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Sami Yusuf - One

 


Quando secar o rio da minha infância

 

Quando secar o rio de minha infância,
secará toda dor.
Quando os regatos límpidos de meu ser secarem, minh’alma perderá sua força.
Buscarei, então, pastagens distantes
Irei onde o ódio não tem teto para repousar.
Ali, erguerei uma tenda junto aos bosques.

Todas as tardes me deitarei na relva,
e nos dias silenciosos farei minha oração:
Meu eterno canto de amor: expressão pura de minha mais profunda angústia

Nos dias primaveris, colherei flores para
meu jardim da saudade.

Assim, exterminarei a lembrança de um passado sombrio.

Tito de Alencar
Paris, 12 de outubro de 1973

1973. Exilado em um convento nas colinas da vila francesa de L´Arbresle, Tito de Alencar Lima, o frei Tito, volta seu corpo frágil em direção ao vilarejo do outro lado do vale e diz ao amigo, prostrado ao seu lado: “Ouço gritos vindos de lá. São do delegado Sérgio Paranhos Fleury. Ele está torturando meus irmãos e prometeu que vai terminar pela minha mãe.” Fleury estava no Brasil, assim como a família de Tito. Mas sua voz ainda ecoava na mente do religioso. Ouvir suas ameaças não era loucura, nem paranoia, nem alucinação. Foi a maneira encontrada pelo dominicano envolvido com a resistência à ditadura de expressar a violência e a destruição psicológica sofrida durante sessões pungentes de tortura, a primeira comandada por Fleury, então do Dops, em 1969, e a segunda, pela equipe do capitão Benoni de Arruda Albernaz, da operação Bandeirantes, em 1970. Pouco menos de um ano depois, Tito, ainda sufocado pelas lembranças de terror, amarrou uma corda a um álamo, pendurou-se e morreu enforcado. Em seu quarto, seu amigo, o frade francês Xavier Plassat, o mesmo que estava com ele no momento já descrito, encontrou uma anotação: “É melhor morrer do que perder a vida”.

Dois modelos de homem, dois modelos de Igreja


Acabei de assistir o filme do consagrado cineasta brasileiro Fernando Meirelles: Dois Papas.

Considero o filme técnica e esteticamente bem elaborado, feito nos próprios espaços grandiosos do Vaticano. Sua base é fundada em fatos históricos, evidentemente, com a criatividade que este tipo de arte permite, particularmente na construção dos diálogos. Mas neles se entrevê suas respectivas teologias e afirmações conhecidas.

O que digo é opinião estritamente pessoal. Tive o privilégio de conhecer a ambos os Papas pessoalmente e com os quais entretive e entretenho relações de certa proximidade e até amizade.

O Papa Ratzinger: finíssimo e rigoroso
Com o Prof. Joseph Ratzinger tenho uma dívida de gratidão por ter apreciado minha tese doutoral sobre “A Igreja como Sacramento Fundamental no Mundo secularizado”, volumosa, mais de 500 páginas impressas. Ajudou-me financeiramente com uma soma considerável de marcos e encontrou um editora para sua publicação, pois ninguém queria assumir o risco de lançar um livro desta proporção. A acolhida na comunidade teológica internacional foi grande, considerada uma obra fundamental, especialmente pelo renomado especialista em Igreja Jean Yves Congar, dominicano francês.O Prof. Ratzinger é uma pessoa finíssima no trato, extremamente inteligente e nunca o vi alçando a voz; mas é muito tímido e reservado.

Ao saber de sua eleição a Papa, logo pensei: “É um Papa que vai sofrer muito, pois talvez jamais tenha abraçado pessoas, mesmo uma mulher e se exposto às multidões”.

Nossa amizade se fortaleceu porque durante cinco anos, a partir de 1974, toda semana de Pentecostes (por volta de maio) cerca de 25 teólogos e teólogas progressistas, renomados do mundo inteiro, nos encontrávamos em Nimega na Holanda ou em outra cidade europeia. Durante uma semana discutíamos ecumenicamente, acompanhados por um pequeno grupo de cientistas, inclusive de Paulo Freire, sobre temas relevantes do mundo e da Igreja. Editávamos uma revista Concilium que se publicava em 7 línguas que ainda continua a ser publicada (no Brasil pela Editora Vozes). Ai colaboraram as melhores cabeças mundiais, nas várias áreas do conhecimento que vai da sexualidade, da Teologia da Libertação, à moderna cosmologia.

O Prof. Ratzinger sentava-se quase sempre ao meu lado. Depois do almoço enquanto quase todos tiravam uma sesta eu e ele passeávamos pelo jardim, discutindo temas de teologia, nossos preferidos, Santo Agostinho e São Boaventura dos quais li praticamente toda obra.

Cada um com seu papel sem perder a relação
Feito Cardeal e Presidente da Congregação para a Doutrina da Fé, teve a ingrata missão de me interrogar sobre o livro Igreja: carisma e poder em 1984. Ele cumpria institucionalmente sua função de interrogador e eu de defensor de minhas opiniões. Foi um diálogo firme, mas sempre elegante da parte dele, mesmo quando, após o interrogatório, tivemos um encontro já mais duro com ele e os Cardeais brasileiros Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Aloysio Lorscheider que me acompanharam em Roma e testemunharam a meu favor. Éramos três contra um. Devo reconhecer que ele se sentia constrangido.

Depois de um ano, recebi a solução do processo doutrinário com a deposição da cátedra de teologia, de minhas funções na Editora Vozes e a imposição de um “silêncio obsequioso” que me impedia de falar, de ensinar, de dar entrevistas e de publicar qualquer coisa. A decisão final após o interrogatório foi feita por 13 cardeais (13 para desempatar). Soube mais tarde, através de um emissário de seu secretário particular que ele, Card. Ratzinger, votou a meu favor mas foi voto vencido. Cabe dizer que sempre que jornalistas perguntavam a ele sobre mim, respondia, com certo humor, que sou “ein frommer Theologe”(um teólogo piedoso) que um dia vai aprofundar seu verdadeiro caminho teológico.

O filme não retrata a figura fina e elegante que o caracteriza. Em certa cena, levanta a voz e quase grita, o que, me parece, totalmente inverosímel e contra seu caráter.

Apesar de estarmos agora em situações diferentes, ele Papa e eu um um teólogo promovido a leigo, nunca perdemos a amizade. Por seus 90 anos, ao ser organizada uma Festschrift (um livro de homenagem), na qual muitos notáveis escreveram, a pedido dele solicitaram-me que escrevesse meu testemunho a seu respeito, o que fiz, prazerosamente. A amizade é mais forte que qualquer doutrina sempre humana.

O Papa Francisco: terno, fraterno e inovador
Com referência ao Jorge Mario Bergoglio, agora Papa Francisco, diria o seguinte: Conhecemo-nos em 1972 no Colégio Máximo de San Miguel em Buenos Aires, cada um discorrendo sobre a singularidade do caminho espiritual de Santo Inácio de Loyola (ele) e o caminho espiritual de São Francisco (eu). Ai discutimos a vertente da teologia da libertação de tipo argentino (do povo silenciado e da cultura oprimida) e a nossa brasileira e peruana (sobre a injustiça social e a opressão histórica sobre os pobres e afrodescendentes). Deste encontro há uma foto que ele, desde Roma, teve a gentileza de me mandar, onde aparecemos, todo um grupo de teólogos e teólogas, a maioria não mais entre nós, alguns perseguidos e torturados pela repressão bárbara dos militares argentinos ou chilenos. Depois nos perdemos de vista.

O Papa Francisco: teólogo da libertação integral
Soube pelo seu professor de teologia, recentemente falecido, Juan Carlos Scannone, o representante maior da teologia da libertação argentina. que Bergoglio entrou para a Ordem Jesuítica como vocação adulta (era químico antes, como aparece no filme). Entusiasmou-se logo com a teologia da libertação e aí mesmo fez um voto que cumpriu sempre, mesmo como cardeal de Buenos Aires: toda semana passar uma tarde ou mesmo um dia numa favela (villa miseria), sempre sozinho, entrando nas casas e conversando com todo mundo.

Foi Superior Maior da Província dos Jesuitas da região de Buenos Aires. Era muito rigoroso. Aqui teve que enfrentar uma situação gravíssima que carregou no coração até os dias de hoje: dois jesuítas, o padre Jalish e o padre Yorio (que conheci pessoalmente em Quilmes) viviam numa favela, apoiando os pobres e marginalizados. Quem trabalhava com o povo, como no Brasil de 1964 (e talvez também hoje sob o novo governo) seriam considerados marxistas e subversivos. Eram vigiados pelos órgãos de segurança dos militares. Bergoglio soube que seriam sequestrados com as torturas que se seguiam. Tentou salvá-los até apelando ao voto de obediência, típico de sua Ordem, no sentido de abandonaram a favela para não serem vítimas da repressão.

Eles argumentaram de forma evangélica: “um pastor não abandona seu rebanho, seu povo; participa de seu destino; vale mais obedecer ao Deus dos pobres do que obedecer a um superior religioso”.

Efetivamente foram sequestrados e duramente torturados. Jalish se reconciliou com Bergoglio e vive na Alemanha, enquanto Yorio se sentiu abandonado e distanciou-se dele (morreu no Uruguai, anos atrás). Pude sentir sua amargura pessoal, ao mesmo tempo que procurava entender o impasse que uma autoridade religiosa, com responsabilidade, enfrenta em situações-limite. Mesmo assim, Bergoglio escondeu a muitos no Seminário Maior de San Miguel ou os levou até a fronteira de outro país para fugirem da morte certa.

O Papa Francisco: o cuidado da Casa Comum
Ao ser eleito Papa, voltamos a nos comunicar. Sabendo que havia me ocupado intensivamente com o tema da ecologia integral, envolvendo a Casa Comum, a Mãe Terra, solicitou-me subsídios, coisa que fiz com assiduidade. Mas logo me advertiu:”não mande os textos para o Vaticano, pois, não me serão entregues (o famoso sottosedere da Cúria: sentar em cima e esquecer) mas envie-os diretamente ao embaixador argentino junto à Santa Sé, especialmente aquele que todos os dias, bem cedo, toma o chimarrão (el mate), comigo”. Assim fiz sempre, mesmo com textos sobre o Sínodo Panamazônico de 2019. Respondeu várias vezes agradecendo.

Ao escolher o nome de Francisco sob inspiração de seu amigo brasileiro, o Card. Dom Cláudio Hummes que lhe sussurrou logo fazer uma opção clara pelos pobres, ele se transformou. O rigor jesuítico se uniu com a ternura franciscana. Com os problemas internos da Cúria, a pedofilia, a corrupção financeira dentro do Banco do Vaticano é extremamente rigoroso. Contrariamente, com o povo é visivelmente terno e fraterno.

Nenhum Papa anterior castigou tão duramente o sistema que perdeu a sensibilidade, a solidariedade com os milhões de pobres e famintos, a capacidade de chorar e que são adoradores do ídolo do dinheiro. Depredam a natureza e são anti-vida e anti-Mãe Terra. Não precisamos declarar a que sistema se refere. Sua opção pelos pobres é altissonante. Tornou-se por suas posturas corajosas face à emergência ecológica da Terra, ao aquecimento global e à desumanização das relações humanas, um líder religioso e político. Sua voz é ouvida e respeitada pelo mundo afora.

Dois modelos de homem e dois modelos de Igreja
O propósito do filme é mostrar dois modelos de personagens religiosas e dois modelos de Igreja.

Primeiramente mostra como ambos, Ratzinger e Bergoglio. são humanos, profundamente humanos. Nesse sentido: ambos possuem seu lado luminoso e também seu lado sombrio. O Papa Bento XVI sua leniência com os pedófilos. Não devemos esquecer que escreveu a todos os bispos, sob sigilo pontifício que jamais deve ser quebrado, de não entregar os padres e os bispos pedófilos aos tribunais civis. Isso desmoralizaria a instituição Igreja. Deviam, sim, confessar-se do pecado e ser transferidos para outro lugar. O Papa não se deu conta suficientemente de que não tinha a ver apenas com um pecado perdoável pela confissão. Tratava-se de um crime contra inocentes que a justiça comum deve investigar e punir. Não se pensou nas vítimas, apenas na salvaguarda da imagem da instituição-Igreja.

O Papa Bento XVI colocou-se na esteira do João Paulo II que era moral e doutrinariamente conservador. Procurou relativizar arggiornamento do Concílio Vaticano II (1962-1965). Via a Igreja como uma fortaleza sitiada por todos os lados por inimigos, vale dizer, pelos erros e desvios da modernidade. A solução que se propunha era a de voltar à grande disciplina anterior, vinda do Concílio de Trento (século XVI) e do Concílio Vaticano I (1870). A centralidade era a ortodoxia e a sã doutrina, como se fossem as prédicas que salvassem e não as práticas. Nesta linha o Card. Joseph Ratzinger foi rigoroso: mais de 110 teólogos ou teólogas foram condenados, depostos de suas cátedras, silenciados (no Brasil Yvone Gebara e eu pessoalmente) ou de alguma forma punidos. Um deles, excelente teólogo, foi condenado sem receber nenhuma explicação. Ficou tão deprimido que pensou em suicidar-se. Só se curou quando foi à América Central trabalhar com as comunidades eclesiais de base.Viveu-se um inverno eclesial severo.Toda uma geração de padres foi formada nesse estilo doutrinário e com os olhos voltados ao passado, usando os símbolos do poder clerical.  Igualmente, toda uma plêiade de bispos foram sagrados, mais autoridades eclesiásticas ortodoxas que pastores no meio de seu povo.

Outro modelo de personalidade religiosa é o Papa Francisco. Ele vem do fim do mundo, de fora da velha e quase agônica cristandade europeia. Ele trouxe uma primavera para a Igreja e para o mundo secularizado.

Primeiramente inovou os hábitos. Ao negar-se de vestir a “mozzeta” o pequeno manto branco, cheio de brocados que os papas carregam aos ombros, símbolo do absoluto poder dos imperadores romanos pagãos, diz o filme claramente : “acabou-se o carnaval”. Não aceita a cruz dourada, continua com sua cruz de ferro; rejeita o sapato vermelho (Prada) e continua com o seu velho sapato preto. Não se anuncia como Papa da Igreja, mas como bispo de Roma e somente a partir daí, Papa da Igreja universal. Animará a Igreja não com o direito canônico, mas com o amor e com a colegialidade (consultando a comunidade dos bispos). Em sua primeira fala pública diz “como gostaria uma Igreja pobre para os pobres”. Não mora no palácio papal, o que seria uma ofensa ao poverello de Assis, mas numa casa de hóspedes. Come na fila como os outros e comenta, com humor:”assim é mais difícil que me envenenem”.

Dispensa um carro especial e um corpo de proteção pessoal. Mistura-se no meio do povo, dá as mãos a quem as estende e beija as crianças. É pai e avô querido das multidões.

Seu modelo de Igreja é o de “um hospital de campanha” que atende a todos, sem perguntar de onde vem e qual é sua situação moral. É uma “Igreja em saída” para as periferias humanas e existenciais. Respeita os dogmas e doutrinas mas diz claramente que prefere colocar-se vivamente diante do Jesus histórico, opta pelo encontro direto com as pessoas e a pastoral da ternura. Insiste que Jesus veio para nos ensinar a viver o amor incondicional, a solidariedade e o perdão. Central para ele é a misericórdia infinita de Deus. Vai mais longe ao dizer :”Deus não conhece uma condenação eterna pois perderia para o mal. E Deus não pode perder. Sua misericórdia não conhece limites”. Por isso chama a todos, uma vez purificados de suas maldades, para a casa que o Pai e Mãe de bondade preparou para todos desde toda a eternidade. Morrer é sentir-se chamado por Deus e vai-se alegre para o Grande Encontro.

Eis outro tipo de pontificado, outro modelo de ser humano que reconhece que perdeu a paciência quando uma mulher o puxou e apertou longa e duramente sua mão. Irritado, bateu-lhe a mão por duas ou três vezes. Mas no dia seguinte pediu publicamente perdão.

Dois Papas: diferentes e complementares
O Papa Francisco abriu sua inteira humanidade, dando-se o direito à alegria de viver, de torcer pelo seu time de estimação o San Lorenzo, de apreciar a música dos beatles até conquistar o Papa Bento XVI a dançar um tango, impensável a um severo acadêmico alemão. Aqui aparece não o Papa mas o homem Bergoglio que desentranha humanidade recolhida do homem Ratzinger. Ambos são diferentes mas se integram na dança de um tango de pessoas anciãs.

O filme é uma bela metáfora da condição humana, de dois modos diferentes de realizar a humanidade, que não se opõem mas se compõem e se completam, uma com a ternura e a outra com o rigor. Vale ver o filme, pois nos faz pensar e nos oferece lições de mútua escuta, de verdades ditas sem rebuços e de uma amizade que vai crescendo na medida em que a relação se descontrai  de encontro a encontro. O perdão que um dá ao outro e o abraço final, longo e carinhoso, engrandece o humano e o espiritual presentes em cada  um de nós.

Leonardo Boff é teólogo,filósofo e membro da Comissão Internacional da Carta da Terra
Fonte

O caminho de Barrabás



Eu dava assistência pastoral a uma pequena comunidade presbiteriana na periferia do Recife. Tentava, não com muito sucesso, equacionar o ministério pastoral com uma nascente e promissora carreira acadêmica teológica. Antes mesmo de concluir o bacharelado em teologia eu já atuava como professor de diversas disciplinas nas turmas de noviços (os calouros, como chamávamos) e de segundo ano. Por conta dessa atuação numa instituição de muito prestígio na região, expandi a carreira para outras instituições de ensino teológico, ser professor então me atraía muito mais que ser pastor. Usava a pequena comunidade que assistia como laboratório de exposição bíblica, aquilo que mais me atraía na área depois das disciplinas de história da igreja e de Israel.

Um dia, resolvi fazer uma exposição dos evangelhos no que era denominado de “Culto de Doutrina”, tomando por base o evangelho de Lucas e cotejando com as passagens paralelas dos demais sinóticos (os que tinham a mesma visão que Lucas: Mateus e Marcos). Quando tangenciei o capítulo 27 de Mateus, que tratava da experiência de Pilatos com o Nazareno eu, que buscava a interação com o grupo, perguntei: - Quem era Barrabás e qual o crime que ele cometeu? A irmã Diana, lépida como sempre, levanta a mão e brada: “- Ele estuprou uma moça!”. Eu fiquei pasmo, extático. Já havia lido a bíblia toda diversas vezes e, obviamente nunca me deparara com tal afirmação. Olhei para a irmã Diana e perguntei: - Onde você leu isso? Ao que ela me respondeu em meio ao espanto geral dos que estavam na igreja naquela noite: “- Na bíblia, olhe aqui em Lucas, 23:17, e Barrabás havia sido preso por sedição na cidade e por ter cometido um crime” (suponho hoje que a versão que ela usava era alguma antiga de Figueiredo ou Almeida, versão corrigida). O resto do culto eu tive que explicar a diferença entre sedição e “sedução” (ela havia confundido os termos e tirado conclusões a partir dessa interpretação), e foi, talvez, a exegese laica mais inusitada que me deparei na vida sacerdotal.

Nas tradições armênia e siríaca há manuscritos dos evangelhos que dão testemunho que o nome do preso que Pilatos apresentou como alternativa para ser solto por ocasião da prisão de Jesus, era Jesus, o Barrabás (Filho do pai em aramaico, ou talvez, segundo alguns estudiosos: “filho de um rabino”), que teria sido suprimido pelos escribas em respeito ao Jesus, o Nazareno. Já que a história que estava sendo contada era a de Jesus, o chamado Cristo, não fazia sentido que outro lhe ofuscasse (Jesus era um nome muito comum naquela época). Barrabás é mais um título do que nome próprio, e é correto afirmar que Jesus, o Nazareno, também podia ser chamado de Barrabás, já que ele se posicionava como “Filho do Pai”. Então fica fácil entender essa supressão pelos copistas dos manuscritos.

Quem era então esse prisioneiro, segundo o fraseado da Bíblia de Jerusalém, acusado de motim e homicídio? O texto já nos deixa saber de antemão que ele era bastante conhecido e gozava de boa fama com o povo. Qual o motivo desta fama e qual parte da população (a sociedade judaica da época era bastante fragmentada) lhe tinha apreço? Em Marcos 15:7 somos informados que ele era um dos “amotinadores que, numa revolta, haviam cometido um homicídio”, em outras palavras, um assassino e revolucionário. É bastante razoável pensar que ele fosse o líder de um motim contra os romanos liderados por Pilatos (quando este tentou usar os fundos financeiros do Templo em proveito próprio), tinha cometido o mesmo crime que os judeus atribuíram falsamente ao Nazareno. Alguns estudiosos pensam, não sem embasamento, que ele fosse um sicário (em latim: sicarius - “homem da adaga”; grupo que promovia atentados contra os romanos e a elite judaica que colaborava com o regime intervencionista, usavam as adagas escondidas no manto, praticavam atentados contra os alvos inimigos no meio da multidão e depois sumiam sem deixar vestígios). Tal grupo tinha aceitação entre o populacho que era espoliado, tanto pelos ricos judeus colaboracionistas quanto pelos romanos, logo não causa surpresa alguma sua escolha por aqueles que o tinham como herói.

Houve uma combinação de forças da aristocracia com a massa pobre e manipulável (boa parte era de áreas rurais e estava em Jerusalém apenas para as festividades pascais) na escolha de Barrabás. O que precisa ser percebido é que, quando os judeus gritaram o nome de Barrabás, eles escolheram simultaneamente, intrinsecamente, o caminho da violência, do arbítrio, da Lei do Talião [da retaliação], do sangue, da vingança, da Lei inclemente e excludente mosaica, da força das armas. Era o regime do olho por olho, dente por dente, bastante atrativo para um povo que havia perdido a liberdade há bastante tempo e se acostumara com a opressão. Esse discurso encontrou guarida nos corações do piedoso, porém oprimido povo de Israel. É possível acreditar que a revolta de Barrabás contra o saque que Pilatos fizera nos fundos do templo, lhe angariou também a simpatia dos sacerdotes que viam com desgosto e desconfiança a ingerência romana no seu espaço sagrado. Eu denominaria este viés escolhido por uma turba ensandecida como o Caminho de Barrabás, em contraposição ao Caminho do Nazareno.

Nasci na tradição calvinista puritana, no melhor sentido que este termo possui. Cresci ouvindo Dona Guiomar ler um “jogral” todo ano por ocasião do 31 de outubro (na Igreja Presbiteriana do Brasil em Monteiro, Paraíba), Dia da Reforma Protestante, dia em que Lutero fixou suas 95 Teses na porta da Capela de Wittenberg, teses estas que eram uma declaração escrita para abrir um debate sobre a venda de indulgências pela Igreja Católica. Eu sabia de cor sua história, tinha apreço pela história de Savonarola, John Wycliffe, Ulrich Zwínglio, Jan Huss e o mais notável de todos para mim: João Calvino. Eu tinha pouco mais de cinco anos de idade. Fico surpreso até hoje quando vejo muitas pessoas se denominarem “calvinistas”, pois sei que muitos sequer leram o mínimo de Calvino, eu li As Institutas em espanhol e posteriormente no português rebuscado e incompreensível de Waldir Carvalho Luz, além de vários comentários bíblicos, e não julgo que tenha conseguido compreender com propriedade o pensamento teológico dele.

Até os 12 anos permanecemos nesta tradição, quando urgências familiares nos conduziram a uma igreja presbiteriana que havia abraçado o pentecostalismo da década de 1970, éramos então presbiterianos “renovados” como se chamava à época. Foi um momento difícil para mim, tive que passar por um processo de desconstrução doutrinária, até que resolvi cursar teologia depois que abandonei a carreira militar na Marinha, entrei numa instituição também presbiteriana de cunho anti-pentecostal (da linha de Carl McIntire do ICCC – Concílio Internacional de Igrejas Cristãs, que morreu execrado por seus pares, quando se descobriu que era um agente da CIA), que me fez retornar à tradição da infância. Pude assim ter acesso a lados opostos do que chamaria de “protestantismos”, já que considero impróprio falar de protestantismo brasileiro, tal é o caráter multifacetado deste (fui presbiteriano moderado, pentecostal, fundamentalista e da Igreja Presbiteriana Unida, de orientação da Teologia da Libertação, tudo isso numa vida só).

Com a aproximação com Robinson Cavalcanti (ícone da minha infância a quem tinha acesso através da revista Ultimato), bispo anglicano de Recife, eu me senti aceito naquela tradição de caráter tão heterogêneo e ecumênico, eu podia ser calvinista, esquerdista, não ter uma visão literalista da bíblia e ainda assim ser aceito. Porém, ser aceito incondicionalmente implicava em aceitar o outro incondicionalmente, o que nem sempre é verdade e a história da Diocese Anglicana do Recife serve como amostra de que é fácil falar de tolerância e inclusividade, desde que estas “diferenças” sejam apenas litúrgicas, ou seja, puramente cosméticas.

Hoje, primavera de 2018 (outubro, 26), a grande maioria dos líderes eclesiásticos brasileiros induziu seus rebanhos (segundo alguns votos de cajado, segundo minha visão, voto de cabresto mesmo) a escolher o mesmo caminho que a aristocracia judaica e o movimento sacerdotal induziram o povo judeu a escolher naquele fatídico dia: o Caminho de Barrabás! Mesmo sabendo quais foram as consequências da escolha feita pelo populacho judeu no primeiro século da Era Comum.

Não tenho como ficar indiferente às escolhas que foram feitas, no aço que fui temperado não há incoerência, seja política, social, intelectual ou religiosa, também não conheço a categoria da indiferença. Em virtude dessa escolha em massa, venho por meio deste manifestar publicamente algo que já fiz na prática há alguns anos, desde 2013 para ser preciso: corto todo e qualquer laço de ligação, seja histórico, seja cúltico, seja de herança, com o protestantismo brasileiro. Aos muitos amigos dessa tradição, por favor, não me considerem mais vosso irmão, posso ser e vou continuar sendo vosso amigo, mas não irmão.

Não posso ser irmão de quem escolheu o Caminho de Barrabás, mesmo sabendo que é um caminho de violência, um caminho do mal, um caminho de derramamento de sangue inocente. Não posso ser irmão de quem apoia um regime que será homofóbico e estimulará a violência contra aqueles que pensam sua sexualidade “supostamente” de forma distinta da maioria. Não posso ser irmão de quem propiciou que um regime racista e fascista chegasse ao poder por meio do voto. Não posso ser irmão de quem contribuiu para que a misoginia seja legalizada e regulamentada no país. Não posso ser irmão de quem votou num candidato que fez do discurso de liberação das armas a única proposta real e concreta de sua plataforma de governo. Não posso chamar de irmão quem deixou o ódio dominar o coração a ponto de ficar cego às verdades que eram postas todos os dias, aos apelos e clamores das minorias e daqueles que sabiam que seriam perseguidos no futuro. Não posso ser irmão de quem colaborou para colocar no poder um regime que pode me prender, me exilar ou me matar, pelo simples fato de que eu seja contrário ao que ele prega e defende e por eu ser também intransigentemente defensor da vida e dos direitos básicos do ser humano.

A leitura que aprendi a fazer do evangelho do Nazareno choca-se frontalmente com tudo o que vocês defendem, não posso sequer dizer uma boa parte de vocês, me desespero pensar que mais de 95% do evangelicalismo brasileiro adotou o Caminho de Barrabás. Acredito que o termo que melhor define a experiência evangélica brasileira é um trecho de uma música gospel: “Gadara é assim, ninguém se importa com os outros. Cada um vive pra si, alimentando os seus porcos. São indiferentes, vivem para seus interesses. Só querem ter! Querem ter! Só querem ter”. Não quero fazer parte sociedade de Gadara, vou apagar da minha história teu nome, não quero lembrar que um dia tive orgulho de ser cidadão de ti e a muitos convidei para que se tornassem cidadãos também, hoje sou peregrino em terras ermas, mas não beberei de tuas águas fétidas e nem dormirei em tuas camas de espinho. Parafraseando um antigo hino que eu sempre amei: Adeus Gadara, há Deus!

Eu vou continuar no Caminho do Nazareno, caminho difícil, cheio de pedras e espinhos, mas, neste caminho, quando parar para descansar e colocar a minha cabeça numa pedra, não terei nenhuma contradição ou incoerência para afastar meu sono, da mesma forma, quando diante do espelho não terei do que me envergonhar. Os que estão neste Caminho, estes sim, são meus irmãos (alguns são protestantes, outros católicos, alguns espíritas, outros de religiões de matriz africana, alguns ateus, alguns judeus, alguns sem religião, alguns gays, alguns indígenas, alguns negros, etc.), são poucos, porém são persistentes e determinados, não são movidos pela busca desenfreada por prosperidade ou poder, são movidos por três coisas apenas: a fé, a esperança e o amor, porém o maior destes é o amor.

Gente boa da roça


Além da expressão neutra que ela carregava quando estava sozinha, a Senhora Freeman tinha outras duas, uma afirmativa e outra retroativa, que ela usava para todas as suas relações humanas. Sua expressão afirmativa era firme e forte como a de um caminhão pesado. Seus olhos nunca desviavam para a esquerda ou direita, mas viravam de acordo com o rumo da estória como se seguissem uma linha amarela bem no centro da estória. Ela raramente usava a outra expressão porque muitas vezes não era necessário retirar uma declaração, mas quando usava, seu rosto parava completamente, havia um movimento quase imperceptível em seus olhos negros, enquanto eles pareciam retroceder, e então o observador via que a Senhora Freeman, embora estivesse lá, tão real quanto sacos de grão jogados em cima uns dos outros, não estava mais lá em espírito. Fazê-la entender qualquer coisa quando isso acontecia era impossível, a Senhora Hopewell havia desistido. Ela poderia falar até morrer. A Senhora Freeman nunca seria convencida a admitir seu erro em qualquer aspecto. Ela permaneceria lá e, se a pudessem convencer a falar qualquer coisa, seria algo como: “Bem, eu não diria que sim ou não diria que não” ou, ao direcionar seu olhar vago para a prateleira de cima da cozinha onde havia várias garrafas empoeiradas, ela poderia mencionar: “Eu vejo que você não comeu muitos dos figos das conservas que você fez no verão passado”.

Elas cuidavam de seus assuntos mais importantes na cozinha durante o café da manhã. Todas as manhãs a Senhora Hopewell se levantava às sete e ligava seu aquecedor à gás e o de Joy. Esta era sua filha, uma moça loira e alta que tinha uma prótese na perna. A Senhora Hopewell ainda via Joy como uma criança mesmo que ela tivesse trinta e dois anos e alto nível de formação. Joy se levantava enquanto sua mãe estivesse comendo e arrastava-se para o banheiro, batendo a porta, e logo a Senhora Freeman chegava à porta dos fundos. Joy ouvia sua mãe dizer: “Entre”, e então as senhoras conversavam por um tempo em voz baixa, inaudível no banheiro. No momento em que Joy entrava, elas já haviam terminado o relatório da previsão do tempo e estavam falando sobre uma das filhas da Senhora Freeman, Glynese ou Carramae. Joy as chamava de Glicerina e Caramelo. Glynese, uma moça ruiva, tinha dezoito anos e muitos admiradores; Carramae, uma moça loira, tinha apenas quinze, mas já estava casada e grávida. Ela não conseguia manter qualquer coisa em seu estômago. Todas as manhãs a Senhora Freeman contava à Senhora Hopewell quantas vezes Carramae havia vomitado desde o último relatório.

A Senhora Hopewell gostava de dizer para as pessoas que Glynese e Carramae eram duas das moças mais finas que ela conhecia, que a Senhora Freeman era uma lady e que ela nunca teria vergonha de levar a Senhora Freeman a qualquer lugar ou apresentá-la a qualquer pessoa que elas pudessem encontrar. Então ela contava como havia contratado os Freeman em primeiro lugar, como eles eram uma benção de Deus para ela e como estavam junto dela há quatro anos. A razão para mantê-los por tanto tempo era que eles não eram lixo. Eram boa gente do interior. Ela havia telefonado para o homem cujo nome havia sido dado como referência e ele contou para ela que o Senhor Freeman era um bom agricultor, mas que a Senhora Freeman era a mulher mais barulhenta a caminhar pela terra. “Ela tem que estar em tudo”, disse o homem. “Se ela não chegar lá antes que a poeira assente, pode apostar que ela está morta, só isso. “Ela vai querer saber de toda a sua vida. Eu o considero muito”, ele disse, “mas nem eu nem minha esposa conseguiríamos aguentar aquela mulher mais um minuto”. Isso desencorajou a Senhora Hopewell por alguns dias.

Por fim ela os contratou porque não houve outros candidatos, mas decidiu de antemão como lidaria com a mulher. Já que a Senhora Freeman era do tipo de se meter em tudo, a Senhora Hopewell decidiu que ela não apenas seria incluída em tudo, mas providenciaria para que ela estivesse em tudo, ela seria a pessoa encarregada. A Senhora Hopewell não tinha defeitos, mas tinha a habilidade de usar os defeitos de outras pessoas de maneira tão construtiva que ela já tinha os Freeman há quatro anos.

Nada é perfeito. Este era um dos ditados favoritos da Senhora Hopewell. O outro era: é a vida! E ainda mais um, o mais importante, era: bem, outras pessoas têm suas opiniões também. Ela diria essas expressões geralmente à mesa, em tom de insistência gentil, como se ninguém soubesse deles além dela, e a grande desajeitada Joy, cujo ultraje constante havia apagado qualquer expressão em seu rosto, apenas direcionaria um pouco seu olhar para o lado, seus frios olhos azuis, com o jeito de alguém que havia ficado cego por vontade própria e se manteve assim.

Quando a Senhora Hopewell dizia à Senhora Freeman que a vida era assim, esta dizia: “Eu sempre digo isso”. Nada acontecia sem que a Senhora Freeman soubesse primeiro. Ela era mais rápida que o Senhor Freeman. Quando a Senhora Hopewell disse a ela, após certo tempo da chegada deles: “Sabe, você é a comandante deste navio” e deu uma piscadela, a Senhora Freeman respondeu: “Eu sei. Sempre fui rápida. Há sempre aqueles que são mais rápidos que os outros”.

“Todos são diferentes”, disse a Senhora Hopewell.

“Sim, a maioria é”, respondeu a Senhora Freeman.

“É preciso gente de todos os tipos para formar o mundo”.

“Eu sempre disse isso”.

A menina estava acostumada com esse tipo de diálogo no café da manhã e também no jantar; de vez em quando elas conversavam no lanche também. Quando não tinham visitas, elas comiam na cozinha porque era mais fácil. A Senhora Freeman se esforçava para chegar durante a refeição e assisti-las terminar. Ela ficava na porta se fosse verão, mas no inverno ela apoiava um cotovelo em cima da geladeira e olhava para elas de cima, ou ficava ao lado do aquecedor a gás, levantando um pouco a parte de trás da saia. Ocasionalmente ela se apoiava na parede e rolava a cabeça de um lado para o outro. Ela nunca tinha pressa de ir embora. Tudo isso era muito penoso para a Senhora Hopewell, mas esta era uma mulher de grande paciência. Ela havia percebido que nada é perfeito, que os Freeman eram boa gente do interior e que, se em tempos presentes há boa gente no interior, era melhor segurá-la.

Ela teve muita experiência com lixo. Antes dos Freeman, ela tivera em média uma família de caseiros por ano. As mulheres desses agricultores não eram do tipo que você gostaria por perto por muito tempo. A Senhora Hopewell, que havia se divorciado do marido há anos, precisava de alguém que tocasse a plantação para ela; e quando Joy tinha de ser mandada a fazer esses serviços, as coisas que ela fazia eram geralmente tão malfeitas e sua expressão tão carrancuda que a Senhora Hopewell dizia: “Se você não faz de boa vontade, eu não quero”, ao que a moça, firme, com os ombros rígidos e o pescoço um pouco jogado para a frente, respondia: “Se você me quer, aqui estou – COMO SOU”.

Qual o sentido de um cristão apoiar a tortura?


A gente sempre acha que não dá mais para se surpreender, mas se surpreende. E até se assusta. Estou assustado com a maneira avassaladora como a “igreja brasileira” – usando um termo bastante impreciso para me referir a esse grande fenômeno de massa que ocupa enormes espaços na mídia, arrebanha multidões, e que tem um projeto claro de aparelhamento dos espaços de decisão, inclusive com representações nas câmaras, parlamentos e outros espaços da política nacional, como o Judiciário – vem dando mostras escancaradas de engajamento não apenas político, mas partidário.

Pois essa “igreja brasileira” – formada por uma salada infinita, que vai do fundamentalismo protestante e seus derivados, até as novíssimas igrejas pentecostais-neo-pós-tudo, e que se somam a um grande contingente de católicos (no plural mesmo, pois longe da uniformidade pensada, o Catolicismo se constitui de numerosíssimos movimentos que guardam entre si uma relação muito mais simbólica, posto que no campo das ideias e práticas são absurdamente diferentes, divergentes e contraditórios) – está se superando a cada dia que passa em seus malabarismos bíblico-teológicos para escancarar o seu apoio a um candidato que apoia abertamente a tortura e a eliminação de grupos divergentes. 

Qual o sentido de um cristão apoiar um candidato que se dizendo cristão, faz apologia à TORTURA??? 

Não há sentido bíblico, ao menos não à luz da pessoa e das obras do Jesus de Nazaré. Como combinar “Bandido bom é bandido morto” com o “Ouvistes o que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo’. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mt. 5:43-44)? Simplesmente não dá para “esticar” o texto para desdizer o óbvio ululante. Ou você apoia o candidato-torturador e abre mão de ser discípulo do nazareno, ou vice-versa. 

Não há, certamente, um sentido lógico. Minimamente uma reflexão lógica há de nos fazer refletir que, por exemplo, dois erros não fazem um acerto. Não é possível achar que por termos uma situação de violência vamos aumentar a violência para diminuir a violência. Não faz sentido.

Não há sentido ético. Se pensamos ética como uma busca pela realização humana, como é possível combiná-la com ideais de eliminação da diferença, imposição de uma moral estrita, e falta de respeito às diferenças? 

Resta o sentido histórico... Sim, talvez seja isso. Pois se lembrarmos que grandes porções dos “cristãos” ao longo da história apoiaram as Cruzadas, apoiaram a Inquisição, participaram das Guerras de Religião, da Caça às Bruxas, estiveram do lado de Hitler e de Mussolini, participaram e participam da “guerra contra o mal” empreendida pelo “gigante protestante” que são os EUA, matando com bombas e disfarçando com bíblias...

Sim, sim... Há um sentido histórico naqueles que cantam louvores ao Jesus, preso, torturado e morto como um bandido entre bandidos, mas que apoiam os torturadores e seus apoiadores de plantão. Talvez retorne aqui a frase de Nietzsche, que dizia lavar as mãos depois de apertar as mãos de um cristão. No caso atual, talvez seja por que essas mãos estão cobertas de sangue.

Joel Zeferino é pastor na Igreja Batista Nazareth

"I have a dream!"

“Estou feliz em me unir a vocês hoje naquela que ficará para a história como a maior manifestação pela liberdade na história de nossa nação.



Cem anos atrás um grande americano, em cuja sombra simbólica nos encontramos hoje, assinou a proclamação da emancipação [dos escravos]. Este decreto momentoso chegou como grande farol de esperança para milhões de escravos negros queimados nas chamas da injustiça abrasadora. Chegou como o raiar de um dia de alegria, pondo fim à longa noite de cativeiro.

Mas, cem anos mais tarde, o negro ainda não está livre. Cem anos mais tarde, a vida do negro ainda é duramente tolhida pelas algemas da segregação e os grilhões da discriminação. Cem anos mais tarde, o negro habita uma ilha solitária de pobreza, em meio ao vasto oceano de prosperidade material. Cem anos mais tarde, o negro continua a mofar nos cantos da sociedade americana, como exilado em sua própria terra. Então viemos aqui hoje para dramatizar uma situação hedionda.

Em certo sentido, viemos à capital de nossa nação para sacar um cheque. Quando os arquitetos de nossa república redigiram as magníficas palavras da Constituição e da Declaração de Independência, assinaram uma nota promissória de que todo americano seria herdeiro. Essa nota era a promessa de que todos os homens, negros ou brancos, teriam garantidos os direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à busca pela felicidade.

É evidente hoje que a América não pagou esta nota promissória no que diz respeito a seus cidadãos de cor. Em lugar de honrar essa obrigação sagrada, a América deu ao povo negro um cheque que voltou marcado “sem fundos”.

Mas nós nos recusamos a acreditar que o Banco da Justiça esteja falido. Nos recusamos a acreditar que não haja fundos suficientes nos grandes depósitos de oportunidade desta nação. Por isso voltamos aqui para cobrar este cheque –um cheque que nos garantirá, a pedido, as riquezas da liberdade e a segurança da justiça.

Também viemos para este lugar santificado para lembrar à América da urgência ferrenha do agora. Não é hora de dar-se ao luxo de esfriar os ânimos ou tomar a droga tranquilizante do gradualismo. Agora é a hora de fazermos promessas reais de democracia. Agora é a hora de sairmos do vale escuro e desolado da segregação para o caminho ensolarado da justiça racial. É hora de arrancar nossa nação da areia movediça da injustiça racial e levá-la para a rocha sólida da fraternidade. Agora é a hora de fazer da justiça uma realidade para todos os filhos de Deus.

Seria fatal para a nação passar por cima da urgência do momento e subestimar a determinação do negro. Este verão sufocante da insatisfação legítima do negro não passará enquanto não chegar um outono revigorante de liberdade e igualdade. Mil novecentos e sessenta e três não é um fim, mas um começo.

Os que esperam que o negro precisasse apenas extravasar e agora ficará contente terão um despertar rude se a nação voltar à normalidade de sempre. Não haverá descanso nem tranquilidade na América até que o negro receba seus direitos de cidadania. Os turbilhões da revolta continuarão a abalar as fundações de nossa nação até raiar o dia iluminado da justiça.

Mas há algo que preciso dizer a meu povo posicionado no morno liminar que conduz ao palácio da justiça. No processo de conquistar nosso lugar de direito, não devemos ser culpados de atos errados. Não tentemos saciar nossa sede de liberdade bebendo do cálice da amargura e do ódio.

Temos de conduzir nossa luta para sempre no alto plano da dignidade e da disciplina. Não devemos deixar nosso protesto criativo degenerar em violência física. Precisamos nos erguer sempre e mais uma vez à altura majestosa de combater a força física com a força da alma.

A nova e maravilhosa militância que tomou conta da comunidade negra não deve nos levar a suspeitar de todas as pessoas brancas, pois muitos de nossos irmãos, conforme evidenciado por sua presença aqui hoje, acabaram por entender que seu destino está vinculado ao nosso destino e que a liberdade deles está vinculada indissociavelmente à nossa liberdade.

Não podemos caminhar sozinhos.

E, enquanto caminhamos, precisamos fazer a promessa de que caminharemos para frente. Não podemos retroceder. Há quem esteja perguntando aos devotos dos direitos civis ‘quando vocês ficarão satisfeitos?’. Jamais estaremos satisfeitos enquanto o negro for vítima dos desprezíveis horrores da brutalidade policial.

Jamais estaremos satisfeitos enquanto nossos corpos, pesados da fadiga de viagem, não puderem hospedar-se nos hotéis de beira de estrada e nos hotéis das cidades. Não estaremos satisfeitos enquanto a mobilidade básica do negro for apenas de um gueto menor para um maior. Jamais estaremos satisfeitos enquanto nossas crianças tiverem suas individualidades e dignidades roubadas por cartazes que dizem ‘exclusivo para brancos’.

Jamais estaremos satisfeitos enquanto um negro no Mississippi não puder votar e um negro em Nova York acreditar que não tem nada em que votar.

Não, não estamos satisfeitos e só ficaremos satisfeitos quando a justiça rolar como água e a retidão correr como um rio poderoso.

Sei que alguns de vocês aqui estão, vindos de grandes provações e atribulações. Alguns vieram diretamente de celas estreitas. Alguns vieram de áreas onde sua busca pela liberdade os deixou feridos pelas tempestades da perseguição e marcados pelos ventos da brutalidade policial. Vocês têm sido os veteranos do sofrimento criativo. Continuem a trabalhar com a fé de que o sofrimento imerecido é redentor.

Voltem ao Mississippi, voltem ao Alabama, voltem à Carolina do Sul, voltem a Geórgia, voltem a Louisiana, voltem aos guetos e favelas de nossas cidades do norte, cientes de que de alguma maneira a situação pode ser mudada e o será. Não nos deixemos atolar no vale do desespero.

Digo a vocês hoje, meus amigos, que, apesar das dificuldades de hoje e de amanhã, ainda tenho um sonho.

É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.

Tenho um sonho de que um dia esta nação se erguerá e corresponderá em realidade o verdadeiro significado de seu credo: ‘Consideramos essas verdades manifestas: que todos os homens são criados iguais’.

Tenho um sonho de que um dia, nas colinas vermelhas da Geórgia, os filhos de ex-escravos e os filhos de ex-donos de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da irmandade.

Tenho um sonho de que um dia até o Estado do Mississippi, um Estado desértico que sufoca no calor da injustiça e da opressão, será transformado em um oásis de liberdade e de justiça.

Tenho um sonho de que meus quatro filhos viverão um dia em uma nação onde não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo teor de seu caráter.

Tenho um sonho hoje.

Tenho um sonho de que um dia o Estado do Alabama, cujo governador hoje tem os lábios pingando palavras de rejeição e anulação, será transformado numa situação em que meninos negros e meninas negras poderão dar as mãos a meninos brancos e meninas brancas e caminharem juntos, como irmãs e irmãos.

Tenho um sonho hoje.

Tenho um sonho de que um dia cada vale será elevado, cada colina e montanha será nivelada, os lugares acidentados serão aplainados, os lugares tortos serão endireitados, a glória do Senhor será revelada e todos os seres a enxergarão juntos.

Essa é nossa esperança. Essa é a fé com a qual retorno ao Sul. Com esta fé poderemos talhar da montanha do desespero uma pedra de esperança. Com esta fé poderemos transformar os acordes dissonantes de nossa nação numa bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé podemos trabalhar juntos, orar juntos, lutar juntos, ir à cadeia juntos, defender a liberdade juntos, conscientes de que seremos livres um dia.

Esse será o dia em que todos os filhos de Deus poderão cantar com novo significado: “Meu país, é de ti, doce terra da liberdade, é de ti que canto. Terra em que morreram meus pais, terra do orgulho do peregrino, que a liberdade ressoe de cada encosta de montanha”.

E, se quisermos que a América seja uma grande nação, isso precisa se tornar realidade.

Então que a liberdade ressoe dos prodigiosos picos de New Hampshire.

Que a liberdade ecoe das majestosas montanhas de Nova York!

Que a liberdade ecoe dos elevados Alleghenies da Pensilvânia!

Que a liberdade ecoe das nevadas Rochosas do Colorado!

Que a liberdade ecoe das suaves encostas da Califórnia!

Mas não só isso – que a liberdade ecoe da Montanha de Pedra da Geórgia!

Que a liberdade ecoe da Montanha Sentinela do Tennessee!”

Que a liberdade ecoe de cada monte e montículo do Mississippi. De cada encosta de montanha, que a liberdade ecoe.

E quando isso acontecer, quando deixarmos a liberdade ecoar, quando a deixarmos ressoar em cada vila e vilarejo, em cada Estado e cada cidade, poderemos trazer para mais perto o dia que todos os filhos de Deus, negros e brancos, judeus e gentios, protestante e católicos, poderão se dar as mãos e cantar, nas palavras da velha canção negra, “livres, enfim! Livres, enfim! Louvado seja Deus Todo-Poderoso. Estamos livres, enfim!”.

Fonte do texto: Discurso de Martin Luther King
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Em 28 de agosto de 1963, o pastor e líder do movimento contra a segregação racial nos Estados Unidos Martin Luther King discursou sobre seu sonho de uma América (e um mundo) com igualdade entre negros e brancos. O discurso foi proferido em Washington, durante uma marcha que reuniu cerca de 250 mil pessoas contra as políticas racistas e pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. Suas palavras ecoaram em um contexto de divisão e segregação racial no país que se colocava como moderno e como liderança mundial. Enquanto os norte-americanos possuíam as mais avançadas tecnologias e armas, negros eram impedidos de dividir espaços com brancos, o casamento entre negros e brancos era proibido e jovens afrodescendentes tinham acesso limitado à educação. Na Guerra Fria, os Estados Unidos faziam a propaganda de que aquele era o regime e o país onde todos gostariam de viver – exceto os negros, que tinham de se limitar aos assentos reservados nos ônibus. Desde que o pastor proferiu seu discurso há 50 anos, muitas leis segregacionistas foram derrubadas no país e muitos direitos foram garantidos aos negros. Ainda assim, as palavras do homem que virou símbolo da luta por vias não-violentas ainda têm a mesma força e urgência das décadas passadas.
A tradução é de Clara Allain.

All Boundaries are Conventions


"I understand now that boundaries between noise and sound are conventions. All boundaries are conventions, waiting to be transcended. One may transcend any convention if only one can first conceive of doing so.” 

David Mitchell, Cloud Atlas

A religião como fonte de utopias salvadoras


Hoje predomina o convencimento de que o fator religioso é um dado do fundo utópico do ser humano. Depois que a maré crítica da religião feita por Marx, Nietzsche, Freud Popper e Dawkins retrocedeu, podemos dizer que os críticos não foram suficientemente críticos.

No fundo, todos eles laboraram num equívoco: quiseram colocar a religião dentro da razão, o que fez surgir todo tipo de incompreensões. Estes críticos não se deram conta de que o lugar da religião não está na razão, embora possua uma dimensão racional, mas na inteligência cordial, no sentimento oceânico, naquela esfera do humano onde emergem as utopias.

Bem dizia Blaise Pascal, matemático e filósofo no famoso fragmento 277 de seus “Pensées: ”É o coração que sente Deus, não a razão”. Crer em Deus não é pensar Deus mas sentir Deus a partir da totalidade de nosso ser. A religião é a voz de um consciência que se recusa a aceitar o mundo tal qual é, sim-bólico e dia-bólico, sombrio e luminoso. Ela se propõe transcendê-lo, projetando visões de um novo céu e uma nova Terra e de utopias que rasgam horizontes ainda não vislumbrados.

A antropologia em geral e especialmente a escola psicanalítica de C. G. Jung veem a experiência religiosa, emergindo das camadas mais profundas da psiqué. Hoje sabemos que a estrutura em grau zero do ser humano não é razão (logos, ratio) mas é a emoção e o mundo dos afetos (pathos, eros e ethos).

A pesquisa empírica de David Golemann com sua Inteligência emocional (1984) veio confirmar uma larga tradição filosófica que culmina em M. Meffessoli, Adela Cortina, Muniz Sodré e em mim mesmo (Direitos do coração, Paulus 2016). Afirmamos ser a inteligência saturada de emoções e de afetos. É nas emoções e nos afetos que se elabora o universo dos valores, da ética, das utopias e da religião.

É deste transfundo que emerge a experiência religiosa que subjaz a toda religião institucionalizada. Segundo L. Wittgenstein, o fator místico e religioso nasce da capacidade de extasiar-se do ser humano. “Extasiar-se não pode ser expresso por uma pergunta. Por isso não existe também nenhuma resposta”(Schriften 3, 1969,68). O fato de que o mundo exista, é totalmente inexprimível. Para este fato “não há linguagem; mas esse inexprimível se mostra; é o místico”(Tractatus logico-philosophicus, 1962, 6, 52). E continua Wittgenstein:”o místico não reside no como o mundo é mas no fato de que o mundo é”(Tractatus, 6,44). “Mesmo que tenhamos respondido a todas as possíveis questões científicas, nos damos conta de que nossos problemas vitais nem sequer foram tocados” (Tractatus, 5,52).

“Crer em Deus”, prossegue Wittgenstein, “é comprender a questão do sentido da vida. Crer em Deus é afirmar que a vida tem sentido. Sobre Deus que está para alem deste mundo, não podemos falar. E sobre o que não podemos falar, devemos calar”(Tractatus,7).

A limitação do espírito científico é não ter nada sobre o que calar. As religiões quando falam é sempre de forma simbólica, evocativa e auto-implicativa. No fim terminam no nobre silêncio de Buda ou então no uso da linguagem da arte, da música, da dança e do rito.

Hoje, cansados pelo excesso de racionalidade, de materialismo e consumismo, estamos assistindo a volta do religioso e do místico. Pois nele se esconde o invisível que é parte do visível e que pode conferir uma nova esperança aos seres humanos.

Cabe recordar uma frase do grande sociólogo e pensador, no termo de sua monumental obra “Formas elementares da vida religiosa”(em português 1996): “Há algo de eterno na religião, destinado a sobreviver a todos os símbolos particulares” Porque sobrevive aos tempos, vale a afirmação de Ernst Bloch em seus famosos três volumes “O princípio esperança”: ”onde há religião, aí há esperança”.

O essencial do Cristianismo não reside em afirmar a encarnação de Deus. Outras religiões também o fizeram. Mas é afirmar que a utopia (aquilo que não tem lugar) virou eutopia (um lugar bom). Em alguém, não apenas a morte foi vencida, o que seria muito, mas ocorreu algo maior: todas virtualidades escondidas no ser humano, pela ressurreição, explodiram e implodiram numa surpreendente realização. Jesus de Nazaré é o “Adão novissimo” na expressão de São Paulo (1Cor 15,45), o homem abscôndito agora revelado.

Mas ele é apenas o primeiro dentre muitos irmãos e irmãs; também a humanidade, a Terra e o próprio universo serão transfigurados para serem o corpo de Deus.

Portanto, o nosso futuro é a transfiguração do universo e tudo o que ele contem, especialmente a vida humana e não o pó cósmico. Talvez essa seja a nossa grande esperança, o nosso futuro absoluto.

Leonardo Boff e articulista do JB on line e escreveu A nossa ressurreição na morte, Vozes 2002.

Hallelujah

I've heard there was a secret chord
That David played and it pleased the Lord
But you don't really care for music do you?
It goes like this, the fourth, the fifth
The minor fall and the major lift
The baffled King composing Hallelujah

Hallelujah, hallelujah, hallelujah, hallelujah

Your faith was strong but you needed proof
You saw her bathing on the roof
Her beauty in the moonlight overthrew you
She tied you to a kitchen chair
She broke your throne, she cut your hair
And from your lips she drew the hallelujah

Hallelujah, hallelujah, hallelujah, hallelujah

Now, Maybe there's a God above
And all I ever learned from love
Is how to shoot at someone who outdrew you
But it's not a cry you can hear at night
It's not somebody who's seen the light
It's a cold and it's a broken hallelujah

Hallelujah, hallelujah, hallelujah, hallelujah

Maybe I've been here before
I know this room, I've walked this floor
I used to live alone before I knew you
And I've seen your flag on the marble arch
Love is not a victory march
It's a cold and it's a broken hallelujah

Hallelujah, hallelujah, hallelujah, hallelujah

There was a time you let me know
What's really going on below
But now you never show it to me, do you?
And remember when I moved in you
And the Holy Dark was moving too
And every breath we drew was hallelujah

Hallelujah, hallelujah, hallelujah, hallelujah
Hallelujah, hallelujah, hallelujah, hallelujah



Ouvi dizer que existe um acorde secreto
Que Davi tocou e alegrou o senhor
Mas você não liga muito para música, certo?
E vai assim, a quarta, a quinta
O menor cai e o grande ascende
O Rei frustrado compondo Aleluia

Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia

Sua fé era grande, mas precisava de provas
Você a viu banhando-se no telhado
Sua beleza ao luar derrubou você
Ela te amarrou numa cadeira de cozinha
Ela destruiu seu trono, ela cortou seu cabelo
E dos seus lábios tirou o aleluia

Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia

Agora, talvez haja um Deus acima
E tudo o que aprendi com o amor
É como atirar naquele que desarmou você
Mas isto não é um choro que podes ouvir a noite
Não é alguém que tenha visto a luz
É um frio e quebrado aleluia

Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia

Talvez eu tenha estado aqui antes
Eu conheço este quarto, eu já andei nesse chão
Eu costumava viver sozinho antes de te conhecer
E eu vi sua bandeira na arca de mármore
Amor não é uma marcha de vitória
É um frio e quebrado aleluia

Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia

Tinha um tempo em que você me deixava saber
O que realmente se estava a passar
Mas agora você não me mostra mais, não é?
Eu me lembro quando me apaixonei por você
E o Escuro sagrado também se movia
E cada cada respiração nossa era aleluia

Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia

Sejamos protestantes, reconquistemos o termo evangélico!


Alguns posicionamentos têm sido expressos por lideranças evangélicas nos últimos anos nos quais se declara o desconforto frente a face visível, ou o perfil dominante, do “movimento evangélico” no Brasil, representado pela bancada parlamentar em nível federal e por algumas estrelas midiáticas pentecostais. Anuncia-se a desfiliação ao “movimento”.

A primeira coisa que é preciso dizer é que é fato inconteste que a maioria substancial dos cristãos não católico-romanos brasileiros é pentecostal. Esta maioria pentecostal representa, do ponto de vista demográfico — origem social, étnica, condição de gênero, posição econômica, nível de escolarização etc. — a maioria do povo brasileiro. É uma minoria fractal! Nela está contida a estrutura desta sociedade profundamente desigual, desproporcionalmente feita de pessoas pobres e negras, com indicativos muito recentes de mobilidade socioeconômica e educacional ascendente e sem tradição de vida associativa e socialização política. Do ponto de vista religioso, é uma comunidade diferenciada por seu ativismo e uso público de sua linguagem própria e uma crescente capacidade de influência cultural, por sua visionária abertura à utilização da mídia numa sociedade porosa e modernamente audiovisual. Mas não é uma comunidade monolítica e em todos os aspectos mencionados e muitos outros, a diversidade impera. A começar por sua fortíssima e incontrolável capacidade de se dividir, conflitivamente, produzindo novas igrejas, lideranças e propostas as mais “criativas”, algumas ao ponto da aberração.

Em segundo lugar, é preciso dizer que a construção da visibilidade pública desta minoria emergente se fez a partir de uma extrema concentração do poder nas mãos das lideranças eclesiásticas, particularmente dos pastores e bispos (esta sendo uma inovação introduzida pelos neopentecostais) e de uma clara disputa entre pentecostais históricos e neopentecostais, decididamente vencida pelos últimos. Do poder clerical, vem a patente debilidade da representação política construída em termos de participação do povo pentecostal, dos leigos e leigas. Vem o dirigismo autoritário, quase ao modo do velho “centralismo democrático” dos comunistas e vem a determinação em fazer crer que a voz autoautorizada dos pastores é a única voz legítima do povo crente. Dos neopentecostais vêm a estratégia mais bem-sucedida de definição de candidaturas, de negociação de alianças, de ocupação do espectro partidário (combinando partidos “próprios” e presença em outros partidos, quase sempre de centro-direita e direita). Os pentecostais históricos foram tragados para essa estratégia.

O resultado desse processo foi duplo: a identidade evangélica passou a expressar-se em termos marcadamente pentecostais — revertendo a hegemonia dos protestantes históricos, que introduziram o termo “evangélico” como autoidentificação — e a presença pública assumiu o viés clerical-neopentecostal. Resultado: entre os anos de 1990 e 2000, ser evangélico passou a ser publicamente identificado com a pauta desse ator pentecostal. O termo “evangélico” foi sequestrado para uma agenda particular, que, para usarmos uma das expressões mais icônicas de nossa malaise democrática, “não representa” o conjunto dos cristãos não católico-romanos no Brasil.

É verdade que os pentecostais são a maioria da minoria evangélica. É verdade que grande parte do discurso moral dos pastores(as) e bispos parlamentares corresponde à posição de grande parte dos pentecostais brasileiros. Mas, enfaticamente, não é verdade que o discurso público dos pentecostais representa o conjunto dos evangélicos ou expressa uma voz única e coesa de todos os próprios pentecostais. Nem o comportamento. Pois embora haja manifestações claras e condenáveis de intolerância “nas bases”, a esmagadora maioria dos pentecostais é cordata, respeitosa e honesta, ao ponto mesmo de passivamente não reagir à manipulação e à patente corrupção de muitos dos líderes eleitos, bem como à obscena riqueza de todas as figuras carimbadas que lideram as principais denominações pentecostais, quando comparadas ao conjunto dos fieis.

Neste quadro, eu acho que é mais do que hora de fincar marcos e demarcar terrenos. Reconquistar a pluralidade do termo “evangélico”, separando-o da voz política dos parlamentares e midiáticos pentecostais; forçando o realinhamento do termo com duas marcas inegociáveis do protestantismo histórico — a ênfase na primazia dos leigos na ação pública (cultural, social, política, econômica) e a separação entre igreja e estado —; e reafirmando o inconformismo contracultural e profético em defesa da dignidade humana de todas as pessoas, independentemente de sua fé religiosa (ou falta dela).

Essa reconquista não virá por palavras de ordem. Não virá por mera denúncia. E proponho mesmo que, por enquanto, é melhor não fazer muito alarde pelo uso do termo. É preciso antes desconstruir a associação “natural” entre evangélico e o discurso clerical-neopentecostal. Só faz sentido dizer-se evangélico hoje para disputar um termo sequestrado por um bando de fundamentalistas ou obtusos que se creem donos do mesmo. Para isso, ainda encontro boa companhia na identidade de “protestante”. Mas não deixo queimar-me nem a ponta dos dedos por isso. Não é uma questão de palavras, apenas. É de história, de identidade e de prática. Ser protestante é ser ecumênico, é afirmar a fé histórica do cristianismo, é não ter medo do diálogo interreligioso, é, nesta conjuntura, sobretudo, relativizar e denunciar profeticamente a injustiça, o autoritarismo e a intolerância religiosa promovida a partir do estado (ou seja, na forma da lei). É questionar a lei, toda lei, qualquer lei, quando ela substitui a forma e o procedimento pelo conteúdo substantivo da justiça.

Por mais que tudo isso, e muito mais, seja objeto de interpretação (que nunca deve ser confundida com um ato puramente intelectual, cerebral, cognitivo, mas parte de um exercício humano, social, histórico de construção e desconstrução de mundos, de formas de estar-junto), ser protestante é algo percebido genialmente por Paul Tillich, na teologia (em seu A Era Protestante), e por vários filósofos contemporâneos, da cepa de um Claude Lefort (ao falar sobre a democracia moderna como dissolução dos marcos da certeza e desincorporação do poder) e de um Jacques Derrida (ao falar sobre o caráter contingente e de sentido predominante sempre correspondente a “atos de religião”, de crença e de ritualidade).

Ser protestante é ser evangélico. É ser pentecostal, em sentido que nada tem a ver com o moralismo rasteiro e o reacionarismo político da liderança pentecostal parlamentar e midiática. Deixemos de ser (já não o sou há tempos) parte do “movimento evangélico”, mas não abramos mão do termo “evangélico” (os luteranos o sabem muito bem!). Como bons protestantes.

[Joanildo Burity é doutor em Ciência Política pela University of Essex, Inglaterra, pesquisador titular da Fundação Joaquim Nabuco e professor colaborador dos Programas de Pós-Graduação em Sociologia e Ciência Política da UFPE. É membro da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil]
Fonte: http://novosdialogos.com/sejamos-protestantes-reconquistemos-o-termo-evangelico/

Deus,onde estavas naquele momento? Por que não acalmaste o tufão Mathew?


Quando vemos nas primeiras páginas dos jornais a devastação que o tufão Mathew, agora em outubro, produziu no Haiti e nos EUA destruindo cidades, derrubando árvores, arrastando carros e matando centenas de pessoas, os que cremos, nos perguntamos angustiados:

“Deus, onde estavas naquele momento em que a fúria assassina do tufão Mathew se abateu sobre o Haiti e os EUA? Por que não usaste o teu poder para amainar a virulência destruidora daqueles ventos e daquelas águas inimigas da vida? Por que não intervieste, se podias faze-lo?”

“Sequer permitiste aos haitianos, o tempo suficiente para se recuperarem da devastação que significou o terremoto de 2010 onde milhares e milhares morreram soterrados e viram suas cidades e casas destruídas. Por que agora enviaste outro látego para açoitar e matar?”

“Tu bem sabes, Senhor: o povo haitiano é um dos mais pobres do mundo. Negros, conheceram todo tipo de discriminação. Foram oprimidos por ditadores ferozes que faziam das matanças, política de Estado. Tudo sofreram, tudo suportaram. Não desistiram. Caídos e do meio do pó das ruínas, estavam se levantando. E eis que de novo foram açoitados pela natureza rebelada. Onde está a tua piedade? Não são teus filhos e filhas, especialmente queridos, porque representam o Cristo crucificado?”

Não entendemos os desígnios d'Aquele que se revelou como Pai de infinita bondade. Ele pode ser Pai de uma forma misteriosa que não conseguimos compreender. Bem dizem as Escrituras:”Ele é grande demais para que o possamos conhecer”(Jó 36,26).

Muito menos pretendemos ser juízes de Deus. Mas podemos, sim, gritar como Jó, Jeremias, e o Filho do Homem no Jardim das Oliveiras e no alto da cruz. Jesus queixoso se perguntou: Meu Deus meu Deus, por que me abandonaste (Marcos 15,34)”?

Nossos lamentos não são blasfêmias, mas um grito humilde e insistente a Deus: “Desperta! Não esqueças da paixão daqueles que atualizam a Paixão de teu Filho bem-amado”.

Seguramente as invectivas de Jó contra Deus por causa do sofrimento incompreensível e as Lamentações de Jeremias vendo Jerusalém conquistada, o templo, destruído e o povo, marchando escravo para o exílio na Babilônia, foram incluídas no rol das Escrituras judaico-cristãs para que nos servissem de exemplo.

Podemos gritar como Jó e nos lamentar como Jeremias. Mais ainda, podemos, no limite do desespero, bradar como Jesus na cruz, experimentando o inferno da ausência do Deus a quem sempre chamava de “Abba”, meu querido paizinho. E Ele silenciou e não o livrou da morte na cruz.

Semelhante lamentação como a nossa, a expressou comovedoramente o Papa Bento XVI quando no dia 28 de maio de 2006 visitou o campo de extermínio nazista de Auschwitz-Birkenau onde mais de um milhão de judeus e outros foram enviados às câmaras de gás:

Quantas perguntas surgem neste lugar. Onde estava Deus naqueles dias? Por que Ele silenciou? Como pôde tolerar esse excesso de destruição, este triunfo do mal? Vem-nos à mente o Salmo 44 que diz:” jogaste-nos na região dos chacais e nos envolveste na mortalha de trevas. Por tua causa somos trucidados todos os dias, tratam-nos como ovelhas de matadouro. Desperta. Senhor! Por que dormes? Acorda (Sl 44, 20.23-27)”.

Como nunca antes, o Papa Bento XVI se mostrou um finíssimo teólogo que, como homem de fé e sensível, ousou queixar-se diante de Deus.

Embora guardemos um nobre silêncio diante de tamanha dor, perseveramos na fé como Jó, Jeremias e Jesus. Jó chegou a dizer:”Mesmo que me mates, Senhor, ainda assim continuo confiar em ti… Antes Te conhecia só por ouvir dizer, mas agora viram-te meus olhos (42,5)”. A última palavra de Jesus foi:”Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito (Lucas 23,46)”. E Deus o ressuscitou para mostrar que a dor, mesmo misteriosa, não escreve o ultimo capítulo da história, mas a vida em seu esplendor.

Na esperança ansiamos por aquele dia em que ”Deus enxugará as lágrimas de nossos olhos e a morte não existirá nem haverá luto nem pranto, nem fadiga, porque tudo isso já passou”(Apocalipse 21,4).

E nunca mais haverá tsunamis, nem Katrinas, nem Mathews, porque surgirá uma nova Terra, onde o ser humano terá aprendido a cuidar da natureza e esta nunca mais se rebelará contra ele.

Leonardo Boff é teólogo, articulista do JB on line e escreveu:”Paixão de Cristo-paixão do mundo, Vozes 2003.
Fonte: https://leonardoboff.wordpress.com/2016/10/14/deusonde-estavas-naquele-momento-por-que-nao-acalmaste-o-tufao-mathew/

Grazie Signore!



Por todas as vezes que me colocaste em Teus braços,
Enquanto eu, que só via Tua sombra no chão, pensando que era a minha, chorei de desamparo,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que sentaste na sarjeta ao meu lado e choraste comigo,
Enquanto eu, que sentia uma dor tão grande, não podia Te sentir tão junto a mim,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que me concedeste honra em dobro,
Enquanto eu só conseguia olhar para os meus dias de opróbrio e vergonha,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que deste um baile em minha homenagem,
Enquanto eu estava imergido num lamento diuturno, no pó e na cinza,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que a Tua sabedoria me fez seguir por caminhos inextrincáveis,
Enquanto eu na minha “razão humana” amaldiçoava tanta falta de sorte,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que lançaste tempestades para desviar o meu barco de rotas de morte,
Enquanto eu segurando com forças no timão, teimava em ir em frente,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que me concedeste infinitamente mais do que eu seria capaz de pensar e pedir,
Enquanto eu, qual Ruller de Flannery O'Connor só enxergava o que havia perdido,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que entrastes no campo de batalha para me resgatar do perigo,
Enquanto eu, agarrado ao fuzil enferrujado, sentia medo dos estampidos e explosões
Grazie Signore!
Por todas as vezes que enviaste Ruach para me envolver com Teu inefável amor,
Enquanto eu, imerso num vazio imenso, amaldiçoava a solidão que sentia,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que Tuas mãos curadoras tocaram minhas feridas purulentas,
Enquanto eu olhava apenas para aqueles que me desprezavam qual leproso,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que traçastes planos indizíveis e inefáveis para mim,
Enquanto eu me lamuriava por meus sonhos despedaçados,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que enviaste borrasca e a procela em seu furor, para me levar a um porto seguro,
Enquanto eu teimava em abrir as velas e velejar em mares abertos e perigosos,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que me concedeste o melhor para mim,
Enquanto eu, qual menino mimado e ingrato, me amuava e lamentava a má sorte!
Grazie Signore!
Por todas as lágrimas derramadas e gemidos inexprimíveis que Ruach teve em meu lugar,
Enquanto eu, perdido num vendaval de emoções, não conseguia nem pedir socorro,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que encheste minha vida de significado e propósito,
Enquanto eu, que tenho um vazio eterno, me sentia sem rumo e perdido,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que vieste em meu socorro nas madrugadas frias e solitárias,
Quando eu mesmo sequer pensava em pedir Tua ajuda!
Grazie Signore!
Por todas as vezes que te alegraste com as minhas imperfeitas manifestações de gratidão,
Quando eu sequer emiti qualquer som de agradecimento,
Grazie Signore, grazie!