Queridos filhos…
Considerando que algumas pessoas levantaram algumas observações e questionamentos a respeito de minha postura “neo-calvinista”, devo procurar esclarecer algumas questões acerca deste tema procurando apaziguar alguns corações. Este pequeno e pontual texto é apenas uma espécie de pontuações sobre uma nova forma de pensar teologicamente que tomou corpo em minha mente e que fundamentou minha ruptura com o calvinismo clássico.
1. Creio que cada momento da história do pensamento é influenciado (embora não determinado) por um paradigma próprio. Assim sendo, e neste momento concordo com Küng, o paradigma que marcou a patrística tardia foi o helenismo, enquanto o paradigma que marcou a Idade Média foi o romanismo. Outros pensadores vão usar categorias como episteme para poderem se referir a determinados padrões que caracterizam toda uma produção intelectual e artística em um determinado momento.
2. Creio que toda produção cultural humana, e isto inclui a teológica, é influenciada por estes paradigmas e que boa parte da produção intelectual (a teológica também) é uma resposta à demandas que a realidade cria. Esta resposta, contudo, será formulada a partir do sitz in leben do escritor.
3. Creio que os contextos em que Calvino e os puritanos ingleses viviam eram bastante diferentes e que as perguntas que ambos respondiam também eram. Isto significa que não podemos nos assustar aos vermos os dois chegando a respostas diferentes e a elaborações distintas.
4. Já há bastante material no mercado que desenvolve a tese da “modificação puritana da Teologia de Calvino”. Faço uma deliberada citação do Título do capítulo 9 do livro Calvino e Sua Influência no Mundo Ocidental, publicada pela Casa Editora Presbiteriana. Mas também vale a pena ler A Tradição Reformada de John Leith, e Grandes Temas da Tradição reformada editada por Donald McKim. estes últimos, publicados pela Editora Pendão Real, ligada à Igreja Presbiteriana Independente.
5. Quanto a pergunta se meu “neo-calvinismo” não seria uma síntese entre o calvinismo e a neo-ortodoxia, acho que ela é pertinente, a medida em que algumas abordagens da neo-ortodoxia (refiro-me a Barth) eram muito parecidas com as abordagens do próprio Calvino. Só afirmar isso já demonstra o parentesco teológico. Não devemos esquecer que Barth era um pastor reformado. Mas acredito que tanto Calvino quanto Barth viram, usando duas “visões distintas”, a mesma coisa: a realidade paradoxal das Escrituras. Dentro desta leitura do “paradoxo” a realidade cristã é lida não de forma “antitética” (o que de per si já é bastante helenístico) mas de forma “orgânica” (o binômio luz x trevas, p.e. é muito mais presente neo-platonismo e no gnosticismo do que na Bíblia). O Povo de Deus é, simultaneamente santo “e” pecador, o pedado “e” a graça estão presentes em nossas vidas (capítulo 7 de Romanos). Talvez a maior tentativa de expressar esta realidade mental bíblica “orgânica” na forma helenística seja a declaração ortodoxa de que Jesus é simultaneamente Deus e Homem. É isto que a neo-ortodoxia vai chamar de “paradoxo”.
6. Um dos problemas em se ser mais “bíblico” que sistemático, é ter que afirmar coisas que são “aparentemente contraditórias”. E uma das características de toda sistematização, é a tentativa de “solucionar” as aparentes contradições ou paradoxos. Todo sistema tende a ser reducionista e racionalizante, à medida em que procura construir uma visão coerente e absoluta do universo a partir de dados parciais e limitados. Assim sendo, não creio que os puritanos tenham sido tão “bíblicos” quanto Calvino. Elas criaram um “sistema”, Calvino não. Calvino “expôs” as Escrituras e delas retirou doutrinas. Os puritanos “sistematizaram” a doutrina e voltaram para a Escritura a fim de encontrar os textos que precisavam para “provar” suas teses.
7. Quanto ao pensamento de Francis Schaeffer, criticando a dialética, devemos lembrar que a crítica que Schaeffer está fazendo é a leitura inaugurada por Hegel. No pensamento dialético hegeliano (estou caricaturando a dialética de Hegel) a antítese é contrária à tese. Em resposta a este choque, surge a antítese, como uma “superação” das duas opiniões anteriores. No meu tipo de neo-calvinismo – talvez deva chamar de “calvinianismo” – não pretendo uma “negação” das duas premissas anteriores para fazer surgir uma terceira (Isto era o que Schaeffer criticava) mas a preservação das duas verdades anteriores, formando o “paradoxo” e exigindo a “fé”. Esta nova lógica chamada de dialógica pretende unir noções antagônicas como sapiens/demens, ordem/desordem, e que constituem os processos organizadores da realidade da vida e da historia.
8. Além de tudo isso que foi colocado, devo encerrar dizendo que a única possibilidade de caminho para um calvinista ortodoxo é, por coerência ao calvinismo, abandoná-lo. Explico: Só quem é calvinista pode coerentemente admitir que não se pode ser calvinista sem pretender aprisionar Deus dentro de um sistema fechado (de cinco pontos) em que todas partes são coerentes e “encaixam” e os mistérios de Deus podem ser explicados. Seguramente estamos chegando a um momento em que a racionalidade moderna já não dê conta de explicar tudo, e tenhamos que buscar na mística da patrística e do medievo as respostas (ou seriam as questões?) mais adequadas à nossa geração.
Jorge Aquino
P.S.: Pedi autorização ao amigo de longos anos, mas publiquei antes mesmo da autorização dele.
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