Aqui vai mais uma confissão, talvez a mais difícil de fazer e a que pode me trazer mais problemas, pois se não for corretamente compreendida poderei sofrer mais críticas do que deveria: Não gosto do Natal!
De antemão vou fazer logo uma advertência para que não haja mal-entendidos: Não sou como alguns fundamentalistas modernos que dizem ser o Natal uma festa que nasceu do paganismo romano do Sol Invicto, por isso a mesma não deve ser comemorada, não pelo contrário, creio que deve ser comemorada sim. Sei da origem da festa e sei dos motivos que levaram a igreja em busca de sobrevivência a fixar a data do aniversário de Jesus em 25 de dezembro, mas isso não ofusca a verdade que o nascimento do Rei do Universo deve ser celebrado, se em dezembro como os cristãos ocidentais o fazem, se em janeiro como celebram os orientais ou se em fevereiro como querem outros, não importa, contanto que seja celebrado e repassado às novas gerações.
Para mim basta apenas ver os comerciais na televisão, com aquelas músicas melodiosas e aqueles atores com “cara de Natal” e a decoração luminosa e avermelhada das lojas para que tudo comece de novo, o mesmo sentimento de tristeza profundo, parafraseando Mackenzie (Vide A Cabana de Wiliam Young. Ed. Thomas Nelson) diria que neste período a “Grande Tristeza” se apossa de mim, não me sinto bem quando ele se aproxima, sou tomado de uma estranha melancolia, de uma tristeza profunda, fico inexplicavelmente depressivo. Até mesmo Mister Bean, consegue me deprimir com um quadro em que celebra o Natal.
Um dia estava em Brasília fazendo um treinamento na empresa que trabalhava. O hotel que estava hospedado ficava ao lado de um dos maiores shoppings da capital federal, eu jantava lá todas as noites, fui como sempre fazia, mas ao adentrar o recinto, aquela música triste e uma enorme, não era grande, era enorme, árvore de Natal com mais de 20 metros de altura me causou um impacto tão grande que voltei para o hotel para não chorar, além do clima, eu estava só e longe de casa, combinação perfeita para uma depressão prolongada.
Mas não é apenas ojeriza à paganização comercial do Natal não! Sinto resistência até mesmo a certos ritos eclesiásticos na tradição litúrgica, que no geral me é apaixonante. Não consigo ver o Círio da Coroa do Advento sendo aceso que já fico com vontade de chorar. Os cânticos de Natal que me emocionavam na infância hoje me fazem ficar triste, não consigo mais ouvir: “Ah um anjo proclamou o primeiro Natal...” e “Noite de Paz, noite de amor...”. “Jingle Bells” nem pensar! E ainda tem a “santa hipocrisia” que toma conta de todo mundo, que alguns chamam de “Espírito do Natal”, eu pelo menos acho que é uma forma de justificar a súbita mudança de relacionamento entre as pessoas que mal se falam ou que se odeiam, para que no outro dia, tudo volte a ser como era, não há transformação, apenas uma pausa, algo como a “Paz de Deus” para calar a consciência e deixar-nos com o sentimento do dever cumprido. E para meu espanto, isso é estimulado pela mídia, pela sociedade e até mesmo pela igreja.
Não quero parecer um iconoclasta fanático iniciando uma batalha quixotesca, mas eu também não gosto de Papai Noel, acho que é uma metáfora capitalista, e como tudo que gira em torno do comércio é uma metáfora excludente, pois quantas crianças que acreditam neste “bom” velhinho nunca receberam e nunca receberão presente algum? Ficava pensando que se Papai Noel dependesse de uma chaminé para entrar na minha casa, ele passaria o resto da eternidade lá fora, não só na minha casa como em milhões de residências no hemisfério sul, mormente nos países tropicais onde as casas não são providas de lareira, lá em casa só tinha fogão à lenha e se ele tentasse entrar por lá decerto que se daria muito mal. Mas em compensação ele não teria frio, pois no sertão paraibano, onde nasci, que eu saiba nunca nevou, pelo menos ainda não. Acho que trenó e renas não seriam adequados neste contexto, carroças e jumentos se adequariam melhor, a roupa vermelha e branca e aquela longa barba que moldura uma tez rósea também não seria bem vindas, um belo chapéu de couro e um gibão num velho com a pele queimada seria um personagem mais aceitável, mais real. Agora imagine como deveria ser o Papai Noel da África! Acho que essa metáfora do Papai Noel caucasiano é para o norte frio, capitalista e de religiosidade vaga e descomprometida com muito de paganismo misturado. E ainda tem o quesito insegurança, quem não chamaria a polícia se acordasse com alguém na sala com um saco nas costas? Pode ter certeza que na minha casa ele levaria umas boas “cabadas” de vassoura antes de dizer quem era.
A perda da crença em Papai Noel se deu logo muito cedo, não tanto por questões de fé, mas sim porque meus pais nunca acertavam o meu pedido ao velhinho, era sempre o presente errado. Prometi a mim mesmo que se um dia fosse pai eu nunca permitiria que meus filhos pensassem que um velho qualquer lhes deu presente, e sim que eu mesmo trabalhei e com meu esforço comprei algo para comemorarmos o nascimento de Jesus. Fui muito criticado por isso, diziam que eu tolhia a imaginação de minha filha, mas nunca valorizei muito esta crítica, pois não só contava estórias de ficção e de contos de fadas para ela, como a abasteci de filmes e livros dos mesmos gêneros que alimentaram bastante a sua profícua e fértil mente.
E ainda tinha mais um problema: eu não podia ser considerado pelos parâmetros sociais como um “bom garoto”, então não adiantaria mesmo esperar por Papai Noel, melhor seria que ele não existisse mesmo. A minha tendência de não se adequar, de ser inquieto, ou de ser, como diziam meus familiares, “impulsivo” não me colocava no topo da lista do Papai Noel, sequer na lista eu figurava. Mas não era tão traquino assim, apenas gostava de tocar fogo em algumas coisas, ou desaparecer em solitárias e longas caminhadas em que fantasiava divertidas aventuras, ou me escondia para ler, coisas básicas que um garoto sadio fazia, nada comparado com os garotos entediados e gordos de hoje na frente de um videogame.
Também não gosto de Árvore de Natal, um lindo pinheiro verde, com neve caindo em cima não é uma figura real para quem nasceu num sitio no sertão paraibano, acostumado com Algaroba e Avelós e quem nem sabia o que era neve, a única coisa que tinha ouvido falar foi que um dia “choveu pedras” na sua cidade há muito tempo, uma alusão à chuva de granizos por alguma mudança climática que não se repetiu. Certa vez vi numa igreja uma árvore ressequida, sem folhas, tentando parecer uma árvore de Natal contextualizada, poderia até ter conseguido, se não fossem os “capuchos” de algodão sobre a mesma querendo parecer neve.
Não consigo aceitar estas duas figuras dentro de uma igreja, acho que desvirtuam, desfocam e encobrem o verdadeiro sentido da festa. Concordo que num shopping elas caem bem para o que o comércio se propõe, mas numa igreja?
Mas nem sempre o Natal significou tristeza para mim, nem sempre foi assim, lembro-me com nostalgia de minha mãe arrumando a casa, pintávamos a casa toda por volta de novembro e às vezes no começo de dezembro, o cheiro da tinta de látex até hoje me lembra as festas natalinas. A árvore sendo arrumada na sala, as cortinas novas, o long-play tocando na radiola as músicas da ocasião, o cheiro do galeto ou do peru sendo assado, o champanhe, uma das duas ocasiões em que tomávamos um drinque, a outra era o réveillon, e a roupa nova para irmos à igreja para o culto de Natal, onde receberíamos presentes e encenaríamos alguma peça ou mesmo cantaríamos no coro infantil. Os preparativos que antecediam as festividades já preparavam meu espírito para o grande dia, os ensaios na igreja, a arrumação e pintura da mesma, tudo levava a crer que aquele seria “o Natal”.
Procuro avaliar o passado e não encontro nada que possa explicar o fato de não gostar mais do Natal, não encontro o ano em que isso mudou, não encontro o motivo. Talvez estes dois fatos ajudem a explicar o que considero inexplicável, talvez:
Uma vez fui convidado junto com outros garotos a participar das peças de Natal, ponto alto na programação da nossa igreja, os garotos mais altos foram colocados para serem os Reis Magos, eu e outros dois, inclusive um dos filhos do pastor da igreja, por sermos menores fomos chamados para sermos pastores de ovelhas, é lógico que eu não iria, meu irmão era rei e eu lá iria ser apenas pastor? Foi uma dificuldade para nos convencerem a atuar, e só os fizemos com o aumento do nosso cachê, ou melhor, do nosso status, passamos a ser “reis gordos”, pelo menos foi isso o que nos disseram e eu como não sabia que não existia essa classe no nascimento de Jesus, aceitei de bom grado a mentira “pia” que me contaram.
Num outro Natal muito distante ganhei um presente na igreja, um carrinho de brinquedo, não muito diferente da maioria, mas pouco importava, pois não existiam ainda os brinquedos eletrônicos que nem fascinam mais as crianças entediadas de hoje.
Só me lembro que no trajeto para casa, após o culto de Natal, tinha que atravessar uma ponte de madeira sobre um córrego, ela não tinha proteção lateral. Não sei se foi o vento, ou minhas pernas que tropeçaram, lembro apenas do brinquedo caindo na água. Era noite e nem sequer dava para tentar resgatar o presente que nem tempo tivera de senti-lo meu. Pode parecer trágico ou mesmo cômico, mas quando li o conto de Flannery O’Connor sobre Ruller e o peru, me identifiquei imediatamente com o mesmo, acho que eu era um Ruller paraibano, tão inadequado quanto ele. Se eu tivesse conhecido esse conto antes!
Foi o Natal mais curto de minha vida, talvez tenha sido o último.
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