Diário de um confinado (6º dia)


Não fiz nada de relevante nos dias anteriores, comprar caldo para 08 dias e almoço para 05 ou 06 dias não é algo que mereça registro, bem como tomar banho, fazer café e sentar defronte a um notebook e tentar estabelecer uma rotina de trabalho com eficiência e produtividade.

Hoje me deparo com a noticia de que o presidente (sic) inseriu cultos religiosos como atividades "essenciais" que não poderiam ser impedidas de serem realizadas por decretos estaduais ou municipais.

Obviamente que o miliciano simplório atende aos pleitos de sua base dita evangélica que se queixa das igrejas fechadas, pois vislumbra que a arrecadação de dízimo será bem menor, as pessoas em casa não seriam presa fácil, pois o clima estático que cria nas reuniões para pedir as doações não teria o mesmo efeito aos que estão sentado no sofá com inúmeras distrações.

Postei um vídeo para mostrar o que os charlatães americanos estão falando sobre a pandemia, aqui em breve estará assim também, brasileiro não pode ver uma heresia americana que ele logo quer seguir.

Chegamos ao cúmulo da justiça estadual obrigar a um desse líderes (o charlatão e facínora do Silas Malafaia) a não realizar reuniões presenciais, para não colocar a população em risco de contágio.

Ainda há quem defenda um canalha desse... 

Diário de um confinado (2º dia)


Mesmo estando aqui em Uberaba, ontem eu consegui reunir minha família em diversos lugares: Recife, Olinda e Jaboatão dos Guararapes, por meio de um desses aplicativos de chamadas de vídeos e tivemos alguns momentos lúdicos e de descontração, em meio a um momento de medo, pânico e incertezas. 

Lembrei de quando nós éramos crianças e nos deitávamos no chão da sala para ouvir meu pai contar histórias e estórias. Sempre que ele contava um conto pela segunda vez, descobríamos que ele havia acrescentado um final diferente ou um viés diferente, era a forma que ele tinha de nos entreter numa época sem TV e tantas outras formas de distração. 

Também pude acompanhar algumas manifestações da população batendo panelas para ironizar o aniversário do presidente (sic) e de alguns grupos evangélicos que foram às janelas cantar um hino que fala de ressurreição e destemor diante da morte. 

O hino diz mais ou menos isso: "... Porque Ele vive, posso crer no amanhã/ Porque Ele vive, temor não há/ Mas eu bem sei, eu sei, que a minha vida/ Está nas mãos de meu Jesus, que vivo está/ E quando, enfim, chegar a hora/ Em que a morte enfrentarei/ Sem medo, então, terei vitória/ Irei à Glória, ao meu Jesus que vivo está..."

A manifestação tinha como objetivo reafirmar a fé inconteste na ressurreição de Jesus, tema central da fé cristã, mas, também, e é aqui que perde todo o sentido, de "abafar" as manifestações de críticas a Bolsonaro, já que os grupos pentecostais são aliados de primeira hora do miliciano e não perdem uma oportunidade de angariar créditos e favores do executivo, na busca por consolidação do projeto de dominação e poder dos seus líderes inescrupulosos. 

A música também tem um efeito de alienação e tem um tema preocupante: se o crente não tem medo diante da morte, seja ela qual for, por que então se trancar em casa com medo do contágio, se ele pode ir à igreja (dar o dízimo, obviamente) para louvar a Deus ou ainda, evangelizar nas ruas em busca de almas perdidas?

Vi outra postagem hoje numa rede social que alegava que não precisavam de vacina, pois o sangue de Jesus protegia aqueles que creem nele, tal como o sangue do cordeiro protegeu os israelitas no Egito, durante o evento das dez pragas.

Isso não é fé, é puro fanatismo e irresponsabilidade. Já não bastam os despautérios de Bolsonaro com sua tentativa de minimizar o tamanho do problema e ainda vem seus apoiadores tentarem desviar a atenção da população do que de fato vai trazer o escape dessa pandemia: ficar em casa.

Não, não é Deus e nem o sangue de Jesus que vai impedir que a nação sofra um holocausto, afirmar isso seria um desrespeito e desumano com as 14.611 vítimas fatais e as mais de 335.403 que foram contaminadas ao redor do mundo até esse momento (20h26).

Essa é uma crença de pequena parte da população, aquela que se diz cristã e, mesmo assim, boa parte do cristianismo que é sóbria e reflete sobre a fé sem fanatismo não propagaria isso. Não é que ter fé num momento desse é ruim ou atrapalha, o que atrapalha mesmo é o fanatismo.

Vi ontem um vídeo dos médicos cubanos (ateus em sua grande maioria) sendo aplaudidos num aeroporto da Itália, chegavam para ajudar a conter a peste inclemente. Com essa imagem me veio à mente a pergunta: quem estaria mais perto dos ensinos do Nazareno, os cubanos que estão arriscando suas vidas ao tentar ajudar os outros, que nem conhecem e nem são da mesma pátria ou Macedos e Malafaias da vida que tiveram que ser obrigados pela justiça a fechar seus templos (o que trará queda de arrecadação e prejuízo financeiro certamente)?

Pensar ainda é de graça e não faz mal.

Diário de um confinado (1º dia - II)


Por que um evangélico médio, aquele que não tem cargos na instituição eclesiástica que está inserido e nem recebe nenhuma renda da mesma, frequentaria os cultos ou reuniões em massa durante uma grave pandemia que põe em risco a integridade física e a existência dos que acomete?

É isso o que está sugerindo (não seria exigindo?) dois dos maiores "empreendedores" e "capitalistas" eclesiásticos do Brasil. Alcunhados por alguns como pastor e bispo, Silas Malafaia das Assembleias de Deus Vitória em Cristo e Edir Macedo da Igreja Universal do Reino de Deus. 

Não é de hoje que esses dois líderes se envolvem com polêmicas e defendem práticas que estão muito distantes do evangelho do Nazareno e do ramo protestante majoritário tradicional. Aliados de primeira hora de Jair Bolsonaro, fica até difícil entender quem está explorando quem, já que os três são mestres em fingir ser o que não são para conquistarem seus objetivos de poder e dominação. 

Após mais de 40 anos como evangélico, hoje bem distante desse ramo e tendo me tornado um crítico desse movimento na última década, tenho vergonha de dizer que já fui um militante da causa protestante e até mesmo pastor e professor de seminário. Mesmo que sempre tenha desprezado figuras como Malafaia, Macedo, Santiago, Feliciano e tantos outros (difícil é achar um para elogiar...), ainda assim me sinto desconfortável quando vejo os caminhos que estão sendo trilhados por uma ampla maioria de igrejas e líderes eclesiásticos.

A resistência da dupla se deve mais à briga por espaço e poder que à teologia e crença que tenham. O medo desses dois é de que as pessoas deixem de contribuir em suas instituições e guardem o dinheiro ou mesmo gastem com coisas mais úteis. Quem fica em casa não dá dinheiro para igreja ou pastor, gasta com comida. Algo que esse dois não querem, precisam de dinheiro para alimentar suas redes de poder e influência.

Há muito que tenho chamado o Edir Macedo de adorador de Mamom (Mamom é um termo que aparece na Bíblia para se referir a bens terrenos. A palavra Mamom é uma transliteração do aramaico mamon e significa literalmente “dinheiro” ou “riqueza”.) e Silas Malafaia de homem de Belial (Belial é uma palavra de origem hebraica que aparece em algumas passagens bíblicas, principalmente na expressão “filhos de Belial”. No livro de Provérbios 6:12, o termo Belial é igualado ao hebraico ‘awen na expressão “homem de Belial”, cuja tradução frequentemente significa “iniquidade“, ou seja, “homem de Belial” equivale a “homem perverso”, “homem mau” ou “homem iníquo”.) pela busca desenfreada por poder, riqueza e influência que empreendem.

Guarde seu dinheiro, não apenas agora, mas sempre, Deus não precisa de nenhum centavo teu, não deixe que discurso de milionários, que enriqueceram às custas do povo ingênuo te façam continuar sustentando a vida de luxo e ostentação desses canalhas charlatães. Malafaia há muito tempo trocou o púlpito pela militância política, distanciando-se cada vez mais do perfil que se espera de um pastor, até quando você ainda vai chamar e tratar um impostor por "homem de Deus"?

Já fui por muitos anos dizimista, há muito tempo que direciono a minha renda para outras coisas, inclusive poupança para o futuro incerto, e nem por isso estou "amaldiçoado", como esses vermes vorazes apregoam todos os dias, causando pânico nas pessoas ingênuas.

Cada um faz o que a sua consciência e conhecimento permitem, a minha manda desligar a TV, guardar meu dinheiro para as necessidades futuras e hidratar minha mente com o que é sadio e edifica. Coisa que esses dois e outros tantos não são capazes de fazer. Não troque de canal (Globo por Record), desligue a TV e vá viver, vá ler a Bíblia ou um livro e conversar com seus familiares, vocês ganham muito mais com isso.

Chega um momento em que devemos escolher entre viver a vida que os outros querem que vivamos ou viver a vida para qual nascemos. É uma questão de escolha. 

Diário de um confinado (1º dia - I)


Hoje, como tantos bilhões de pessoas ao redor do mundo, eu estou confinado em casa. Distante de família (esposa, filha, mãe, irmãos, cunhados, sobrinhos e sobrinhos-netos) que está em Recife, Pernambuco, eu estou em Uberaba, no Triângulo Mineiro, cercado de livros e de pacotes de café. 

Esse é um diário de um sobrevivente. Sou do grupo de risco de vulnerabilidade ao Coronavirus disease (COVID-19), tenho mais de 50 anos e sofro de crises de asma. 

Acredito plenamente que o mundo nunca mais será o mesmo, depois que essa pandemia passar. Então, resolvi voltar a colocar as minhas impressões no blog, que há muito tempo não fazia. 

Esse mundo de egoísmo e individualismo será questionado num momento futuro, espero que esse momento seja breve e que essas discussões conduzam a humanidade a um patamar de maturidade, empatia, tolerância e respeito, sobretudo de compaixão com os desfavorecidos e necessitados. 

Não é possível que a humanidade remanescente, mesmo que o número de mortos não alcance 100.000, não aprenda nada com essa pandemia. O que temos visto é individualismo, egoísmo, xenofobia, racismo, ignorância e intolerância. Inclusive vindo de pessoas que a mídia e as redes sociais dão voz e visibilidade (principalmente do deputado Eduardo Bolsonaro, pródigo em asneiras e falastrão como o pai). 

Vamos ter muito o que conversar, então, puxa uma cadeira, pega uma xícara de cafe, estou apenas começando.

Se quiser e puder, vamos conversar, trocar impressões e aproveitar esse momento para buscar novas formas de viver a vida. 

Um homem bom é difícil de encontrar


A avó não queria ir para a Florida. Queria visitar uns parentes no leste do Tennessee e aproveitava todas as oportunidades para induzir Bailey a mudar de ideia. Bailey, o filho com o qual ela morava, seu único filho homem, sentado a mesa na beira da cadeira, dobrava-se sobre o alaranjado da pagina de esportes do Journal. "Olhe só isso aqui, Bailey, olhe só, leia isso aqui", disse ela em pé a seu lado, com uma das mãos no quadril magro e a outra esfregando outra folha de jornal na careca do filho. "Esse tal cara que fugiu da penitenciaria federal, o Desajustado, como ele mesmo se chama, e que foi justamente em direção a Florida... leia só o que diz aqui, veja o que ele fez com as pessoas. Vale a pena você ler. Eu é que não levaria os meus filhos, fosse lá para onde fosse, com um bandido desses assim a solta na área. Não ficaria em paz com a minha consciência."

Bailey não olhou para cima, não parou de ler o que lia, e ela então deu uma volta. Foi ficar cara a cara com a mãe das crianças, mulher nova, numa calça folgada, cujo rosto era tão largo e inocente quanto um repolho, estando envolto num lenço verde de cabeça amarrado com duas pontas no alto, como as orelhas de um coelho. Ela, sentada no sofá para alimentar o bebê, dava-lhe geleia de damasco que tirava do vidro. "À Flórida as crianças já foram", disse a velha senhora. "Deveriam leva-las a algum outro lugar, para variar, para que vejam diferentes partes do mundo e possam ter perspectivas mais amplas. Ao leste do Tennessee elas nunca foram."

A mãe das crianças nem pareceu escutar, mas o garoto de oito anos, John Wesley, parrudinho e de óculos, disse: "Se a senhora não quer ir para a Flórida, por que e que não fica em casa?". Ele e a menina, June Star, estavam lendo historias em quadrinhos no chão.

"Em casa? Duvido. Por nada desse mundo ela fica", disse June Star sem levantar a cabeça.

"Ah, é? E o que fariam vocês, se esse camarada, o Desajustado, pegasse vocês?"

"Eu quebrava a cara dele", John Wesley disse.

"Nem por um milhão de dólares ela ficava em casa" June Star disse. "Tem medo de estar perdendo coisas. Tem de ir pra toda parte com a gente."

"Esta bem, mocinha", disse a avó. "Da próxima vez que me pedir para cachear seu cabelo, você vai ver uma coisa."

June Star disse que seu cabelo já era naturalmente cacheado.

Na manha seguinte a avo foi a primeira a entrar no carro, pronta para partir. Tinha posto num canto sua enorme malinha preta, que parecia uma cabeça de hipopótamo, por baixo da qual ela escondia numa cesta o gato, Pitty Sing. Não quis deixar o gato em casa sozinho, por três dias, porque ele sentiria muito a sua falta e ela tinha medo de que acidentalmente se asfixiasse ao se esfregar num bico de gás. Mas o filho dela, Bailey, não gostava de chegar a um motel com um gato.

A avó ia no banco de trás, no meio, com um neto de cada lado, John Wesley e June Star. Bailey e a mãe das crianças com o bebê iam na frente e eles saíram as oito e quarenta e cinco de Atlanta com o painel indicando 89.944 quilômetros rodados. A avó anotou o numero por achar que seria interessante saber quantos quilômetros eles teriam feito, quando voltassem para casa. Levaram vinte minutos para atingir a periferia da cidade.

A velha senhora se instalou a vontade, tirando as luvas brancas de algodão e pondo-as junto com a bolsa no espaço por trás do banco. A mãe das crianças continuava com a mesma calça folgada, e com o mesmo lenço verde amarrado na cabeça, mas a avó estava usando um chapéu de palha azul-marinho, com um buque de violetas brancas na aba, e um vestido também azul-marinho de bolinhas brancas. A gola e os punhos eram de organdi branco, com debruns de renda, e um ramalhete roxo de violetas de pano, que era um sachê, estava pendurado em seu peito. Qualquer um que a visse morta na estrada, em caso de acidente, logo saberia tratar-se de uma senhora distinta.

Disse que o dia, a seu ver, era bom para viajar, nem muito quente nem muito frio demais, e lembrou a Bailey que o limite de velocidade era de noventa quilômetros por hora, e que os guardas rodoviários, escondidos atrás de anúncios e de amontoados de árvores, logo saiam em disparada atrás, sem nem dar chance de reduzir. E apontou interessantes detalhes dos panoramas: Stone Mountain; o granito azulado que nalguns trechos aflorava de ambos os lados da rodovia; os barrancos brilhantes, de barro vermelho rajado ligeiramente de roxo; e as diversas plantações enfileiradas como rendilhados verdes na terra. As árvores estavam cheias de uma luz solar prateada, e até mesmo as mais insignificantes brilhavam. As crianças iam lendo suas historias em quadrinhos e a mãe tinha voltado a dormir.

"Vamos passar pela Geórgia bem rápido para não ter de olhar muita coisa" John Wesley disse.

"Eu, se eu fosse um menino", disse a avó, "eu não falaria assim desse jeito do meu estado natal. O Tennessee tem montanhas, a Geórgia tem suas colinas..."

"O Tennessee não passa de um lixão, é uma terra de arigós" John Wesley disse, "e a Geórgia também é uma porcaria de estado."

"E isso mesmo", disse June Star.

"No meu tempo", a avó disse, cruzando os dedos de veias finas, "as crianças tinham mais respeito pela terra natal, pelos pais e por tudo o mais. Procedia-se bem, naquela época. Oh, mas vejam só o pretinho, que graça!" disse e apontou para um menino negro, em pé na porta de um barraco. "Não daria um quadro?" perguntou, e todos se viraram, olhando o menino negro pelo vidro de trás. Ele deu adeus.

"Ele estava sem calça", disse June Star.

“Talvez nem tenha" a avó explicou. "Os negrinhos da roça não são assim como nós, não tem coisas." E acrescentou: "Ah, se eu soubesse pintar, bem que faria esse quadro!".

As crianças trocaram de revista.

A avó se ofereceu para segurar o bebê, que a mãe das crianças lhe passou por cima do banco. Tendo-o posto nos joelhos, ela agora o puxava para cima e lhe falava das coisas pelas quais estavam passando. Revirava os olhos, fazia bico com a boca, colava a cara magra e dura no rosto, lisinho e fofo, da criança, que de vez em quando lhe dava algum sorriso distante. Passaram por uma grande plantação de algodão com um cercado com cinco ou seis túmulos no meio, como uma ilhota.

"Olhem lá o cemitério!" disse a avó, apontando. "O antigo campo- santo da família. Pertencia á fazenda."

"E onde esta a fazenda?" John Wesley perguntou.

"E o vento levou..." disse a avó. "Ha, ha."