Quando secar o rio de minha infância,
secará toda dor.
Quando os regatos límpidos de meu ser secarem, minh’alma perderá sua força.
Buscarei, então, pastagens distantes
Irei onde o ódio não tem teto para repousar.
Ali, erguerei uma tenda junto aos bosques.
Todas as tardes me deitarei na relva,
e nos dias silenciosos farei minha oração:
Meu eterno canto de amor: expressão pura de minha mais profunda angústia
Nos dias primaveris, colherei flores para
meu jardim da saudade.
Assim, exterminarei a lembrança de um passado sombrio.
Tito de Alencar
Paris, 12 de outubro de 1973
Paris, 12 de outubro de 1973
1973. Exilado em um convento nas colinas da vila francesa de L´Arbresle, Tito de Alencar Lima, o frei Tito, volta seu corpo frágil em direção ao vilarejo do outro lado do vale e diz ao amigo, prostrado ao seu lado: “Ouço gritos vindos de lá. São do delegado Sérgio Paranhos Fleury. Ele está torturando meus irmãos e prometeu que vai terminar pela minha mãe.” Fleury estava no Brasil, assim como a família de Tito. Mas sua voz ainda ecoava na mente do religioso. Ouvir suas ameaças não era loucura, nem paranoia, nem alucinação. Foi a maneira encontrada pelo dominicano envolvido com a resistência à ditadura de expressar a violência e a destruição psicológica sofrida durante sessões pungentes de tortura, a primeira comandada por Fleury, então do Dops, em 1969, e a segunda, pela equipe do capitão Benoni de Arruda Albernaz, da operação Bandeirantes, em 1970. Pouco menos de um ano depois, Tito, ainda sufocado pelas lembranças de terror, amarrou uma corda a um álamo, pendurou-se e morreu enforcado. Em seu quarto, seu amigo, o frade francês Xavier Plassat, o mesmo que estava com ele no momento já descrito, encontrou uma anotação: “É melhor morrer do que perder a vida”.
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