Como se formou o sionismo evangélico no Brasil



Este artigo, publicado na revista Religião & Sociedade, busca analisar o surgimento, entre grupos evangélicos brasileiros, do chamado “sionismo cristão”. Tal posicionamento pode ser entendido como argumentação religiosa que resulta em discurso e atuação política em apoio ao fortalecimento e ampliação territorial do Estado de Israel. 

Foram analisados fatores nacionais e internacionais para explicar a adoção desse tipo de posicionamento político por parte de importantes lideranças evangélicas brasileiras, especialmente nos últimos anos.

1 - A QUAL PERGUNTA A PESQUISA RESPONDE?
A questão central desse artigo é o surgimento entre grupos evangélicos brasileiros do chamado “sionismo cristão”, entendido como argumentação religiosa que resulta em discurso e atuação política em apoio ao fortalecimento e ampliação territorial do Estado de Israel. Buscamos, assim, identificar e analisar fatores nacionais e internacionais que expliquem a adoção desse tipo de posicionamento político por parte de importantes lideranças evangélicas brasileiras, especialmente nos últimos anos. Para entender essa genealogia, acessamos e discutimos livros e outras produções (vídeos, textos em sites) de autores evangélicos brasileiros que defendem o sionismo. Inicialmente expomos a literatura publicada ainda no século 20 e tentamos rastrear a difusão do sionismo cristão suas articulações nacionais e internacionais naquele contexto. A seguir procuramos identificar quem são os líderes evangélicos, que defendem o sionismo cristão e adotam práticas judaizantes no Brasil contemporâneo. Tal identificação nos conduziu à reflexão sobre o papel do turismo evangélico à Terra Santa e também do movimento chamado de NAR (New Apostolic Reformation) no surgimento de líderes sionistas cristãos no Brasil. Finalmente, refletimos sobre a incidência do governo Bolsonaro na consolidação e implementação do sionismo cristão evangélico no país. 

2 - POR QUE ISSO É RELEVANTE?
Embora o sionismo cristão seja já por muitas décadas uma força política significativa nos Estados Unidos e em certa medida na Inglaterra e em outros países europeus, não era observado no Sul Global. O êxito da empreitada sionista cristã varia não só nas articulações internas dos próprios movimentos e os vínculos dos cristãos locais com os centros irradiadores do sionismo no plano internacional (USA-Europa), mas também com as relações estabelecidas com o Estado de Israel. Entretanto os diferentes governos brasileiros, como os de outros países do “Sul”, não recebiam pressões de lideranças religiosas para apoiar Israel quando havia disputas na ONU, envolvendo esse Estado e o povo palestino. Por isso, em várias ocasiões os representantes brasileiros na ONU se opuseram à Israel e apoiaram palestinos. O sionismo cristão brasileiro, que ficará mais evidente nos últimos anos, quer reverter esse posicionamento de crítica ao Estado de Israel no plano diplomático e ir além, vide o empenho evangélico ao exigir de Bolsonaro levar a embaixada brasileira para Jerusalém. De tal forma que, a relevância do sionismo cristão também reside na sua capacidade de realizar articulações internacionais e nacionais para alcançar os objetivos que interessam ao Estado de Israel, gerando potenciais conflitos com o movimento pró palestinos no Brasil. Em termos religiosos, a importância desta reflexão encontra-se na possibilidade de ampliar a compreensão de como se concretizam essas narrativas sionistas cristãs internacionais no Brasil. Ao mesmo tempo, ajuda na percepção do tipo de adaptações teológicas, do envolvimento das lideranças e seus fiéis nessa causa e do porquê da proliferação da bandeira de Israel em eventos políticos, protestos sociais, processos eleitorais e templos evangélicos. 

3 - RESUMO DA PESQUISA
Essa pesquisa é parte de um projeto mais amplo iniciado em 2020, que está sendo realizado em equipe sob a coordenação de Paul Freston e de Joanildo Burity, com apoio da Fundaj, intitulado “O crescimento do Sionismo Cristão no Sul Global: o caso do Brasil e da Guatemala”. Esse artigo é apenas um resultado parcial baseado numa primeira etapa da pesquisa com coleta de dados no Brasil. Um dos objetivos dessa pesquisa era examinar como as ideias sionistas foram se difundindo em segmentos diferenciados do meio evangélico brasileiro a partir dos anos 60 com a ajuda das perspectivas teológicas do dispensacionalismo e foi se transformando nas décadas seguintes, gerando um ativismo político-religioso em defesa do Estado de Israel. Observou-se que, este ativismo tornou-se mais perceptível na coligação política que elegeu Jair Bolsonaro à presidência, envolvendo setores conservadores evangélicos, católicos, judeus, além de militares e liberais. As informações foram coletadas em sites e outras fontes de dados disponíveis na internet, complementadas por leituras de material de igrejas brasileiras, bibliografia e entrevistas com especialistas sobre o tema e algumas lideranças religiosas. 

4 - QUAIS FORAM AS CONCLUSÕES
O sionismo cristão não é novidade no Brasil. Há registro desse tipo de discurso já na década de 1920. Os eventos internacionais que fortaleceram o sionismo cristão, especialmente o profético, nos EUA e na Europa também tiveram seus reflexos no Brasil. No entanto, observa-se que a presença mais evidente desse discurso no espaço político brasileiro somente aparece no século 21, quando os evangélicos, além de bem mais numerosos, passaram a ter maior protagonismo na política, especialmente no legislativo. Procuramos mostrar que apesar de muito interligados, é possível distinguir o filossemitismo, da judaização e do sionismo cristão: esse último pressupõe a defesa do Estado de Israel contemporâneo. Desde o final dos anos de 1990 cresce o interesse por Israel, ora associado ao imaginário bíblico ora como um exemplo de prosperidade divina e ora na apropriação de uma estética judaica como se nota entre algumas igrejas evangélicas brasileiras, com destaque para a Igreja Universal do Reino de Deus. Salientamos a importância das viagens à Terra Santa e o contato com a Embaixada Cristã em Jerusalém na emergência do sionismo cristão no Brasil. Também, da influência do NAR, cujos Apóstolos Terra Nova, Milhomens, Itioka, Valadão são sionistas cristãos relevantes. Vale ressaltar que encontramos sionistas cristãos que não se vinculam ao NAR, como Silas Malafaia. Enfim, a posição pró Israel tende a crescer a partir de um filossemitismo e simpatia pelo povo de Deus, que e com as frequentes caravanas turísticas com líderes evangélicos à Terra Santa. 

5 - QUEM DEVERIA CONHECER SEUS RESULTADOS?
Esse tipo de dados e reflexão interessa a toda população que quer entender a importância da religião na política nacional e internacional, mas especialmente a líderes religiosos e políticos. Na academia, o texto contribui na discussão, sobre o Israel imaginário, a presença do Estado de Israel e do ativismo cristão em prol dessa nação que frequentemente se visibiliza, ora em eventos científicos, ora em publicações. As entrevistas realizadas que embasam os argumentos, representam um acervo importante para os especialistas que se debruçam na temática, pois fora do país se tem bibliografia significativa, porém são poucos os trabalhos sobre o sionismo cristão no Sul Global. O artigo tenta demonstrar como na prática setores evangélicos apropriam-se das ideias que circulam internacionalmente. Com isso, além de abraçar uma causa, eles visam conquistar a simpatia das autoridades israelenses para facilitar suas incursões turísticas na Terra Santa e conseguir que suas missões possam ser frutíferas no Oriente Médio. Mas, os dados indicam que o governo de Israel também está interessado em estimular esse tipo de sionismo no Brasil e certamente no Sul Global. Conhecer essa troca de interesses pode ser útil para setores religiosos e também diplomáticos. 

6 - REFERÊNCIAS
Carpenedo, M. (2021). Christian Zionist Religiouscapes in Brazil: Understanding Judaizing Practices and Zionist Inclinations in Brazilian Charismatic Evangelicalism. In: Social Compass 2021, Vol. 68(2) 204–217. 
Crome, A. (2018). Christian Zionism and English National Identity, 1600–1850. Palgrave Macmillan.
Freston, P. 2020 [b]). “Conclusion”. Palestra apresentada no congresso “Politics and Religion in Brazil and the Americas: Evangelical Churches and their Relations with Judaism, Zionism, Israel and the Jewish Communities”, Universidade de Haifa, 13-15 de Janeiro.
Reinke, A. Daniel (2018). O sionismo cristão e sua influência na cultura protestante brasileira. Dissertação, orientador: Wilhelm Wachholz – São Leopoldo: EST/PPG. 
Frossard, M. S. (2013). “Caminhando por terras bíblicas: religião, turismo e consumo nas caravanas evangélicas brasileiras para a Terra Santa”. (Tese) Programa de Ciências da Religião, UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora). 

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Maria das Dores Campos Machado  é professora titular e colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Pesquisadora do CNPq, Brasil. Doutora em sociologia pelo Iuperj. 
Cecília Loreto Mariz  é professora titular do Departamento de Sociologia e do PPCIS (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais) do Instituto de Ciências Sociais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Coordenadora do Grupo de Estudo do Cristianismo “Clara Mafra”. Pesquisadora do CNPq, Brasil; Doutora em Sociologia pela UNI Boston University. 
Brenda Carranza  é professora visitante do PPGHS (Programa de Pós-Graduação em História Social) da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Coordenadora do Grupo de Estudo do Cristianismo “Clara Mafra”. Pesquisadora do CNPq, Brasil; Doutora em Sociologia pela UNI Boston University. 
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