que permite que esse regime de apartheid colonial se mantenha de pé, que virá a libertação da Palestina. Essa é a importância de trazer à tona a lógica colonial que estrutura a violência opressora contra os povos indígenas na Palestina e em diferentes localidades do mundo, para construir novas alianças internacionais de solidariedade capazes de mover a descolonização.

Fonte: https://www.intercept.com.br/2023/10/13/israel-estes-sao-os-maiores-massacres-contra-a-palestina/

Sabra e Chatila, um massacre a ser sempre lembrado


A limpeza étnica sistemática de 1948 na Palestina, segundo Ilan Pappé, foi o principal acontecimento “constitutivo de sua história moderna”. Com o início da prática de limpeza de Israel, milhares de palestinos, expulsos ou aterrorizados, se refugiaram no Líbano em busca de abrigo e segurança. Segundo Pappé, tal limpeza foi praticamente eliminada da memória e consciência coletiva global, tornando, portanto, o direito à memória uma das ferramentas mais importantes para a resistência e luta do povo palestino.

Quando em 1982 Israel invadiu o Líbano em busca da OLP (Organização pela Libertação da Palestina), na época presidida por Iasser Arafat, o estado sionista encontrou então a situação perfeita para ocupar o país e aliar-se a um grupo fascista rumo ao poder. Bashir Gemayel, então presidente eleito do Líbano e carismático líder cristão no país, defendia uma política alinhada à dos Estados Unidos. Em entrevista concedida nos anos 80, ao ser questionado se era ou não aliado de Israel, Bashir explica que sua relação com o estado sionista não é permanente, e que, politicamente, alia-se a quem lhe for conveniente “tomando o máximo de vantagens e benefícios para o balanço de poder e o equilíbrio de poderes no Líbano”. Seu assassinato foi então o estopim para que um massacre de inocentes, sobretudo de palestinos refugiados, acontecesse com a ajuda prática de Israel.

Mas os planos de tal crime de guerra foram arquitetados durante encontros realizados no dia 15 de setembro, com o então Ministro da Defesa de Israel, Ariel Sharon, e líderes de uma mílicia libanesa falangista cristã ligada ao governo de Bashir, Elie Hobeika, Fadie Frem e Zahi Bustani. Nesse encontro, Sharon autorizava as tropas israelenses, responsáveis pelo cerco aos campos libaneses, a permitirem a entrada dos falangistas.

O historiador árabe Fawwaz Traboulsi descreve em seu livro História Moderna do Líbano os interesses firmados antes da morte do presidente Bashir, que planeja colocar em prática uma “solução radical” para equilibrar demograficamente o Líbano, “provocando um êxodo geral da população palestina” que, segundo ele, constituía “um povo em excesso” na região. Junto a responsabilidade destinada a Ariel Sharon e ao governo cristão libanês, o estado norte-americano também teve a sua participação ao retirar todas as suas forças de paz, responsáveis pela supervisão da saída da OLP, e ao evadir os destacamentos militares da região e pressionando, indiretamente, a retirada de forças francesas e italianas do local.

Na prática, os ataques aos campos de Sabra e Chatila podem ser definidos como um massacre de Deir Yassin revisitado, com as mesmas características crueis e de limpeza étnica executadas durante e a partir da Nakba palestina. O massacre deixou cerca de 4.000 pessoas entre mulheres, crianças e idosos mortas. Muitas delas, decapitadas, mutiladas ou desfiguradas.

O jornalista Odd Karsten Tveit, um dos primeiros a entrar nos campos de refugiados após o massacre, descreveu em relato para a TV Al Jazeera cenas de horror. Em um primeiro momento, visitou um hospital e encontrou um jovem garoto ferido nas pernas e no quadril, e ele gritava “mataram minha mãe e meu pai”. Depois, um grupo de palestinos, “usando kuffyas”, mostrou o que até então se tratava apenas de rumores de um massacre.

A cena real de uma matança: corpos e corpos empilhados por estreitas vielas, e multidões aos prantos, buscando por sobreviventes ente os escombros. Tantos mortos, inocentes, esquecidos pela Síria e Jordânia, abandonados, no meio do jogo político sujo de Israel com os Estados Unidos. Apoiados por Washington, os soldados israelenses cometeram as mais diversas atrocidades. O massacre acabou com diversos vilarejos libaneses e muitos acampamentos de refugiados palestinos. Um soldado israelense, que atuou no massacre, Ari Folman, em seu documentário relembra o genocídio no Líbano, as execuções sumárias e a noite em Beirute com o céu iluminado por bombas de fósforo branco e outras de fragmentação. Quando amanheceu, viu pelas ruas mães e esposas de palestinos mortos, que choravam sobre os escombros e ruas encharcadas por sangue. O então primeiro ministro de Israel, Menachem Begin, já possuía um extenso currículo de matanças executadas contra palestinos. Ele era o líder sionista da Stern Gang, grupo terrorista responsável pela chacina em Deir Yasin.

Reflexos do massacre no Brasil
A representação da OLP em território brasileiro instalou-se no ano de 1979 e, em 1982, com o massacre dos palestinos no Líbano, realizou, com diversas organizações estudantis, sindicatos e partidos políticos, grandes passeatas em protesto ao genocídio dos palestinos em São Paulo. Mohamed Al Kadri descreve que as manifestações contaram com dez mil pessoas pedindo o fim dos massacres e a Palestina Livre.

Elie Hobeika, um dos responsáveis junto com Ariel Sharon pelos massacres de Sabra e Chatila, em 1985 assumiu o posto de chefe da milícia cristã, e pouco tempo depois alinhou o grupo aos interesses da Síria. Em janeiro de 2002, Hobeika morreu em um atentado a bomba, e sua morte apontou responsáveis como a Síria e, principalmente, Israel. Isso pois pretendia depor em Bruxelas em um processo de vítimas do massacre. Ele seria uma importante testemunha com relatos que prejudicariam o governo israelense.

No mesmo ano, meses depois, o empresário libanês Mikhael Youssef Nassar e sua esposa foram assassinados em um posto de gasolina da avenida Juscelino Kubtischek, no Itaim Bibi, em São Paulo. Foram mortos com tiros de uma pistola com silenciador e munição brasileira. O libanês era conselheiro de Hobeika e, depois dele, seria a segunda testemunha mais perigosa a depor contra os organizadores e executores do massacre de Sabra e Chatila. Além disso, era filho do comandante do famigerado Exército do Sul do Líbano, força aliada de Israel durante a guerra civil. Sobre ele ainda recai a suspeita de tráfico de armas e negócios ilícitos com áreas em vias de desapropriação para rodoanel. O motivo de seu assassinato nunca foi esclarecido pelas autoridades brasileiras mas há grandes possibilidades que seus executores sejam os mesmos de Elie Hobeika. Tal fato reforçou e, de certa maneira, confirmou a culpa de Israel pela morte de milhares de civis palestinos e libaneses.

O massacre 30 anos depois
Apesar de tal evento ser configurado como uma violação grave diante de um Tribunal Penal Internacional, nenhuma investigação ou condenação foram diretamente feitas contra o governo do Líbano. E mesmo com a acusação formal por meio de inquérito contra Ariel Sharon, o ministro da defesa não foi preso nem deixou o governo, somando este fato trágico da história da Palestina ocupada a tantos outros ignorados por quaisquer organizações ou nações da comunidade internacional.

O genocídio contra o povo palestino e as violações dos direitos humanos e das leis internacionais continuam fazendo parte da política assassina de Israel. Segundo a ANURP – Agência das Nações Unidas para Refugiados Palestinos, mais de 500 mil palestinos buscaram refúgio no Líbano e não são considerados pelo governo libanês como moradores permanentes. Vivem isolados em guetos, como cidadãos de segunda classe. Somente em 2010, por exemplo, tiveram o direito ao emprego formal e, ainda assim, sem poder ocupar qualquer cargo.

Um analista sênior da ONG humanitária Human Rights Watch, Nadim Houry declarou que “os palestinos que vivem no Líbano têm as piores condições de vida de todo o Oriente Médio”, sem direitos civis e acesso a serviços públicos como saúde e educação. Fica claro que, além de genocídios planejados e executados por Israel, Estados Unidos e aliados, os palestinos sofrem todos os dias com o apartheid promovido dentro da Palestina ocupada e nos campos de refúgio espalhados pelo mundo. Sabra e Chatila é perpetuada e velada, então, sob ações de exclusão étnica, omissão e abandono dos palestinos.

Fonte: https://icarabe.org/artigos/sabra-e-chatila-um-massacre-a-ser-sempre-lembrado - Publicado originalmente em 20/09/2012