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Empreendedorismo social: atual configuração, perspectivas e desafios


No presente artigo, procuramos apresentar os principais elementos introdutórios ao tema empreendedorismo, tomando como exemplo a realidade brasileira. Partimos da constatação de que o empreendedorismo social emerge no cenário dos anos 1990, ante a crescente problematização social, a redução dos investimentos públicos no campo social, o crescimento das organizações do terceiro setor e da participação das empresas no investimento e nas ações sociais. Atualmente, o empreendedorismo social se apresenta como um conceito em desenvolvimento, mas com características teóricas, metodológicas e estratégicas próprias, sinalizando diferenças entre uma gestão social tradicional e uma empreendedora. É o que procuramos apresentar, mesmo que sinteticamente e de forma introdutória, a partir dos principais conceitos, nacionais e internacionais, e de um exemplo típico brasileiro e de impacto global: as sensíveis diferenças entre empreendedorismo social e outros conceitos, como responsabilidade social empresarial e empreendedorismo privado. Finalizando, apontamos algumas características de entendimento do empreendedorismo social no Brasil, bem como alguns elementos sobre os desafios e possibilidades dessa nova forma e paradigma de gestão social que se apresenta como emergente e de grande poder de transformação social no cenário de um Brasil paradoxal, com muitos problemas, mas repleto de possibilidades. 

Autor: Edson Marques Oliveira

Palavras-chave 
Empreendedorismo social. Gestão social. Terceiro setor

Texto completo: Clique aqui


A Avó Grilo - O Mito da Dona da Água



Esta é uma história que é contada milenarmente pelo povo Ayoreo, da Bolívia. Dizem eles que no principio havia uma avó, que era um grilo chamado Direjná. Esta avozinha era a dona da água e por onde quer que ela passasse com seu canto de amor, a água brotava. Um dia, os netos pediram que ela fosse embora e ela partiu, triste. Mas, na medida em que ia sumindo, também a água ia embora. Neste vídeo, a história se atualiza e na sua viagem para lugar nenhum a avó é encontrada pelos empresários que a aprisionam e fazem com que ela faça a água cair apenas nos seus caminhões pipa. Então, eles vendem a água. O povo passa necessidade e sofre. A avozinha também sofre. Até que um dia, o povo entende que é preciso lutar. Então…

Vale a pena ver essa beleza de desenho animado, que representa a poderosa luta dos povos originários contra a mercantilização da natureza.

A produção foi feita na Dinamarca, por The Animation Workshop, Nicobis, Escorzo, e pela Comunidade de Animadores Bolivianos. O trabalho de desenho foi realizado por oito animadores bolivianos, dirigido por um francês, com música da embaixadora da Bolívia na França, e a ajuda de um mexicano e uma alemã. Todo juntos na defesa dos recursos naturais.

Logística Reversa - Brasil 2050 2ª Temporada

Atirando pedras no ônibus do Google


Como crescimento se tornou inimigo da prosperidade

Pedro Demo (2016)

Rushkoff (2016) (R) publicou livro que pretende mostrar ter-se o crescimento tornado inimigo da prosperidade – por isso estamos atirando pedras no ônibus do Google. O que haveria de tão errado neste cenário? O crescimento econômico capitalista sempre foi questionado, em especial na obra de Marx, que foi em parte deixada de lado por muitos pesquisadores, mas continua ecoando como “espectro” (tal qual dizia no Manifesto Comunista de 1848). As argumentações vão variando no tempo – o que Marx dizia ainda vale relativamente, mas estamos em outro contexto muito diferente, tendo-se entrementes também invalidade alguma previsões, enquanto outras se tornaram ainda mais evidentes. Hoje, imersos em tecnologias de alto a baixo que prometem revolucionar a produtividade/competitividade, inclusive eliminando o fator do trabalho humano – peça chave da crítica marxista – assistimos a cenários tétricos, marcados por concentração sem precedentes de renda (uma ínfima minoria, e que se torna cada dia mais ínfima, tem quase tudo e o “resto” quase nada) (Noys, 2014), insustentabilidade gritante, em especial nos exemplos americano e chinês, inviabilidade de estender o bem-estar eurocêntrico para o planeta etc. A velha estória das crises recrudesceram, de certa forma comprometendo um percurso razoável ocorrido no pós-guerra com a proliferação da classe média (o igualitarismo máximo que o capitalismo faculta), mas, na outra ponta, o pensamento único galopa impávido, como se mercado liberal fosse a ordem das coisas...

I. GOOGLE VISADO
Lembra Rushkoff que numa manhã de dezembro de 2013, moradores do Mission District de San Francisco se deitaram ao chão à frente de um veículo para impedir sua passagem. Embora atos de protesto não sejam inusitados na Califórnia, este tinha objetivo improvável: os ônibus do Google usado para transportar empregado de suas casas na cidade para o campus da empresa em Mountain View, a quase 50 km. Enquanto fotos e tomadas ao vivo chegavam na mídia social usada pelo A, não sabia bem como reagir. Afinal, Google era, sob muitos ângulos, a estória mais recente de sucesso da internet – um experimento elaborado em quarto de residência estudantil que virou um dos maiores gigantes de tecnologia e cria milhares de empregos – enquanto alega não fazer qualquer mal a ninguém. Seu crescimento exponencial também reavivou muitos setores econômicos e alguns bairros. Parecia que, até ao momento, todos estavam felizes como o andar das coisas. Todos usam busca gratuita e email. Blogueiros são pagos por colocarem advertisings em seus sites, crianças recebem alguma remuneração pelos vídeos no YouTube e Mission District ficou um pouco mais gentil e seguro, à medida que gente da última moda e profissionais tecnológicos chegaram, novas lojas de café e livraria abriram, apartamentos foram construídos e valores imobiliários subiram.

Assim parece – crescimento é bom. Pelo menos para quem o maneja. Mas in influxo de “googlers” nos bairros mais históricos de San Francisco elevou alugueis, forçando residentes de longa data e pequenos negócios a se deslocarem, não aproveitando nada deste crescimento. Os ônibus com ar condicionado do Google eram a prova da invasão – como transporte espacial levando alienígenas. Acrescentando insulto à injúria, Google estava agora usando paradas de ônibus público para embarcar em seu sistema. Aluguéis por perto subiram 20%, cujos preços continuavam subindo, acomodando não só novos empregados do Google, mas também de Facebook, Twitter e outras preciosidades do Vale do Silício (Gumbel, 2014). No mesmo dia, para ironia maior ainda, as ações do Google estavam nas altura de novo em Wall Street, o que levou uma dezenas de manifestantes dispersos e vestindo amarelo a paralisarem um dos ônibus do gigante tecnológico.

Apresentavam um banner plastificado amigável para Instagram que dizia “Gentifrication & Eviction Technologies” (Tecnologias da Elitização e Despejo) em fonte perfeita e multicolorida do Google. Apontando para o ceticismo crescente em torno dos benefícios desigualmente distribuídos do boom tecnológico, a imagem se espalhou como fogo selvagem. Rushkoff diz que se sentiu, pelo menos em parte, solidário com esta crítica. Semanas depois, não havia nada mais de divertido nisso. Manifestantes em Oakland estavam agora atirando pedras nos ônibus do Google, quebrando uma janela e aterrorizando os empregados. Claro, Rushkoff diz-se preocupado com as práticas da empresa e frustrado pelo crescimento rápido do Vale do Silício que parecia deslocar, não enriquecer o povo de San Francisco e redondezas. Mas tinha amigos nos ônibus, tentando ganhar a vida a seu modo com suas habilidade de codificação. Poderiam estar ganhando $100 mil anuais, mas sentiam estressados, perpetuamente monitoradas e dolorosamente alertas de sua vulnerabilidade. “Sprints” (arrancos) – explosões cronometradas de codificação para atingir metas fatais – estavam mais frequentes, à medida que objetivos novos, mais ambiciosos de crescimento substituíam a última rodada.

Aqui podemos todos estar do mesmo lado. Os trabalhadores do Google são bem menos que beneficiários de empresa em expansão do que recursos rapidamente consumidos. O trabalhador médio deixa a firma em um ano (Giang, 2013) – alguns para galgar posições melhores em outras empresas, mas a maioria simplesmente para fugir da pressão insuportável produtiva. Tomar ônibus lhes oferece mais tempo para trabalhar ou para relaxar ao invés de dirigir. Afinal são “seres humanos” (R:2). Por sua parte, Google está aliviando as rodovias e o ambiente das circunvizinhanças; ao contrário de muitas outras empresas na Bay Area, que fazem de conta nesta parte, ou no máximo organizam caronas sistemáticas, Google oferece programa de transporte coletivo que pouca mais de 29 mil toneladas métricas de CO2 por ano – estaria fazendo a coisa certa tornando a coisa errada? Há preocupações gritantes sobre como Google está impactando o mundo, mas nem seus ônibus, nem seus trabalhadores dentro deles são o problema central; são apenas o alvo mais fácil. Esses trabalhadores não esquecem da pobreza aí fora, quando viajam para o trabalho – o que acaba aguçando o temor também de um dia estarem desempregados. Também gostariam de virar milionários, mas não para viver só de luxo.

Num país sem rede maior segurança social, trabalhadores sempre são bombardeados com a balela de que devem tornar-se milionários ou vão ficar na rua da amargura na aposentadoria ou se adoecerem gravemente. O atuário da previdência calcula que quem ganha $50 mil anuais precisará de pelo menos $1.5 milhão para aposentar-se com 65 anos, sendo que uma conta inesperada médica pode nos tornar no 1.7 milhão de aposentados em bancarrota. Nem mesmo investidores, oficiais do Google ou o 1% infame deveriam – para Rushkoff – ser culpados pelas desigualdades crescentes da economia digital. Executivos e capitalistas de risco do Vale do Silício estão apenas praticando capitalismo como aprender na escola/universidade, em grande dando conta de sua obrigação legal aos acionistas das empresas. Certo, estão ficando mais ricos do que resto, e há dano colateral associado com crescimento desgarrado de suas empresas e ações. Mas, segundo Rushkoff, está presos a este destino como todos; muitos diretos executivos entendem que atingir crescimento de curto prazo não é o interesse melhor de longo prazo das empresas ou clientes, mas estão enrolados numa corrida na qual vencedores abocanham tudo (winner-takes-all) por domínio contra todos os outros mamutes digitais. É crescer ou morrer (R:3).

Embora nos Estados Unidos, mercado liberal seja visto como a ordem das coisas, a alavanca evolucionária em si, inclemente e objetiva, do que surgiu o “pensamento único” (é ideologia ser contra!), está cada dia mais claro que é uma praga para o planeta e seus habitantes, porque é uma engrenagem que, longe ser objetiva, natural, evolucionária, está completamente a serviço de interesses privados. O que mais incomoda no Google não é sua pujança tecnológica, riqueza gerada, inovações constantes, mas que tudo esteja nas mãos de dois proprietários. A maior mentira do mercado liberal é que, seguindo consequentemente o autointeresse, o mercado serve ao bem comum, orientado pela mão invisível. Embora a argumentação marxista esteja um pouco fora de moda, Marx captou ostensivamente esta contradição: não é viável compor o autointeresse com o bem comum via mercado liberal. No entanto, o mercado liberal tem “suas virtudes”, a começar pela capacidade de crescer, mesmo porcamente. Nenhum outro tipo de mercado tem se mostrado tão efetivo, muito menos os socialistas. Ocorre que o preço pago é demasiado, porque destrói tudo, planeta e seus habitantes, em nome de alguns poucos  - cada vez menos – locupletados. Na penumbra dessa miséria está a noção fortemente veiculada, em especial no Fórum Econômico de Davos, que os ricaços são tão ricos por “mérito”, porque são espécimes superiores evolucionários, muito acima dos mortais – seria pois um castigo tresloucado puni-los com tributações, impostos, restrições. De certa forma, a evolução assim procede: coloca o planeta a seus pés. Ponto.

II. CRESCER A QUALQUER PREÇO
A pressão de crescer a qualquer preço pode ser vista mais claramente num país como a China que, mesmo dizendo-se comunista, promove a economia mais “liberal” do mundo, também a mais suja e desigual, porque considera que só pode conquistar um lugar ao sol, para depois dominar o cenário, via crescimento a qualquer preço. Sabe que, para ter recursos para o lado social, precisa de uma economia pujante, crescendo freneticamente, mesmo que isto tenha um preço fatal para a sociedade. O exemplo da China vale para todos os países, a ponto de hoje não se poder tocar na prática nenhuma economia de esquerda – está fadada ao fracasso, como foram os exemplos já clássicos da União Soviética e Cuba. Por isso China saiu desta expectativa – seu mercado é encardidamente liberal e assim será, para crescer tudo que pode (e não pode!).

Voltando ao Google, toda firma de tecnologia precisa tornar-se intrusiva, extrativa, divisionista, consumidora de tempo, gastadora, cara, matadora de postos de trabalho, espoliativa e manipulativa como todas (R:3). Quanto aos acionistas impacientes, são como todos: a começar pelo fato de que são mantidos pelos clientes... Mas, para Rushkoff, não há limiar claro para quem pode atirar pedras. É porque o conflito não propriamente entre residentes de San Francisco e empregados do Google ou os 99% e 1%. Nem mesmo os estressados empregados contra as firmas onde trabalham, ou os desempregados contra Wall Street, tanto quanto não cada um – a própria humanidade – contra um programa que promove crescimento acima de tudo. “Estamos aprisionados na arapuca do crescimento” (Ib.). Este é o problema para questões que não parecem ter face ou nome, parecendo inevitáveis e normais. É a lógica empurrando a recuperação sem emprego, a economia que rebaixa remunerações, a postura inescrupulosa do Uber e as invasões privadas do Facebook. É o mecanismo que solapa negócio e investidores, forçando a competir contra jogadores com chips digitalmente inflados de pôquer. É a pressão de tornar diretores executivos sem condições de priorizar a sustentabilidade de seus empreendimentos sobre os interesses de acionistas açodados. É o bode expiatório não identificado por trás das notícias das crises da economia desde o paradigma grego até as dívidas estudantis que se exponencializam. É a força que exacerba disparidade de riqueza, aumentando o hiato de paga entre empregados e executivos, e gerando as dinâmicas de power-law (efeito estatístico de curvas de concentração) separando vencedores e perdedores. É a caixa-preta extraindo valor do mercado de ações antes que comerciantes humanos saibam o que aconteceu e o momento irreflexivo expandindo a bolha tecnológica a proporções perigosamente explosivas.

“Para usar a metáfora de nossa era, estamos tocando um sistema econômico operativo extrativo e turbinado pelo crescimento que chegou a seus limites da habilidade de servir a todos, ricos ou pobres, humanos ou corporativos” (R:3). Mais, estamos tocando isso em supercomputadores e redes digitais que aceleram e amplificam todos os efeitos. Crescimento é o credo intocável, o comando fatal da economia digital. Economistas clássicos e expertos em negócio não ajudam muito; é porque tendem a aceitar que economia com base em crescimento como condição pré-existente da natureza. Mas não é! “As regras de nossa economia foram inventadas por seres humanos particulares, em momentos particulares da história, com objetivos e agendas particulares” (R:5). A normalização desta desgraça está no fundo desta “fatalidade”, que aparece na proposta econômica comum de que economia segue seu rumo implacável, tal qual a evolução. É também o que se conta para os países, em especial aos em desenvolvimento: se quiserem avanças, só via mercado liberal consequente. Assim nos tornamos marionetes do sistema.

É fundamental escavar as assunções do mercado digitalizado e nos perguntar o que é mesmo relevante para a vida no planeta. Ironicamente, apenas pensando como programadores podemos adaptar a economia para servir a seres humanos, ao invés da balela do crescimento a qualquer custo. Usando uma expressão freireana, é preciso “ler a realidade”, para, escavando por baixo, sacar seus pressupostos maquiavélicos aí embutidos perversamente. Caso contrário, vamos repetindo velhos equívocos, como papagaios adestrados. Agora está cada vez mais claro que, graças à velocidade e escala nas quais os negócios digitais operam, nossos erros ameaçam descarrilar não apenas a capacidade inovadora de nossas indústrias, mas também a sustentabilidade da sociedade inteira. Jogar pedra nos ônibus do Google são como o tremor antes do terremoto. Ou temos juízo e seguimos outra rota, ou adentramos para o precipício. Estamos no lucro de uma catástrofe anunciada. A humanidade precisa decidir. Precisamos pegar a oportunidade de reprogramar a economia – e empresas – a partir de dentro. Daí podem prover modos novos e mais distribuídos de criação de valor e permuta – tipos de geração de riqueza em sites de comércio, em redes de empréstimo entre pares, e plataformas de usuários ou mesmo em jogos e aplicativos programadas por colegiais em laptops e trazidos ao mercado. É a economia que nos 1980 era acenada por muitos de nós, mas no início dos 1990, esta economia centrada no humano foi substituída pela visão do negócio digital – pelos fundadores libertários e primeiros escritores da revista Wired e futuristas patrocinados por empresas de Cambridge (Massachusetts), muitos dos quais eram os mesmos. Viam a tecnologia digital de modo a reavivar os mercados securitários sob risco, bem como a restaurar a fé na noção da economia se expandindo infinitamente. Após o crash biotecnológico de 1987, muitos temeram que o meio século de crescimento sem paralelos do pós-guerra poderia se extinguir; mas agora a tecnologia digital iria fazer NASDAQ retornar à sua glória anterior. Logo quando parecia termos atingido os limites do mundo físico, descobria-se mundo virtual aparentemente inesgotável. Conforme os novos sabichões, esta nova economia digital prometia “longo boom” (Schwartz & Leyden, 1997) de crescimento econômico: uma economia digitalmente amplificada, especulativa que podia literalmente expandir-se para sempre (R:6). Otimizamos nossas plataformas não para as pessoas ou mesmo valor, mas para crescimento. Ao invés de obter mais tempo livre, virou menos; ao invés de mais variedades de expressão humana e interação, guinamos para previsibilidade amigável ao mercado e automação. Tecnologias foram glorificadas mais por sua habilidade de extrair valor das pessoas em termos de “horas oculares” e dados que podiam ser derivadas daí. Como resultado, acabamos em paisagem digital de conexão obsessiva, com atualizações frenéticas e interrupção perpétua de emergência – que Rushkoff chama de “choque presente” – previamente conhecido apenas para operadores de 911 e controladores de tráfego.

III. ECONOMIA PRIVADA COMO RAZÃO COMUM!
Desenvolvemos as novas tecnologias não para a melhoria da humanidade ou mesmo dos negócios, mas para maximizar crescimento do mercado especulativo. Não são objetivos parecidos ou complementares. No lado brilhante da coisa, bilionários emergem, não o suficiente para compensar os milhões desempregados ou desconectados da prosperidade pelos mesmos mecanismos, mas, para Rushkoff, são inspiradores, surgindo a cada nova onda, com manchete em Wall Street Journal. Cada vez alguma novidade no perfil: bilionários de “papéis”, cuja riqueza é medida em ações, não lucros. Na verdade, a maioria das empresas da internet não têm lucros – certamente não aqueles da capitalização de mercado; tornam-se estórias de sucesso apenas quando seus fundadores e investidores saem de cena – vendem sua parte por dinheiro real. É o jogo que hoje chamamos de economia digital. É aceita sem contestação, pois turbina as chamas do crescimento – mesmo artificialmente. Empresas com novas tecnologias são livres para romper qualquer indústria que escolherem – jornalismo, TV, música, manufatura – desde que não rompam o sistema financeiro operativo subjacente. Por incrível que pareça, a maioria dos fundadores das firmas digitais sequer sacam que este sistema existe. Estão felizes por desafiar uma “vertical” ou outra, mas a última coisa que fazem quando se tornam vencedores é desafiar as regras de banco de investimento, seu valor astronômico ou o lançamento inicial de ações que embolsam. Ganhar o crescimento digital é menos novo topo de prosperidade do que modo novo de executar negócio com usual: velho vinho em garrafa nova. Não é que fazer dinheiro seja tão errado; é que as premissas do capital de risco e o mercado de ações – bem como seus efeitos reais – não são nunca questionados. Os ganhadores têm sido, de modo bem substancial, enganados.

Assim viu Rushkoff o cofundador do Twitter, Evan Williams, na página frontal de Wall Street Journal em foto no dia do lançamento das ações – de um lado, feliz, de outro, entristecido um pouco. Sob seu queixo, constava o valor de $4.3 bilhões – o dinheiro que fizera no dia – a pessoa mais rica que Rushkoff conhecia pessoalmente (Demos et alii, 2013). Era o adolescente que começara Blogger, lutou para manter no ar e depois fez seu primeiro milhão vendendo para o Google; estava agora aqui – como o rapaz premiado por ter feito uma abóbora inconcebivelmente gigante – um dos homens mais ricos do mundo. A que custo? Evan rompeu jornalismo com o blog e a indústria da notícia com o tuite, mas agora estava entregando toda esta disrupção à indústria maior e pior de todas. Quando se está na primeira página do Wall Street Journal, aplaudido por aquela gente engravatada, não é por ter feito algo extraordinário; é porque ajudou a confirmar a centralidade do capital financeiro como regulador da vida no planeta. Evan e seus parceiros exitosamente tornaram Twitter empresa lançada na bolsa e multibilionária e o processo sacrificou um aplicativo potencialmente capaz de mudar o mundo numa persecução singular de crescimento. Eis aí talvez a ferramenta de mídia social mais poderosa jamais desenvolvida – desde organizar ativistas na Primavera Árabe a movimentos Occupy Wall Street, ou a propiciar plataforma global para jornalistas cidadãos e candidatos presidenciais igualmente. Não teria sido muito caro criar ou manter; não iria exigir montanha de dólares para funcionar. Agora, Twitter precisa produzir, crescer; os $43 milhões lucrados nos últimos três meses são vistos como fracasso redondo por Wall Street.

Em 2015, os investidores no Twitter queixaram-se de que a empresa estava ainda muito distante de atingir seu potencial de crescimento de “100x” e forçaram o diretor executivo a ir-se. Acionistas estão exigindo que Twitter ache melhores vias de monetização dos tuites dos usuários, ou injetando anúncios nos feeds das pessoas, ou minerando dados para inteligência de marketing, ou, por outra, degradando a utilidade do aplicativo ou a integridade da empresa. Twitter tem êxito, mas não tanto esperado financeiramente. Já houve ingresso suficiente para os empregados estarem felizes, os usuários bem servidos e mesmo os investidores originais para serem bem recompensados. Mas nunca há suficiente para os acionistas, que esperam lucros 100x maiores. Busca-se relação desproporcional entre capital e valor – ou dinheiro investido vs entrada real – como marca da economia digital dominante. Ao final, as firmas continuam crescendo, mesmo sem criar valor novo. Isto não é novo – nos últimos 70 anos ou mais, conforme economistas do Deloitte Center for the Edge (Hagel et alii, 2013), lucros corporativos sobre valor líquido estão sempre caindo; empresas acumulam dinheiro e recursos mais rápido que os pode utilizar. Continuam ricas, mas não sabem aplicar – cresceram demais para seu tamanho e desenvoltura. 

IV. ACELERAÇÃO CAPITALISTA
O que é novo nesta discussão é que, aplicando nossas inovações tecnológicas ao crescimento acima de tudo, deslanchamos forma poderosamente desestabilizadora de capitalismo acelerado. Piora a disparidade entre rico e pobre, punindo os que realmente trabalham para ganhar a vida, perdendo controle humano sobre os mercados de capital e deixando investidores de visão curta endurecer inovação de longo prazo. Para muitos, tecnologia digital é apenas convite ao jogo dos mercados de modos novos, criando crescentemente instrumentos abstratos e ultrarrápidos de bater o sistema, ao invés de criar valor. Há achegas melhores para realizar prosperidade na paisagem digital dos negócios. Se pudéssemos nos livrar do vício do crescimento, temos potencial para avançar sistema econômico mais funcional e mesmo compassivo que favorece o fluxo de dinheiro sobre acumulação e remunera as pessoas por criarem valor, ao invés de apenas extrair. Antes, porém, há que mudar a rota radicalmente, flagrando o suicídio organizado no sistema atual.

Como o sistema tem um centro próspero, mesmo com alguns beneficiários ensandecidos e em número cada vez menor, parece temerário virar a mesa. Ficaríamos com o quê? Melhor uma canoa furada do que nenhuma? Será? Funciona também o fascínio da prosperidade, como no caso Chinês, que conseguiu deslanchar um processo incrível de crescimento frenético, acumulando riqueza, ainda que extremamente concentrando, à revelia de qualquer fundamento “comunista”. Todos os países querem chegar lá, mesmo que matematicamente seja inviável, porque não há recursos para isso, ambientalmente falando. Como sempre – a evolução usada no argumento indica isso – o êxito é de quem chega antes, custe o que custar. Como as distâncias são grandes, todos querem correr, provocando acelerações do crescimento de toda sorte. Até mesmo certas esquerdas assim querem, no embalo da argumentação marxista de que o socialismo só viria após o esgotamento do capitalismo. Há, pois, que esgotar o capitalismo, fazê-lo correr na velocidade possível e impossível. Enquanto isso estamos todos nos suicidando.

CONCLUSÃO
São tempos kafkianos. Quanto mais crescemos, mais nos suicidamos, porque a insustentabilidade se potencializa desesperadamente. Não podemos ficar sem crescimento, porque sem riqueza gerada, nada há a distribuir. Este argumento é fraco, naturalmente, porque geral riqueza é uma coisa, distribuir ou redistribuir é outra. O autointeresse leva ao bolso do interessado, não ao bem comum. Assim, o conflito entre autointeresse e interesse comum se exacerba, tornando inacreditável a tese do pensamento único, patrimônio maior de instituições economicistas com Davos. Questionar o mercado liberal é insanidade, desinformação, ou jogo sujo. Um passo à frente e vamos encontrar a tese mais ainda inacreditável de que as grandes fortunas, sendo mérito dos afortunados, não podem ser coibidas, constritas, tributadas, castigadas. O mundo sempre foi uma hierarquia, mas agora ela ficou rarefeita aos bilionários.

Como o projeto é suicida, algo será feito – assim se espera. O mercado liberal como regulador da sociedade é aberração que vai custar caro, porque move uma sociedade totalmente dilacerada entre um poucos que têm quase tudo e os muitos que não têm quase nada. Uma sociedade global impossível.

REFERÊNCIAS
DEMOS, T., DIETRICH, C., KOH, Y. 2013. “Twitter Shares Take Wing with Smooth Trading Debut,” Wall Street Journal, November 6, 2013.
GIANG, V. 2013. “A New Report Ranks America’s Biggest Companies Based on How Quickly Employees Jump Ship,” businessinsider.com, July 25, 2013.
GUMBEL, A. 2014.  “San Francisco’s Guerrilla Protest at Google Buses Swells into Revolt,” Guardian, January 25, 2014.
HAGEL, J. et alii. 2013. Foreword, “The Shift Index 2013: The 2013 Shift Index Series,” Deloitte, 2013.
NOYS, B. 2014. Malign Velocities: Acceleration and capitalism. Zero Books, N.Y.
RUSHKOFF, D. 2016. Throwing rocks at the Google bus: How growth became the enemy of prosperity. Portfolio, N.Y.
SCHWARTZ, P. & LEYDEN, P. 1997. “The Long Boom: A History of the Future, 1980–2020,” Wired, July 1997.

Fonte: https://docs.google.com/document/d/1lkYX00aMV0lE3Uu4oUnql0655Pf1z9IczDD0PyzwTOs/pub

Manual para Destinação

Anarquismo Verde ou Eco-Anarquismo – Vertentes do Anarquismo


Anarquismo Verde, ou Eco-Anarquismo, é uma corrente anarquista que defende, como qualquer outra corrente anarquista, um movimento contra a hierarquia e qualquer forma de autoridade social, mas que parte de um ponto de vista centrado na natureza e na sua relação com ela. A maior parte dos apologistas do anarquismo verde defendem uma perspectiva de ecologia social, apontando para uma realidade humana sem hierarquia como tendo uma origem natural e biológica. O seu discurso distingue-se normalmente das outras correntes pela sua crítica à tecnologia, produto da lógica de domesticação da sociedade patriarcal, como sendo social e politicamente parcial.

O anarquismo verde defende assim uma relação estreita do homem com a natureza, em alternativa à economia da produção em massa onde ele desempenha uma pequena tarefa, reduzido ao trabalho desumano, na gigante máquina industrial, também referida como a mega máquina.

Perspectiva histórica
Vários textos anarco-primitivistas, inseridos, enquanto tal, numa perspectiva de pensamento eco-anarquista, começam por apresentar o argumento histórico segundo a qual o homem é naturalmente anarquista dada a sua evolução, o que nos propõe a tirada de conclusões no sentido de compreender o mundo primitivo como correspondendo a uma economia verdadeiramente sustentável onde o homem vive inserido de forma saudável no seu ecossistema. Assim, surge a referência dos 10.000 anos, que se atribui, historicamente, ao aparecimento da civilização, os diferentes modos de progressiva alienação numa economia de exploração violenta que a procede, e de como o homem evoluiu durante praticamente 99% do seu tempo numa realidade que, na falta de melhor termo, era anarquista.

É de salientar que os anarco-primitivistas não defendem verdadeiramente um retornar a um mundo passado, tratando-se este olhar para o mundo primitivo, mais como uma forma de repensar o lugar do homem e a sua existência do que o recriar de um mundo passado, como que por uma determinação sociológica de um estudo cientifico. Procura-se desse modo apontar para a ideia da necessidade da conexão do homem com a natureza, onde a civilização é olhada como uma patologia de consequências visíveis.

Seria mesmo de radicalizar e esbater o conceito de natureza, tornando-o mais amplo. A verdadeira Natureza compreende o próprio homem, portanto ele nunca se poderá aproximar mais desta do que um leão, um pinheiro ou qualquer outro ser vivo. Nós também somos a Natureza.

Conceito do “bom selvagem”
Um tema algo controverso relacionado com o eco-anarquismo diz respeito à ideia do “bom selvagem”. Este surgiu em meados do século XVIII com vários autores, sendo um dos mais popularizados, Rosseau. O debate atravessa o mundo acadêmico em discussões de diversas disciplinas, com implicações das mais diversas ordens. Alguns daqueles que criticam o eco-anarquismo, apresentam este conceito para o atacar de forma negativa. Os autores eco-anarquistas fazem referência a antropólogos modernos, defendendo que é da antropologia mainstream actual que esta perspectiva, em que o “selvagem” é apresentado de forma pacífica, tem bases. Entre os dados que permitem a construção desta conjectura contam-se os dados arqueológicos, os relatos dos vários descobridores ao longo da história e a descrição de culturas actuais que ainda não foram eliminadas ou absorvidas pela sociedade industrial.

A defesa do mundo primitivo passa também pelo salientar do modo de vida pacifico apresentado, de forma geral, por estas sociedades. Ted Kaczynski procura explicar, no seu manifesto, as várias fontes de disfuncionalidades das sociedades modernas e de como as sociedades primitivas, ainda que com alguns exemplos singulares contrários, apresentavam-se como sendo mais saudáveis. Por outra lado, John Zerzan procura distinguir entre sociedades puramente selvagens e aquelas que pela agricultura tinham já presente algum modo de domesticação, e mais uma vez relativiza os males destas ultimas em relaçao às sociedades modernas na sua capacidade de destruição. Na entrevista de Derrick Jensen a John Zerzan, “Enemy of the State”, pode ler-se a seguinte passagem:
“Tendo em conta que a nossa cultura inventou o napalm e as armas nucleares, eu não estou certo se estamos em posição de julgar a violência de pequena escala de outras culturas. Mas é importante notar que nenhum dos grupos canibais ou caçadores de cabeças eram verdadeiros caçadores-colectores. É agora geralmente concedido que a agricultura normalmente conduz a um aumento do trabalho, um decréscimo na partilha, um aumento da violência, e uma mais baixa expectativa de vida. Isto não quer dizer que todas as sociedades agrícolas são violentas, mas antes que a violência não é largamente uma característica de verdadeiros caçadores-colectores.”
O caso “Unabomber”
Um dos textos que mais impacto mediático originou em torno desta corrente foi o de Theodore Kaczynski, o manifesto do Unabomber, denominado “Industrial society and Its Future”, onde o autor defende que a liberdade humana está ameaçada pelo desenvolvimento da sociedade industrial. O Unabomber ficou conhecido por ter efectuado vários ataques à bomba por correio contra aqueles que ele percepcionava como sendo os “arquitetos da nova ordem mundial”, e ainda que as suas acções sejam totalmente ou parcialmente condenadas por alguns anarquistas, Ted Kaczynski é em grande medida apoiado como um “prisioneiro político” no meio anarquista insurreccionário verde, e o seu manifesto tem um enorme relevo na corrente política eco-anarquista. Nele podemos ler a seguinte passagem:
Se forem permitidas às máquinas fazer todas as suas próprias decisões, nós não podemos fazer qualquer conjectura quanto aos resultados, porque é impossível adivinhar como tais máquinas poderão se comportar. Apenas assinalamos que o destino da raça humana estaria à mercê das máquinas. Pode ser argumentado que a raça humana nunca seria tola o suficiente para passar todo o poder para as máquinas. Mas nós não estamos nem a sugerir que a raça humana voluntariamente abdicaria do poder para as máquinas nem que as máquinas obteriam o poder por vontade. O que nós sugerimos é que a raça humana pode facilmente permitir-se a deslizar para uma posição de dependência tal das máquinas que não teria escolha viável senão a de aceitar todas as decisões das máquinas. Enquanto a sociedade e os problemas que enfrenta se tornam mais e mais complexos e as máquinas se tornam mais e mais inteligentes, as pessoas deixam que as máquinas tomem mais decisões por elas, simplesmente porque decisões feitas por máquinas trazem melhores resultados do que as feitas por homens. Eventualmente um estágio poderá ser atingido no qual as decisões necessárias para manter o sistema em funcionamento serão tão complexas que os seres humanos serão incapazes de as tomar inteligivelmente. Nesse estádio as máquinas estarão em controlo efectivo. As pessoas não poderão desligar as máquinas, porque elas estarão tão dependentes destas que desligá-las traduzir-se-ia em suicídio.
Por outro lado, é possível que o controlo humano sobre as máquinas seja retido. Nesse caso o homem médio poderá ter controlo sobre certas máquinas privadas dele, tal como o seu carro e o seu computador pessoal, mas o controlo sobre o amplo sistema de máquinas estará nas mãos de uma pequena elite. – tal como está hoje, mas com duas diferenças. Devido a técnicas aperfeiçoadas a elite terá maior controlo sobre as massas; e visto que o trabalho humano não será necessário, as massas serão supérfluas, um inútil fardo para o sistema.[…] Eles certificar-se-ao que as necessidades físicas de todas as pessoas são satisfeitas, que todas as crianças são criadas sob condições psicologicamente higiénicas, que todas as pessoas têm um hobby recompensador que os mantenha ocupados, e que todas as pessoas que poderão se tornar insatisfeitas sejam sujeitas a “tratamento” para curar o seu “problema”. Claro que, a vida será tão vazia de sentido que as pessoas terão de ser biológicamente ou psicologicamente engendradas […] Estes seres humanos artificialmente projetados poderão ser felizes nesta sociedade, mas eles certamente não serão livres. Eles serão reduzidos ao status de animais domésticos.”

Alguns sinais do argumento do Unabomber na cultura popular
Desde os primórdios da construção da maquina industrial que tem havido homens que se opuseram a ela, seja esta por uma tomada de posição consciente que marcou as ideias dos homens, seja por acção directa contra os seus elementos materiais, ou seja através do produto da nossa cultura expressa na arte.

Desde o inicio do último século que vários livros de ficção procuram explorar a força das novas tecnologias, trazidas pela industrialização, e de como estas se tornaram o guião para absoluta alienação e o esvaziar da liberdade humana. De entre os livros que descrevem distopias industriais contam-se os clássicos literários “Admirável Mundo Novo” e “1984”, entre outros.

No cinema também têm surgido muitas manifestações de desalento pelo modo de vida da sociedade industrial e de como esta nos conduz a um abismo marcado pelo controlo da vida na dependência da tecnologia. Os filmes “Fight Club”, “Matrix”, “V for Vendetta”,” Metrópolis”, “Blade Runner”, “THX 1138”, “1984” e “Brazil, o filme” são exemplos.

Relação do anarquismo verde com outras correntes anarquistas
anarcoprimitivismo não é propriamente uma outra vertente, independente em relação ao eco-anarquismo. É importante notar, porém, que este termo também não representa um sinônimo. Se por um lado, todos os anarco-primitivistas são eco-anarquistas, nem todos os eco-anarquistas são anarco-primitivistas, ainda que esta, seja, talvez, a vertente mais representante desta corrente. Tendo identificado o industrialismo como expressão da injustiça social que decorre da divisão do trabalho e da repressão hierarquizada que daí advém para manter o sistema em funcionamento, comum a qualquer anarquista verde, o desenvolvimento da análise dos seus fundamentos, divide, como seria de esperar, os diferentes autores. Assim, o anarcoprimitivismo, pode ser identificado, acima de tudo, pela sua crítica à cultura simbólica, que poderá não ser partilhada, a diferentes níveis, por todos os eco-anarquistas. Regularmente é apontado como exemplo, Kaczynski como sendo um autor meramente critico da sociedade industrial, não correspondendo exactamente à mesma linha de John Zerzan, um anarco-primitivista. Esta critica é, por vezes, algo exagerada, já que não nos podemos esquecer que, em todo o caso, também o Unabomber, no seu manifesto, nos aponta para a vida selvagem como alternativa ao modo de vida da sociedade tecno-industrial. Ainda assim, este poderá representar um bom ponto de discussão nesta matéria. O ponto que realmente divide estes autores, e que pode ser uma boa base para a compreensão da extensão e aprofundamento do anarcoprimitivismo em relaçao ao anarquismo verde de um modo geral, é explorado no texto do colectivo Green Anarchy “Place the Blame Where It Belongs”, que surgiu como resposta crítica ao texto de Kaczynski, “Hit Where Hit hurts”. Nele podemos ler:
[…] Racismo, sexismo, homofobia e pobreza não são “questões não-essenciais” para nós, como parecem ser para Ted; heterosexualidade compulsiva, comformidade sexual socialmente imposta, racismo, misogenia, e divisão de classes são tudo produtos de uma estrutura de poder hieraquica, patriarcal, e nenhum destes problemas poderá alguma vez ser resolvido dentro do contexto da civilização. Não é a “tecnologia, acima de tudo, que é responsável pela corrente condição do mundo”, como o Ted alega – é a civilização/patriaquia – e se nós queremos desmantelar a megamáquina tecnológica que está agora a devorar a nossa biosfera, então nós precisamos de compreender de como a megamáquina surgiu, o que conduziu à sua criação, e de como serve os interesses dos governantes da civilização.[…] Nós sentimo-nos compelidos a dizer que a análise do Ted da patriaquia e civilização é seriamente faltosa. […] Simplesmente e somente removendo a tecnologia como a resposta total libertária é uma limitada aproximação mecanicista. Nós enfrentamos uma totalidade de dominação que oprime toda a vida e nós precisamos de tentar ver a grande figura. Para a tranformação anti-autoritária, muitas lutas são necessárias e precisam de ser respeitadas, acompanhadas com uma consciencia da subjacente conectividade.
Anarquismo Clássico
Os eco-anarquistas procuram apontar para a necessidade de compreender para lá da visão, que eles consideram superficial, de analisar as questões meramente em termos de poder politico na tradição clássica do anarquismo, e defender aquilo que eles consideram ser a visão mais global do domínio da vida a todos os níveis, que a natureza do homem hoje enfrenta. Daí a necessidade da defesa do homem no ecossistema, passando sempre pela consideração da sua sustentabilidade no mundo natural e a reclamação do mundo selvagem.

Anarquismo Ecologista
O eco-anarquismo não é, simplesmente, anarquismo com preocupações ecológicas. Desde sempre que em toda a tradição anarquista houve, de alguma forma, uma crítica em defesa do ambiente. É a ideia de que a luta contra a exploração capitalista nos atinge nos mais diversos modos, e que as pessoas ao não se organizarem em beneficio próprioenfrentam a degradação, e o ambiente é uma dimensão desse assalto, que existe apenas para o beneficio materialista de alguns.

O anarquismo verde vai um pouco mais longe do que isto, e considera esta análise, em relação ao ambiente, tão mecanicista como a análise do poder politico por parte dos anarcossindicalistas. O anarquismo verde, mais do que defender um mundo aparentemente mais “verde”, ou certas expressões superficiais de uma natureza intacta, defende uma integração absoluta e necessária no ecossistema, abandonando por completo os valores de comodidades liberais da sociedade autoritária.

Anarcopacifismo
Certos sectores anarquistas defendem que o pacifismo é uma expressão natural desta doutrina visto que a violência acarreta uma resposta ainda mais repressiva do sistema. Para os eco-anarquistas, o problema é que as condições para um aumento de controlo e uma resposta natural das pessoas, independentemente de serem anarquistas ou não, já estão criadas. Assim passamos de sucessivos níveis de controlo que uma vez atingidos muito dificilmente podem retroceder. Kaczynski, no seu manifesto, descreve numa passagem, entre várias, um retrato que dá conta desta realidade:
Imagine uma sociedade que sujeita as pessoas a condições que as torna terrivelmente infelizes, depois dá-lhes drogas para lhes tirar a sua infelicidade. Ficção científica? Já está a acontecer em alguma extensão na nossa sociedade. É bem conhecido que o nível de depressão clinica tem estado a aumentar em recentes décadas. Nós acreditamos que isto se deve à perturbação do processo de poder […] Mas mesmo que nós estejamos errados, o progressivo aumento do nível de depressão certamente resulta de ALGUMA condição que existe na sociedade de hoje. Em vez de remover as condições que tornam as pessoas deprimidas, a sociedade moderna dá-lhes drogas antidepressivas. Em efeito, os antidepressivos são um modo de modificação do estado interno do individuo de forma a que lhe permite tolerar condições sociais que em outro caso ele acharia intolerável. (Sim, nós sabemos que a depressão é muitas vezes de origem puramente genética. Nós estamos a referirmo-nos aqui aqueles casos em relação aos quais o ambiente tem o papel predominante.)
Fonte: http://www.anarquista.net/anarquismo-verde-ou-eco-anarquismo-vertentes-do-anarquismo/ 

Responsabilidade Compartilhada: Sistema de Logística Reversa de Resíduos de Medicamentos Domiciliares como instrumento para a sustentabilidade



A confiança cega nos benefícios advindos das pesquisas científicas e dos avanços tecnológicos, que se manifestou de forma exponenciada durante quase todo século XIX, entrou num longo declínio desde que as luzes deste mesmo século se extinguiram. Esta confiança era parte do conjunto das características do modelo social que se desenvolveu durante a Revolução Industrial, por isso mesmo também chamado de Sociedade Industrial. Para este modelo social os riscos ambientais, sociais ou econômicos eram considerados como intrínsecos à evolução científica e como consequência previsível do progresso proporcionado. O preço a ser pago por todos os benefícios resultantes e que seria minimizado ou superado quando as pesquisas científicas alcançassem níveis que sequer poderiam ser previstos ou imaginados àquela época, permitindo que fossem alcançados avanços consideráveis nas áreas de consequências mais críticas (BECK, 2011; HARARI, 2015; HOBSBAWN, 2014).

No próprio Século XIX algumas vozes dissonantes quanto à postura confiante nos benefícios obtidos por meio dos avanços da Revolução Industrial e do Capitalismo dela resultante se fizeram ouvir em diversas áreas da sociedade, uma das áreas que logrou contribuição mais profícua foi a literatura. O inglês Charles Dickens (1812 – 1870) e os franceses Victor-Marie Hugo (1802 – 1885) e Émile Zola (1840 – 1902) foram alguns dos proeminentes escritores daquele período que se dedicaram ao tema.

Charles Dickens (2014, p. 37) apresenta o contexto no qual inspirou Tempos Difíceis de forma lúgubre: “Era uma cidade de tijolos vermelhos, ou de tijolos que seriam vermelhos caso as cinzas e a fumaça permitissem; mas no estado de coisas de então, era uma cidade de vermelhos e negros antinaturais”.


Nesta obra, mais do que em qualquer outra, efetuou um relato dramático do esgarçamento do tecido social da sociedade daquela época. A despersonalização causada pela exploração trabalhista da indústria, sempre em busca do lucro fácil sem mensurar as externalidades, alcançou níveis tais que os mais hábeis trabalhadores eram considerados apenas uma “Mão” e dos que não eram providos de habilidades que os destacassem sequer poder-se-ia dizer que eram notados ou percebidos como algo além de meros objetos. Estes estavam sujeitos a desenvolver atividades rotineiras e entendiantes, que não transmitiam sentido algum para suas vidas sem objetivos maiores ou aspirações relevantes: “para fazer o mesmo trabalho, e para quem cada dia era o mesmo de ontem e de amanhã, e cada ano o equivalente do próximo e do anterior” (DICKENS, 2014, p. 37).


Este livro, que conta com a admiração de um gênio do quilate de G. K. Chesterton, é considerado pela crítica literária como um manifesto de protesto contra as consequências sociais e ambientais, as externalidades, resultantes dos avanços científicos e tecnológicos que em algum momento fugiram ao controle humano durante e imediatamente após a Revolução Industrial inglesa. Com a geração incessante de riquezas e a concentração destas em poucas mãos e a aparente produção de conforto para os indivíduos que não sabiam sequer que precisavam de todo aquele aparato (MATOS, 2007, p. 27).


Jean Valjean, um fugitivo das galés francesas, consagrado pela indústria do entretenimento por meio de filmes, musicais e peças de teatro, Fantine, uma prostituta desdentada, esfarrapada e doente e Cosette, uma órfã sem esperanças, são os personagens centrais da obra mais conhecida de Victor Hugo e que o imortalizou: Os Miseráveis. Publicado originalmente em 03 de abril de 1862 é parte do movimento conhecido como Romantismo. Nesta obra em particular Hugo utiliza-se de sua pena para efetuar uma análise introspectiva sobre as condições sociais da época em que se insere, interpretando de forma vigorosa e por vezes revolucionária, as transformações que as Revoluções Industrial e Francesa introduziram no corpo orgânico da sociedade francesa dos séculos XVIII e XIX e o decorrente e inevitável conflito de classes que começava a imergir e tomar força, sem deixar de demarcar sua posição de forma incisiva e inquestionável.

Uma chave hermenêutica à obra de Hugo é a confiança que tinha no homem e na sua imensa capacidade de transformar o meio em que habitava de forma positiva, tal confiança é patente nesta obra, mais do que em qualquer outra que tenha escrito. Valjean que esteve preso 17 anos por roubar um pão, suportou todos os suplícios imagináveis na pior das prisões francesas: as galés, sai do cativeiro de forma inusitada, como um farrapo humano e após uma experiência espiritual com um representante do clero que lhe demonstra imerecida bondade, se permite deixar para trás toda a carga negativa que se amoldou ao seu caráter durante o encarceramento e se torna um cidadão virtuoso, altruísta e de uma bondade infinita (HUGO, 2013).


Hugo seguindo a tendência romântica de sub-repticiamente defender ideias de fraternidade e liberdade leva o leitor a refletir sobre o envilecimento humano, causado principalmente pela onipotência do dinheiro e as muitas variáveis do nascente capitalismo: individualismo feroz, a usura bancária ou de indivíduos quase sempre inescrupulosos, desprezo pelo meio ambiente e pela natureza. Apresenta ainda de forma trágica, embora favorável, os últimos dias da Comuna de Paris, ato de suprema coragem de alguns manifestantes que defendiam ideias de igualdade no meio de uma desigualdade tão crescente (HUGO, 2013).


Outra obra que retrata de forma traumática essa época é Germinal do escritor francês Émile Zola, expoente do movimento naturalista que tem no visceral O Cortiço do maranhense Aluísio de Azevedo um correspondente brasileiro. Para escrevê-lo (originalmente publicado em 1885), Zola decidiu conhecer de perto as agruras dos trabalhadores das minas de extração de carvão e passou cerca de dois meses atuando como mineiro. Sua “encarnação” para familiarizar-se com o meio em que mais morriam do que viviam incluiu viver no mesmo lugar que os trabalhadores, onde comeu e bebeu nas mesmas tavernas.


Retratou de forma crua e realista as lutas diárias daqueles trabalhadores em busca da sobrevivência durante o Segundo Império francês: os baixos salários e a exploração trabalhista que os expunha a uma luta sem sucesso contra fome; as moradias inapropriadas até mesmo para animais; o calor inclemente dentro das minas e as constantes infiltrações que os obrigavam a trabalhar com os pés sempre úmidos; as péssimas condições de trabalho por conta da falta de estruturas sólidas e seguras; as doenças epidérmicas e respiratórias trazidas pelas atividades profissionais; os acidentes constantes que aleijavam aqueles que preferiam a morte como uma forma de libertação de uma realidade sem esperança, além da exploração sexista a que as mulheres estavam sujeitas, seja de ordem familiar, conjugal ou trabalhista (ZOLA, 2000).


Zola observou tudo isso enquanto empurrava um vagonete cheio de carvão, acompanhou ainda de perto a greve dos mineiros contra a opressão trabalhista, sob a orientação do movimento socialista que estava no nascedouro e se disseminava entre o proletariado. E a luta entre as ideias anarquistas e socialistas, tão em voga àquela época. Germinal que é o primeiro mês da primavera no calendário da Revolução Francesa utiliza-se das ideias, que serviam de sementes da revolução que possibilitaria uma transformação social, como uma metáfora. Por diversas razões é considerado um libelo cruento contra exploração que a revolução industrial causou na França (CHIAVENATO, 1995).


Outro modelo social sub-repticiamente substituiu este modelo da Sociedade Industrial, ainda que também tenha sofrido alterações profundas desde as últimas décadas do fim do século XX. O sociólogo alemão Ulrich Beck (2011) denominou este modelo de Sociedade de Risco que neste paradigma é menos catástrofe que antecipação da catástrofe. Seria um estágio da modernidade no qual começam a se concretizar as ameaças produzidas até então pela sociedade industrial. Um modelo que busca antever cenários futuros por meio de simulações no presente, tentando antecipar as prováveis catástrofes (quer sejam mudanças climáticas, êxodo de refugiados, escassez de alimentos, revoluções sociais e políticas, crises financeiras, guerras e litígios internacionais, conflitos étnicos e religiosos ou desastres ambientais) que podem surgir em decorrência dos modelos atuais de produção e consumo. De forma que políticas públicas e medidas econômicas possam ser estruturadas e implementadas e que contribuam efetivamente para que essas catástrofes sejam evitadas.

Este modelo é caracterizado como aquele no qual a elevação do nível de conforto e do bem-estar de cada indivíduo que vive em sociedade é propiciado pela constante inovação tecnológica [ou destruição criativa, no dizer do economista austríaco Joseph Schumpeter]. E tornou-se realidade no mesmo momento em que a modernização atingiu seu ápice de sucesso: avanços tecnológicos, sociais, culturais, científicos ou econômicos. Porém, este sucesso intrinsecamente também permitiu o surgimento de aspectos causadores de consequências negativas, visto que criam um ciclo que escapa ao controle humano, são denominados de efeitos colaterais indesejados do processo de modernização. Quando esta sociedade se dá conta dos riscos a que está exposta estabelece uma necessidade premente de precaução e segurança ao mesmo tempo que, obrigatoriamente impõem uma “lógica do risco”, gerando uma crise de legitimidade nas instituições da Modernidade, pois se instala um estado constante de indeterminação e insegurança (BAHIA, 2012; BECK, 2011).

Esta Sociedade está em constante perigo de sofrer catástrofes de diversas ordens devido à evolução técnica constante da fase anterior, também conhecida por “modernidade simples”. E este perigo e risco a que esta sociedade é vulnerável e está submetida é causado pela própria sociedade global e globalizada que toma decisões por intermédio de alguns dos seus membros no manejo dos avanços tecnológicos, industriais, biológicos, sociais, políticos, culturais, científicos, econômicos, genéticos, de energia nuclear, etc., numa ação reflexiva: sendo ela a causadora dos efeitos que lhe atinge, daí este modelo também ser denominado como “modernização reflexiva” (GIDDENS; LASH; BECK, 2012).


A Sociedade do Risco é pródiga em gerar incessantemente riquezas, com a mesma voracidade com que produz socialmente riscos globalizados que atingem indiscriminadamente as condições básicas de todas as nações do planeta. Estes riscos de procedência antrópica são porém, indeterminados do ponto de vista do binômio espaço-tempo, o que contribui para que a comprovação dos danos se torne quase impossível, bem como o nexo de causalidade, fator imprescindível para que um fato antecedente seja vinculado a um resultado danoso (BAHIA, 2012, p.61).


Esta sociedade de risco deverá trilhar dois caminhos da mesma importância: nenhuma nação deverá tentar resolver seus problemas sozinha, visto que os efeitos colaterais são globais; abrir espaço para discussão de ordem moral e política que facilite o surgimento de uma cultura amadurecida e que tendo consciência do risco global, proporcione meios para a criação de espaços alternativos que façam surgir um movimento civil de responsabilidade globalizada. Que supere de forma eficiente o que Beck (2011, p. 75) chama de “irresponsabilidade organizada”, aquela contradição que enfrenta a sociedade de risco diante de uma degradação ambiental ao não ter instrumentos efetivos que lhe permita responsabilizar indivíduos ou instituições pelo dano causado (BAHIA, 2012, p. 60).


A Responsabilidade Compartilhada pelo Ciclo de Vida do Produto, um princípio-mor da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) instituída pela Lei 12.305 de 02 de agosto de 2010 e regulamentada pelo Decreto 7.404 de 23 de dezembro de 2010, é uma tentativa de minimizar esta “irresponsabilidade organizada” e propiciar a criação de uma cultura de responsabilização dos riscos e dos danos causados ao meio ambiente, com a obrigatoriedade da criação de sistemas de logística reversa que garantam o retorno efetivo e satisfatório dos resíduos de produtos de pós-venda ou pós-consumo e suas respectivas embalagens ao ciclo produtivo, ao ciclo de negócios ou recebam a destinação final de forma ambientalmente adequada.

[Introdução da dissertação defendida no Programa de Mestrado da Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável na Faculdade da Ciência da Administração de Pernambuco da Universidade de Pernambuco (UPE)]

Modelo de Sistema de Logística Reversa para o Setor Farmacêutico na Região Metropolitana do Recife


A geração de resíduos sólidos, urbanos, de saúde, industriais, radiativos ou perigosos cresceu exponencialmente nos últimos anos, graças, em parte à estabilidade econômica alcançada com a consolidação do Plano Real e a consequente elevação da renda das Classes C, D e E, a economia cresceu e o consumo acelerou. Um dos segmentos industriais que tem experimentado um crescimento inigualável é a industria de eletroeletrônicos, principalmente a produção de linha verde (que compreende desktops, notebooks, impressoras e aparelhos de telefonia móvel, os smartphones, e os tablets), para que se tenha ideia do tamanho do mercado ou do problema, dependendo por qual prisma se avalie a situação, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) em 2005 a base instalada de aparelhos de telefonia móvel somava 86,2 milhões de unidades, em 2010 este número se elevou para 202,9 milhões, um aumento de 135,38% em cinco anos, o que representaria aumento de quase 27,08% anualmente, a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) afirma que quase 55 milhões de unidades foram vendidas, apenas em 2010. Este aumento exponencial de produção e consumo se deve à necessidade que estas indústrias têm, de que, para se manterem competitivas, precisam lançar produtos novos, alguns sem nenhum inovação tecnológica em relação aos modelos já existentes, apenas modificações estéticas, num espaço de tempo menor do que 10 anos atrás, com isso o Ciclo de Vida do Produto tende a ser menor, beneficiando assim a geração cada vez maior de resíduos, gerando uma entropia em níveis nunca antes imaginado nesta era industrial (SARAIVA, 2012, pg. 701). Foi para, em parte, propor uma solução para este problema que a PNRS foi instituída.

Em 02 de Agosto de 2010, quando o então Presidente da República, Luís Inácio da Silva, sancionou a Lei 12.305, que instituía a Política Nacional de Resíduos Sólidos e a regulamentou quatro meses depois, por meio do Decreto 7.404 (23 de dezembro de 2010), um ciclo de mais de 25 anos chegava ao fim.

O inicio desta trajetória remonta a 1983, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) retomou o interesse pelas questões ambientais, inserindo-as em sua agenda de prioridades, criando a Comissão Mundial do Meio Ambiente, a presidência da mesma coube à Gro Harlem Brundtland, então primeira-ministra da Noruega, Mansour Khalid, sudanês, foi escolhido como vice-presidente da Comissão. Após quatro anos de intensa discussão a Comissão elaborou um relatório bastante contundente, por meio dele criticava o modelo de crescimento econômico adotado, tanto pelos países ditos desenvolvidos, bem como por aqueles em desenvolvimento, posto que o mesmo era baseado na exploração excessiva dos recursos naturais (PEREIRA; SILVA; CARBONARI, 2011).

O Relatório Our Common Future (Nosso Futuro Comum), publicado em 1987, passou a ser chamado de Relatório Brundtland, em alusão à presidente que tão brilhantemente liderou a Comissão. Ao mesmo se deve a definição de desenvolvimento sustentável mais adotada hoje: “O equilíbrio que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades” (CMMAD, 1998). Este conceito contrariava tudo o que estava sendo feito então em diversas partes do mundo, pois buscava-se o desenvolvimento econômico, ou buscava-se manter o desenvolvimento econômico da geração atual, sem se preocupar e nem mensurar o dano causado ao meio ambiente, que estava sendo exaurido.

O passo seguinte dado pela ONU foi propor, em 1989, que estratégias efetivas que detivessem a degradação ambiental e promovessem o desenvolvimento sustentável fossem elaboradas, esta resolução resultou na Agenda 21, um programa que foi aprovado durante a Conferência sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento do Rio de Janeiro (que ficou conhecida como Rio-92 ou Eco-92), o programa deveria ser implementado pelos países ao longo do seculo XXI e objetivava incorporar os princípios do desenvolvimento sustentável nas politicas públicas de cada país.

Neste contexto, o então Deputado Federal Fábio Feldmann, apresenta o Projeto de Lei (PL) 3.333/92, por meio do qual torna pública a primeira proposta de uma lei abrangente, de âmbito nacional, que tratasse dos resíduos sólidos, o mesmo é apensado ao PL 203/91, que era originário do Senado Federal e se propunha a regular tão somente à gestão de resíduos hospitalares, face à complexidade e quantidade de temas debatidos, transcorreram-se quase 20 anos de tramitação no   Congresso Nacional (ARAUJO; FELDMANN; 2012, pg. 561).

A PNRS foi sancionada e regulamentada por meio de decreto num espaço de 04 (quatro) meses, porém, isto não é indicativo de que redundou dos esforços tão somente dos membros da legislatura de então. A Lei 12.305/2010, bem como o decreto 7.404/2010 que a regulamentou vieram à lume por alguns fatores que merecem destaque: iniciativa do executivo federal que reacendeu o debate no Congresso Nacional, anseio da sociedade civil organizada, interesse por parte do empresariado que almejava pela definição dos papéis de responsabilidade com os resíduos urbanos bem delineados, pressão do terceiro setor, de órgãos ambientalistas e de sindicatos classistas, principalmente das associações e cooperativas de catadores e catadoras de materiais reciclados (PHILIPPI, 2012).

Para que não pairem dúvidas sobre a quem se destina a PNRS, no Art. 1º, § 1º o legislador é bem claro ao enumerar quais entes estão sujeitos à observância desta lei:
as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis, direta ou indiretamente, pela geração de resíduos sólidos e as que desenvolvam ações relacionadas à gestão integrada ou ao gerenciamento de resíduos sólidos (BRASIL, 2010, p. 09).
A PNRS essencialmente se baseia em princípios inovadores: a prevenção e a precaução; o poluidor-pagador e o protetor-recebedor; a visão sistêmica na gestão dos resíduos (com foco nas variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública); o desenvolvimento sustentável; a ecoeficiência; a cooperação entre os setores produtivos, poder público e a sociedade civil na gestão e governança dos resíduos sólidos urbanos; o importante princípio da responsabilidade compartilhada durante todo o ciclo de vida do produto e o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e promotor da cidadania. Estes princípios elevam a PNRS à categoria de Lei que poderia ser aplicada em qualquer país desenvolvido ou naqueles que, por sua longevidade histórica, transcenderam algumas questões que ainda são vitais em economias em desenvolvimento.

[Introdução da monografia de conclusão de curso do MBA em Logística Empresarial 2013 na FCAP - UPE (Modelo de Sistema de Logística Reversa para o Setor Farmacêutico na Região Metropolitana do Recife)]