O meu amigo Jocelenilton (teólogo protestante, literato e exímio leitor), pediu a mim e ao Rev. Maurício Amazonas (Pastor Anglicano), que opinássemos sobre um artigo intitulado "Deuses e homens" de autoria de Paulo Brabo (um "místico" recentemente notório no meio evangelical). Neste artigo, o Autor faz uma comparação entre o ensino Ortodoxo e o ensino Ocidental sobre a salvação trazida por Cristo. Ele (Jocelenilton) nos pergunta se é possível conciliar as duas visões. Achei importante compartilhar com os leitores deste blog o texto que escrevi (recomendando antes a leitura do referido artigo para compreender melhor minha resposta):
Jocelenilton, Paulo Brabo capta bem boa parte do ensino Ortodoxo sobre a "salvação". Veja que eu disse boa parte, mas, não totalmente. Também coloquei salvação "entre aspas". Por que?
Na Igreja Ortodoxa, a salvação é vista, não como jurídica, e sim, como do ponto de vista medicinal, terapêutico [o verbo "sozô" em grego tanto significa "livramento" como cura; assim como se dá com o termo “πειρασμον” (peirasmon) que tanto pode significar “provação” bem como “tentação”].
A imagem do Cristo Médico é a que mais se destaca nos Evangelhos: “Não necessitam de médico os sãos, mas, sim, os doentes. Porque eu não vim a chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento”. Não é por acaso que Cristo coloca aqueles que são justos na categoria de sadios e os pecadores na de enfermos.
A alma humana, enferma pelas paixões que lhe assaltaram quando o homem tropeçou no Éden, o impedem de alcançar a sua semelhança com o Criador, pois, o homem direcionando para si mesmo o seu desejo, desvia-se do alvo (hamartia) que de antemão lhe fora designado pelo Criador. Rejeitando a Árvore da Vida como instrumento de sua deificação, e elegendo a árvore do Conhecimento do Bem e do Mau para alcançar tal fim, o homem estabelece o caminho do seu Ego e rejeita o Divino, e com isto assina o seu atestado de óbito. A carne humana, desligada do Criador, torna-se enferma. Por isto Paulo diz que, embora a Lei seja boa e perfeita, ela se torna impraticável por causa da enfermidade da carne (subjugação do desejo às pulsões dos instintos).
O Verbo ao se encarnar, toca o soma humano e o santifica. Assim como o Adão terreno transmitiu a natureza enferma à sua descendência, o Adão Celeste também comunica Sua Natureza Santa e Sadia aos Seus descendentes (os que O acolhem pela fé e são regenerados pelo Batismo e pela ação vivificante do Espírito Santo - "se alguém não nascer da água e do Espírito não pode ver o Reino de Deus"). Estes recebem literalmente os genes divinos. O texto de São João diz:
"mas a todos que o receberam deu-lhes o poder de serem γενεσθαι (genestai, gerados) filhos de Deus”.
A tradução “feitos filhos de Deus” obscurece e empobrece o sentido do texto. A Encarnação do Verbo é o que possibilita a santidade humana, posto que o Santo a tocou e lhe deu vida. O Mistério (Sacramento) da Eucaristia nos possibilita essa simbiose, visto que nele comemos a Carne e o Sangue do Filho de Deus, verdadeira comida, verdadeira bebida, conforme testifica o Evangelho de São João. Assim, Maria (a segunda Eva) é vista como modelo e protótipo da deificação humana, uma vez que ela se tornou simbiótica ao Filho de Deus. Ela é o novo Éden no qual é plantada a Árvore da Vida, a Segunda Eva, pois gera a Nova Humanidade (o Segundo Adão). Tudo isso ela alcançou por causa da fé. “Bem-aventurada a que creu” proclama Isabel, cheia do Espírito Santo. Ela está na base do Milagre Eucarístico (a Carne e o Sangue que o Filho de Deus oferece pela vida do mundo foi por Ele herdada de Sua Mãe Virginal). Toda esta graça maravilhosa aponta para a unidade, em Cristo, da nova humanidade (a Igreja). Portanto, Deus se faz homem a fim do homem se tornar deus, ou seja à medida da estatura de Cristo.
Jamais a salvação poderá ser confundida com justificação. Isto é um grande reducionismo e desvio do ensino de Cristo. Pois até mesmo o aspecto jurídico da Redenção trazida por Cristo, deve ser entendido na perspectiva terapêutica, ou seja, pela justificação somos livres da culpa. Esta é a razão pela qual muitos cristãos ocidentais, mesmo crendo na justificação pela fé, desenvolvem um processo patológico de culpa moral quando cometem falhas comportamentais. Isto acontece porque seus egos estão enfermos, ou seja, a culpa lhes persegue constantemente (a falha moral atinge sua boa imagem, e isto ele não aceita). Não é à toa que o Ocidente seja “filho” de Agostinho (um homem cuja piedade intensa não conseguia lhe livrar do tormento da culpa). O seu monergismo, na prática, não se experimenta, não funciona.
Por isto, meu caro irmão e amigo, as duas visões não podem ser conciliadas. A justificação pela fé Ocidental não produz santidade. Ela apenas possibilita o homem a admitir conceitualmente que seus pecados estão perdoados, acomodando-o apenas a uma relativa reforma moral e ética do seu ser. A sua esperança de santidade está projetada para o futuro escatológico, não se dando conta que o “escaton” futuro não se realizará se não existir agora, pois orar “venha a nós Teu reino”, é pedir antecipação na alma do “escaton”, pois o Reino de Deus não vem primeiramente de forma visível, pois ele se dá primeiro na interioridade. Na visão jurídica da salvação, o “sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai Celeste” ou "sede santos como Eu Sou Santo” soam como objetivos delirantes, surreal. O cartesianismo escolástico Protestante dissociou a justificação da santificação (compreendida comumente como moralidade e ética), criando realidades fragmentárias. A vida sacramental nas comunidades Protestantes foi reduzida praticamente à categoria do representativo e, nas comunidades Romano-Católicas, à categoria do totem ou do mítico.
Quanto a isto diz São Pedro:
A alma humana, enferma pelas paixões que lhe assaltaram quando o homem tropeçou no Éden, o impedem de alcançar a sua semelhança com o Criador, pois, o homem direcionando para si mesmo o seu desejo, desvia-se do alvo (hamartia) que de antemão lhe fora designado pelo Criador. Rejeitando a Árvore da Vida como instrumento de sua deificação, e elegendo a árvore do Conhecimento do Bem e do Mau para alcançar tal fim, o homem estabelece o caminho do seu Ego e rejeita o Divino, e com isto assina o seu atestado de óbito. A carne humana, desligada do Criador, torna-se enferma. Por isto Paulo diz que, embora a Lei seja boa e perfeita, ela se torna impraticável por causa da enfermidade da carne (subjugação do desejo às pulsões dos instintos).
O Verbo ao se encarnar, toca o soma humano e o santifica. Assim como o Adão terreno transmitiu a natureza enferma à sua descendência, o Adão Celeste também comunica Sua Natureza Santa e Sadia aos Seus descendentes (os que O acolhem pela fé e são regenerados pelo Batismo e pela ação vivificante do Espírito Santo - "se alguém não nascer da água e do Espírito não pode ver o Reino de Deus"). Estes recebem literalmente os genes divinos. O texto de São João diz:
"mas a todos que o receberam deu-lhes o poder de serem γενεσθαι (genestai, gerados) filhos de Deus”.
A tradução “feitos filhos de Deus” obscurece e empobrece o sentido do texto. A Encarnação do Verbo é o que possibilita a santidade humana, posto que o Santo a tocou e lhe deu vida. O Mistério (Sacramento) da Eucaristia nos possibilita essa simbiose, visto que nele comemos a Carne e o Sangue do Filho de Deus, verdadeira comida, verdadeira bebida, conforme testifica o Evangelho de São João. Assim, Maria (a segunda Eva) é vista como modelo e protótipo da deificação humana, uma vez que ela se tornou simbiótica ao Filho de Deus. Ela é o novo Éden no qual é plantada a Árvore da Vida, a Segunda Eva, pois gera a Nova Humanidade (o Segundo Adão). Tudo isso ela alcançou por causa da fé. “Bem-aventurada a que creu” proclama Isabel, cheia do Espírito Santo. Ela está na base do Milagre Eucarístico (a Carne e o Sangue que o Filho de Deus oferece pela vida do mundo foi por Ele herdada de Sua Mãe Virginal). Toda esta graça maravilhosa aponta para a unidade, em Cristo, da nova humanidade (a Igreja). Portanto, Deus se faz homem a fim do homem se tornar deus, ou seja à medida da estatura de Cristo.
Jamais a salvação poderá ser confundida com justificação. Isto é um grande reducionismo e desvio do ensino de Cristo. Pois até mesmo o aspecto jurídico da Redenção trazida por Cristo, deve ser entendido na perspectiva terapêutica, ou seja, pela justificação somos livres da culpa. Esta é a razão pela qual muitos cristãos ocidentais, mesmo crendo na justificação pela fé, desenvolvem um processo patológico de culpa moral quando cometem falhas comportamentais. Isto acontece porque seus egos estão enfermos, ou seja, a culpa lhes persegue constantemente (a falha moral atinge sua boa imagem, e isto ele não aceita). Não é à toa que o Ocidente seja “filho” de Agostinho (um homem cuja piedade intensa não conseguia lhe livrar do tormento da culpa). O seu monergismo, na prática, não se experimenta, não funciona.
Por isto, meu caro irmão e amigo, as duas visões não podem ser conciliadas. A justificação pela fé Ocidental não produz santidade. Ela apenas possibilita o homem a admitir conceitualmente que seus pecados estão perdoados, acomodando-o apenas a uma relativa reforma moral e ética do seu ser. A sua esperança de santidade está projetada para o futuro escatológico, não se dando conta que o “escaton” futuro não se realizará se não existir agora, pois orar “venha a nós Teu reino”, é pedir antecipação na alma do “escaton”, pois o Reino de Deus não vem primeiramente de forma visível, pois ele se dá primeiro na interioridade. Na visão jurídica da salvação, o “sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai Celeste” ou "sede santos como Eu Sou Santo” soam como objetivos delirantes, surreal. O cartesianismo escolástico Protestante dissociou a justificação da santificação (compreendida comumente como moralidade e ética), criando realidades fragmentárias. A vida sacramental nas comunidades Protestantes foi reduzida praticamente à categoria do representativo e, nas comunidades Romano-Católicas, à categoria do totem ou do mítico.
Quanto a isto diz São Pedro:
“Visto como o seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida e piedade, pelo conhecimento daquele que nos chamou pela sua glória e virtude; pelas quais ele nos tem dado grandíssimas e preciosas promessas, para que por elas fiqueis participantes da natureza divina, havendo escapado da corrupção, que pela concupiscência há no mundo. E vós também, pondo nisto mesmo toda a diligência, acrescentai à vossa fé a virtude, e à virtude a ciência, e à ciência a temperança, e à temperança a paciência, e à paciência a piedade, e à piedade o amor fraternal, e ao amor fraternal a caridade. Porque, se em vós houver e abundarem estas coisas, não vos deixarão ociosos nem estéreis no conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo. POIS AQUELE EM QUEM NÃO HÁ ESTAS COISAS É CEGO, NADA VENDO AO LONGE, HAVENDO-SE ESQUECIDO DA PURIFICAÇÃO DOS SEUS ANTIGOS PECADOS”. (2 Pedro 1:3-9)
Sei que esta fala minha, poderá suscitar uma série de incompreensões, posto que é estranha à tradição e ao conhecimento dos cristãos ocidentais. Muito das afirmações que eu fiz está estribado em pré-requisitos teológicos, linhas de raciocínio com as quais os irmãos do Ocidente estão desinformados. Seu fosse respaldar teologicamente cada uma delas, faria desta resposta um verdadeiro tratado (Riso).
Creio que a baixa qualidade de vida espiritual que todos nós constatamos em nossas Igrejas no Ocidente deve-se praticamente a duas coisas:
1. À massificação, que em qualquer tradição religiosa, produz indivíduos aculturados, sem nenhuma experiência de vida da fé que confessa e,
2. principalmente, devido à qualidade do ensino do clero. Se alimentarmos os nossos filhos com doces e salgados eles crescerão gordos e subnutridos, propensos a desenvolver uma série de doenças degenerativas.
Um forte abraço.
Padre Mateus (Antônio Eça)www.antonioeca.blogspot.com
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