Depois da linha do horizonte!


["Imagine que você está à beira-mar e você vê um navio partindo, você fica olhando, enquanto ele vai se afastando e afastando, cada vez mais longe, até que finalmente aparece apenas um ponto no horizonte, lá onde o mar e o céu se encontram e você diz: "Pronto, ele se foi". Foi aonde? Foi a um lugar que sua vista não alcança, só isto, ele continua grande, tão bonito e tão importante como era quando estava com você. A dimensão diminuída está em você, não nele. E naquele exato momento em que você está dizendo "ele se foi", há outros olhos vendo-o aproximar-se, outras vozes exclamando em júbilo: "Ele está chegando"]

Um verdadeiro choque, foi o que senti quando soube que ele estava de partida, sua ida era inadiável e inexorável, não havia o que pudesse fazer para que não acontecesse, a tristeza por esta perda irreparável foi suplantada, ainda que momentaneamente, pela ansiedade de, ao menos, me despedir dele. Sai correndo em direção ao local em que, segundo me disseram, ele partiria, era um pequeno cais, no meio de uma encosta rochosa na beira de uma praia quase deserta.

O crepúsculo se aproximava, nuvens cinzas cobriam o céu, tornando o dia mais triste ainda, um temporal se avizinhava, era apenas uma questão de minutos que caísse, o vento frio, inclemente, aumentava o desconforto, não conseguia impedir que o maxilar involuntariamente se mexesse, o barulho dos dentes se chocando era tão natural quanto tentar respirar, apenas a vontade de me despedir era maior que tudo isso.

Desci os degraus de três em três, eram escorregadios, haviam sido esculpidos há muito tempo, além disso o constante uso por décadas os deteriorava, os que utilizavam o cais, arrastavam suas pequenas embarcações por ali, provocando um desgaste maior do que o das intempéries, verdadeiras armadilhas, por muito pouco não cai. De repente vislumbrei uma figura dentro da água, empurrava o pequeno bote à remos, a água chegava-lhe aos joelhos, olhava absorto para um ponto, parecia que estava vendo alguém, antes que pudesse gritar o seu nome, a forte chuva, esperada, mas não desejada, caiu, o vento soprava forte e o céu escureceu, coloquei as mãos, qual viseira, sobre a testa para poder continuar acompanhando os movimentos daquela figura, agora quase indistinta, já não tentava descer os degraus ao seu encontro, sabia que seria impossível, queria pelo menos vê-lo partir, isso seria um pequeno consolo, já que, naquele momento, percebera que não iria conseguir falar com ele.

Entrou no bote, tomou os remos e começou a se afastar da costa lentamente, olhou em direção aos rochedos sobre os quais eu me encontrava, a impressão que eu tive foi que ele não me viu, mas durou alguns segundos olhando para aquela direção, até que virou o rosto e começou a remar vigorosamente. Ao contrário do que eu pensara ele não tinha se assentado de costas para a proa do barco, ele se colocara de frente para a proa, o que fazia com que visse apenas as suas costas, e, fato que me impressionou bastante, foi que ele usava apenas um remo, nunca soubera que ele manuseava com tanta perícia aquele artefato. 

Recuei um pouco e subi de volta alguns degraus, queria que ele me visse, caso olhasse para trás outra vez, a chuva diminuiu, o vento começou a soprar na direção contrária, da terra para o mar, o  que fazia com que a velocidade do barco aumentasse gradativamente.

Sentei-me num rochedo e contemplei com espanto o progresso que vazia, se afastava da costa cada vez mais rápido, a escuridão das nuvens cinzas arrefeceu, uma réstia de luz furou as nuvens e circundou aquele pequeno bote, eu só conseguia ver uma pequena sombra, não conseguia divisar a forma humana do objeto em si, as lágrimas salgadas se misturaram à miopia inclemente e lentamente o ocultaram de minha vista.

Em questão de minutos, o barco se aproximou da linha do horizonte, ali onde o mar se confunde com o céu, em pouco tempo eu não seria mais capaz de vê-lo, me levantei em reverência àquela perda irreparável, enquanto refletia sobre aquele momento tão triste, pensei te-lo visto ficar em pé no barco e acenar, meu coração palpitou desesperado para que eu acenasse de volta, só então quando um forte trovão ribombou, eu me dei conta de que ele não acenava para mim, nas sim para o "outro lado do horizonte", acenava para alguém que o estava esperando na outra margem.

Fiz todo o caminho de volta, não havia mais desespero e nem ansiedade em minha alma, quando cheguei em cima, olhei mais uma vez, porém não via mais nada, enxuguei as lágrimas, esbocei um sorriso de satisfação, pois havia compreendido que ele havia voltado para casa e que eu um dia faria o mesmo, mas ainda não, pelo menos não hoje.

Tributo ao amigo que se foi Rodrigo Azevedo, o Gral.