Apenas os mortos têm permissão para ter estátuas, mas eu ganhei uma ainda em vida. Eu já estou petrificada.
Aquela estátua era um pequeno sinal de agradecimento por minhas várias contribuições, dizia o discurso, que foi lido pela Tia Vidala. Ela fora incumbida dessa tarefa pelos nossos superiores e estava longe de transmitir entusiasmo. Agradeci-lhe com o máximo de modéstia que pude e puxei a corda que desatava o manto que me encobria; ele flutuou morosamente ao chão, e lá estava eu. Aqui em Ardua Hall não se ovaciona ninguém, mas ouviu-se uma discreta salva de palmas. Inclinei minha cabeça em agradecimento.
A minha estátua é algo descomunal, como tende a ser toda estátua, e me retrata mais jovem, mais magra e em melhor forma do que tenho estado há tempos. Estou ereta, ombros para trás, meus lábios curvos num sorriso firme, mas benevolente. Meus olhos se fixam em algum ponto de referência cósmico que se presume representar meu idealismo, meu compromisso inabalável com o dever, minha determinação em seguir em frente a despeito de qualquer obstáculo. Não que qualquer parte do céu esteja à vista da minha estátua, plantada onde está, naquele melancólico aglomerado de árvores e arbustos ao lado da trilha de pedestres que passa em frente do Ardua Hall. Nós, as Tias, não podemos ter grandes pretensões, mesmo em forma de pedra.
Agarrada à minha mão esquerda há uma menina de sete ou oito anos, mirando-me cheia de confiança. Minha mão direita está apoiada na cabeça de uma mulher agachada a meu lado, de cabelos cobertos, seus olhos voltados para cima em uma expressão que poderia ser lida tanto como amedrontada quanto como grata – uma de nossas Aias –, e atrás de mim há uma de minhas Pérolas, pronta para partir em seu trabalho missionário. Pendendo do cinto que contorna minha cintura está minha arma de choque. Esta arma me lembra de minhas limitações: se eu tivesse sido mais eficiente, não teria necessitado desse acessório. A persuasão da minha voz teria sido suficiente.
Como grupo estatuário, não somos um grande sucesso: há elementos demais. Eu preferiria uma maior ênfase na minha pessoa. Mas pelo menos eu pareço estar em meu perfeito juízo. Poderia ter sido bem outro o caso, dado que a escultora idosa – uma crente fervorosa que veio a falecer – tendia a esbugalhar os olhos das modelos para sinalizar devoção. O busto que ela fez da Tia Helena tem ares de hidrofobia, o de Tia Vidala está com hipertireoidismo, e o de Tia Elizabeth parece prestes a explodir.
Na inauguração, a escultora estava nervosa. Será que havia me adulado o suficiente com sua escultura? Eu a aprovava? As pessoas iam entender que aprovei? Cogitei franzir a testa assim que o manto caísse, mas achei melhor não: não sou totalmente destituída de compaixão.
– Ficou muito realista – falei.
Isso foi há nove anos. Desde esse dia minha estátua vem se deteriorando: pombos me adornaram, musgo brotou nas minhas dobras mais úmidas. Devotos adquiriram o hábito de deixar oferendas a meus pés: ovos pela fertilidade, laranjas para sugerir a corpulência da gravidez, croissants em referência à lua. Ignoro os artigos de padaria – geralmente eles pegaram chuva –, mas embolso as laranjas. Laranjas são muito refrescantes.
Escrevo essas palavras no meu gabinete particular dentro da biblioteca do Ardua Hall – uma das poucas bibliotecas restantes após as animadas fogueiras de livros que têm ocorrido em nossa terra. As digitais pútridas e ensanguentadas do passado precisam ser expurgadas para deixar uma tábula rasa para a geração moralmente pura que com certeza vai nos suceder. Em teoria, pelo menos, é isso.
Mas entre estas digitais sangrentas estão as que nós mesmos deixamos, e estas não são tão fáceis de apagar. Com o passar dos anos enterrei muitos ossos; agora minha vontade é de exumá-los – nem que seja só para te edificar, meu leitor desconhecido. Se você estiver lendo isso, pelo menos este manuscrito terá sobrevivido. Embora talvez eu esteja fantasiando: talvez eu nunca venha a ter um leitor. Talvez eu só esteja falando com as paredes, ou muros, em todos os sentidos.
Chega de escrevinhar por hoje. Minha mão está doendo, minhas costas ardendo, e meu copo noturno de leite morno me aguarda. Vou guardar essa arenga no seu devido esconderijo, evitando as câmeras de vigilância – que sei bem onde estão, já que eu mesma as instalei. Apesar dessas precauções, estou ciente do risco que corro: escrever pode ser perigoso. Que traições, e então que acusações, podem estar à minha espera? Há muita gente em Ardua Hall que adoraria se apoderar dessas páginas.
Aguardem, aconselho-os silenciosamente: pois vai ficar pior."
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'Os Testamentos', continuação de 'O Conto da Aia', escrita por Margaret Atwood
“Nunca houve uma [revolução] que tivesse se espalhado tão rápida e amplamente, se alastrando como fogo na palha por sobre fronteiras, países e mesmo oceanos.” Assim o historiador Hobsbawm vê as Revoluções de 1848 que estouraram em toda a Europa. Surgidas como resposta à sociedade industrial, crises econômicas e más condições de trabalho, tendo como alvos a nobreza e os grandes industriais, pequenos burgueses uniram-se para quebrar máquinas e reivindicar direitos junto ao povo e ao rebento da industrialização: o proletariado. Muito baseadas no socialismo utópico de Fourier e acontecendo no mesmo ano da publicação do "Manifesto Comunista" de Marx e Engels, as revoluções tiveram conquistas avassaladoras com suas barricadas, varrendo diversas monarquias do mapa.
O duro czar Nicolau I da Rússia, isolado em seu enorme, porém distante país, observava tudo com cautela e temor. Há muito havia naquela nação grupos de intelectuais revolucionários e anticzaristas que se reuniam secretamente para falar de política. Nicolau sabia disso e aumentou a repressão contra os grupos enviando infiltrados para descobrir quem eram os revoltosos.
Em 1849, o Círculo Petrashevski – pois os intelectuais se reuniam na casa do progressista Mikhail Petrashevski – de São Petersburgo foi descoberto, preso e condenado. Entre os que lá estavam, encontrava-se o já famoso romancista russo Fiódor Dostoiévski, aclamado pelo seu livro de lançamento "Gente Pobre" (1846). Condenado à morte aos 28 anos, o desesperado Dostoiévski e seus companheiros são postos de frente ao pelotão de fuzilamento. Segundos antes do disparo que os tiraria a vida, uma carta chegou assinada pelo czar com o perdão aos condenados. Na verdade, tudo não passou de encenação, mas eles não sabiam.
No mesmo dia, já absolvido, Dostoiévski escreve ao seu irmão mais velho, Mikhail:
“Meu tão querido irmão!
Tudo está resolvido! Fui sentenciado a quatro anos de trabalhos forçados em uma fortaleza [...] e depois, alistamento como soldado raso. Hoje, 22 de dezembro, fomos todos levados à Praça Semionovski. Lá, a sentença de morte foi lida para nós, deram-nos a cruz para que beijássemos [...] e foram feitos nossos trajes mortuários (camisas brancas). Então, três de nós fomos colocamos diante do pelotão de fuzilamento para a execução da sentença de morte. Eu era o sexto da fila; fomos chamados em grupos de três, logo eu estava no segundo grupo e tinha não mais que um minuto de vida. Pensei em você, meu irmão, em todos vocês; naquele último instante, apenas você estava em meu pensamento – foi quando percebi o quanto eu amo você, meu adorado irmão! Tive tempo de abraçar Plechtchéiev e Durov, que estava ao meu lado, e despedir-me deles. No último instante, veio a ordem para suspender a execução, os soldados do pelotão de fuzilamento recuaram, e foi lida a sentença final.”
Ele foi enviado para o exílio na gelada e inóspita Sibéria, em Omsk, para cumprir trabalhos forçados e depois servir como soldado raso. Chegando na prisão após longa e difícil jornada, se impressionou com o que viu. Em carta ao irmão datada de 1854, ele escreve que seus companheiros de prisão eram “homens rudes, raivosos, amargurados. Seu ódio pela nobreza não tem limites; eles olham para todos nós, que pertencemos às classes mais abastadas, com hostilidade e rancor. Teriam nos devorado se tivessem a oportunidade. Julgue, então, o perigo que corremos, tendo que coabitar com essas pessoas por alguns anos, comer com eles, dormir ao seu lado, e sem qualquer possibilidade de reclamar das afrontas que eram constantemente direcionadas a anos.” E continua: “Passei quatro anos inteiros sob as paredes da prisão, e de lá saía apenas quando era escalado para o trabalho forçado. O trabalho era duro, mas nem sempre; algumas vezes, com mau tempo, sob a chuva, ou no inverno, durante as eternas nevascas, minhas forças faltavam-me. Certa vez, tive que fazer quatro horas de trabalho extra sob um frio que congelou até mesmo o mercúrio dos termômetros; creio que estava uns quarenta graus abaixo de zero. [...] Some-se a todos esses desconfortos o fato de que era quase impossível conseguir um livro, e quando consegui um, tive que ler às escondidas: tudo ao meu redor era uma incessante maldade, turbulência e discórdia. Vivíamos sob constante vigilância, e na impossibilidade de se estar sozinho, fosse por um minuto sequer – e sem qualquer variação desse quadro por quatro longos anos: você entenderá quando eu disser que eu não era feliz. Agora imagine, além de tudo isso, a ameaça constante de sofrer uma punição, os ferros, a opressão extrema de espírito – e terás um retrato fiel do que era minha vida.”
Livre em 1860 após dez longos anos em exílio, Dostoiévski relata suas memórias de prisão na novela Recordações da Casa dos Mortos (1862). Por suas experiências, uma nova fase surge em sua obra com seus grandes clássicos pós-siberianos: Crime e Castigo (1866), O idiota (1869), Os demônios (1871) e Os irmãos Karamázov (1880). Sua produção literária foi lida atentamente por Friedrich Nietzsche, Sigmund Freud e vários outros importantes nomes do século XIX e XX. Não à toa ele é um dos pensadores mais gloriosos e importantes da História!
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Correspondências: 1838-1880. Porto Alegre: 8Inverso, 2009.HOBSBAWM, Eric J. A era do Capital: 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009.
Foi na obra de Flannery O’Connor, uma brilhante escritora oriunda do Sul dos Estados Unidos, que eu enfim encontrei alguém, ainda que um personagem fictício, na literatura com o qual eu tenha me identificado em absolutamente tudo. Segundo alguns estudiosos das obras de Flannery, ela revela, em seus textos, uma verve racista e preconceituosa, mesmo que professasse a fé católica, ainda assim é acusada de possuir tais tendências. Eu já li todos os contos que ela escreveu, bem como os romances que são, em sua maioria, ambientados no Sul, rural, protestante e preconceituoso, o que por isso, reforçaria a tese do racismo, e não vi nada de preconceito da parte dela, os personagens revelam algo que existia na sociedade, ainda que alguns sejam caricaturescos, não encontrei nada despropositado ou fora de lugar. Só imagino como é que ela sobreviveu naquela região, o famoso “Cinturão da Bíblia”, não por sua literatura, mas pelo seu credo, mesmo depois de morta ainda é perseguida.
Posso garantir de antemão que não se trata de um mocinho, nem de um herói destemido, nem mesmo de um príncipe encantador, não é nem mesmo um vilão sedutor ou um ser superinteligente, acho que ele está mais para anti-herói.
Foi num menino, um estranho menino, num mundo estranho, criado por uma escritora estranha, que julguei encontrar o mais perfeito correspondente literário para mim, todo mundo tem um, mesmo aqueles que acham que não têm, têm sim, basta procurar. Ruller é o seu nome, é o personagem central do conto O peru da genial Flannery, morta em 1964 aos 39 anos de idade (tenho outros dois ícones que também morreram aos 39 anos de idade: o sorumbático Soren Kierkgaard e Dietrich Bonhoeffer, achei até que eu mesmo morreria com esta idade. Cuidado! Digressão à vista.).
Eu tenho que admitir que, quando criança, eu já pensei em ser Elias, aquele profeta ranzinza do Primeiro Testamento, seria ranzinza mesmo ou o primeiro caso notificado de um Borderline? Vamos continuar o assunto, caso contrário eu entro numa digressão e acabo não voltando mais, ou mesmo João Batista, o alter-ego de Elias no Segundo Testamento, ou ainda Paulo de Tarso, feio e eloqüente orador, pensei em ser Sansão ou Davi, mas eu não tinha a força do primeiro e nem a sagacidade e beleza do segundo, pensei em Moisés, Josué, Salomão, etc. mas nunca fui e nunca serei nenhum destes, nem outro personagem qualquer da Bíblia.
Foi fora dela que eu encontrei o meu correspondente literário. Ainda bem que meu nome não é bíblico, caso contrário eu teria que corresponder ao profeta, evangelista ou rei. Já pensou o que faria se meu nome fosse Sofonias? Ou se eu tivesse sido registrado como Zorobabel? E se meu pai tivesse me batizado de Acabe? Acabar-se-ia tudo de vez mesmo, ao invés de Borderline eu seria defunto, eu me matava se tivesse um nome desses. Aprender a escrever Jocelenilton, aos quatro anos requereu um esforço mental indizível, já basta o trauma de ter que decorar as 12 letras, a ordem de escrevê-las e a necessidade da primeira ser maiúscula. Melhor seria que um simples João ou José fosse meu nome!
Já havia vasculhado a literatura, o teatro, o cinema e a televisão em busca de um correspondente, desde Robinson Crusoé a D’Artagnan, de Ivanhoé ao Arthur da Távola Redonda, mas não encontrava uma identificação plena, passei por Superman, Homem-Aranha, Durango Kid, Zorro, Tex, Heitor de Tróia, etc. tantos que nem consigo citar sequer um décimo. Hoje eu iria querer ser Passolargo de Senhor dos Anéis, Capitão Miller de Resgate do Soldado Ryan ou Maximus de Gladiador.
Ruller, porém, é diferente de todos estes que eu citei, ele é tangível, sua forma de introdução é humana, visceralmente humana, ou no dizer de Nietzsche: humano, demasiadamente humano, é como eu diria, de um perfil mais atingível. Muitos dos que eu admiro, ou admirava, não parecem humanos, são figuras míticas, de perfis inatingíveis. Creio que ele é uma obra inacabada da natureza, se isso soar como heresia, eu não vou pedir perdão, pois é assim que me sinto também, logo a natureza não o deixou sozinho, eu vim para fazer-lhe companhia, creio que não houve tempo necessário para que o Controle de Qualidade Angelical me vistoriasse e me liberasse para descer, eles estavam muito ocupados, dois dias antes de eu nascer, Martin Luther King tinha sido assassinado, as coisas não andavam muito bem lá nos EUA e nem na França, que passava por uma tormentosa rebelião estudantil, por isso, creio eu, que miríades de anjos sobrevoavam estes países, e esqueceram um pouco o setor de envio de bebês para o Brasil, eu fui um destes que não passou pelo Setor de Qualidade, fui despachado incompleto, inacabado. Quem iria se preocupar com um bebê que fora enviado para Monteiro na Paraíba no ano de 1968? Ainda mais com um alto índice de mortalidade infantil? A Seleção Natural daria um jeito, caso as coisas não saíssem bem. O pior é que quase que ela dá um jeito mesmo! Antes dos dois anos, quase que morro de tantas doenças que tive, o médico mandou até que minha mãe não se apegasse tanto, pois eu era enfermiço demais. Acho que até mesmo ela, a Seleção Natural, se descuidou e eu cheguei aqui, mas por descuido da morte do que por vontade da vida.
Ruller adora andar só vivendo no meio da mata e das estradas as suas aventuras imaginárias, como eu um dia fui e fiz. Não sei se este sujeito era Borderline, mas eu mesmo sendo um, gostava da solidão, da sozinhês que o campo me permitia ter, acho que no meio do nada, do vazio, eu conseguia exercitar minha mente com mais facilidade, sem os barulhos e sem as interrupções indesejadas,. Lembro com nostalgia as tardes em que me embrenhava nas matas com um pequinês pulguento e encrenqueiro, acho que ele era esquizofrênico, chamado Dick, para desbravar lugares inabitados e conquistar penínsulas e países com a força de meus exércitos imaginários. Vezes sem conta fui capitão de navios que desbravavam os 07 mares, aventuras que fariam A viagem do Peregrino da Alvorada de Lewis parecer contos para crianças de 05 anos.
Ruller sente que não se ajusta fácil às formas que o mundo lhe impõe, como eu até hoje me sinto. O combinado era dizer que ele parecia comigo na minha infância, mas pelo que vejo este sujeito sou eu mesmo, eu sou ele adulto, ninguém me disse isso antes! Este sentimento de inadequação me acompanha a vida toda, vou repetir, a vida toda. Em lugar algum eu me senti em casa, me senti aceito, adequado e amoldado. Ruller cresceu, conseguiu chegar à idade adulta, só que o nome dele agora é Jocelenilton e mora no Brasil, esta é um revelação tardia, mas necessária de ser feita, só que Flannery nunca soube disso, que pena! Ela morreu quatro anos antes que eu nascesse.
Ruller ganha perus, sem esperar, e os perde com a mesma facilidade, como até hoje acontece comigo. A verdade é que ganhei menos do que perdi e os que ganhei, eu mesmo os joguei fora, por não saber aproveitar, ou porque achava que um dia iriam tirar de mim, então eu mesmo me desfiz, para que a desilusão não fosse maior. Aos 06 anos eu consegui ganhar um presente de Natal na Igreja, e no caminho para casa, eu consegui, olha que fiz isso sozinho, consegui deixá-lo cair de minhas mãos dentro de um riacho, de um canal, e nunca mais consegui recuperá-lo, a correnteza o levou embora, como eu disse em outro texto, foi meu último Natal.
Para Ruller as coisas nunca foram fáceis, para mim também não. Nada absolutamente nada foi fácil, tudo, absolutamente tudo, foi e é difícil, até mesmo sobreviver. Nunca encontrei nada, nunca ganhei nada, nunca sequer fui sorteado ou ganhei em Rifa de Igreja, pois é, nem Cesta de Páscoa eu ganho em rifa. Todas as poucas coisas que consegui na vida, foi à base de suor e muitas lágrimas, isso inclui até mesmo o simples ato de pegar um ônibus, não sei o que essas geringonças têm contra mim, pois sempre, absolutamente sempre, eu desço na parada errada, ou mesmo espero por ônibus que nunca passam por aquele trajeto. Se algo pode dar errado com alguém, pode ter certeza, esse alguém sou eu!
Apesar de tudo isso, me enganava fingindo ser normal, até que um dia meu mundo caiu. Sei exatamente o dia em que meu mundo de cristal quebrou, que nem era tão de cristal assim, a mesma sensação que Ruller sentiu no dia em que ganhou e perdeu muito mais que um simples peru, foi há exatos 18 anos, 31 de agosto de 1993, dia em nasceu meu primeiro filho Ulrich Zwínglio, poderia também dizer que neste mesmo dia morreu o meu primeiro filho, as duas datas são importantes para mim, pois acho que perdi, nesse dia, um sonho, nesse dia perdi a fé. Nesse dia senti “Uma Coisa Medonha” me perseguindo, até hoje eu a percebo, tem horas que é tão tangível que penso ser capaz de tocá-la. Sinto seu bafejar quente em minha nuca e ouço amedrontado sua respiração fétida e barulhenta.
Quando o desespero é maior do que o medo ou a angústia, se é que pode haver algo maior que isso, procuro consolo nas paternais palavras de Brennan Manning comentando o conto:
“Muita gente pensa o mesmo que Ruller sobre Deus. O Deus em quem cremos é Alguém que nos dá um peru com uma mão e o tira com a outra. Quando ele dá, vemos nisso um sinal de que Deus se importa conosco. Quando conseguimos o que queremos, a sensação é de que estamos perto de Deus, o que também faz com que nos sintamos generosos. Assim, todo mundo fica satisfeito, certo? Mas a história é diferente quando perdemos o peru — um claro sinal de rejeição. Procuramos entender o motivo. Onde foi que eu errei? Por que Deus está bravo comigo? Deus está tentando me ensinar alguma coisa? A maioria de nós jamais fala algo assim em voz alta nem se arrisca a pensar muito nisso, mas quando perdemos o peru, passamos a pensar que Deus é imprevisível, mal-humorado, mesquinho e injusto. São pensamentos que nos afastam dele e nos fazem mergulhar em nós mesmos. Deus se transforma num contador que contabiliza cada passo em falso, cada erro, cada burrada, e debita tudo contra nós. Deus é alguém rancoroso que nos arranca das mãos família, amigos, saúde, dinheiro, satisfação, sucesso e alegria.”
Meu nome é Ruller, sou apenas um esquisito menino que ainda me embrenho nas matas acreditando que vou caçar alguma ave, nem que seja outro peru, e mudar e moldar a minha história ou estória. O peru pode nunca mais ser dado, mas eu vou voltar àquela clareira, quem sabe o que pode acontecer, quem sabe?
Vou começar esta confissão, que provavelmente será a última da série, citando alguns trechos selecionados de uma canção muito popular no meio cristão evangélico hoje em dia: Soldado ferido, ainda que midiática demais, por isso mesmo muito piegas, apelativa e brega, bem ao estilo do protestantismo brasileiro moderno, ainda assim transmite com fidelidade o sentido que eu quero expressar aqui. Para os que quiserem conhecer a música toda, basta uma simples pesquisa em qualquer motor de busca que aparecerão centenas de resultados, desde a letra, arquivos de mídia e vídeos no Youtube®.
“Há muitos feridos, choram de angústia e de dor, clamam por proteção e por paz... Seguindo sua ordem, lutaram na frente para o Rei, e o forte inimigo puderam vencer, mas por esse esforço Satã intentou suas vidas matar, não deixa o soldado ferido morrer. Verta o bálsamo e a ferida sarará, protege-o com Teu manto de amor...”
Desde minha infância que a Parábola da Ovelha Perdida me chama à atenção, seja por meio de figuras, numa de um folheto, que ainda tenho, um pastor se apoia num cajado fincado ao solo e se curva perigosamente sobre um penhasco para segurar a ovelha, seja por meio do hino “Eram cem ovelhas...”, que era tocado semanalmente na minha casa, minha mãe ainda tem um Long Play com esta música, seja por meio de sermões, bons ou ruins, literalistas ou alegóricos, ou peças teatrais que vi por toda minha vida.
Confesso que me preocupava com as 99 ovelhas que restaram, muito embora eu nunca tenha falado ou perguntado sobre isso, como a maioria das pessoas da igreja, eu imaginava como o pastor as tinha deixado, quem tinha ficado tomando conta, se é que alguém tinha ficado tomando conta, quais os perigos que as mesmas corriam. Sei que este era o tipo de raciocínio dos fariseus da época de Jesus, não o dos seus seguidores, por isso, sei também que facilmente eu poderia ser comparado ao filho mais velho da outra parábola [a do Filho Perdido, dito pródigo, mas quem foi pródigo mesmo foi o pai], do que com o filho que se arrependeu.
Demorei muito para entender os costumes do Oriente Médio daquela época e a figura do aprisco, chego a perceber que tinha uma ideia de que aquele pastor tinha sido, até diria, meio irresponsável, só entendi mesmo, ou julgo ter entendido, depois que fui para o seminário e estudei as parábolas com mais afinco, li diversos livros, acho que todos publicados em português à época (1993), para tentar entender a forma de Jesus ensinar. E o que incomodou muito foi que, contrariando o que muita gente pensa, ele usava parábolas para “ocultar”, ou seja, para encobrir o verdadeiro sentido do que queria dizer, não era para ilustrar ou esclarecer, basta ler Marcos 4:11 e 12 para ver isso: “... a vós outros vos é dado conhecer os mistérios do Reino de Deus; mas, aos de fora, tudo se ensina por meio de parábolas, para que vendo, vejam e não percebam; e, ouvindo, ouçam e não entendam; para que não venham a converter-se, e haja perdão para eles ...”, como não é este o foco do assunto, vou encerrar esta digressão aqui, sob pena da mesma se transformar no tema central de minha discussão, o que não é minha intenção.
Descobri da forma mais brutal possível que não era só eu quando criança que pensava mais nas 99 ovelhas do aprisco do que na desavisada ovelha que se perdeu, a grande maioria do protestantismo brasileiro, marcada por teologias vazias de prosperidade, sucesso, fama e riqueza, não tem tempo para perder com desajustados, pecadores contumazes e perdedores. Mesmo aquelas igrejas herdeiras da Reforma Protestante e por isso mesmo com uma teologia sadia, não têm uma eclesiologia sadia, não têm ortopraxia, não têm a prática coerente com as verdades que pregam. Não estão dispostas a pagar o preço da reconstrução de uma relação entre alguém desajustado e a comunidade de fiéis. Muitas vezes confundem que a pessoa precisa restaurar a relação com Deus antes, mas se esquecem que isso é foro íntimo, cada um é que pode dizer que tipo de relação tem com Deus, o que eu estou falando aqui é relação com a comunidade, com a igreja, com a paróquia.
Jesus não expõe na parábola o que levou aquela ovelha a se perder, que fatores conduziram-na ao abismo ou a se afastar tanto do rebanho, nem tampouco vemos o pastor aplicar qualquer reprimenda à mesma por sua conduta vã e incauta. Hoje, o que preocupa mais as comunidades eclesiais são os motivos que levaram as ovelhas modernas a se afastarem do que o preço a ser pago pelo resgate das mesmas. E às que conseguem retomar o árduo caminho da volta, muitas vezes lhe são impostos encargos e pesos que contrariam a Graça de Deus.
Alguns anos atrás, pouco mais de 06 anos, muito tempo depois do lançamento, eu pude ver uma das mais fortes e densas metáforas modernas desta parábola por meio de um filme norte-americano. Para os que já leram alguns outros textos meus, devem ficar surpresos com isso, já que sou um crítico ferrenho e contumaz da cultura(sic) americana e da indústria de mentes vazias que Hollywood representa. Porém, mesmo que esse filme não consiga esconder a arrogância e a prepotência da pretensa hegemonia dos demônios que descem do norte, parar usar um termo de um sociólogo crítico dos EUA, ainda assim consigo ver nele a beleza que representa a busca, o resgate propriamente dito, e os fatos que sucedem ao ocorrido, estou falando de Resgate do Soldado Ryan (Saving Private Ryan, EUA, 1998), filme premiado com várias estatuetas do Globo de Ouro e do Oscar em 1999.
O enredo utiliza, como pano de fundo, a Segunda Guerra Mundial e o famoso desembarque dos soldados americanos na Praia de Omaha, na Normandia, o decantado Dia “D”. A operação foi parte de um plano maior de libertar a França que estava ocupada pelos alemães (06 de junho, por coincidência, Dia do Profissional de Logística). A trama começa a fazer sentido quando o Alto Comando descobre que a senhora Ryan, mãe de 04 soldados engajados no esforço de guerra, perde três de seus filhos, que tombaram no campo de batalha em diferentes ocasiões, mas em curto espaço de tempo, sem saber o que fazer para minimizar a dor desta mulher, resolve então dispensar das obrigações militares o filho remanescente.
O enredo se torna complicado por conta do pelotão do filho, no caso o Soldado Ryan, que era de paraquedistas, ter caído no lugar errado, podendo estar em qualquer lugar da França, isso representa dizer que o pelotão estava por trás das linhas inimigas e sem ligação segura com o grosso das tropas que desembarcou pelo mar. Coube então ao capitão John Miller (personagem de Tom Hanks) e seus homens a missão de resgatar o último filho, James Francis Ryan. O soldado Ryan (personagem de Matt Damon) pertencia à 101 Company 506 Regiment. Por ser um airborne, termo inglês para paraquedista, era altamente treinado, tinha passado por um aprendizado especial tático e bélico, que consistia em combater, porém a característica principal deste tipo de soldado na verdade era defender pontos e objetivos estratégicos, como pontes, estradas, vilas e aldeias.
A trama, tentando mostrar a determinação do capitão Miller na busca por aquele soldado, prossegue com a unidade se deslocando pelo interior da França: passando por vários contratempos e obstáculos, inclusive por discussões internas sobre a utilidade de tal missão: colocar a vida de vários homens em perigo para poder salvar a vida de um homem só, ainda bem que não fui eu apenas que achei estranho este fato, os soldados da unidade também, todos nós, eu e os soldados, parecemos mesmo com o filho mais velho da Parábola do Pródigo.
O auge da busca é atingido quando o sorumbático capitão Miller e seus homens finalmente encontram Ryan, que ainda estava vivo, cercado por tropas nazistas, no meio de um tiroteio infernal junto com seus companheiros paraquedistas sobreviventes, o que dava forte indícios que a morte era uma questão de tempo, talvez horas, talvez minutos. Ao ser informado que seus irmãos tinham morrido e que o Alto Comando o liberava para voltar para casa, que era também o prêmio para a unidade que o procurou com tanto afinco, o soldado Ryan recusa-se a abandonar seu posto, além de querer continuar defendendo a posição que sua unidade havia conquistado à custa de tanto esforço e mortes, recusava-se também a abandonar seus companheiros de guerra, não se achava melhor que nenhum deles. A unidade do capitão Miller, que antes sentia certo asco pelo Ryan, mesmo sem o conhecer direito, apenas por ele ser objeto de preocupação do Alto Comando, passa a admirá-lo por este ato de bravura e lealdade. Tom Hanks, ou melhor o capitão Miller se vê então num dilema, ou parte com sua unidade, levando o que restou dela, com a missão de certa forma incompleta ou fica para ajudar a companhia de paraquedistas frente a um ataque alemão na defesa de uma ponte.
O capitão Miller, que demonstra durante todo o filme o caráter de um líder, ético, honesto e altruísta, decide que a melhor coisa é ficar, por conta de sua patente acaba então assumindo o comando da defesa. Algumas horas depois, enquanto esperavam ansiosamente o que iria acontecer, se veem debaixo de um pesado ataque de blindados alemães e de cerca de 50 soldados à pé, infantes, que tentam a todo custo retomar o controle sobre aquela ponte, que lhes garantiria a passagem no caso de uma evacuação ou retirada.
Chega-se então ao clímax do filme. Tal como no início do mesmo, segue-se uma sangrenta e confusa batalha em meio aos destroços de uma cidade em ruínas, por conta dos bombardeios. Os comandados de Miller, paraquedistas e Rangers agora unidos, conseguem impor pesadas baixas ao inimigo mas a um custo muito alto: boa parte dos paraquedistas e vários Rangers do Capitão Miller foram mortos. Miller ordena então que os sobreviventes recuem para a ponte e enquanto ele se preparava para explodi-la, acaba sendo mortalmente ferido por um alemão. Frente à inevitável e aparente derrota, e, consequentemente, à morte, o Capitão Miller pega sua pistola um Colt M1911 e começa a atirar num tanque alemão, que tentava atravessar a ponte, e que de repente explode, mas antes que o surpreso Miller pense que foram seus tiros que fizeram aquilo, ele vê um avião caça P-51 Mustang sobrevoando o local após destruir o blindado, era o reforço áereo que chegava, cedo para conter a retormada alemã da ponte, mais tarde demais para evitar que tanto sangue americano fosse derramado, mais uma tirada imperialista e prepotente de Hollywood, os mocinhos chegando e matando os vilões. Com a chegada dos reforços americanos, a infantaria invade o local, os alemães batem em retirada. Ryan então, no meio de um cenário caótico e desesperador, se encontra com Miller que esta prestes a morrer e que profere suas últimas palavras: "James... earn this. Earn it." (Que em português significa: "Faça por merecer."). Preço muito alto foi pago neste resgate, preço de sangue, preço de vida, preço de morte.
O filme se encerra com Ryan, já velho, observando o túmulo do Capitão Miller. E tentando provar para o capitão que ele fez que a sua vida valesse à pena a morte de tanta gente. Fiquei amedrontado quando vi essa cena a primeira vez, é como se a Espada de Dâmocles estivesse sobre o pescoço dele durante sua longa vida, e para cada ato que fosse fazer, tivesse que refletir primeiro: Será que isso me fará merecedor da morte daqueles homens, daqueles heróis? Não é essa a pergunta que deveríamos nos fazer face ao sacrifício de Jesus por nós? Bom, isso é outra história, lá vou eu noutra digressão.
Sei o que é ser ferido no campo de batalha, sei mais ainda o que é ser deixado para trás no campo de batalha por conta das feridas que foram abertas, algumas feitas por mãos alheias, e as que mais doem foram abertas por minhas próprias mãos, não estou fazendo o papel de vítima e nem tenho a intenção de atribuir aos outros a culpa pelos meus erros, pelas minhas escolhas e pelas minhas decisões. Mas uma coisa eu posso dizer, isso sem medo de errar: a Igreja não gosta e nem quer pagar o preço de resgatar ovelhas que caíram no campo de batalha, seja uma ovelha que exercia papel de liderança ou não, ainda mais quando, que quem precisa ser resgatado não é uma ovelha e sim um pastor. Não é falácia a citação de Leonard Ravenhill, em Por que tarda o pleno avivamento?: “A Igreja é o único exército que abandona seus feridos no campo de batalha”.
Por mais de três vezes eu desisti do ministério pastoral, algumas por responsabilidade de outros, já falei isso antes, e a maioria das vezes por minha própria responsabilidade, mas em nenhuma eu tive qualquer vislumbre da graça ou da misericórdia dos meus colegas pastores. Alguns passam até hoje por mim fingindo que não me viram, temem até mesmo apertar minha mão ou me saudarem de longe, não querem contaminar-se, eu, por incrível que pareça, não falo com eles para que não se constranjam, não falo por amor mesmo.
Na última vez que me afastei do ministério, procurei um pastor mais experiente, líder da denominação na região e expus as minhas falhas e quais as razões que estavam me levando a tomar aquela decisão, ele me disse que eu estava errado, que não deveria tomar aquele caminho, mesmo assim eu disse-lhe que não podia fazer diferente. Na outra vez que o vi, senti-me um leproso cheio de chagas purulentas, ele foi frio, distante e mal falou comigo. Quinze ou vinte dias antes eu tinha pregado na igreja dele, na saída, à porta, ele falou comigo tão efusivamente, elogiou o sermão, me elogiou e me deu um abraço bem forte, menos de um mês depois, quando precisei dele, virou-me às costas. Não lhe tenho mágoas, isto é regra, não exceção.
Preguei num domingo, dia 12 de março de 2006, foi minha penúltima pregação como pastor, ainda está marcada indelevelmente na minha mente, eu falei sobre a mulher que lavou os pés de Jesus na casa de Simão. Expliquei naquela noite que quando Jesus disse: “-Teus pecados te são perdoados!”, ele não estava atribuindo o perdão ao ato dela, ele estava dizendo que o ato dela era a gratidão de ter sido perdoada, possivelmente num encontro que ele tivera com ela antes daquela noite. Muita gente achava que ela tinha sido perdoada por conta de ter lavado os pés dele, mas o ato de lavar, foi a adoração de uma mulher que já tinha sido perdoada. Senti uma unção muito grande naquela noite, acho que, de uma forma ou de outra, eu sabia que não faria mais pregações como aquela, no dia seguinte cheguei para trabalhar, era gerente de uma livraria evangélica, e fui saudado por um jovem, que era da mesma denominação que eu, ele me disse que alguns jovens da igreja tinham ligado para ele e tinham dito que o sermão tinha sido algo indescritível, um diácono da igreja tinha lhe dito que não sabia que tinha acontecido comigo, mas algo sobrenatural tinha ocorrido na igreja naquela noite. Dez dias depois que eu me afastei da igreja, este diácono disse para o mesmo jovem que se me encontrasse me daria uma bofetada, pois eu era um hipócrita e falso. No domingo seguinte, preguei pela última vez, sobre o mesmo assunto, noutra igreja, desde então habito na Caverna de Adulão, moro em Lo-Debar e espero o chamado do Rei.
Passei mais de 25 anos de minha vida indo semanalmente, quando não diariamente, a uma livraria evangélica no centro do Recife, há pelo menos 05 anos eu não vou lá, pois não suporto os olhares de crítica, rejeição e condenação que recebo dos que ainda me conhecem. Antes, quando ainda era pastor e professor de seminário eu era incomodado constantemente, uma vez que era consultor literário de algumas editoras e de uma livraria concorrente, pediam a minha opinião sobre livros, sobre bíblias de estudo e sobre autores, hoje, entro e saio sem ser incomodado, ou melhor sem ser notado. O mesmo tratamento não recebo numa livraria católica, sempre que passo lá, ainda que apenas na frente, sou convidado a entrar, tomar café, e sou tratado como um ser normal. Sinto-me mais amado pelos católicos do que pelos meus irmãos evangélicos e protestantes.
[“... e o forte inimigo puderam vencer, mas por esse esforço Satã intentou suas vidas matar, não deixa o soldado ferido morrer...] Ainda que piegas, sinto nesta frase um conforto e um consolo da parte de Deus, sei que fui ferido, ainda estou ferido, mas o meu Capitão, não me deixará morrer no meio do caos da batalha, sei que virá ele mesmo me buscar, não precisará dar sua vida em troca da minha, isso ele já fez um dia. Pagou o preço do resgate, preço de sangue, preço de vida! A sua morte, a minha vida.
Ruller é uma criação de Flannery O’Connor; é um garoto de uma cidadezinha e está desabrochando para o mundo.
É dia. No meio da mata, Ruller corre atrás de um peru selvagem que está ferido. Ah, se eu conseguisse pegá-lo, é o que ele pensa e, caramba, ele vai pegá-lo, mesmo que tenha de correr para fora do estado.
Ruller imagina-se entrando triunfante pela porta da frente, com a ave sobre o ombro, e toda a família exclamando admirada:
— Olha, o Ruller está trazendo um peru! Ruller, onde foi que você conseguiu esse peru?
— Ah, eu peguei no meio do mato. Se quiserem, qualquer dia pego outro para vocês.
Mas pegar aquela ave ferida é muito mais difícil do que ele pensava. Então lhe ocorre outra idéia: “Acho que Deus vai me fazer correr à toa atrás desse maldito peru a tarde inteira”. Ele sabe que não devia pensar isso de Deus — mas é assim que ele está se sentindo. E quem pode culpá-lo por estar se sentindo desse jeito?
Ruller tropeça, cai e fica ali no meio da sujeira, pensando se ele é mesmo esquisito. Mas, de repente, a caçada chega ao fim. O peru cai morto por causa do tiro que havia levado. Ruller coloca a ave sobre o ombro e começa sua marcha triunfal para casa, que fica bem no centro da cidade. Então se lembra do que pensou a respeito de Deus antes de capturar a ave. Eram pensamentos bem ruins, ele confessa. É provável que Deus esteja chamando sua atenção, detendo-o antes que fosse tarde demais. E então exclama: “Obrigado, Deus! O senhor foi extremamente generoso”.
Ele pensa que aquele peru pode ter sido um sinal. Pode ser que Deus queira que ele se torne um pregador. Ruller quer fazer alguma coisa para Deus. Se naquele dia encontrasse um pobre na rua, iria dar-lhe sua moeda de dez centavos. É a única que ele tem, mas Ruller pensa que, por causa de Deus, ele a daria ao pobre.
Andando agora pelo meio da cidade, as pessoas ficam admiradas com o tamanho da ave que ele carrega. Homens e mulheres ficam olhando para ele. Um grupo de crianças da roça o acompanha. Então certo homem pergunta:
— Quanto você acha que ele pesa?
— Pelo menos uns cinco quilos.
— Quanto tempo você correu atrás dele?
— Mais ou menos uma hora.
— Que coisa impressionante!
Mas Ruller não está com tempo para conversa fiada. Ele mal pode esperar para ouvir o que seu pessoal vai dizer quando ele chegar em casa com aquela caça. E torce para encontrar alguém mendigando. Com certeza ele lhe daria sua moeda. “Senhor, mande um mendigo. Mande um antes que eu chegue em casa.” E ele sabe que Deus vai lhe enviar um mendigo, pois é uma criança incomum. “Por favor, um mendigo agora mesmo”, é a oração de Ruller. No exato momento em que ele diz isso, uma mendiga velhinha anda em sua direção. O coração de Ruller quase salta pela boca. Ele avança na direção da mulher, gritando: “Aqui, aqui!”. Coloca a moeda na mão dela e continua a andar sem olhar para trás.
Aos poucos seu coração desacelera e ele sente algo inusitado — como se estivesse feliz e sem graça ao mesmo tempo. Ruller está andando sobre as nuvens — ele e a ave que Deus lhe enviou.
Nesse momento ele percebe a presença das crianças que o seguiam. Todo generoso, vira-se e pergunta:
— Vocês querem ver o peru que eu cacei?
As crianças ficam olhando para ele.
— Eu o persegui até ele morrer. Olhem só a marca do tiro debaixo da asa.
— Deixe eu dar uma olhada — diz um dos meninos. Então, num gesto inesperado, o menino pega a ave, coloca-a sobre o próprio ombro e, girando o corpo, atinge o rosto de Ruller enquanto sai. E fica tudo por isso mesmo. Os meninos saem andando e levam o peru que Deus lhe havia mandado.
Antes que Ruller conseguisse se mexer, os garotos já estavam a um quarteirão de distância. Desaparecem na escuridão, e Ruller começa a se arrastar para casa, mas logo dispara numa corrida. E Flannery O’Connor termina a impressionante história de Ruller com as seguintes palavras: “Ele corria cada vez mais e, ao chegar à estrada que dava para sua casa, estava com o coração tão acelerado quanto as pernas e com a certeza de que havia Algo Terrível atrás de si, com os braços rígidos e as mãos prontos para agarrá-lo”. Algo Terrível.
[Síntese do conto feita por Brennan Manning em Falsos, metidos e impostores da Mundo Cristão, adaptação do livro O impostor que vive em mim, do mesmo autor e mesma editora, o poder de síntese dele é inigualável. Os comentários meus a este texto, que faziam parte deste artigo, foram deslocados para a segunda parte do artigo com mesmo nome, o texto estava muito extenso, a brevidade exigiu isso].
É uma confissão muito difícil de fazer, mas é necessária: não posso ser considerado alguém fervoroso, nunca fui, nunca serei, não pelos padrões ditados pelos “igrejeiros” modernos.
Talvez quem possa me ajudar a explicar essa minha deficiência seja um visionário de um passado muito distante, de outra cultura, de outro mundo, alguém que enquanto esteve prisioneiro na pequena, porém importante, ilha mediterrânea de Patmos teve visões extáticas, vislumbrou o passado, o presente e o futuro. Este prisioneiro, que também era um grande pastor de almas e tinha o amor nos olhos, certa vez ouviu uma voz que dizia:
Escreva ao Anjo da igreja de Laodicéia. Assim diz o Amém, a Testemunha fiel e verdadeira, o Princípio da criação de Deus: Conheço sua conduta: você não é frio nem quente. Quem dera que fosse frio ou quente! Porque é morno, nem frio nem quente, estou para vomitar você da minha boca. (Apocalipse 3:14-17 Versão Pastoral - Paulus).
Desde a minha infância eu ouvi centenas de pregações e estudos bíblicos sobre este texto, em 99% dos casos ele foi utilizado para endossar pontos de vista que o mesmo nem sequer de longe defende. Alguns assassinos teológicos fazem uma eisegese (que é a prática de trazer para dentro do texto sentido ou conceito externo), alguns mais irreverentes diriam que os mesmos fazem uma eisejegue (trocadilho com a palavra jegue, asno, burro, jumento) para que o texto signifique aquilo que eles depreendem que signifique, acabam fazendo o mesmo que Procustro (personagem mítico da Grécia que tinha uma cama e quem não coubesse nela por ser pequeno ele espichava por meio de aparelhos especialmente destinados para isso, aos que fossem de tamanho maior que a cama, ele cortava os membros, até que coubessem, ao cabo e ao fim, todos cabiam na cama dele) fazia com seus hóspedes, todo texto pode caber em qualquer significado, quer dizer, pode ter o significado que se quiser que tenha, pois as regras da Hermenêutica e da Exegese são desprezadas em prol das idéias pré-concebidas do leitor/intérprete.
Bastante inconformado com isso uma vez eu “enfiei a cara” nos livros, no texto grego, em gramáticas e comentários, queria fazer uma homilia sobre esta carta, mas queria explorar o real sentido daquilo que Jesus quis dizer, tentei retratar, dentro de minhas limitações intelectuais e espirituais, qual a intenção autoral. Muitos dos que me ouviram naquele dia me abordaram à porta da igreja querendo mais esclarecimentos, para eles a forma como aprenderam era tão óbvia que o que eu tinha dito parecia inusitado demais, não é que parecesse heresia, é que não se ajustava ao que criam. Eis o que eu em curtas palavras expus naquela noite:
Hierápolis, cidade nunca mencionada na Bíblia, nas cercanias de Laodicéia, como o próprio nome (cidade sagrada) permite perceber, era um importante destino para pessoas em busca de cura para alguns dos males que lhes acometiam. Além de um santuário, no qual era realizado um culto da fertilidade, consagrado à deusa Atargatis, havia nos limites da cidade fontes de águas quentes que proporcionavam cura para muitas enfermidades, desde afecções oculares até problemas nos ossos e na pele. Era comum encontrar nas estradas centenas de doentes dirigindo-se para as termas quentes de Hierápolis em busca de alívio, mesmo aqueles sem muitos recursos financeiros acorriam à cidade. Isto numa época em que os recursos da medicina ainda engatinhavam até mesmo para quem tinha dinheiro.
Colossos estava localizada na estrada principal que partia de Éfeso para o oriente, por isso era uma cidade importante, estava exatamente na trajetória entre dois mundos: Europa e Ásia, e como o imperador deslocava-se muito de um ao outro pólo de suas possessões, tinha que passar por Colossos, por isso esta foi guindada à posição de destaque, como se não bastasse isso ainda havia as centenas de caravanas de dignatários que iam bajular o imperador ou de assessores deste indo fazer tratados no oriente que tinham que passar por ela, a mesma era dotada de abundantes recursos hídricos, água límpida e potável, local apropriado para matar a sede, por isso foi muito utilizada como quartel dos exércitos romanos que tentavam pacificar as fronteiras.
Laodicéia, cidade da apocalíptica missiva jesuânica, era localizada perto das outras duas cidades, dez quilômetros ao sul de Hierápolis e dezesseis a oeste de Colossos, porém como ela sofria problemas de abastecimento de água, algum magistrado fez construir dutos que conduzissem águas para dentro da cidade usando a força da gravidade, a água escorria em muitos lugares à céu aberto, o calor do sol e a sujeira dos dutos faziam com que a água chegasse imprópria para o consumo, além de muito suja, era morna, dava vontade de vomitar.
Jesus quando diz à Laodicéia que gostaria que ela fosse fria ou quente ele não estava dizendo o que costumamos ouvir dos pregadores modernos, que ele deseja que ou sejamos quentes (fervorosos espiritualmente) ou então que sejamos frios (sem nenhum fervor, ou melhor, ainda, descrentes), porque se formos mornos (apáticos espiritualmente, mas ainda assim com algum fervor) ele vai nos vomitar. Este texto não tem nada a ver com fervor espiritual, ele trata sim da funcionalidade e do ministério da igreja, frio é matar a sede, quente é cura da alma, é um texto para igreja, não fala de fervor. Mornidão é o status de uma igreja que não consegue matar a sede e nem curar ninguém.
Creio que sempre busquei ser quente e frio ao mesmo tempo, mas não no conceito vulgar do termo, pois para muitos ser quente é alguém que “aparenta” santidade, respira “santidade”, daqueles que andam com a Bíblia debaixo do braço, que quase não pisam no chão e frio são aqueles irmãos de igrejas tradicionais, que não falam línguas extáticas, ditas estranhas.
Infelizmente a experiência que eu tive com estes santarrões foi sempre negativa, pois a santidade deles os torna intolerantes, impiedosos, às vezes até mesmo soberbos espiritualmente. É mais fácil conviver com maltrapilhos alquebrados do que com estes “invencíveis” guerreiros da fé modernos.
Já ouvi comentários de muitos cristãos sobre atitudes tomadas por outros, ou por mim mesmo, que eu acho que alguém que nunca ouviu falar do amor de Jesus teria mais piedade, seria mais misericordioso. A pergunta que eu faço é: será que adianta ser tão piedoso e santo, se esta piedade e esta santidade não deixarem transparecer o amor de Jesus?
Num dos seus discursos mais emblemáticos Jesus diz que: “... nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros.” (João 13:35), ele não disse que ter “fervor”, nem ter piedade seriam as marcas indeléveis de um seguidor dele, mas sim a resposta ao amor que ele demonstrou na cruz, o amor que ele viveu e pediu que vivêssemos.
Ser quente e frio é viver esse amor com intensidade, curando almas, matando a sede dos sedentos, tanto daqueles que vagueiam pelo mundo sem destino algum, como também daqueles maltrapilhos, como eu, que dentro da igreja buscam cura para suas mazelas interiores. Sabem que não são bem recebidos pela igreja, mas não desistem, pois sem ela, a vida é muito pior. As palavras de Philip Yancey: “sou cristão, apesar da igreja.”, são a melhor definição para este aparente paradoxo. Aceitação plena mesmo, só em Jesus, o resto é fantasia e desilusão.
Creio que Timóteo, o jovem presbítero de origem judia, teve uma grande vantagem em seu ministério: a mentoria espiritual do apóstolo Paulo. Isto fica claro nas cartas que lhe são dirigidas, que pormenorizam as instruções chegando às minúcias. Mas creio que o que mais reforça esse argumento é o que está implícito nas entrelinhas: a companhia quase que onipresente de Paulo, estava sempre disposto a ouvir, a aconselhar, a dirigir os passos, a ser o paracletos de Timóteo, aquele que anda lado a lado.
Olhando para trás eu vejo que o que mais me faltou no passado foi alguém que me mentoreasse, eu hoje lamento a minha falta de humildade à época para procurar alguém que me ajudasse, que fosse o meu diretor espiritual. Acho que não encontrei a pessoa certa porque confundi a forma certa de procurar com o lugar certo, enfatizei mais o local onde encontrar do que o modo, atitude de humildade, que deveria ter feito isto.
Tive muitos tutores eclesiásticos, mas nenhum que pudesse ser chamado de mentor, no mais fiel sentido da palavra.
Tive na minha infância um pastor que quando entrei no seminário se tornou meu tutor, trabalhei em sua igreja liderando uma congregação, sentia que o mesmo me escanteava, sentia que ele não gostava de mim, seus presbíteros lhe faziam oposição e ele achava que eu fazia parte do grupo para tomar seu lugar. Um dia ele me procurou na congregação para me dizer que naquele dia deixaria a igreja por conta da perseguição dos presbíteros, eu imediatamente lhe informei que sairia junto com ele da igreja, pois não concordava com a atitude dos líderes leigos, ele começou a chorar, e em lágrimas me pediu que continuasse na igreja por amor das ovelhas, vi que não precisava mais provar para ele que eu lhe era fiel e que não estivera articulando a sua derrubada.
Tive outro pastor e tutor que era ex-militar da aeronáutica à época que eu o conheci, estava na ativa durante a ditadura militar e pelo que me consta era um torturador nos calabouços infames dos DOI-CODI´s. O que mais me assustava era a sua arrogância intelectual e autoritarismo, ele não pastoreava a igreja, ele a conduzia com chicotadas e açoites, era uma igreja assustada, nervosa, doentia e que até hoje, mas de 10 anos depois da saída dele ainda sofre os efeitos daquele pastorado caótico. Um dia, eu estava muito alquebrado, ele gritou comigo, meu pai estava presente, era presbítero do conselho, eu apontei para meu pai e disse: - Meu pai não fala assim comigo, quem é o senhor para falar? Ele me respondeu que era meu pastor, eu me levantei e saí da sala dizendo: - Pastor não, o senhor é reverendo!
Um dia, alguns anos depois numa assembléia para decidir a permanência dele à frente da igreja ele se portou de uma maneira tão indecente, vulgar, desonesta e anticristã que eu me encolhi nos bancos da igreja, estava morto de vergonha de ver alguém tratar a noiva de Cristo daquele jeito, manipulando a votação, que lhe era na maioria contrária, para poder continuar à frente de uma igreja que nem lhe pagava salário, tudo apenas pelo poder e pelo status.
Fui para uma igreja que me chamou para ser pastor, mas à época eu só queria estudar teologia e ensinar, tinha o objetivo de ser apenas professor, não queria pastorear. Ocupei o cargo até que um ex-colega de turma meu chegou para pastorear a igreja, éramos da mesma idade, tínhamos idéias iguais, linhas teológicas semelhantes, mas éramos de universos paradoxais. Passei um ano na igreja sem que me pedisse para pregar, tinha ciúmes de mim por conta da igreja gostar de me ouvir pregando, não sei o que ele pensava, eu não quis ser pastor antes dele, porque tomaria a igreja dele então? Chegou até a enviar relatórios negativos ao meu respeito para o presbitério e ainda os apresentou na minha ausência, não esperou que eu chegasse para apresentá-los. Fui incisivo numa reunião da mesa do presbitério, meu mal sempre foi ser honesto, disse que o tal pastor tinha gabarito, pregava bem e exercia sua função a contento, mas eu não tinha o mesmo como homem no sentido da palavra aqui no nordeste: alguém com caráter e de palavra. Lógico que isso causou rebuliço e naquela reunião eu desisti de ser pastor, foi meu primeiro passo para abandonar de vez o ministério.
Após um tempo eu, que já tinha perdido a esperança de exercer o ministério, entrei em contato com um pastor que havia adulterado e por isso mesmo tinha sido expulso da denominação, estava numa comunidade pequena que era ligada a uma igreja de outro estado, forte e com um pendor para a tolerância, ecumênica e extremamente politizada, diria que era uma igreja de esquerda, eu já tinha tido contatos com essa comunidade antes, mas sempre os considerei exóticos, mas naquele momento eu achei que era o lugar ideal para mim, tínhamos as mesmas idéias e os mesmos objetivos. Ocorre que o pastor era um aproveitador, ele não tinha nenhuma veia ecumênica, acho que era até mesmo anti-ecumênico, mas como queria a todo custo exercer o ministério, fingia que aceitava as doutrinas dessa igreja, era tolerado e aceito. Descobri que ele era uma farsa, além do mais era um mentiroso contumaz e incorrigível. Quando falei com o pastor líder no outro estado, fui não só mal compreendido como acabei sendo forçado a sair da igreja me sentindo injustiçado e muito abalado espiritualmente.
Acabei procurando a supervisão espiritual de um pastor reconhecido nacional e internacionalmente, fui bem recebido, deram-me até cátedra no seminário da igreja, depois me pediram para supervisionar uma igreja em outro estado, distante mais de 12 horas de viagem de ônibus, eu ia aos fins de semana, sem reclamar e sem ganhar nenhum tostão por isso. Um dia este pastor me deu um telefone de uma mulher que tinha tentado suicídio, minha missão era dar apoio pastoral e ajudar naquilo que pudesse. Depois de algumas conversas descobri que a mulher estava em crise porque tinha se envolvido com aquele pastor, que dizia para ela que a relação com ele não era pecado, pois a poligamia estava na Bíblia, e a esposa dele não poderia oferecer o que ela poderia. O corpo dela aceitou, mas a mente e o coração não, por isso entrou em crise e tentou se matar. Fiquei indignado, ter sido enviado para “limpar a sujeira” que ele havia feito. Senti-me usado, não só nessa ocasião como em outras, quando o meu nome saiu em manifestos que eu sequer havia lido, depois de sentir-me um bagaço de cana jogado fora, deixei a igreja com muita tristeza. Este foi o passo final para a desistência plena do ministério pastoral.
Meses atrás eu recebi uma mensagem num site de relacionamento de um velho pastor de São Paulo, o Rev. Enos Moura, presbiteriano de larga tradição, que foi pastor em Recife e professor do mesmo seminário que eu estudei e ensinei, muito embora eu não tenha sido aluno dele, diria que no jargão anglicano ele é um verdadeiro “Pai em Deus”. Eu tinha postado uma foto minha pregando em uma igreja numa cidade vizinha, era a única foto que eu tinha digitalizada no meu computador, por isso que a tinha colocado, debaixo dela, à guisa de comentário eu havia escrito: “Faz tanto tempo que eu nem sei mais como é que se faz!”. Algumas pessoas que me conheciam bem e que viram a foto disseram que tiveram um choque, um colega meu havia dito que sentira um “murro” quando leu o que eu tinha escrito. A mensagem do Rev. Enos me trouxe lágrimas aos olhos, não chorei mais por estar num local público, ele me pedia que o deixasse me ajudar, queria dividir a minha dor e queria saber o que poderia fazer por mim. Não tivemos tempo depois para conversar por conta da distância, sei apenas que em algum lugar há um pastor de almas disposto a me pastorear e a me carregar nos ombros, caso eu mesmo não consiga voltar ao redil por minhas próprias pernas. Enos Moura é o seu nome, alguém que tem o coração de pastor, um Pai em Deus!
Hoje com toda a experiência que tenho sei que preciso de um diretor espiritual, de alguém que me mentoreie, alguém a quem eu tenha que prestar contas, sei que Brennan Manning, Henry Nouween e Eugene Peterson seriam ótimos diretores, mas me dou conta que não posso buscar mentores que sejam super-espirituais, estes não existem, por isso nunca encontrei nenhum, estava buscando errado, só tinha encontrado vasos de barros como eu, mas é por meio de vasos de barros com pés de argila que Deus implanta Seu Reino. Quero apenas um pastor que seja honesto, comigo, consigo mesmo e principalmente com Deus, alguém assim eu seguiria, alguém assim eu obedeceria. Ainda busco, sei que existe, Rev. Enos me provou isto, por isso não desisto.
Eu tinha de tudo para ser um fundamentalista convicto, um bom cristão conservador, mas não sou, e olha que a culpa não foi de meus pais, tive uma criação austera. Fui criado na mais perfeita tradição reformada, sentia orgulho em dizer que era presbiteriano do pé roxo, isso significava ser também calvinista. Meus heróis da infância eram Martinho Lutero, João Calvino, Ulrich Zwínglio e Girolamo Savonarola, eu me emocionava ao ouvir: “Castelo forte é o nosso Deus...”, até hoje ainda sou contagiado pelo sentimento de orgulho de ser protestante ao ouvir a Marselhesa da Reforma.
Quando eu era pequeno os católicos para mim eram a face de Satanás na terra, não era para menos vivíamos uma guerra religiosa com eles, as nossas igrejas eram apedrejadas continuamente e não podíamos comprar nas mercearias dos bons católicos, pois éramos hereges. Um dia de domingo voltando da Escola Dominical eu e meus irmãos recebemos no meio da rua alguns livrinhos de catecismo das mãos de um padre, não sei qual a intenção dele, só sei que quando chegamos em casa os livrinhos foram confiscados por minha mãe e viraram cinzas antes mesmo que entendêssemos o que se passava. Na rápida olhada que dera, só tinha algumas imagens inocentes, nada demais. O nosso ódio pelo catolicismo era tanto que quando algum de nós era flagrado cantando música secular (contive o ímpeto de colocar mundana, pois assim abriria a hipótese de música extraterrena e isso seria assustador), alertávamos: - Vou dizer à mainha que você está cantando música do padre!
Eu era presbiteriano, mas minha mãe me matriculou numa escola paroquial católica, confusão na certa, eu não gostava das rezas e dos obrigatórios Ave Maria e Salve Rainha, costumava ficar em pé, mas não movia um dedo, até que me revoltei e um dia me escondi no guarda roupa para não ir para a escola, quando minha mãe descobriu, antes que me desse uma sova, expliquei que não queria rezar na escola, ela foi até lá e recebeu da diretora a promessa que eu jamais seria forçado a rezar, então eu tinha a autorização para não rezar, ficava sentado, calado e de cabeça baixa, a vergonha de ser diferente tornou-se em orgulho por ser diferente. Desde então passei a entender de fato o que era ser protestante.
Tive uma formação doutrinária conservadora, mesmo vivendo o auge do pentecostalismo desconhecia as manifestações espirituais desta tradição cristã. Ainda que a minha adolescência tenha passado por uma igreja que aceitava essa doutrina, ao entrar no seminário, passei a considerar as manifestações como fruto de transtornos psicológicos e até mesmo como manifestações demoníacas, não considerava a possibilidade de que algumas delas, ainda que em número muito pequeno, fossem de fato manifestações verdadeiras e reais.
Li todos os livros que podiam me ajudar a entender a luta contra o ecumenismo, o liberalismo teológico e o modernismo, temas que aliados ao comunismo eram diuturnamente combatidos no seminário e na igreja. Fui aluno de grandes luminares fundamentalistas de então, que lutavam contra o modernismo e o liberalismo, mas esqueciam de lutar contra suas próprias fraquezas sexuais, que levaram a maioria deles a cometer pecado de adultério e alguns até de pedofilia e pederastia. Isso sem contar a soberba espiritual e o orgulho doutrinário que dominavam aqueles que não cometiam adultério, achavam-se a Arca de Noé do século XX. Tinha um jornal chamado Presbiteriano Bíblico, que não tinha nada de presbiteriano e nem de bíblico, era apenas para destilar fel e ódio em cima daqueles que não se enquadravam, boa parte dos meus ícones à época eram escrachados ali: Robinson Cavalcanti, Caio Fábio, Leonardo Boff, Karl Barth, Rubem Alves, João Dias, etc.
A primeira vez que ousei dizer que o pré-milenismo dispensacionalista poderia não ser a corrente escatológica mais correta e que o dom de línguas poderia ser contemporâneo, quase fui parar na fogueira. Passei a ser chamado de liberal. Ocorre que eu estava dando um estudo numa igreja, eu ficara responsável pelo culto de doutrina, dia em que afora o domingo a igreja tinha mais gente, preparei então estudos sobre a posição escatológica da igreja, durante as apresentações eu me dei conta que não poderia crer naquilo, era especulativo e não tinha base bíblica, terminei o estudo que já tinha começado sem dizer que não cria no que tinha explanado. Porém no seminário onde estudava eu disse numa aula de Escatologia que se tinha que crer em alguma coisa no que diz respeito à vinda de Jesus, melhor seria na opção da negativa do Milênio, o termo é muito estranho e contraditório, mas era a única opção viável, a conhecida como amilenismo, por não ter algo mais factível para crer, eu era aluno do segundo ano, quase fui linchado pelos colegas e pelos professores que desde aquele momento passaram em todas as aulas a me ridicularizar e a fazer objeção às minhas convicções, tive que trancar algumas cadeiras e no fim do ano, mudei de seminário. Descobri que ser diferente entre católicos ou protestantes dava no mesmo, sempre seria perseguido.
O fato de ler abertamente Barth, Boff, Rubem Alves (e às escondidas Tillich e Bultmann) me deixou com o estigma de liberal. Nessa época entendi que a opção política do Comunismo teórico era a que estava mais perto do evangelho de Jesus, não aquilo que a Rússia, Romênia e Albânia viveram, mas aquilo que está nos escritos dos primeiros teóricos, quase fui linchado de novo. O fato de não votar em Collor em 1989 me deixou em maus lençóis (eu não votei no Lula no Primeiro Turno, votei no, à época, comunista Roberto Freire), engraçado que depois de alguns meses os mesmos que votaram nelle foram para as ruas comigo, protestar contra. Nessa época então eu me tornei liberal e comunista e nas horas vagas era seminarista e professor de Escola Dominical, nada mais paradoxal.
Tive um professor, muito conhecido hoje no país todo, que ministrou exegese de 1º Coríntios, era conservador, fundamentalista e defensor do exercício anacrônico do modus vivendi dos puritanos de três séculos atrás como norma para hoje, ele não conseguia conviver com alguém que pensasse diferente dele, era intolerante. Um dia os alunos me pediram que falasse com ele para trocar uma professora que não ministrava aulas muito bem, fiz isso, era representante da turma, ele então me pediu que fizesse um abaixo assinado para ser encaminhado ao conselho do seminário, do qual ele era diretor, depois de alguns dias soube que ele propôs no conselho que eu fosse expulso, pois eu tinha feito um documento pedindo a exoneração de uma professora, todos os alunos retiraram as assinaturas, eu por ser coerente mantive a minha e quase fui expulso, até hoje quando vejo livros desse pastor ou o vejo na televisão pregando tenho que me policiar para não ser tão intolerante, pois tenho que acreditar que até alguém que agiu como um hipócrita, como ele agiu, pode corrigir-se.
Às vezes quando dava aula nos seminário e demonstrava meu barthianismo quando dizia que a Bíblia se tornava a Palavra de Deus e questionava os muitos mitos bíblicos e as muitas sagas, eu acabava entrando para as listas de oração dos alunos “piedosos” que intercediam por minha salvação. Fui professor de história da Igreja e de Israel, procurava aguçar mais a mente dos alunos do que repassar lições prontas, mas não era essa a moda e eu me dava mal por isso.
Quase fui expulso de uma sala de aula numa pós-graduação, num seminário que meus outrora amigos fundamentalistas chamavam de modernista, apenas pelo fato de ventilar a hipótese que Moisés poderia não ter escrito o Pentateuco todo, achei que teria que passar por um Auto de Fé.
Um dia, quando todas as portas se fecharam, quando eu não via caminhos eclesiásticos que pudessem ser os meus caminhos, fui em direção ao anglicanismo, cheio de ritos e de tradições que eu antes considerava sem sentido e anacrônicos, no mínimo deveriam ter sido abolidos na Reforma, cria eu.
Mas pude receber amor, compreensão e me sentir de fato acolhido. Ser diferente ali era a regra e não a exceção, lógico que sempre aparece alguém para estragar a harmonia, mas o ideal de tolerância já plantado sobrevive, creio que por ser um dos sinais do estabelecimento do Reino de Deus. Às vezes eu parava para pensar e via que eu era tão normal comparado com aqueles irmãos, que não consegui imaginar a causa de ter sido repudiado pelos conservadores, de uma coisa eu sei: a comunidade, mais parecida com a caverna de Adulão, aprendeu a viver os ensinamentos de Jesus: - Vinde a mim, todo os que estais cansados e sobrecarregados e eu vos aliviarei.
Num fim de ano qualquer, numa celebração do Advento, estava eu com uma comunidade de católicos ao lado de um padre malgaxe celebrando o nascimento de Jesus entre irmãos, uma moça, membro daquela comunidade católica, fez uma Proclamação do Evangelho cantada, até hoje eu ouço a ressonância daqueles versos bíblicos cantados por ela, talvez seja o que Philip Yancey, outro fundamentalista resgatado, chama de “rumores do outro mundo”.
Continuo calvinista, protestante e amilenista, só que um pouco mais do que era, só para citar alguns dos meus rótulos, mas aprendi que o Reino de Deus se estabelece quando pessoas com opiniões diferentes e com histórias de vida tão dispares se encontram e celebram o Ágape no amor incondicional de Abba.
Aqui vai mais uma confissão, talvez a mais difícil de fazer e a que pode me trazer mais problemas, pois se não for corretamente compreendida poderei sofrer mais críticas do que deveria: Não gosto do Natal!
De antemão vou fazer logo uma advertência para que não haja mal-entendidos: Não sou como alguns fundamentalistas modernos que dizem ser o Natal uma festa que nasceu do paganismo romano do Sol Invicto, por isso a mesma não deve ser comemorada, não pelo contrário, creio que deve ser comemorada sim. Sei da origem da festa e sei dos motivos que levaram a igreja em busca de sobrevivência a fixar a data do aniversário de Jesus em 25 de dezembro, mas isso não ofusca a verdade que o nascimento do Rei do Universo deve ser celebrado, se em dezembro como os cristãos ocidentais o fazem, se em janeiro como celebram os orientais ou se em fevereiro como querem outros, não importa, contanto que seja celebrado e repassado às novas gerações.
Para mim basta apenas ver os comerciais na televisão, com aquelas músicas melodiosas e aqueles atores com “cara de Natal” e a decoração luminosa e avermelhada das lojas para que tudo comece de novo, o mesmo sentimento de tristeza profundo, parafraseando Mackenzie (Vide A Cabana de Wiliam Young. Ed. Thomas Nelson) diria que neste período a “Grande Tristeza” se apossa de mim, não me sinto bem quando ele se aproxima, sou tomado de uma estranha melancolia, de uma tristeza profunda, fico inexplicavelmente depressivo. Até mesmo Mister Bean, consegue me deprimir com um quadro em que celebra o Natal.
Um dia estava em Brasília fazendo um treinamento na empresa que trabalhava. O hotel que estava hospedado ficava ao lado de um dos maiores shoppings da capital federal, eu jantava lá todas as noites, fui como sempre fazia, mas ao adentrar o recinto, aquela música triste e uma enorme, não era grande, era enorme, árvore de Natal com mais de 20 metros de altura me causou um impacto tão grande que voltei para o hotel para não chorar, além do clima, eu estava só e longe de casa, combinação perfeita para uma depressão prolongada.
Mas não é apenas ojeriza à paganização comercial do Natal não! Sinto resistência até mesmo a certos ritos eclesiásticos na tradição litúrgica, que no geral me é apaixonante. Não consigo ver o Círio da Coroa do Advento sendo aceso que já fico com vontade de chorar. Os cânticos de Natal que me emocionavam na infância hoje me fazem ficar triste, não consigo mais ouvir: “Ah um anjo proclamou o primeiro Natal...” e “Noite de Paz, noite de amor...”. “Jingle Bells” nem pensar! E ainda tem a “santa hipocrisia” que toma conta de todo mundo, que alguns chamam de “Espírito do Natal”, eu pelo menos acho que é uma forma de justificar a súbita mudança de relacionamento entre as pessoas que mal se falam ou que se odeiam, para que no outro dia, tudo volte a ser como era, não há transformação, apenas uma pausa, algo como a “Paz de Deus” para calar a consciência e deixar-nos com o sentimento do dever cumprido. E para meu espanto, isso é estimulado pela mídia, pela sociedade e até mesmo pela igreja.
Não quero parecer um iconoclasta fanático iniciando uma batalha quixotesca, mas eu também não gosto de Papai Noel, acho que é uma metáfora capitalista, e como tudo que gira em torno do comércio é uma metáfora excludente, pois quantas crianças que acreditam neste “bom” velhinho nunca receberam e nunca receberão presente algum? Ficava pensando que se Papai Noel dependesse de uma chaminé para entrar na minha casa, ele passaria o resto da eternidade lá fora, não só na minha casa como em milhões de residências no hemisfério sul, mormente nos países tropicais onde as casas não são providas de lareira, lá em casa só tinha fogão à lenha e se ele tentasse entrar por lá decerto que se daria muito mal. Mas em compensação ele não teria frio, pois no sertão paraibano, onde nasci, que eu saiba nunca nevou, pelo menos ainda não. Acho que trenó e renas não seriam adequados neste contexto, carroças e jumentos se adequariam melhor, a roupa vermelha e branca e aquela longa barba que moldura uma tez rósea também não seria bem vindas, um belo chapéu de couro e um gibão num velho com a pele queimada seria um personagem mais aceitável, mais real. Agora imagine como deveria ser o Papai Noel da África! Acho que essa metáfora do Papai Noel caucasiano é para o norte frio, capitalista e de religiosidade vaga e descomprometida com muito de paganismo misturado. E ainda tem o quesito insegurança, quem não chamaria a polícia se acordasse com alguém na sala com um saco nas costas? Pode ter certeza que na minha casa ele levaria umas boas “cabadas” de vassoura antes de dizer quem era.
A perda da crença em Papai Noel se deu logo muito cedo, não tanto por questões de fé, mas sim porque meus pais nunca acertavam o meu pedido ao velhinho, era sempre o presente errado. Prometi a mim mesmo que se um dia fosse pai eu nunca permitiria que meus filhos pensassem que um velho qualquer lhes deu presente, e sim que eu mesmo trabalhei e com meu esforço comprei algo para comemorarmos o nascimento de Jesus. Fui muito criticado por isso, diziam que eu tolhia a imaginação de minha filha, mas nunca valorizei muito esta crítica, pois não só contava estórias de ficção e de contos de fadas para ela, como a abasteci de filmes e livros dos mesmos gêneros que alimentaram bastante a sua profícua e fértil mente.
E ainda tinha mais um problema: eu não podia ser considerado pelos parâmetros sociais como um “bom garoto”, então não adiantaria mesmo esperar por Papai Noel, melhor seria que ele não existisse mesmo. A minha tendência de não se adequar, de ser inquieto, ou de ser, como diziam meus familiares, “impulsivo” não me colocava no topo da lista do Papai Noel, sequer na lista eu figurava. Mas não era tão traquino assim, apenas gostava de tocar fogo em algumas coisas, ou desaparecer em solitárias e longas caminhadas em que fantasiava divertidas aventuras, ou me escondia para ler, coisas básicas que um garoto sadio fazia, nada comparado com os garotos entediados e gordos de hoje na frente de um videogame.
Também não gosto de Árvore de Natal, um lindo pinheiro verde, com neve caindo em cima não é uma figura real para quem nasceu num sitio no sertão paraibano, acostumado com Algaroba e Avelós e quem nem sabia o que era neve, a única coisa que tinha ouvido falar foi que um dia “choveu pedras” na sua cidade há muito tempo, uma alusão à chuva de granizos por alguma mudança climática que não se repetiu. Certa vez vi numa igreja uma árvore ressequida, sem folhas, tentando parecer uma árvore de Natal contextualizada, poderia até ter conseguido, se não fossem os “capuchos” de algodão sobre a mesma querendo parecer neve.
Não consigo aceitar estas duas figuras dentro de uma igreja, acho que desvirtuam, desfocam e encobrem o verdadeiro sentido da festa. Concordo que num shopping elas caem bem para o que o comércio se propõe, mas numa igreja?
Mas nem sempre o Natal significou tristeza para mim, nem sempre foi assim, lembro-me com nostalgia de minha mãe arrumando a casa, pintávamos a casa toda por volta de novembro e às vezes no começo de dezembro, o cheiro da tinta de látex até hoje me lembra as festas natalinas. A árvore sendo arrumada na sala, as cortinas novas, o long-play tocando na radiola as músicas da ocasião, o cheiro do galeto ou do peru sendo assado, o champanhe, uma das duas ocasiões em que tomávamos um drinque, a outra era o réveillon, e a roupa nova para irmos à igreja para o culto de Natal, onde receberíamos presentes e encenaríamos alguma peça ou mesmo cantaríamos no coro infantil. Os preparativos que antecediam as festividades já preparavam meu espírito para o grande dia, os ensaios na igreja, a arrumação e pintura da mesma, tudo levava a crer que aquele seria “o Natal”.
Procuro avaliar o passado e não encontro nada que possa explicar o fato de não gostar mais do Natal, não encontro o ano em que isso mudou, não encontro o motivo. Talvez estes dois fatos ajudem a explicar o que considero inexplicável, talvez:
Uma vez fui convidado junto com outros garotos a participar das peças de Natal, ponto alto na programação da nossa igreja, os garotos mais altos foram colocados para serem os Reis Magos, eu e outros dois, inclusive um dos filhos do pastor da igreja, por sermos menores fomos chamados para sermos pastores de ovelhas, é lógico que eu não iria, meu irmão era rei e eu lá iria ser apenas pastor? Foi uma dificuldade para nos convencerem a atuar, e só os fizemos com o aumento do nosso cachê, ou melhor, do nosso status, passamos a ser “reis gordos”, pelo menos foi isso o que nos disseram e eu como não sabia que não existia essa classe no nascimento de Jesus, aceitei de bom grado a mentira “pia” que me contaram.
Num outro Natal muito distante ganhei um presente na igreja, um carrinho de brinquedo, não muito diferente da maioria, mas pouco importava, pois não existiam ainda os brinquedos eletrônicos que nem fascinam mais as crianças entediadas de hoje.
Só me lembro que no trajeto para casa, após o culto de Natal, tinha que atravessar uma ponte de madeira sobre um córrego, ela não tinha proteção lateral. Não sei se foi o vento, ou minhas pernas que tropeçaram, lembro apenas do brinquedo caindo na água. Era noite e nem sequer dava para tentar resgatar o presente que nem tempo tivera de senti-lo meu. Pode parecer trágico ou mesmo cômico, mas quando li o conto de Flannery O’Connor sobre Ruller e o peru, me identifiquei imediatamente com o mesmo, acho que eu era um Ruller paraibano, tão inadequado quanto ele. Se eu tivesse conhecido esse conto antes!
Foi o Natal mais curto de minha vida, talvez tenha sido o último.
Se eu não estivesse escrevendo esta série de Confissões de umex-pastor, daria, creio eu, acertadamente o título para este monólogo de: Os leprosos modernos e os fariseus de sempre!
Antes de tudo, se faz necessário um alerta, para que não ocorram mal-entendidos: os termos leproso e fariseu estão sendo usados como metáforas. Não exerço nenhum juízo de valor quando os utilizo.
Consta num dos livros mais esquisitos do Primeiro Testamento, Levíticos, o livro que eu mais encontrei dificuldades para ler da Bíblia, até mesmo mais que Apocalipse, as regras para tratar cerimonialmente, e socialmente, um caso de lepra na família e na comunidade(13:45 e 46), a Lei mosaica era rígida e impiedosa: o leproso deveria morar fora da cidade mantendo uma distância de seis passos de outras pessoas e usar roupas de acompanhantes de enterro, a lepra tornava a pessoa cerimonialmente impura, que era excluída do acampamento hebreu, e por conta disso era considerada também alijada da presença de Deus, já que se considerava a reunião no Templo (Tabernáculo) como a única forma legítima de estar na presença de Deus. A preocupação com esta doença e que justificaria todo este tratamento, reflete em Salmo 91:6, onde o salmista canta: "... nem a peste que se propaga nas trevas...", ou no dizer da NVI: "... nem a peste que se move sorrateiramente nas trevas...", cria-se que a lepra era contagiosa à noite, por isso que deveriam afastar-se, o povo de Deus não poderia ter doenças que deformassem o corpo, qualquer deformidade o afastava do Santuário e da possibilidade de oficiar, eram rigorosos, mas a questão era de sobrevivência, hoje isso é compreendido e aceitável.
A Lei Mosaica caducou, a Graça instalou-se, ou pelo menos tem se esforçado, pois não é bem vinda ainda na igreja moderna. Existem muitos fariseus (não estou usando em sentido pejorativo este termo) e doutores da Lei, gente íntegra, cumpridora da Lei, obediente a todos os mandamentos bíblicos e que não satisfeita com isso ainda acrescenta alguns por conta própria, que não é hipócrita, mas de uma espiritualidade doentia, gente que não consegue ter misericórdia, gente que conhece a Graça apenas como um verbete do dicionário.
O caso que eu vou relatar é uma ilustração disso, não quero que seja tomado como crítica, não quero ser impiedoso, a única razão de usá-lo é como um exemplo, não julgo as ações de ninguém. Anos atrás eu tinha um grande amigo, foi meu professor de Homilética no seminário, gostava tanto dele que pedi para ir para sua igreja, queria ajudá-lo, mas queria aprender com ele, assim tornou-se também meu pastor, quando ele saiu para ser pastor de uma igreja maior eu fiquei, ainda seminarista, dando assistência à igreja, ele me orientava e muito. Quando ainda era pastor da igreja pequena orávamos muito juntos, líamos a Bíblia e outros livros juntos, chorávamos juntos, recomendávamos livros um ao outro. Um dia intermediei a reunião dele com o presidente de um presbitério, a intenção era que a igreja dele que era separatista voltasse ao seio da igreja mãe, o que de fato pouco tempo depois concretizou-se, passando o mesmo posteriormente a exercer cargos de destaque na denominação. Tudo isso durou até o dia em que revelei a minha face pecadora e meu caráter com grandes falhas e inconsistências. Não era mais chamado de "varão" e nem de "abençoado" quando o encontrava, apenas leve contato e distantes e "frouxos" apertos de mão, dizem os mais antigos que um homem é conhecido pela força ou a forma que aperta a mão de outro, nada mais de abraços, nada mais de tapinhas nas costas.
Eu estava em um Shopping de Recife há meses atrás, numa tarde de sábado, solitário, deprimido e triste em meio à multidão que alheia à minha condição comprava, comprava e comprava naquele templo do deus Mamom, ao passar num corredor deparei-me com este pastor abraçado à esposa defronte à vidraça de uma loja, fiquei feliz ao ver aquele homem de Deus, alguém que sempre julguei piedoso, e continuo crendo nisto ainda hoje, grande orador, sempre fez sermões de três pontos de forma invejável, metódico como pastor e um bom professor sempre disposto a aprender, uma das suas maiores características sempre foi a humildade e o espírito de serviço. Ele me olhou de soslaio e virou o rosto, fez de conta que não me viu, acredito que não queria ser visto num lugar público falando com um leproso espiritual como eu, acho que minhas deformidades estavam tão acentuadas que devem ter causado repulsa aos olhos sensíveis e sinceros do meu amado amigo. Para não envergonhá-lo e deixá-lo constrangido eu me afastei, fiquei com piedade dele, talvez eu o deixasse em maus lençóis com a esposa, que o acompanhava, se o abordasse, não quis forçá-lo a falar com um leproso, levei a minha lepra para longe, eu não queria contaminá-lo.
Philip Yancey descreve em A Dádiva da dor e em Alma sobrevivente, ainda que neste último de forma resumida, a história do médico Paul Brand, que abandonou o luxo e a fama para tratar de leprosos em regiões paupérrimas da Índia, algo que me chamou à atenção naquela brilhante biografia foi o caso de um homem que estava num estágio avançado de lepra, rejeitado pela família, pela sociedade e por muitos centros de saúde, foi tentar a sorte derradeira no hospital do Dr. Brand, ao ser examinado por este, começou a chorar, o médico ficou assustado e perguntou à enfermeira que servia de intérprete se estava machucando sem querer o rapaz, a resposta que recebeu foi que o choro se devia ao fato de que aquele homem havia esquecido o toque humano, e estava emocionado por estar sendo tocado pelo Dr. Brand.
Eu me senti naquele dia como um leproso, num grau tão elevado de infecção, que esconderam até o rosto de mim, por medo de contaminação. Sei que minhas falhas de caráter são um grave desapontamento a Deus, que mesmo assim me ama, sei também que são um grave desapontamento à igreja, que não consegue amar pecadores como eu. Só os perfeitos são amados, só os bonzinhos são queridos, eu não sou nenhuma coisa e nem outra. Quando reencontrar meu amigo nos longos e iluminados corredores do Palácio de Abba, não o deixarei esconder o rosto outra vez, até porque minha lepra ficará por aqui mesmo, darei um grande abraço e beijarei sua face, feliz por estarmos juntos no único lugar onde não vale o que somos ou o que fomos, o que vale e valerá para sempre é a sombra de uma cruz (e tudo o mais que ela representa) num monte empoeirado na antiga Jerusalém. Neste dia muitos de nós descobriremos que a mania pela perfeição, a intolerância e o desprezo aos imperfeitos não foi o evangelho que Abba mandou que pregássemos.
Espero que um dia, quando o Rei mandar me buscar e me chamar para sentar à mesa, aqueles que torceram o rosto para mim, sejam mais tolerantes, pois como Mefibosete, sou aleijado cheio de defeitos, o manto púrpura sobre os meus ombros não modifica meus defeitos, apenas os encobre, mas não os conserta de vez, mesmo assim o Rei mandou me buscar, e segundo a Sua própria palavra: "... para que eu use de misericórdia (bondade)...". Um dia eu sei que dirão, Jocelenilton, coxo de caráter de ambos os pés, morava em Jerusalém, porquanto comia à mesa com o Rei, e isto bastará como epitáfio para minha lápide: Comia à mesa com o Rei.
Uma prece: Sou um Maltrapilho Abba! Permita que eu ame e compreenda àqueles que não conseguem me amar por eu ser um pecador, não permita que tenha raiva e nem ressentimento, permita, que eu possa tocar naqueles que estão na mesma condição que eu, precisando de um amigo, de um abraço e de um apoio, me ajude a aceitar às falhas dos maltrapilhos desprezados como eu, e que aqueles que têm saúde espiritual, possam continuar sãos, ainda que desviem os olhos de mim. Sustenta-os, protege-os, fortaleça-os.
Rabia, uma mística islã que viveu por volta dos anos 800 d.C. define por meio de uma petição dirigida a Alá a essência de um verdadeiro relacionamento com Deus:
Se eu Te adorar por medo do inferno,
Queima-me no Inferno.
Se eu Te adorar pelo Paraíso,
Exclua-me do Paraíso.
Mas, se eu Te adorar pelo o que Tú és,
Não escondas de mim a Tua face.
Essa declaração, que muitos cristãos estão dispostos a elogiar, mas bem poucos a pronunciar com sinceridade, sintetiza o ideal de uma verdadeira adoração, de um sincero relacionamento com Deus. À guisa de exemplo podemos ver que um músico brasileiro expõe essa frase no verso do CD e do DVD, porém, por incrível que possa parecer, todas as músicas são triunfalistas, de teologia de restituição e pós-teologia da prosperidade.
A nossa maneira pós-moderna de viver nos leva a achar mais fácil amar a Deus ou por medo ou pelo o que Ele pode dar, inclusive a vida eterna, difícil amá-lo pelo o que Ele é, apenas por isso. Incrível como uma mística de uma tradição anti-cristã(muçulmana) pode ter uma visão relacional com Deus com uma profundidade maior que muitas tradições que se dizem cristãs. Nesse evangelho que nem é moderno, nem pós-moderno, mas sim medieval com todas as superstições e fetiches de então, a relação com Deus é sempre na base da troca, trocar adoração por benção, obediência por salvação, amor por bem-estar. Uma pena que vivamos assim, até mesmo de forma inconsciente. Não conseguimos mais olhar para as práticas cúlticas sem arrepiar o cabelo, para as músicas cantadas na igreja moderna, parecem mais um mantra de troca com Deus: Eu te adoro para que me abençoes. Parece que Deus é um coitadinho que não tem adoradores, aí aparece um crente bonzinho e propõe a Deus uma relação de mútuo benefício: - Bom eu te adoro, agora...
E ainda tem gente que acha que a igreja não precisa de reforma. Que saudade de Lutero, Zwínglio e Calvino. Ouço as músicas triunfalistas de hoje em dia e me arrepio, pois quão distantes estão do Evangelho Maltrapilho anunciado por Jesus. É gente que anda por sobre o mar, é gente que só vive no cume dos montes, é gente que tem fartura, gente que prospera, gente que só vence. Não consigo me ver nesse meio, não consigo cantar essas músicas, não consigo dizer amém a algumas orações que ouço.
Tem um pastor que se credita tantos méritos que escala anjos ao seu lado, como Dunga escala a zaga da seleção brasileira, seria risível, se não fosse um motivo de ojeriza por ser tão trágico, é um vilipêndio à teologia sadia. Outros mais parecem camelôs vendendo seus produtos. É uma vergonha, me recolho e penso que este não é o evangelho de Jesus.
Prefiro a companhia de Maltrapilhos, prefiro os desajustados como eu, prefiro a companhia dos insatisfeitos, dos desprezados, prefiro ir para igrejas em que seja proibida a entrada de pessoas perfeitas, junto com os párias eu me sinto junto com meus semelhantes, eu me sinto em casa, junto aos pequeninos de Abba, eu sinto que sou bem-aventurado.
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