O Brasil está mais Bento?

Ouço sempre pela manhã assim que acordo uma conhecida rádio de notícias de alcance nacional com vistas a me informar, isso faz com que eu despreze a utilização da televisão, antes eu ainda perdia alguns minutos preciosos na frente deste aparelho cerceador mental, porém como continuar acreditando nas notícias politiqueiras e pagas que a Rede de Televisão do Grande Irmão nos passa todos os dias? Ao ouvir as notícias, deparo-me com fatos recorrentes: políticos corruptos, renúncias de mandatários para evitar cassação, traficantes bilionários, violência galopante, descaso dos poderes dominantes, saúde pública omissa, justiça que deveria ser cega, mas tem os olhos bem abertos para proteger quem tem dinheiro, má distribuição de renda, filas do INSS que tem diminuído à custa dos que morrem nas madrugadas, decréscimo da ética e aumento de tudo o que é ruim.

Porém, mesmo diante de tudo isso, ouvi e li muito nos últimos meses que o Brasil está mais bento, benzido. Assim acha uma parcela considerável da sociedade, refletindo isso em jornais, revistas, rádios, televisão e até em adesivos de carros. Parece muito com a frase, lugar-comum, de alguns grupos evangélicos: O Brasil é do Senhor Jesus! Bem que eu gostaria de acreditar nisso. Quero, portanto refletir e tentar responder à seguinte pergunta: O Brasil está mesmo mais bento? Antes abramos uma digressão para esclarecer algumas coisas:

Bento, nada mais é que um adjetivo masculino singular. De início quero lembrar que "bendizer" e "benzer" têm a mesma origem, são derivados do verbo latino "benedicere" que significa "louvar", "abençoar", "dizer o bem", é com este sentido que eu o uso aqui, logo os vocábulos "benedito", "bendito" e "bento" são sinônimos. Esses três termos vêm de "benedictus", particípio do verbo latino "benedicere". Em português, "bendito" é o particípio de "bendizer", enquanto "bento" é um dos particípios de "benzer" (além de "benzido"). A mais que famosa católica "água benta" nada mais é do que a água abençoada pelo padre, na tradição episcopal seria pelo presbítero, ou bispo. (Abro uma digressão dentro da outra para informar aos puristas que "água-benta", com hífen, trata-se da mardita, a marvada pinga, a cachaça). "Bento" e "Benedito" têm a mesma origem e apresentam essencialmente o mesmo significado, a opção por "Bento" se apóia na tradição. O nome deriva de são Bento, que nasceu em 480, em Núrsia, na Itália antiga. O primeiro papa Bento reinou, pontificou, de 575 a 579.

Fechada a digressão, Voltemos à pergunta explicando de antemão a razão de ser da mesma: O Brasil recebeu a visita do simpático (que me perdoe o falecido Albino Luciani, o João Paulo I pela ousadia de compará-lo com este Coronel da Gestapo), papa Bento(Benedito)XVI, mais conhecido por aqui como O Grande Inquisidor, que na mesa do Santo Ofício, que de santo não tinha nada, sempre sentou na cadeira de interrogador ou de censor, que o diga Leonardo Boff, a visita teve uma ampla divulgação da imprensa, e tendo o apoio, não sem interesse, do Governo, em busca de popularidade e do apoio dos católicos indecisos, e de supostos intelectuais, os mesmos que protestavam contra os hábitos à la Torquemada do então Cardeal, que qualquer semelhança com Richilieu ou Mazzarino não será mera coincidência. Logo seria justo para mim, um incorrigível protestante perguntar: O Brasil está mais abençoado após a pontifical visita? Quem ou que setores da sociedade ganharam com a visita da episcopal égide?

Para a imprensa imparcial brasileira, pena que não haja nenhum Hugo Chávez por aqui, foi um achado, pois assim tentava reaver os altos índices de audiência mostrando coisas triviais e banais, dignas de um folhetim de fofocas de famosos, até a iurdiana Record, inimiga ferrenha do catolicismo, é só lembrar do chute na santa, aderiu à onda, pois tenta ser a segunda do ranking do besteirol que se tornou a comunicação televisiva brasileira.

Foram bombardeados sistemática e impiedosamente nos últimos dias os lares de todos os brasileiros, independente do credo ou da cor religiosa, com uma propaganda gratuita, de causar inveja a qualquer partido político ou candidato em época de eleição, para o já dominador e influente catolicismo romano, em todos os meios de comunicação, ela empurrou de "goela abaixo" nos acatólicos missas, cânticos, louvações e outras bajulações mais como se fossem assuntos de reportagens, mas eram doutrinação subliminar.

Creio que essa propaganda toda, bem como a visita motivacional que tentou trazer de volta ao redil as ovelhas que se bandearam para os lados protestantes, se deve ao medo, de tamanho colossal, por parte da cúria da perda da hegemonia e da influência da igreja católica no Brasil, haja vista o crescimento dos cultos acatólicos nos últimos anos e a ascensão de políticos dessas tendências, um já chegou a disputar a eleição para presidente da república(aquele que confundiu jejum com greve de fome), não que fosse um representante digno de um Calvino, de Cromwell ou de um Savonarola, mas para um país que só teve um presidente não católico, mesmo assim na época da ditadura já estava de bom tamanho. Para o episcopado brasileiro isso é algo assustador, basta compararmos com as benesses exclusivistas que a igreja católica sempre gozou desde os tempos da colonização aos tempos áureos da ditadura militar.

Uma intelectual fluminense, difícil encontrar uma flamenguista, afirmou que: “A Igreja Católica vive um reavivamento, a partir da Renovação Carismática”. Não creio que seja legítimo chamarmos a fase atual da igreja católica de reavivamento, pois nada mais é que uma transposição ou adaptação dos cultos das igrejas pentecostais para seus próprios moldes, igrejas essas que a mesma tem tentado combater como maiores adversárias nos últimos anos, uma vez que a maioria desse ramo é avessa à tendência ecumênica que alguns setores marginais do evangelicalismo protestante brasileiro têm tentado colocar em prática. Ecumenismo de um lado só, pois Roma só crer em volta à madre igreja. Esse lado pentecostal do catolicismo, que não conta com o apoio maciço dos mandatários da cúria, tem avançado a olhos vistos, para provar esse avanço aí estão as suas redes de televisão, suas mais de duas centenas de emissoras de rádio, e, até mesmo um “marqueteiro”, tudo aos moldes do pentecostalismo televiso: Shows e teatralizações religiosos.

Com o declínio da Teologia da Libertação, que foi um verdadeiro sopro do Espírito sobre essa igreja, e das chamadas Comunidades Eclesiais de Base, algo muito similar à comunhão protestante dos metodista e pietistas, sendo estes menos preocupados com política do que aqueles, percebe-se que a igreja desvinculou-se dos partidos políticos, além de ter perdido um pouco das ações pastorais sociais. A preocupação com o eterno e com o espiritual está levando a igreja a perder a noção de sua ação no mundo hoje. Há um cântico da hinódia soul norte americana, mesmo sendo um exemplo do meio protestante o fato em si pode ser aplicado aqui sem prejuízo algum, muito embora seja uma outra tendência eclesiástica, que retrata muito essa dificuldade de equacionar o eterno com o transitório em que vivemos: “Eu avisto uma terra feliz, onde irei para sempre morar, há mansões neste lindo país que Jesus foi ao céu preparar, vou morar, vou morar nesta terra celeste porvir...”, cantamos essa música para sepultar nossos entes queridos, os escravos dos campos de algodões sulistas dos EUA cantavam-na para animar-se mutuamente e manter viva a esperança de liberdade ainda nesta vida. O espiritual estava muito ligado ao existencial. A igreja preocupa-se com a Koinonia, comunhão espiritual do organismo, e não tanto com a diaconia, ação social, além de uma ênfase no kerigma, pregação ou salivação pulpitar, da mesma forma que os protestantes primevos, que sempre priorizaram a palavra em detrimento dos sacramentos.

Esta visita é de motivação religiosa, estratégica nesse momento de esvaziamento das paróquias e crescimento das igrejas neo-pentecostais, não creio que surtirá o efeito desejado, pois o papa não goza do prestígio que o seu antecessor e costuma dar muitos foras em seus discursos, é radical, fundamentalista e diria que até ultramontano: Mesmo que levemos em consideração as relações diplomáticas do Brasil com o Estado do Vaticano, já que o papa é também Chefe de Estado: A presença papal na Conferência Episcopal Latino-Americana (CELAM), no santuário mariano de Aparecida não deixa qualquer dúvida da intenção da visita.

Estudos recentes comprovam que há pelo menos duas décadas a igreja católica perde cerca de 600.000 membros por ano no Brasil. Nesta década, segundo dados de pesquisas da Fundação Getúlio Vargas e da Folha de São Paulo, houve uma queda sensível dos percentuais desta perda, estabilizando-se os números. Os auto-proclamados sem-religião estão em declínio, haviam crescido bastante no Censo de 2002. Os Protestantes que continuam crescendo, ainda que mais timidamente do que anos anteriores, o tem feito em celeiros não-católicos, pois nesses a atração tem diminuído, já que alguns padres cantores, mais parecem alguns pastores avivalistas e animadores de palco. Os espíritas, light ou hard, e outros de religiões não-cristãs continuam a apresentar índices de crescimento reduzidos. A maior dificuldade em encontrar os reais índices de crescimentos, avanços e recuos desses grupos é de ordem metodológica: Os estudiosos e pesquisadores se recusam sistematicamente a separar os pentecostais, os chamados clássicos, dos neo-pentecostais, dos ainda chamados de pseudo-pentecostais, aglomeram todos na cifra de 17% da população. Os protestantes históricos: batistas, presbiterianos, anglicanos, congregacionais, luteranos e outros somam apenas 5%. No nordeste, por razões históricas, nas zonas rurais mais distantes, e nos bairros de elites, por razões sociais, a presença protestante é muito fraca, porém é bastante forte nas periferias das regiões metropolitanas, por razões associadas inclusive às mutações sociais da população peregrina, que ao trocar de habitat, muda de religião para melhor adaptar-se, nos grandes centros, nas outras regiões, e entre as classes médias e populares.

Outro fator complicador é que esse protestantismo multifacetado enfrenta uma profunda crise existencial, crise essa que assola os outrora dominantes países onde este ramo já foi maioria, aqui essa crise ainda não é aguda, exceção porém, para alguns setores do luteranismo da IECLB e do presbiterianismo da IPIB que já adotam um cristianismo pós-moderno e para a pulverizada, pequena e dividida Anglicana, que para agradar aos seu patrocinadores liberais pós-modernos norte americanos, abriu mão de muita coisa, inclusive de sua vitalidade, o que lhe custará em pouco tempo a própria existência, com isso perdeu a identidade católica, evangélica, reformada e talvez até mesmo de igreja, tendo bispos que já fizeram rituais do candomblé para parecerem inclusivistas, as muitas divisões dela parecem mais brigas por espaço e poder, fruto de um avanço em alguns centros como Recife, sem nenhum contato com a sua história no Sul. Porém as últimas divisões na diocese do Recife são reflexo de uma nova visão do Bispo Robinson, que voltou atrás em suas idéias progressistas e resolveu agradar setores fundamentalistas nas questões apenas de gênero, fazendo vista para outras diferenças, inclusive teológicas e cúlticas, cercando-se de um clero distante da reflexão teológica capaz de dar continuidade histórica ao seu projeto, faltará vontade, mas faltará também cabeça. Um diferencial que contribui bastante para o aprofundamento desta crise é que essa face liberal pós-moderna nada mais é que um secularismo religioso, com seguidores que são filhos do racionalismo Iluminista que contribui com o esvaziamento das Igrejas, chocando os fiéis, e sem mensagem moral para a Sociedade Civil e o Estado. Como diz Robinson Cavalcanti: “... É um fenômeno único na História, em que uma religião rejeita os seus fundamentos, e perde a sua identidade...”. Nesse caldeirão protestante pós-moderno existe espaço para todos os espectros religiosos: uma fragmentação denominacional, onde a perda de valor da instituição e o valor do indivíduo são apenas mais um reflexo do quanto o individualismo pós-moderno invadiu as igrejas, ao lado e dentro deste universo fragmentário aparecem as mega-igrejas, nas quais o cristianismo é apresentado ao gosto do cliente, caso não goste, mude de canal, ou melhor, de templo, pastores que são mais animadores e bandas gospel, que por falta de criatividade, ou de talento mesmo, imitam as secularizadas da MTV. É o que um estudioso chama de “Teatro, templo e mercado”.

Não sei nem se é animador, mas digno de nota é o fato de que o protestantismo desloca-se para os periféricos e pouco influentes países do hemisfério sul, a Terceira Igreja, onde o crescimento quantitativo é bastante desordenado, suas características principais são: fundamentalismo extremado, sectarista, legalista e mais preocupado com a moral do que com a ética, alienado politicamente, além do mais, são propensos defensores da Teologia da Prosperidade e da Teologia da Batalha Espiritual, criando uma forma de culto que nada difere dos cultos que eles combatem, é um evangelicalismo fetichista. Essas igrejas têm como ênfase a falta de ética numa perspectiva macro e como ponto forte a prática sincrética com os cultos afro-ameríndios e com o catolicismo romano, distante cada vez mais dos pontos discutidos pelos reformadores do século XVI, os quais deram a vida por essas idéias. Mesmo crescendo muito, essas igrejas são, pelo que já falamos, de um testemunho significante incipiente ou quase nulo mesmo, pois essa alienação política, aliada a uma insensibilidade social e a um distanciamento total de uma reflexão teológica, quando não desconfiam da educação teológica formal, afasta-as de uma reflexão dos pecados sociais e estruturais eclesiásticos ou políticos até, nem sabem nada do mandato cultural, nem da missão integral da Igreja, faz com que esse crescimento quantitativo tenha impacto minimalista na vida secular, não parece que têm sede de justiça.

Bem, após tanta divagação, volto ao tema deste artigo para responder à pergunta: Não sei o que tudo isso tem a ver com Bento XVI, mas acho que o Brasil não está mais bento. Não está mesmo!

O Coiote é meu herói


Coiote, nome científico: Canis latrans, mamífero, membro da família Canidae. Encontrado apenas nas Américas do Norte e Central, geralmente vivem sós, seguindo um modo de vida anacoreta, podem também se organizar em matilhas, passando a viver de modo cenobita, isso acontece ocasionalmente quando a situação lhes convier. Vivem em média 6 anos. A palavra coiote é de origem Nahuatl.

Isso posto, passo a considerar um espécime em particular: Wile E. Coyote. Há pelo menos duas décadas que este belo ser vivente que é um misto de Einstein, gênio em física e outras ciências exatas, McGyver, dotado de alto índice de criatividade e Bocelli, de alma sensível e musical, tenta, tenta e tenta sem conseguir, é lógico, capturar o Papa-Léguas, uma codorninha esquelética, que se comunica de forma monossilábica, indícios de sua pouca cultura e de seu analfabetismo, além de sua dificuldade de relacionar-se.

O Coiote já empregou toneladas de material Acme, que com os resultados apresentados já mostrou ser uma das marcas mais ineficientes do mundo, e um sem número de tentativas de burlar as leis da Física, das quais ele é profundo conhecedor, me causando inveja pois só conheço a da inércia, pois ando muito de ônibus e já fiquei tarimbado com os solavancos provocados pelo belo asfalto recifense e pela perícia dos motoristas pernambucanos e a da gravidade, pois o que eu já cai não está na história, para pegar o pássaro mais rápido do deserto.

Chuck Jones, seu criador, faleceu no último dia 22 de fevereiro, de ataque cardíaco, sem que o Carnivorous vulgaris - nome que recebeu quando criado, em 1949 - conseguisse jantar o Papa-Léguas. Acho que ele era frustrado com algum objetivo perseguido e não alcançado, aí transferiu para o pobre Coiote. Alguns estudiosos, que não têm o que fazer, concluem que os problemas enfrentados pelo Coiote com suas engenhocas teriam sido inspirados na própria dificuldade do Jones com a utilização de eletrodomésticos. Ou seja ela era um palerma anti-tecnocrata e transferiu isso para o Wile. Vejo com bons olhos a depressão exarada nos olhos do pobre Coiote, acho que ele tem um quê do dinamarquês Kierkegaard. Alguns diriam que ele é melancólico, não sei ao certo, mas eu fico deprimido quando vejo a tristeza de forma tão concreta naquele olhar.

Bem, nuances subjetivas à parte, devemos levar em consideração o que alguns iluminados acham: trata-se da eterna busca do ser humano (no caso, representado pelo Coiote) pela sua felicidade, por aquilo que completaria sua existência(no caso, o Papa-Léguas, não sei como, pois a esquelética figura não tem carne para colocar num pastel). A angústia que nos é característica, ou o desespero humano de Kierkegaard, seria representada justamente pelo fato de o Coiote jamais capturar o Papa-Léguas. Aí tanto a teologia quanto a filosofia teriam muito a dizer, ficando a primeira com a possibilidade mais ampla de tratar do eterno para compensar as perdas neste mundo. A famigerada Teologia da Prosperidade não tem como dar uma resposta satisfatória ao Wile, pois a mesma atribuirá o seu insucesso aos pecados não confessados ou mesmo à falta da confissão positiva.

Outra corrente de pensamento, essa oriunda da Universidade Federal da Bahia, o que mostra a relevância dos estudos daquela instituição muito séria, diz que se trata da representação de duas correntes filosóficas: Wile Coyote é o platônico, aquele que vislumbra uma realidade que não existe, idealizando a codorninha numa frigideira. Papa-Léguas seria um arquétipo aristotélico: aquele que lida com a realidade presente, que acredita no que vê. Travar-se-ia, então, um duelo de percepções de mundo, na qual obviamente – basta verificar a quantidade de bigornas que já caíram sobre a cabeça do pobre Coiote ou mesmo a quantidade de dinamites e outros artefatos que já explodiram inadvertidamente sobre ele – a visão vencedora seria a do Papa-Léguas.

Vasculhando a Internet, esse oceano de besteiras e mediocridades, deparei-me, ainda, com uma quarta versão sobre nosso desenho, muito semelhante à segunda: a caçada do Papa-Léguas seria uma mera representação da busca do homem – o Coiote – pela mulher perfeita, ideal – o Papa-Léguas, como mulher perfeita não existe o insucesso dele seria algo corriqueiro e trivial, além do mais(creio que daqui a pouco irão falar da fixação homoerótica do Wile pelo Beep-beep). Evidentemente, creio que as mulheres ficam lisonjeadas com a comparação, outras talvez nem tanto: ser comparada com um galináceo de pernas finas. Visto que, de fato, há homens que merecem dezenas de bigornas sendo despejadas sobre suas cabeças vazias, mas receio que Jones não tenha pensado nisso quando criou o Papa-Léguas... Na visão de um grupo norte-americano de estudos de mitologia, o Rhesus Monkey, tanto o Papa-Léguas como o Wile Coyote (assim como o Pernalonga) seriam os chamados “heróis pregadores de peças”, uma mera repetição de toda a mitologia já criada pelo homem.

Seja qual for o significado que se deseje atribuir à esta eterna caçada, o interessante é que o desenho do Papa-Léguas está alicerçado sobre regras bastante rígidas. Se olharmos atentamente e fizermos um (divertido) esforço de memória, veremos que essas “leis” jamais foram burladas.

Aqui estão os “dez mandamentos” de Chuck Jones para Wile E. Coyote e Papa-Léguas. Depois, é só rever o desenho e fazer uma espécie de jogo dos sete erros, sabendo, de antemão, que eles não existem!
  1. O Papa-Léguas não pode sacanear o Coiote; ele só deve correr e fazer “beep-beep”;
  2. O Coiote não pode ser afetado por nenhuma força externa: seu fracasso deve advir unicamente do uso de produtos Acme ou de sua própria estupidez;
  3. Wile E. Coyote poderia acabar com sua caçada a qualquer momento – não fosse ele um fanático. Entretanto, ele jamais desistirá, já que está sempre certo de que sua próxima tentativa será bem sucedida. Acho que ele é persistente, isso é admirável, não desiste nunca, um ideal que deveria ser perseguido por todos, uma característica que foi imitada por Luís Inácio;
  4. Está vetado qualquer diálogo, com exceção de “beep-beep!”, creio que mesmo não havendo esse veto a coisa não mudaria muito, pois o bicho não sabe falar nada mesmo, é uma besta pré-histórica monossilábica;
  5. O Papa-Léguas nunca deve deixar a estrada, parece-me que ele já leu o livro: Uma vida com propósitos, está bastante focado num objetivo. Acrescento ainda que antipatizo muito com ele, mas estou tentando ser imparcial: essa coisinha magricela além de tudo é sádica, adora ver o Coiote se lascar;
  6. Toda a ação deve se passar no habitat dos dois personagens: o deserto americano. Afinal de contas, lá tem tudo o que um desenho animado precisa: estradas, montanhas, cactos, desfiladeiros... Todos eles prontos para desafiar a Física convencional. Além de representar o cenário perfeito para sandices, que ao meu ver é um perfeito sinônimo da sociedade semi-pensante norte-americana. Não à toa que um presidente de raciocínio lento tenta dar uma de cowboy;
  7. Todas as ferramentas, armas e outros artefatos devem ser de origem Acme. Talvez o motivo seja o encontrado pelo pessoal do Cartoon Network: eles oferecem melhores linhas de crédito! No Brasil seriam substituídos por Walita e CCE;
  8. Sempre que possível, fazer da gravidade o pior inimigo do Coiote;
  9. O Coiote sempre sai mais humilhado do que ferido de suas armações, quem não sairia com um roteirista sádico, de tendências chauvinistas que privilegia alguns seres em detrimento de outros, à despeitos dos esforços empreendidos?;
  10. O público, no final das contas, é solidário ao Coiote. Para mim ele é meu grande herói, maior até mesmo que o Homem-Aranha. É o animal da triste figura, amado e admirado, independente de seus erros e acertos.
Wile, eu sou teu fã.

Pentecostes, libelo da unidade!

A colheita do trigo no Israel antigo era marcada pela festa de Pentecostes, embora judaica o nome é grego, significa cinqüenta dias, que eram contados a partir da Páscoa. Era dia de santa convocação no qual nenhum trabalho manual poderia ser feito, exceto os da própria festa. Dia de júbilo e ações de graças pela abundante colheita, sinal da providência divina para a subsistência de Seu povo. Era a festa mais freqüentada, pois a época do ano propiciava viagens longas, o fluxo de pessoas em Jerusalém era maior até mesmo que na Páscoa.

Cinqüenta dias após a ressurreição de Jesus, que ocorreu na Páscoa e modificou para os cristãos o conceito da mesma, e dez dias após a sua ascensão; outro fato marcante na história da Igreja alterou o sentido de mais uma festa judaica: A descida do Epírito Santo, que ocorreu na festa de Pentecostes, daí o adjetivo Pentecostal para doutrinas ou costumes daqueles que enfatizam a manifestação do Espírito através de dons[Em grego o substantivo é charismata, e o adjetivo em português é carismático] e sinais, tais como línguas estrangeiras, curas, profecias. Pentecostes pra os cristãos significa presença divina no meio da Igreja, cumprimento da promesssa de Jesus de enviar outro Consolador para guiar sua Igreja e principalmente significa a unidade do Corpo de Cristo, ou pelo menos devera significar.

John Wesley, presbítero anglicano, um dos que mais influenciou as igrejas advindas da reforma em sua pregação, hinologia e principalmente na busca de santidade pessoal como decorrente de uma nova vida com Jesus, cria que a manifestação do Espírito levava o cristão à unidade: "... Se o teu coração é igual ao meu, dá-me a mão e meu irmão serás...".

Cabe-nos, portanto, às vésperas do Pentecostes, refletir sobre a ação do Espírito Santo: Unidade, ele veio para unir o corpo de Cristo. Numa época de tantas divisões em nome do Espirito, vem à tona a questão: Poderia o Espírito da Unidade, patrocinar divisões no Corpo de Cristo?

A busca por dons do Espírito não pode ofuscar a missão principal dele: Unir. É notório que a Igreja nunca foi uma túnica inconsútil, mas querer anunciar Jesus com Salvador, sem buscar a unidade dela é inútil, ou porque não dizer escândalo. Não há motivo algum que justifique as divisões na Igreja, ainda mais quando esses motivos são personalistas, são projetos pessoais de mesquinharia espiritual. Dilaceram mais uma vez o Corpo de Cristo, dividem-no, confundem-no, escandalizam. Ao contrapor os Frutos do Espírito com as Obras da Carne, Paulo fala aos Gálatas que uma dessas obras é a divisão, considera-a como carnal, pecado, jamais liga as divisões com o Espírito da Unidade. O mesmo Apóstolo Paulo, escrevendo aos Coríntios, adverte-os que: "... Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá...", o contexto desse texto é de divisão e cisma na Igreja, e não de suicídio, como pensam alguns. Paulo aqui sentencia que os divisonistas estão sob o juízo divino. Advertência assustadora!

A busca da unidade e as implicações que vêm juntas devem dominar todos os esforços cristãos. Como dizia Karl Barth: "... onde não há comunhão com os irmãos não pode haver comunhão com o Salvador..." O Espírito une, nada que divida e esfacele o Corpo pode vir do Espírito!

O Rabino Sobel e o Rabino Joshua



Em 23 março de 2007, Henry Sobel, rabino, figurinha carimbada na mídia brasileira, referência nacional, não só para a Comunidade Judaica, mas também para todas as demais religiões e até mesmo para não religiosos, foi detido na cidade de Palm Beach, nos Estados Unidos, acusado de furtar gravatas de uma loja da rede Louis Vuitton. Após passar uma noite sob custódia, pagou fiança de cerca de 3.680 dólares e foi liberado. De acordo com o boletim de ocorrência, Sobel foi flagrado por câmeras de segurança da loja cometendo o crime; em seu carro a polícia encontrou outras quatro gravatas, das marcas Louis Vuitton, Giorgio's, Gucci e Giorgio Armani. As cinco gravatas juntas têm valor estimado de 680 dólares.

Em 09 de janeiro de 1944, Henry Sobel nasceu em Lisboa, descendente de pais belgas, sua família muda-se para New York, quando ele era ainda criança, lá ele concluiu o curso para o rabinado em 1970. Neste mesmo ano ele aceitou o convite para ser o líder espiritual da Congregação Israelita Paulista, passando a morar no Brasil. Sobel tem apenas uma filha, Alisha, nascida em 1983. Como líder da CIP, Sobel tem sido um porta-voz da comunidade judaica no Brasil.

Sua atuação o levou a ser considerado uma das maiores lideranças religiosas do país, sendo consultado sobre diversos assuntos pela mídia. Também estabeleceu uma ponte entre as religiões cristãs e o judaísmo, participando de inúmeras cerimônias e eventos ecumênicos. Junto com o já falecido arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, e do também falecido pastor presbiteriano unido Jaime Wright, participou de maneira destacada no projeto secreto de reunir toda a documentação da ditadura militar brasileira, que resultou em 1985 na publicação do livro "Brasil: Nunca Mais" – um marco na história dos direitos humanos no país, em que a tortura e os torturadores foram expostos com base no farto material reunido.

Em 1975, quando o regime estava cada mais recrudescido, e a coisa pegava – e pegava mesmo – o rabino Henry Sobel enfrentou com muita coragem a ditadura militar e enterrou o jornalista Vladimir Herzog no jazigo da família, e não no “limbo” – espaço nos cantos dos cemitérios reservado aos suicidas na religião judaica – indicando com isso que não aceitava a teoria do suicído que a ditadura havia divulgado sobre a morte do jornalista. Além deste ato, realizou uma cerimônia ecumênica na Catedral da Sé, em memória de Herzog. Sobel sempre foi corajoso e denunciou profeticamente a linha-dura do regime militar.

Este flagrante de furto de gravatas numa loja em Miami é algo infinitamente menos perigoso do que enfrentar a ditadura militar brasileira. Quando da divulgação do fato, pediu o seu afastamento do Rabinato da Congregação Israelita Paulista e foi aceito.

O que exaspera são os comentários irônicos em blogs, que não perderam tempo em se aproveitar da notoriedade de Sobel, o principal foco de piadistas covardes foi, como de costume, o site de relacionamentos Orkut. Algumas comunidades foram criadas, entre elas a Free Henry Sobel (liberte Henry Sobel), cujo mote é “Ele é o nosso Winono Ryder!”, mencionando episódio em que a atriz Winona Ryder foi flagrada roubando roupas em uma loja, também nos Estados Unidos. Em outra comunidade, na Henry Sobel Nunca me Enganou, a enquete é "por que o Henry Sobel roubou as gravatas?" Entre as alternativas, respostas como: "ele esqueceu a carteira em casa e ia pagar depois"; "porque ele achou que as gravatas eram de graça"; "por causa da paz entre os povos"; "foi tudo uma armação da Palestina"; "porque ele é judeu"; "um cristão que colocou as gravatas no bolso dele" e "porque as gravatas eram lindas demais". Porém algumas pessoas mais inteligentes e avessas às mediocridades de plantão manifestaram solidariedade, em comunidades como a O sotaque do Henry Sobel, que, em sua descrição, esclarece que "existe para fins humorísticos e pacíficos, portanto qualquer tópico com discussões racistas, anti-semitas e derivados serão execrados" e que tem como base o sotaque característico que o rabino mantém apesar de estar há tanto tempo no Brasil.

Por conta disso Sobel foi internado no Hospital Albert Einstein. Em nota divulgada à imprensa, o hospital informou que o rabino já vinha fazendo uso 'imoderado' de medicamentos hipnóticos e diazepnícos por conta de 'insônia severa' nos últimos dias. Segundo a nota, estes medicamentos são 'causadores potenciais de quadro confusão mental e amnésia'. No início da tarde, o hospital divulgou o primeiro boletim médico informando que Sobel foi internado por apresentar 'descontrole emocional' e 'transtornos de humor'. A nota, assinada pelos médicos José Henrique Gernann e Flávio Huck, diz que Sobel foi internado nesta madrugada' devido ao episódio de transtorno de humor, representado por descontrole emocional e alterações de comportamento'.

O afastamento de Sobel da Congregação Israelita Paulista deverá ser avaliado em Israel. A comunidade judaica quer levar para o Conselho Rabínico Mundial o caso do rabino. O fato de Sobel ter passado o shabat (descanso em hebraico) na cadeia provocou a ira dos judeus conservadores, que consideram o desrespeito a ele uma falta gravíssima. Pessoas próximas ao rabino dizem que ele vem apresentando quadro de 'senilidade e cleptomania', que é impulso mórbido para o furto.

Henry Sobel estava escalado para um encontro com o Papa Bento XVI, em maio. A prisão surpreendeu a Igreja Católica e o bispo auxiliar de São Paulo, dom Pedro Luiz Stinghini, disse que os judeus podem escolher para o encontro quem acharem melhor.
- Não consigo imaginar a cena - disse o bispo, ao comentar a acusação de furtos de gravatas.

Num comunicado assinado, Sobel diz que não admite que tentem desqualificar os valores morais que sempre defendeu, sempre foi favorável a uma negociação pacífica na luta entre israelenses e palestinos. Ele cometeu um erro – furtou gravatas. Porém não ousemos diminuir o que ele fez antes. Bastante constrangedora a cena dele, alquebrado, pedindo desculpas na mídia.

Em 33d.C.(data especulativa) um outro Rabino, chamado Joshua, mais conhecido pelo nome helenizado de Jesus, quando a sua popularidade estava começando a colocá-lo em perigo com as autoridades políticas judaicas, encontrava-se no Templo de Herodes: “... Algumas pessoas reuniram-se em volta dele. Sentando-se, começou a ensiná-los. Entretanto, os mestres da Lei e os fariseus trouxeram uma mulher surpreendida em adultério. Colocando-a no meio deles, disseram a Jesus:“Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Moisés na Lei mandou apedrejar tais mulheres. Que dizes tu? ”Perguntavam isso para experimentar Jesus e para terem motivo de o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, começou a escrever com o dedo no chão. Como persistissem em interrogá-lo, Jesus ergueu-se e disse: “Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra”. E tornando a inclinar-se, continuou a escrever no chão. E eles, ouvindo o que Jesus falou, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos; e Jesus ficou sozinho, com a mulher que estava lá, no meio do povo. Então Jesus se levantou e disse:“Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?” Ela respondeu: “Ninguém, Senhor”. Então Jesus lhe disse: “Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais.”

A cena é bela demais: um homem abaixado, uma mulher atirada ao chão, rostos ferozes, lágrimas, salivas, suores, pedra, poeira, pó, e uma mão calejada de trabalhar alheia a tudo isso, escreve no chão. Assim o Evangelho de João nos coloca diante de uma cena teatral digna dos dramalhões mexicanos; dramática. Uma mulher apanhada em adultério, que pela Lei de Moisés, deveria ser apedrejada até a morte. Jesus é testado, querem mostrar que a sua tolerância tornou-se libertinagem. Antinomia. Queriam mostrar que Jesus era complacente.

Não vou enumerar as ações de Jesus que todos já sabem, mas quero enfatizar a última: Quando ele diz “não peques mais”, Jesus reconhece o comportamento pecaminoso daquela mulher. Não mascara a sua condição. No entanto, o remédio de Jesus é diferente (e quanto!) daquele que usamos diariamente. A compaixão dele é misericordiosa, nós só sabemos usar a acusação, a crítica, o julgamento, e quando não a morte. É nosso feitio julgar, é do feitio de Deus perdoar, amar, compreender. Isso é assim porque Deus olha para nós sempre com os olhos de futuro. Ele não olha para o que eu fui, ou o que eu sou, Ele olha para o que eu serei. Deus nos vê sempre como vasos em construção, necessitando de acabamento, por isso mesmo tolera nossas imperfeições, sabe que no final seremos aquilo que Ele quer que sejamos. Nós somos seres do passado. Vivemos com o olhar fixo no retrovisor da vida. Olhamos o outro e a nós mesmos sempre numa perspectiva de passado. Achamos que somos aquilo que fizemos, olhamos o que as pessoas fizeram ou fazem para decidir se as podemos amar. Deus nos ama não porque sejamos bonzinhos, estamos aprendendo a ser bonzinhos, porque Ele já nos ama. Jesus não morreu para que Deus nos amasse, mas sim porque Deus já nos amava. Os dedos de Jesus servem para escrever nossa história ainda que na areia, e nos ajudar a enxergar através da bruma, quando nossos olhos fraquejam. Os dedos de Jesus nunca foram apontados inquisitoriamente para alguém. Não foram feitos para isso, servem sim para apontar o nosso caminho, nossa estrada, nossa trajetória de vida após encontrá-lo. Quando encontramos Jesus no meio da poeira e das areias do tempo de nossas vidas destroçadas, a partir dalí ele só nos deixa ver o caminho que temos a percorrer, pois quanto ao caminho que percorremos tropegamente, quando tentamos olhá-lo mirando para trás, só enxergamos um monte, um jardim, três, cruzes.

Antes de atirar uma pedra em Sobel eu parei e pensei nesta cena do outro Rabino, mais moço, mais antigo e mais sofrido. Aprendo com ele a olhar para Sobel e dizer: "Por que te condenaria?". Vai Sobel em Shalom!, lembre-se apenas que somos "Maltrapilhos de Abba!".

Muitos estão prontos a apagar tudo o que ele fez pelos direitos humanos e em busca da paz e do diálogo por míseras gravatas, nós não podemos mudar o passado ruim e desapontador, creio que ele mesmo se pudesse apagaria esse incidente das gravatas, logo também não podemos apagar o passado de ética e luta pela paz além de uma biografia tão bela quanto a dele.

Somos errantes peregrinos, ansiosos para voltar para casa. D'us te dê Paz Sobel!. Pois perdão Ele já te deu há muito tempo.

“Amazing Grace...”


“Amazing Grace...”

18 de fevereiro, o Amazing Grace Sunday da Aliança Evangélica Mundial, passou desapercebido por aqui, ocasião em que os cristãos do mundo todo foram convidados a cantar Amazing Grace. Celebravam-se os 200 anos da abolição da escravatura e intercedia-se pela libertação daqueles que ainda hoje são de alguma forma escravizados. Tal descaso é uma pena, já que o evento enfatizou coisas tão essenciais e tão em falta em nosso meio: Cristãos engajados em movimentos sociais e políticos com valores éticos e interesses que transcendam seus próprios umbigos.

A composição do hino citado está ligada à luta pela abolição da escravatura. John Newton(1725-1807), o autor, foi capitão de um navio negreiro. (O De Traficante de Escravos a Pregador de Brian Edwards, Editora Fiel é uma excelente biografia). Numa viagem à Inglaterra, quando quase naufragou, Newton teve uma experiência mística. No camarote refletindo, chegou à conclusão que Deus o protegera da tempestade por ser “Gracioso”. Esta noção mudaria a sua vida e teria reflexos no mundo todo.

Compôs o hino em Dezembro de 1772, já pastor, e o declamou no culto do dia 01 de Janeiro de 1773. Em 1786 pregou uma série de sermões sobre diversos temas tendo como ouvinte o jovem anglicano recém-convertido William Wilberforce, membro da Câmara dos Comuns desde os 21 anos e que tinha sido eleito representante por Yorkshire, o maior e mais importante condado da Inglaterra, que solicitou sua supervisão pastoral. Em decorrência da influência espiritual do agora abolicionista e ex-traficante Newton e após uma forte experiência mística (algo não incomum na Inglaterra de então) decidiu então dar sentido à sua vida. Wilberforce definia como missão de vida a luta pela supressão da escravatura. Newton tornar-se-ia uma grande inspiração para a titânica luta de Wilberforce. O comércio de escravos era econômica e politicamente vantajoso, pelo que os abolicionistas tinham contra si grandes poderes e interesses. Travou uma luta titânica, na Câmara dos Comuns. Não poucas vezes foi chamado de traidor da Pátria. Desperdiçou sangue, suor e muitas lágrimas, além de 18 anos de lutas contra aqueles que criam ser o tráfico uma fonte de renda e um dos sustentáculos da economia da nação.

Foi influenciado além de Newton, por John Wesley, presbítero anglicano, e Anthony Benezet, francês calvinista de sólidas convicções anti-escravagistas que tinham em comum a idéia que o tráfico de escravos era uma “execrável vileza”, nas palavras de Wesley. Essas amizades serviram para fortalecer Wilberforce quando o vigor de sua juventude e o talento que tinha politicamente parecia fraquejar. Como sua meta esbarrava na imoralidade e insensibilidade que se instalara na sociedade inglesa, teve que perseguir uma segunda meta: a reforma da maneira de viver na Inglaterra.

Apresentou várias propostas de lei, que foram rejeitadas. Mas não desanimava, pois cria que a perversidade do comércio era gigantesca, medonha e desumana. Estava completamente preparado para a abolição, fossem quais fossem as conseqüências. Determinou-se nunca descansar até que tivesse a conseguido.

O tráfico foi oficialmente abolido em 1807, completamente, porém só em 1833, três dias antes da morte de Willberforce. Para ele não bastava professar o Cristianismo, levar uma vida decente e ir à Igreja aos Domingos, mas tinha que moldar cada aspecto, cada recanto da vida cristã. Sua abordagem do Cristianismo era essencialmente prática. Foi talvez o maior parlamentar de então. Sendo reeleito consecutivas vezes para o Parlamento.

Pegando carona no fato de Amazing Grace ter sua história confundida com a abolição da escravidão, Michael Apted e Steven Knight, deram o nome da canção a um filme (www.amazinggracemovie.com) sobre a vida de Wilberforce. Produzido pela Walden Media e lançado nos cinemas em Fevereiro de 2007, sem previsão ainda para o Brasil. Tendo Ioan Gruffudd, como Wilberforce e Albert Finney, como John Newton. Já ocupa o 10° lugar em arrecadação nos EUA. Mesmo sendo para comemorar um grande feito, não é imune às críticas: O assessor do prefeito de Londres para a igualdade, Ken Livingstone, acusou o diretor de "Amazing Grace", Michael Apted, de "adoçar" o horror do tráfico de escravos centrando-se no abolicionista britânico William Wilberforce e sua luta parlamentar.

Críticas e ciúmes à parte, o certo é que o filme nos ajuda a não só comemora uma data tão importante como também nos serve de exemplo no âmbito político, coisa que estamos tão carentes.

Como reflexo desta decisão parlamentar e consciente de seu poderio bélico, a Inglaterra proibiu o tráfico no mundo todo. Tornou-se a guardiã (com que intenções?) dos mares. Logo, Portugal e sequazes aboliram o tráfico por conta do poderio naval inglês.

Assim o aristocrata tornou-se o grande campeão da causa anti-escravagista no mundo político de sua época. E ainda tem gente que pensa que político evangélico não pode ser ético e relevante! Quando a lei da abolição foi aprovada o parlamento se pôs de pé e ovacionou Wilberforce por vários minutos, enquanto ele, já desgastado pelos anos, com o rosto entre as mãos chorava as lágrimas da vitória.

Que fazer: ressuscitar Wilberforce ou pedir que Deus seja “Gracioso” e nos dê mais líderes como ele?