Natal pobre ou Natal dos pobres?


Dezembro, 14, Santo Antônio dos Lopes, na região do Médio Mearim, no interior do Maranhão, estado rico, estado pobre, desigualdade social em alta e distribuição de renda em baixa, feudalismo puro, nos moldes medievais, ainda que haja alguns avanços, ainda assim, tem muito o que melhorar. Tive que atravessar esta pequena cidade para ir ao banco, poderia ter ido à pé, mas o sol estava inclemente e o calor insuportável, por isso optei por ir de carro, ainda que fosse uma curta distância, trafeguei numa velocidade incrivelmente baixa, o trânsito é tranquilo, mas a quantidade de motos, com motoqueiros e motoqueiras, alguns com pouco mais de 10 anos, que não têm o hábito de usar capacete e desconhecem as leis mais básicas do Código de Trânsito, como é o caso de mão e contramão, exige uma maior atenção para alguém, que como eu, vem do trânsito agitado de uma capital, e que por isso mesmo, está acostumado com motoqueiros intrépidos e afoitos, porém que têm muito mais sagacidade e habilidade na condução de suas irrequietas máquinas, pude fazer uma análise pormenorizada de toda a cidade. A pólis é diminuta, tem no máximo 14.000 habitantes (muito embora especulem que a mesma terá 200.000 habitantes em 2020), sem muitos atrativos, exceto por um rapaz que passa o dia todo tocando violão, sem colocar uma nota sequer, a seriedade com que canta, acaba encantando a todos os que passam, não sei se é louco, sei apenas que ao vê-lo com tanta serenidade eu questiono o conceito de lucidez, na pequena praça do centro, a cidade tem no máximo três praças, uma árvore de Natal lembra a data que se aproxima, se não fosse por ela, nem me daria conta que estamos em dezembro, a árvore só é visível à noite, por conta das luzes, durante o dia, sequer notamos a sua presença. O comércio não está agitado, não há correrias, as pessoas não estão entregues à gastanças e mais gastanças, nem mesmo na sexta-feira às vésperas da semana natalina há correrias, ainda que seja o dia oficial da feira da cidade, tudo transcorre normalmente.

Dezembro, 17, Recife, capital de Pernambuco. Depois de quase 20 dias longe de casa, fui assistir com a minha filha, Jessicah, ao filme Gato de botas, numa sala de cinema dentro de um shopping no centro da cidade, ao descer do ônibus próximo ao local, já tinha me arrependido de ter ido para aquele shopping específico, mal consegui andar em sua direção, as ruas estavam apinhadas de pessoas com sacolas, embrulhos, presentes, crianças por todos os lados, adultos tentando controlar em vão os olhos ávidos e insaciáveis das crianças, foi uma tormenta até chegar à bilheteria do cinema, após comprar as entradas para cerca de 45 minutos depois, fomos à praça da alimentação almoçar, e foi mais frustrante ainda, ter que ficar com um prato numa bandeja, procurando uma mesa para sentar e comer. Não posso dizer que foi um almoço tranquilo. Após a sessão, que foi extremamente relaxante e me fez esquecer o “mundo lá fora”, tive um choque ao reentrar naquele mundo, as lojas estavam apinhadas de gente, desde lojas de roupas, perfumes, variedades, calçados, presentes, etc, parece que até mesmo as farmácias estavam concorridas naquele dia. O barulho, a aparência extática das pessoas, todas parecendo aqueles zumbis que vemos nos filmes, dirigindo-se ao templo do deus Mamon, movidas pela ganância cada vez maior do ter e o aparente espírito natalino, que transforma temporariamente algumas pessoas, me fizeram sentir saudades da pacata e humilde Santo Antônio dos Lopes. Creio que desde que Charles Dickens imortalizou o Ebenezer Scrooge, no seu encantador Christmas Carol, que confundimos a sensação advinda do fato de termos um pouco mais de dinheiro neste período, por intermédio do 13º salário, e o fato de ganharmos presentes, que traz um efeito psicológico benéfico de alguma forma, com alguma influência angelical ou espiritual. 

Este contraste entre estas duas realidades me leva a refletir sobre o significado do Natal, ou a perda de significado do mesmo, porém, por outro lado, também me ajuda a constatar que este fenômeno, consumo e endividamento exacerbado, que ocorre durante este período não é característica apenas desta época do ano, mas, apenas que é exponenciado nesta ocasião por conta da mídia e da suposta sensação de um poder aquisitivo maior, proporcionada pelo recebimento do 13º salário. 

Ainda que distantes, as duas cidades estão próximas, já que a mídia tem o poder de influenciar diferentes culturas ao mesmo tempo, mas apresentam padrões de consumo tão díspares. Como a pequena Santo Antônio não tem shopping e as redes de televisão que são exibidas por lá, em sua maioria não transmitem comerciais nos intervalos, já que o sinal, na maior parte, chega por meio de parabólicas, as pessoas se preocupam mais com alimentos e coisas essenciais do que com os supérfluos e futilidades que estamos acostumados numa cidade grande como Recife, o impacto do apelo da mídia é menor e muitas das pessoas da cidade sequer nunca viram um shopping, daí não entenderem o quanto de supérfluo é comprado numa capital como Recife. 

Se tivesse que fazer uma escolha definitiva, eu faria sem pestanejar, entre morar numa cidade pequena, um pouco isolada desta vida fútil e vã da capital, ou morar numa metrópole como Recife, que sufoca, massifica e oferece cada vez menos, eu escolheria a cidade pequena, escolheria a tranquilidade, a paz e escolheria viver!

País do avesso!


Avesso, só no país do avesso, jogadores de futebol, atores de televisão e cantores, alguns com 18 ou 19 anos, tão jovens e tão narcisistas e soberbos, são mais importantes do que médicos que salvam vidas, professores que educam, jornalistas que informam, motoristas que conduzem, vigilantes que protegem, etc.

Avesso, só no país do avesso, os motoristas colocam adesivos de organizações oficiais (Justiça Estadual ou Federal, Polícia Federal ou Rodoviária, Juiz, Promotor, etc), no pára-brisas dos veículos, no afã de driblarem as averiguações policiais, e o que é mais trágico, é que tais ardis funcionam.

Avesso, só no país do avesso uma rede de televisão investe uma fortuna na produção de um programa que expõe a intimidade de algumas pessoas, na grande maioria de personalidades medíocres, fúteis, vazias e vãs, que ficam confinadas dentro de uma casa, expondo seus vícios e suas idiossincrasias em busca do sonho de se tornarem celebridades da noite para o dia.

Avesso, só no país do avesso, 90% dos programas voltados para televisão são especialistas em apresentar a vida “colorida” das celebridades, criando ícones para serem adorados e seguidos, ícones esses que ditam padrões de comportamento que sequer são criticados, são aceitos inquestionavelmente, não passam por uma análise crítica e nem pelo crivo do senso crítico dos seguidores, esses programas ainda, levam os telespectadores a se esquecerem das suas próprias necessidades e de seus anseios.

Avesso, só no país do avesso, os líderes religiosos galgam carreiras eclesiásticas, para que, quando tiverem influência suficiente, poderem almejar cargos políticos ou mandatos eletivos e supostamente criarem uma bancada religiosa que defenda a família e a moral, esquecendo-se dos antepassados que lutaram tanto para separar o estado da igreja.

Avesso, só no país do avesso, os programas de televisão mais vistos e apreciados são novelas, para todos os gostos e idades, em toda a programação da grade, que criam padrões de comportamentos sociais, religiosos e éticos, padrões esses de gosto duvidoso e questionáveis, alguns, como é o caso dos padrões religiosos, são verdadeiras doutrinações para os incautos espectadores.

Avesso, só no país do avesso, os políticos são, em sua maioria, fisiologistas, procuram aliados que possam trazer benefícios financeiros e ajudem a aumentar a influência e poderio que já têm, a ideologia, os compromissos e até mesmo a trajetória política, são coisas de somenos importância.

Avesso, só no país do avesso, as instituições judiciais, e tudo mais o que elas representam, e as organizações policiais, que são pagas para protegerem os cidadãos, gozam de tão pouco prestígio e de tão pouca credibilidade, que são facilmente superadas por uma instituição que entrega encomendas, de forma ineficiente e bem abaixo do padrão do primeiro mundo, como a instituição mais confiável do país.

Avesso, só no país do avesso, a famosa e famigerada fórmula Pão e Circo é tão bem posta em prática, financia-se desfiles de escolas de samba, carnaval de rua, construção de estádios de futebol. shows de fim de ano, quermesses, novenas, festejos juninos, etc, e o mais trágico é que o povo, que por tanto anos foi acostumado assim, é quem mais pede o pão e o circo, ainda que os governantes não queiram dar e entendam que esta é uma perigosa forma de administrar, ainda assim são obrigados, a mudança mais eficaz, terá que ser de baixo para cima, não o contrário.

Avesso, só no país do avesso, as igrejas, instituições que deveriam propagar o evangelho simples de Jesus Cristo, estão mais empenhadas na construção de mega templos do que no cumprimento da missão que lhes foi confiada, tais construções são apenas uma das formas de demonstração do poderio e do crescimento que vêm experimentando, tal e qual os senhores feudais medievais, que viviam construindo castelos gigantescos para exibirem, jactanciosamente, toda riqueza, domínio e poderio que tinham.

Avesso, só no país do avesso, as igrejas estão em pé de guerra, não contra o pecado, a pobreza, a maldade humana, a fome, a opressão, etc, estão em guerra uma contra as outras, cada uma quer ser maior, cada uma quer mais poder, cada uma quer mais notoriedade e espaço na mídia. As armas que usam nesta guerra são menos honradas que as armas usadas pelas empresas na busca por espaço no mercado. Guerreiam por espaço nas grades das redes de televisão, fazem acordos em surdina, na calada da noite, para tirarem a programação das outras igrejas (concorrentes) e colocarem a própria programação no lugar, deixam os executivos das redes assustados com tamanha ferocidade em negociar, mas também enchem os bolsos dos mesmos, além de os deixarem perplexos com a capacidade que têm de arrecadarem fundos com facilidade, para financiaram os seus projetos megalomaníacos e narcisistas.

Avesso, só no país do avesso, ser arrevesado é lutar para não viver uma vida medíocre e guiada pelo o que diz a maioria. Viver acima da mediocridade é para poucos, é para incompreendidos e desajustados!

No meu sonho de Natal!


Eu ainda tenho um sonho! Diferentemente do sonho do pastor e profeta Martin Luther King que sonhava com um novo dia, um novo mundo, meu sonho é mais singelo, meu sonho é um sonho de Natal, e neste sonho, não há os presentes desejados, e nunca alcançados, da infância: revólver de espoleta, trem elétrico, bicicleta de cross, Atari, etc, no meu sonho há apenas um desejo: que o Natal seja diferente do que é hoje. Não estou sendo nostálgico e pregando que os “Natais” passados teriam sido melhores do que os atuais, não é isso, estou dizendo que sonho com um Natal diferente de todos os que vivi, ou que existiram um dia.

No meu sonho de Natal as discussões “teológicas” sobre qual dia Jesus de fato nasceu é coisa de somenos importância, não importará se nasceu em dezembro, o que é pouco provável, ou em janeiro ou ainda em fevereiro, o que importará de fato, é que o dia seja reservado para que o Deus que se fez carne seja adorado. No meu sonho de Natal, nenhuma igreja deixará de guardar este dia, nenhum cristão, seja conservador ou não, deixará de fazer uma pausa em meio à vida, com suas nuances da correria da pós-modernidade, para refletir sobre o que o dia significa, nenhuma igreja fará com que o seu credo e suas convicções teológicas sejam maiores do que relembrar que Deus se fez carne!

No meu sonho de Natal, as ruas não estão tomadas de homens de roupas vermelhas e gorros vermelhos com barbas, postiças ou não, ostentando barrigas enormes, postiças ou não, vendendo sonhos, todos postiços, para crianças que não podem pagar por eles. As ruas estarão tomadas por pessoas comuns que deixarão seus interesses próprios, nem que seja por um único dia, e sairão em busca de outras pessoas, tão humanas quanto elas, que não tiveram as mesmas oportunidades, para dividir um pouco do que receberam da vida, como analogia pelo que o Criador fez ao encarnar Seu filho para que sofresse as nossas dores. No meu sonho de Natal não apenas neste dia as pessoas serão solidárias e tolerantes, no meu sonho de Natal, o verdadeiro espírito do Natal tomará o ano inteiro, as pessoas viverão os 365, ou 366, dias do ano como se fossem cada um o Dia de Natal!

No meu sonho de Natal, não há pinheiros verdes, com simulacros de neve, que não cai aqui no nordeste, ostentando as salas de estar dos lares, mas sim mandacurus verdes e cheios de água. Ainda que ressaltem as dificuldades pelas quais passa o povo forte e sofrido do sertão nordestino, ainda assim é um libelo de esperança, tal e qual o salmista, “... restaura-nos, assim como enches o leito dos ribeiros no deserto...” (Salmo 126, NVI) o povo nordestino pode cantar cheio de esperança: “... mandacaru quando fulora” na seca, é o sinal que a chuva chega no sertão...”, acompanhando a letra de uma canção do repertório da região. No meu sonho de Natal, não há ilusões, pinheiros verdes e neve, ainda que belos de serem vistos, são apenas figuras ilusórias que não trazem esperança, mas sim frustração. No meu sonho de Natal as pessoas não ouvirão as músicas melancólicas natalinas, algumas produzidas apenas para serem mote comercial, ouvirão sim as canções que foram cantadas pelos anjos no dia que Deus se fez carne, só que ao invés de anjos cantando, teremos um coro de maltrapilhos, desempregados, moradores de rua, prostitutas, bêbados, viciados e tantos outros desajustados, que conscientes de suas limitações, encontram na encarnação um motivo para viverem, para viverem uma vida, ainda que medíocre e aquém do padrão de Deus, ainda assim uma vida de esperança, esperança que tudo pode mudar, que tudo vai mudar um dia, pois o Deus que se fez carne um dia prometeu: “... estou fazendo novas todas as coisas...” (Apoc. 21:5 NVI).

No meu sonho de Natal não há duendes verdes que arrumam o trenó de Papai Noel e separam os presentes para serem entregues na noite de Natal. No meu sonho de Natal há anjos, que passam o ano inteiro sendo enviados por Deus para guardarem os Seus e os protegerem de todo o mal, que tocam os corações sofridos e as feridas abertas com um bálsamo de amor e compaixão. No meu sonho de Natal estes anjos, alguns tão humanos quanto nós, dividem a sua alegria com crianças em orfanatos, bebês em hospitais para portadores de HIV ou câncer, idosos em asilos, enfermos em leitos de hospital e encarcerados na prisão, e aceitam levar consigo um pouco das dores destes para que o peso do fardo não seja tão grande assim.

No meu sonho de Natal, os shoppings centers, templos consagrados ao deus Mamon, não abrem, são proibidos de funcionarem, desta forma não poderão vender ilusões, não estarão disponíveis para que mulheres solitárias, sedentas de atenção e carinho comprem bolsas e calçados, dos quais nem precisam, como forma de se presentearam para minimizar o vazio que sentem na alma, não estarão disponíveis para que homens da meia idade se sentem às mesas dos bares, envoltos em fumaças de cigarros, e afoguem suas mágoas e suas frustrações do ano todo em barris de chope e em conquistas sedutoras, vãs e vazias, de moçoilas ávidas por aventuras e dinheiro fácil, não estarão disponíveis para que adolescentes e jovens, que não se encontraram ainda na vida, não enxergaram um caminho real e cheio de propósito para seguirem, se enfastiem de diversão, drogas, bebidas e de relacionamentos fugazes e vãos, como forma de diminuírem a tristeza que sentem na alma por não terem uma vida com objetivo e concretude, No meu sonho de Natal estes templos orgiásticos, reservados apenas para aqueles que tem, estarão fechados, para que todos possamos aprender que ser é muito mais importante do que ter. No meu sonho de Natal, todos, absolutamente todos aprenderão que o vazio na alma, só pode ser preenchido pelo Deus que se encarnou, pois como disse um santo do passado: “... fizeste-nos para Ti e inquieto está o nosso coração enquanto não repousar em Ti”, não são as futilidades da vida que preencherão este vazio.

No meu sonho de Natal as redes de televisão estão proibidas de venderem ilusões, não poderão exibir comerciais que induzam as pessoas a fazerem compras de supérfluos, de supérfluos que não podem pagar, de supérfluos que não precisam. Não poderão enganar as pessoas, induzindo-as que para serem aceitas nas muitas tribos que a sociedade criou precisam fumar aquele cigarro, beber aquele refrigerante ou aquela cerveja, usarem aquela roupa ou terem aquele carro. As pessoas aprenderão que só serão aceitas, e só aceitarão o outro, incondicionalmente, quando todos, absolutamente todos, nos amarmos como Jesus nos ensinou e mandou que fizéssemos, qualquer coisa diferente e distante disso é frustração, pois será uma caricatura de amor, e um amor caricaturesco não preenche o vazio e a necessidade que o ser humano tem de ser amado. No meu sonho de Natal as pessoas não farão dívidas impagáveis, não entrarão no ano seguinte devendo mais do que são capazes de pagar, simplesmente porque foram induzidas pela insaciabilidade do comércio. Cada uma comprará aquilo que de fato precisa e pode pagar, aquelas que precisam de algo pelo qual não podem pagar, esperarão o dia em que poderão comprar ou receberão de outrem.

No meu sonho de Natal não há presentes para pobres ou ricos, todos saberão que aquele dia é do Deus que se fez carne, logo é Ele que deve receber presentes, e como o conceito de valores do mesmo é diferente do conceito secular, precisarão pois refletir sobre o que colocar diante dEle, e saberão então que o que mais O agrada é “... um coração quebrantado e contrito...” (Salmo 51:17 NVI), então todos nós, independentemente de cor, raça, credo, status quo, etnia e local de nascimento, depositaremos diante de sua manjedoura aquilo que temos de mais precioso: nossas vidas, nossas almas, nossos corações e nossos sonhos!

Espero dormir e sonhar este singelo sonho de Natal, e espero que a noite seja longa, e quando acordar, espero descobrir que não foi um sonho, mas sim que uma revolução espiritual aconteceu e que o meu sonho se tornou realidade, pois foi um sonho que me foi dado por Aquele que se fez carne e habitou entre nós.

Grazie Signore!


Por todas as vezes que me colocaste em Teus braços,
Enquanto eu, que só via Tua sombra no chão, pensando que era a minha, chorei de desamparo,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que sentaste na sarjeta ao meu lado e choraste comigo,
Enquanto eu, que sentia uma dor tão grande, não podia Te sentir tão junto a mim,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que me concedeste honra em dobro,
Enquanto eu só conseguia olhar para os meus dias de opróbrio e vergonha,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que deste um baile em minha homenagem,
Enquanto eu estava imergido num lamento diuturno, no pó e na cinza,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que a Tua sabedoria me fez seguir por caminhos inextrincáveis,
Enquanto eu na minha “razão humana” amaldiçoava tanta falta de sorte,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que lançaste tempestades para desviar o meu barco de rotas de morte,
Enquanto eu segurando com forças no timão, teimava em ir em frente,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que me concedeste infinitamente mais do que eu seria capaz de pensar e pedir,
Enquanto eu, qual Ruller de Flannery O'Connor só enxergava o que havia perdido,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que entrastes no campo de batalha para me resgatar do perigo,
Enquanto eu, agarrado ao fuzil enferrujado, sentia medo dos estampidos e explosões
Grazie Signore!
Por todas as vezes que enviaste Ruach para me envolver com Teu inefável amor,
Enquanto eu, imerso num vazio imenso, amaldiçoava a solidão que sentia,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que Tuas mãos curadoras tocaram minhas feridas purulentas,
Enquanto eu olhava apenas para aqueles que me desprezavam qual leproso,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que traçastes planos indizíveis e inefáveis para mim,
Enquanto eu me lamuriava por meus sonhos despedaçados,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que enviaste borrasca e a procela em seu furor, para me levar a um porto seguro,
Enquanto eu teimava em abrir as velas e velejar em mares abertos e perigosos,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que me concedeste o melhor para mim,
Enquanto eu, qual menino mimado e ingrato, me amuava e lamentava a má sorte!
Grazie Signore!
Por todas as lágrimas derramadas e gemidos inexprimíveis que Ruach teve em meu lugar,
Enquanto eu, perdido num vendaval de emoções, não conseguia nem pedir socorro,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que encheste minha vida de significado e propósito,
Enquanto eu, que tenho um vazio eterno, me sentia sem rumo e perdido,
Grazie Signore!
Por todas as vezes que vieste em meu socorro nas madrugadas frias e solitárias,
Quando eu mesmo sequer pensava em pedir Tua ajuda!
Grazie Signore!
Por todas as vezes que te alegraste com as minhas imperfeitas manifestações de gratidão,
Quando eu sequer emiti qualquer som de agradecimento,
Grazie Signore, grazie!

Sou eu...


"Isso não é legal.
Não estou jogando limpo.
É golpe baixo.
Porque essa é minha especialidade.
Não consigo controlar meus sentimentos.
Sou descartada como vômito em um saco de papel.
Controlar-me é difícil.
Não posso controlar-me, eu explodo.
Sou minha própria bomba.
Meu cérebro é uma Hiroshima permanente.
Em meu despertar, um cataclisma.
Sou meu pior drama.
Pior ainda, eu me achei sem me procurar.
Me encontrei e não consigo livrar-me de mim.
Então, não pergunte por que eu não posso amar".

Kiki Labrhche in "Borderline"

Mais um feriado?



Sábado à noite (19), após ver meu Sport massacrar o Paraná e entrar no grupo dos quatro (G4) que terão acesso à Primeira Divisão do futebol brasileiro, peguei um calendário para programar o meu fim de ano, já que terei que enfrentar grandes mudanças ainda este ano. 2011 foi um ano inusitado para mim, afinal de contas eu comecei o ano numa empresa e terminarei (a tentação de gerundizar: “estarei terminando” é imensa, mas, como não sou atendente de call center, eu vou utilizar a forma da norma culta!) em outra, isso sem contar que ainda trabalhei numa terceira empresa no intervalo entres as duas citadas, além de outras tantas mudanças em minha vida pessoal.

Constatei que teremos em Dezembro mais dois feriados: 25, que cairá num domingo e dia 08, que será numa quinta-feira, dia da Imaculada Conceição de Maria, feriado em várias cidades, inclusive em Recife, onde moro.

Aí curiosamente fiz uma conta rápida, bom, pelo menos o MS Excel ajudou a ser rápida: dos 365 dias de 2011, após a subtração dos 52 domingos, restariam 313 dias para serem efetivamente trabalhados, caso a atividade desenvolvida não seja exercida aos sábados, teríamos 53 dias a menos, já que, inusitadamente, o ano começou num sábado e vai terminar noutro, o que nos deixaria com 260 dias, caso não ocorram absenteísmos, potencialmente produtivos, ou seja, 71,23% apenas de aproveitamento do ano, um índice, ao meu ver muito baixo. Espere, eu esqueci os feriados! bom vamos lá então:

Foram ao todo 16 feriados em Recife, 4,38% de folga anual, exceção apenas de 06/03, Dia da Revolução Pernambucana e 1º de Maio, que caíram no domingo, e 25 de dezembro, que também cairá no domingo, ainda assim, tivemos o dia 14/11 que foi assassinado por muitos e o dia 09 de Março, quarta-feira de Cinzas que no nordeste é feriado branco, pois o índice de absenteísmo é altíssimo neste dia.

Logo, com esses 13 feriados, ficamos então com 247 dias úteis na cidade, atingindo um percentual de 67,68% de dias produtivos. No município vizinho, Cabo de Santo Agostinho, ainda existe mais um feriado: 31 de Outubro, Dia da Consciência Evangélica, ou seja, foi feriado na segunda (31), alguns trabalharam no dia 01 (terça) e na quarta-feira (02) o município fechou de novo. E ainda reclamam quando as empresas querem ir embora da cidade e do estado. Alguns setores defendem ainda a criação dos feriados estaduais de 31 de outubro, Dia da Consciência Evangélica, mormente que neste dia se comemora a Reforma Protestante, e o Dia da Consciência Negra em 20 de Novembro, ou seja, mais dois dias para que folguemos ou tenhamos que dar folgas.

Sem levar em consideração os encargos trabalhistas, que podem encarecer em até 86% do salário pago ao funcionário, podemos fazer outro exercício mental e constatar que um funcionário que ganha R$ 600,00 reais por mês, ganharia ao ano R$ 7.200,00 caso tivesse descontados todos os feriados e folgas semanais, teria recebido apenas R$ 4.872,33, o que equivaleria a um desconto de R$ 2.327,67 para um empregador, longe de mim defender este desconto, o que eu acho estranho é que nem o governo, nem a igreja, os principais criadores e beneficiários dos feriados queiram pagar a conta desta festa. Aí é que o caldo engrossa.

Destes feriados que eu listei, temos, pela ordem os seguintes feriados cívicos: 06 de Março, Revolução Pernambucana (feriado estadual), 21 de Abril, Dia de Tiradentes, 07 de Setembro, Independência do Brasil e 15 de novembro, Proclamação da República (todos feriados federativos).

Fica fácil listar então os feriados religiosos: 22 de Abril, Sexta-feira da Paixão, 24 de Junho, São João, já que no nordeste não se comemora o Corpus Christi, opta-se pelo caráter mais festivo que religioso do dia de São João, 15 de Junho, Senhora do Carmo, padroeira do Recife, 12 de Outubro, Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, 02 de Novembro, Dia de Finados, 08 de Dezembro, Senhora da Conceição, padroeira do Recife (Recife tem a honra de ter duas padroeiras!) e 25 de Dezembro, Natal de Jesus Cristo. Ou seja, 07 (sete) feriados religiosos, e nenhum é consenso entre as religiões praticadas no país, nem mesmo os feriados maiores (Natal e Páscoa) são aceitos por todos, muitos respeitam a figura de Jesus como profeta, mas não o consideram divino, e a Páscoa, ainda que guardada por cristão e judeus, muito embora por vieses diferentes, ainda deixa um séquito de religiões para trás que não aceita as razões para tal reserva do dia.

Deixei de fora alguns outros dias como São José, São Pedro, etc, que numa ou noutra cidade acabam sendo guardados, já que cada cidade tem direito a possuir um padroeiro.

Então eu fico me perguntando, estamos ainda no tempo do Padroado Português? O Brasil é de fato um estado laico? Respostas simplistas às estas perguntas não satisfazem e nem condizem com a realidade dos fatos. Dizer que o Brasil não vive mais na época do padroado não responde satisfatoriamente, caso isso fosse verdade, então por que temos ainda padroeiros e padroeiras? E responder que somos um estado laico não explica o fato de que, nem o parlamento, nem o executivo, exercem a nossa laicidade com o banimento de alguns desses feriados. Qual congressista teria coragem de propor a redução de 05 desses feriados e a adoção de um dia apenas por ano para comemorações religiosas? Dou minha cara à tapa se isso não levaria à derrocada do parlamento, o Brasil entraria numa guerra de poderes, com boicotes e protestos espalhados por todo o país.

Falam que precisamos respeitar a fé do povo, bom, dentro de alguns anos o catolicismo não será mais maioria no país, já não o é hoje, pois a quantidade de católicos nominais e maior do que a de praticantes, e o que será feito então? Teremos ainda feriados de padroeiros e padroeiras num estado de maioria evangélica? Ou será que escolheremos a solução mais fácil de criarmos dias feriados que agradem aos evangélicos? Multifacetado e desunido como é o protestantismo no Brasil, difícil vai ser escolher o dia que seria consenso, nem mesmo 31 de Outubro seria aceito unanimemente.

De resto o que eu tenho a dizer é que o excesso de feriados não ajuda em nada ao país, às empresas e aos trabalhadores e que os feriados religiosos, que no Brasil são todos de conotação católica, são um desrespeito a quem não comunga desta fé, ser obrigado a “folgar” no dia santo é a mesma agressão que obrigar os católicos de países de maioria islã a “guardarem” o Ramadã!