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Quando lhe disseram que poderia pôr um fim a tudo, achou que fosse brincadeira,
Uma infeliz e cruel brincadeira, diga-se de passagem,
Mas quando afirmaram que não era ilusão, e sim real.
Foi como um sonho, ou num sonho, por meio de um, ou dentro de um, 
A sensação foi tão boa, que se não fosse real, nem importava.
Teria uma oportunidade única, seria apenas uma em toda a eternidade,
Um vislumbre de algo que aos demais passa desapercebido:
Conhecer o seu maior inimigo, aquele que mais mal lhe fez,
A possibilidade de pôr termo a uma existência nefasta,
Existência essa que lhe negou por toda a vida a felicidade,
Destruir aquele que lhe impediu de vencer batalhas,
Aquele que lhe bloqueou estradas,
Aquele que lhe destruiu caminhos,
E trocou as placas de indicação para que se perdesse.
Que transformou seus sonhos em pesadelos e,
Tornou seus pesadelos numa realidade crua e cruel.
Aquele que fez com que todas as suas ligações se tornassem tênues, instáveis.
Aquele que descoloriu seu auto-retrato, despersonalizou e fragilizou, 
Fragilidade que o forçou a agradar a todos em busca de aceitação,
Aceitação que o obrigou a ser tudo e a ser nada. 
Afirmação exacerbada do “outro” e negação sem limites do “eu”!
Aquele que lhe ensinou o que são os afetos disfuncionais, 
Amores sem causa e sem efeitos. Ódios sem razão.
Aquele que o fez trilhar pelo caminho sísmico da impulsividade constante,
Caminho cheio de sendas perigosas e precipícios mortais.
Aquele que o fez viver sempre se esforçando para evitar ser abandonado,
Seja abandono real, seja imaginário, não saberia qual o pior, ambos o adoecem,
Cadeias e cárceres que não prendem o corpo, mas sim a alma,
O que só aumenta a sua pestilência e morticidade, 
Aquele que o tornou um ser intolerante à solidão,
E que por isso, o levou a se refestelar na sarjeta em busca de companhias.
Ainda que elas sejam, muitas vezes, piores que a sozinhês em si!
Os relacionamentos que lhe proporcionou, tiveram um padrão,
Um padrão terrível de instabilidade e de intensidade doentia.
Não lhe permitiu o equilíbrio e a moderação.
Tudo o que lhe deu foi de beber de uma fonte de extremos,
Num momento idealiza sem causa, num outro desvaloriza sem razão.
Fez do seu “eu” um terreno instável, movediço.
Impedindo-o de poder contemplar a sua auto-imagem por mais de um segundo.
Pois ela não dura mais do que alguns míseros átimos de tempo.
Balançando-no numa eterna gangorra, 
Os seus comportamentos automutilantes, no corpo e na alma, foram seus despojos,
O seu tributo foi uma instabilidade afetiva, 
Que não diferencia lágrimas de risos e risos de ódio,
O esvaziou a tal ponto que ficou cheio do nada, vazio de tudo!
Cortejou-lhe com uma raiva intensa, que se confunde com seu “eu”,
Condenou-lhe a saber que nunca seria alguém que devesse receber amor, 
Que o desamparo é inexorável, o sentimento condicional, imerecível, 
Que a incondicionabilidade no amor é um amarga ilusão, 
Deu-lhe o cálice da desconfiança, para que o sorvesse diuturnamente.
Numa nuvem de fumaça, a confiança no mundo, nos outros e em si mesmo, esvaiu-se.
Agora porém seu algoz seria sua presa, poderia ser o carrasco do medo e da dor.
Então, quando de arma em punho abriu a porta para defrontar-se com seu verdugo,
Quando se encheu de ira e coragem para poder punir a quem tanto mal fez,
Quando a probabilidade de se vingar estava para se tornar real,
Deparou-se consigo mesmo sentado, sozinho, absorto em pensamentos,
Baixou a arma, a fragilidade do ser o desarmou da raiva e da ira,
Resignação, redenção, não saberia dizer qual sentimento o tomou naquele momento,
Sentou-se ao lado de si mesmo, ainda que parecesse outra pessoa.
Abraçou-o, abraçou-se, reclinou a cabeça no ombro dele, que também era o seu e,
Chorou todas as lágrimas que um dia lhe foram negadas,
Chorou até mesmo aquelas que nunca vieram, e as que se foram, 
Chorou por cada erro, por cada dor, cada desamparo, por tudo e por nada, 
As lágrimas higienizaram seu ser, perdoou ao outro, perdoou a si, 
Soube naquele momento como deveria matar o seu maior inimigo,
Só poderia matar a quem tanto lhe fez mal: amando-o. Amando-se!


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