Atirando pedras no ônibus do Google


Como crescimento se tornou inimigo da prosperidade

Pedro Demo (2016)

Rushkoff (2016) (R) publicou livro que pretende mostrar ter-se o crescimento tornado inimigo da prosperidade – por isso estamos atirando pedras no ônibus do Google. O que haveria de tão errado neste cenário? O crescimento econômico capitalista sempre foi questionado, em especial na obra de Marx, que foi em parte deixada de lado por muitos pesquisadores, mas continua ecoando como “espectro” (tal qual dizia no Manifesto Comunista de 1848). As argumentações vão variando no tempo – o que Marx dizia ainda vale relativamente, mas estamos em outro contexto muito diferente, tendo-se entrementes também invalidade alguma previsões, enquanto outras se tornaram ainda mais evidentes. Hoje, imersos em tecnologias de alto a baixo que prometem revolucionar a produtividade/competitividade, inclusive eliminando o fator do trabalho humano – peça chave da crítica marxista – assistimos a cenários tétricos, marcados por concentração sem precedentes de renda (uma ínfima minoria, e que se torna cada dia mais ínfima, tem quase tudo e o “resto” quase nada) (Noys, 2014), insustentabilidade gritante, em especial nos exemplos americano e chinês, inviabilidade de estender o bem-estar eurocêntrico para o planeta etc. A velha estória das crises recrudesceram, de certa forma comprometendo um percurso razoável ocorrido no pós-guerra com a proliferação da classe média (o igualitarismo máximo que o capitalismo faculta), mas, na outra ponta, o pensamento único galopa impávido, como se mercado liberal fosse a ordem das coisas...

I. GOOGLE VISADO
Lembra Rushkoff que numa manhã de dezembro de 2013, moradores do Mission District de San Francisco se deitaram ao chão à frente de um veículo para impedir sua passagem. Embora atos de protesto não sejam inusitados na Califórnia, este tinha objetivo improvável: os ônibus do Google usado para transportar empregado de suas casas na cidade para o campus da empresa em Mountain View, a quase 50 km. Enquanto fotos e tomadas ao vivo chegavam na mídia social usada pelo A, não sabia bem como reagir. Afinal, Google era, sob muitos ângulos, a estória mais recente de sucesso da internet – um experimento elaborado em quarto de residência estudantil que virou um dos maiores gigantes de tecnologia e cria milhares de empregos – enquanto alega não fazer qualquer mal a ninguém. Seu crescimento exponencial também reavivou muitos setores econômicos e alguns bairros. Parecia que, até ao momento, todos estavam felizes como o andar das coisas. Todos usam busca gratuita e email. Blogueiros são pagos por colocarem advertisings em seus sites, crianças recebem alguma remuneração pelos vídeos no YouTube e Mission District ficou um pouco mais gentil e seguro, à medida que gente da última moda e profissionais tecnológicos chegaram, novas lojas de café e livraria abriram, apartamentos foram construídos e valores imobiliários subiram.

Assim parece – crescimento é bom. Pelo menos para quem o maneja. Mas in influxo de “googlers” nos bairros mais históricos de San Francisco elevou alugueis, forçando residentes de longa data e pequenos negócios a se deslocarem, não aproveitando nada deste crescimento. Os ônibus com ar condicionado do Google eram a prova da invasão – como transporte espacial levando alienígenas. Acrescentando insulto à injúria, Google estava agora usando paradas de ônibus público para embarcar em seu sistema. Aluguéis por perto subiram 20%, cujos preços continuavam subindo, acomodando não só novos empregados do Google, mas também de Facebook, Twitter e outras preciosidades do Vale do Silício (Gumbel, 2014). No mesmo dia, para ironia maior ainda, as ações do Google estavam nas altura de novo em Wall Street, o que levou uma dezenas de manifestantes dispersos e vestindo amarelo a paralisarem um dos ônibus do gigante tecnológico.

Apresentavam um banner plastificado amigável para Instagram que dizia “Gentifrication & Eviction Technologies” (Tecnologias da Elitização e Despejo) em fonte perfeita e multicolorida do Google. Apontando para o ceticismo crescente em torno dos benefícios desigualmente distribuídos do boom tecnológico, a imagem se espalhou como fogo selvagem. Rushkoff diz que se sentiu, pelo menos em parte, solidário com esta crítica. Semanas depois, não havia nada mais de divertido nisso. Manifestantes em Oakland estavam agora atirando pedras nos ônibus do Google, quebrando uma janela e aterrorizando os empregados. Claro, Rushkoff diz-se preocupado com as práticas da empresa e frustrado pelo crescimento rápido do Vale do Silício que parecia deslocar, não enriquecer o povo de San Francisco e redondezas. Mas tinha amigos nos ônibus, tentando ganhar a vida a seu modo com suas habilidade de codificação. Poderiam estar ganhando $100 mil anuais, mas sentiam estressados, perpetuamente monitoradas e dolorosamente alertas de sua vulnerabilidade. “Sprints” (arrancos) – explosões cronometradas de codificação para atingir metas fatais – estavam mais frequentes, à medida que objetivos novos, mais ambiciosos de crescimento substituíam a última rodada.

Aqui podemos todos estar do mesmo lado. Os trabalhadores do Google são bem menos que beneficiários de empresa em expansão do que recursos rapidamente consumidos. O trabalhador médio deixa a firma em um ano (Giang, 2013) – alguns para galgar posições melhores em outras empresas, mas a maioria simplesmente para fugir da pressão insuportável produtiva. Tomar ônibus lhes oferece mais tempo para trabalhar ou para relaxar ao invés de dirigir. Afinal são “seres humanos” (R:2). Por sua parte, Google está aliviando as rodovias e o ambiente das circunvizinhanças; ao contrário de muitas outras empresas na Bay Area, que fazem de conta nesta parte, ou no máximo organizam caronas sistemáticas, Google oferece programa de transporte coletivo que pouca mais de 29 mil toneladas métricas de CO2 por ano – estaria fazendo a coisa certa tornando a coisa errada? Há preocupações gritantes sobre como Google está impactando o mundo, mas nem seus ônibus, nem seus trabalhadores dentro deles são o problema central; são apenas o alvo mais fácil. Esses trabalhadores não esquecem da pobreza aí fora, quando viajam para o trabalho – o que acaba aguçando o temor também de um dia estarem desempregados. Também gostariam de virar milionários, mas não para viver só de luxo.

Num país sem rede maior segurança social, trabalhadores sempre são bombardeados com a balela de que devem tornar-se milionários ou vão ficar na rua da amargura na aposentadoria ou se adoecerem gravemente. O atuário da previdência calcula que quem ganha $50 mil anuais precisará de pelo menos $1.5 milhão para aposentar-se com 65 anos, sendo que uma conta inesperada médica pode nos tornar no 1.7 milhão de aposentados em bancarrota. Nem mesmo investidores, oficiais do Google ou o 1% infame deveriam – para Rushkoff – ser culpados pelas desigualdades crescentes da economia digital. Executivos e capitalistas de risco do Vale do Silício estão apenas praticando capitalismo como aprender na escola/universidade, em grande dando conta de sua obrigação legal aos acionistas das empresas. Certo, estão ficando mais ricos do que resto, e há dano colateral associado com crescimento desgarrado de suas empresas e ações. Mas, segundo Rushkoff, está presos a este destino como todos; muitos diretos executivos entendem que atingir crescimento de curto prazo não é o interesse melhor de longo prazo das empresas ou clientes, mas estão enrolados numa corrida na qual vencedores abocanham tudo (winner-takes-all) por domínio contra todos os outros mamutes digitais. É crescer ou morrer (R:3).

Embora nos Estados Unidos, mercado liberal seja visto como a ordem das coisas, a alavanca evolucionária em si, inclemente e objetiva, do que surgiu o “pensamento único” (é ideologia ser contra!), está cada dia mais claro que é uma praga para o planeta e seus habitantes, porque é uma engrenagem que, longe ser objetiva, natural, evolucionária, está completamente a serviço de interesses privados. O que mais incomoda no Google não é sua pujança tecnológica, riqueza gerada, inovações constantes, mas que tudo esteja nas mãos de dois proprietários. A maior mentira do mercado liberal é que, seguindo consequentemente o autointeresse, o mercado serve ao bem comum, orientado pela mão invisível. Embora a argumentação marxista esteja um pouco fora de moda, Marx captou ostensivamente esta contradição: não é viável compor o autointeresse com o bem comum via mercado liberal. No entanto, o mercado liberal tem “suas virtudes”, a começar pela capacidade de crescer, mesmo porcamente. Nenhum outro tipo de mercado tem se mostrado tão efetivo, muito menos os socialistas. Ocorre que o preço pago é demasiado, porque destrói tudo, planeta e seus habitantes, em nome de alguns poucos  - cada vez menos – locupletados. Na penumbra dessa miséria está a noção fortemente veiculada, em especial no Fórum Econômico de Davos, que os ricaços são tão ricos por “mérito”, porque são espécimes superiores evolucionários, muito acima dos mortais – seria pois um castigo tresloucado puni-los com tributações, impostos, restrições. De certa forma, a evolução assim procede: coloca o planeta a seus pés. Ponto.

II. CRESCER A QUALQUER PREÇO
A pressão de crescer a qualquer preço pode ser vista mais claramente num país como a China que, mesmo dizendo-se comunista, promove a economia mais “liberal” do mundo, também a mais suja e desigual, porque considera que só pode conquistar um lugar ao sol, para depois dominar o cenário, via crescimento a qualquer preço. Sabe que, para ter recursos para o lado social, precisa de uma economia pujante, crescendo freneticamente, mesmo que isto tenha um preço fatal para a sociedade. O exemplo da China vale para todos os países, a ponto de hoje não se poder tocar na prática nenhuma economia de esquerda – está fadada ao fracasso, como foram os exemplos já clássicos da União Soviética e Cuba. Por isso China saiu desta expectativa – seu mercado é encardidamente liberal e assim será, para crescer tudo que pode (e não pode!).

Voltando ao Google, toda firma de tecnologia precisa tornar-se intrusiva, extrativa, divisionista, consumidora de tempo, gastadora, cara, matadora de postos de trabalho, espoliativa e manipulativa como todas (R:3). Quanto aos acionistas impacientes, são como todos: a começar pelo fato de que são mantidos pelos clientes... Mas, para Rushkoff, não há limiar claro para quem pode atirar pedras. É porque o conflito não propriamente entre residentes de San Francisco e empregados do Google ou os 99% e 1%. Nem mesmo os estressados empregados contra as firmas onde trabalham, ou os desempregados contra Wall Street, tanto quanto não cada um – a própria humanidade – contra um programa que promove crescimento acima de tudo. “Estamos aprisionados na arapuca do crescimento” (Ib.). Este é o problema para questões que não parecem ter face ou nome, parecendo inevitáveis e normais. É a lógica empurrando a recuperação sem emprego, a economia que rebaixa remunerações, a postura inescrupulosa do Uber e as invasões privadas do Facebook. É o mecanismo que solapa negócio e investidores, forçando a competir contra jogadores com chips digitalmente inflados de pôquer. É a pressão de tornar diretores executivos sem condições de priorizar a sustentabilidade de seus empreendimentos sobre os interesses de acionistas açodados. É o bode expiatório não identificado por trás das notícias das crises da economia desde o paradigma grego até as dívidas estudantis que se exponencializam. É a força que exacerba disparidade de riqueza, aumentando o hiato de paga entre empregados e executivos, e gerando as dinâmicas de power-law (efeito estatístico de curvas de concentração) separando vencedores e perdedores. É a caixa-preta extraindo valor do mercado de ações antes que comerciantes humanos saibam o que aconteceu e o momento irreflexivo expandindo a bolha tecnológica a proporções perigosamente explosivas.

“Para usar a metáfora de nossa era, estamos tocando um sistema econômico operativo extrativo e turbinado pelo crescimento que chegou a seus limites da habilidade de servir a todos, ricos ou pobres, humanos ou corporativos” (R:3). Mais, estamos tocando isso em supercomputadores e redes digitais que aceleram e amplificam todos os efeitos. Crescimento é o credo intocável, o comando fatal da economia digital. Economistas clássicos e expertos em negócio não ajudam muito; é porque tendem a aceitar que economia com base em crescimento como condição pré-existente da natureza. Mas não é! “As regras de nossa economia foram inventadas por seres humanos particulares, em momentos particulares da história, com objetivos e agendas particulares” (R:5). A normalização desta desgraça está no fundo desta “fatalidade”, que aparece na proposta econômica comum de que economia segue seu rumo implacável, tal qual a evolução. É também o que se conta para os países, em especial aos em desenvolvimento: se quiserem avanças, só via mercado liberal consequente. Assim nos tornamos marionetes do sistema.

É fundamental escavar as assunções do mercado digitalizado e nos perguntar o que é mesmo relevante para a vida no planeta. Ironicamente, apenas pensando como programadores podemos adaptar a economia para servir a seres humanos, ao invés da balela do crescimento a qualquer custo. Usando uma expressão freireana, é preciso “ler a realidade”, para, escavando por baixo, sacar seus pressupostos maquiavélicos aí embutidos perversamente. Caso contrário, vamos repetindo velhos equívocos, como papagaios adestrados. Agora está cada vez mais claro que, graças à velocidade e escala nas quais os negócios digitais operam, nossos erros ameaçam descarrilar não apenas a capacidade inovadora de nossas indústrias, mas também a sustentabilidade da sociedade inteira. Jogar pedra nos ônibus do Google são como o tremor antes do terremoto. Ou temos juízo e seguimos outra rota, ou adentramos para o precipício. Estamos no lucro de uma catástrofe anunciada. A humanidade precisa decidir. Precisamos pegar a oportunidade de reprogramar a economia – e empresas – a partir de dentro. Daí podem prover modos novos e mais distribuídos de criação de valor e permuta – tipos de geração de riqueza em sites de comércio, em redes de empréstimo entre pares, e plataformas de usuários ou mesmo em jogos e aplicativos programadas por colegiais em laptops e trazidos ao mercado. É a economia que nos 1980 era acenada por muitos de nós, mas no início dos 1990, esta economia centrada no humano foi substituída pela visão do negócio digital – pelos fundadores libertários e primeiros escritores da revista Wired e futuristas patrocinados por empresas de Cambridge (Massachusetts), muitos dos quais eram os mesmos. Viam a tecnologia digital de modo a reavivar os mercados securitários sob risco, bem como a restaurar a fé na noção da economia se expandindo infinitamente. Após o crash biotecnológico de 1987, muitos temeram que o meio século de crescimento sem paralelos do pós-guerra poderia se extinguir; mas agora a tecnologia digital iria fazer NASDAQ retornar à sua glória anterior. Logo quando parecia termos atingido os limites do mundo físico, descobria-se mundo virtual aparentemente inesgotável. Conforme os novos sabichões, esta nova economia digital prometia “longo boom” (Schwartz & Leyden, 1997) de crescimento econômico: uma economia digitalmente amplificada, especulativa que podia literalmente expandir-se para sempre (R:6). Otimizamos nossas plataformas não para as pessoas ou mesmo valor, mas para crescimento. Ao invés de obter mais tempo livre, virou menos; ao invés de mais variedades de expressão humana e interação, guinamos para previsibilidade amigável ao mercado e automação. Tecnologias foram glorificadas mais por sua habilidade de extrair valor das pessoas em termos de “horas oculares” e dados que podiam ser derivadas daí. Como resultado, acabamos em paisagem digital de conexão obsessiva, com atualizações frenéticas e interrupção perpétua de emergência – que Rushkoff chama de “choque presente” – previamente conhecido apenas para operadores de 911 e controladores de tráfego.

III. ECONOMIA PRIVADA COMO RAZÃO COMUM!
Desenvolvemos as novas tecnologias não para a melhoria da humanidade ou mesmo dos negócios, mas para maximizar crescimento do mercado especulativo. Não são objetivos parecidos ou complementares. No lado brilhante da coisa, bilionários emergem, não o suficiente para compensar os milhões desempregados ou desconectados da prosperidade pelos mesmos mecanismos, mas, para Rushkoff, são inspiradores, surgindo a cada nova onda, com manchete em Wall Street Journal. Cada vez alguma novidade no perfil: bilionários de “papéis”, cuja riqueza é medida em ações, não lucros. Na verdade, a maioria das empresas da internet não têm lucros – certamente não aqueles da capitalização de mercado; tornam-se estórias de sucesso apenas quando seus fundadores e investidores saem de cena – vendem sua parte por dinheiro real. É o jogo que hoje chamamos de economia digital. É aceita sem contestação, pois turbina as chamas do crescimento – mesmo artificialmente. Empresas com novas tecnologias são livres para romper qualquer indústria que escolherem – jornalismo, TV, música, manufatura – desde que não rompam o sistema financeiro operativo subjacente. Por incrível que pareça, a maioria dos fundadores das firmas digitais sequer sacam que este sistema existe. Estão felizes por desafiar uma “vertical” ou outra, mas a última coisa que fazem quando se tornam vencedores é desafiar as regras de banco de investimento, seu valor astronômico ou o lançamento inicial de ações que embolsam. Ganhar o crescimento digital é menos novo topo de prosperidade do que modo novo de executar negócio com usual: velho vinho em garrafa nova. Não é que fazer dinheiro seja tão errado; é que as premissas do capital de risco e o mercado de ações – bem como seus efeitos reais – não são nunca questionados. Os ganhadores têm sido, de modo bem substancial, enganados.

Assim viu Rushkoff o cofundador do Twitter, Evan Williams, na página frontal de Wall Street Journal em foto no dia do lançamento das ações – de um lado, feliz, de outro, entristecido um pouco. Sob seu queixo, constava o valor de $4.3 bilhões – o dinheiro que fizera no dia – a pessoa mais rica que Rushkoff conhecia pessoalmente (Demos et alii, 2013). Era o adolescente que começara Blogger, lutou para manter no ar e depois fez seu primeiro milhão vendendo para o Google; estava agora aqui – como o rapaz premiado por ter feito uma abóbora inconcebivelmente gigante – um dos homens mais ricos do mundo. A que custo? Evan rompeu jornalismo com o blog e a indústria da notícia com o tuite, mas agora estava entregando toda esta disrupção à indústria maior e pior de todas. Quando se está na primeira página do Wall Street Journal, aplaudido por aquela gente engravatada, não é por ter feito algo extraordinário; é porque ajudou a confirmar a centralidade do capital financeiro como regulador da vida no planeta. Evan e seus parceiros exitosamente tornaram Twitter empresa lançada na bolsa e multibilionária e o processo sacrificou um aplicativo potencialmente capaz de mudar o mundo numa persecução singular de crescimento. Eis aí talvez a ferramenta de mídia social mais poderosa jamais desenvolvida – desde organizar ativistas na Primavera Árabe a movimentos Occupy Wall Street, ou a propiciar plataforma global para jornalistas cidadãos e candidatos presidenciais igualmente. Não teria sido muito caro criar ou manter; não iria exigir montanha de dólares para funcionar. Agora, Twitter precisa produzir, crescer; os $43 milhões lucrados nos últimos três meses são vistos como fracasso redondo por Wall Street.

Em 2015, os investidores no Twitter queixaram-se de que a empresa estava ainda muito distante de atingir seu potencial de crescimento de “100x” e forçaram o diretor executivo a ir-se. Acionistas estão exigindo que Twitter ache melhores vias de monetização dos tuites dos usuários, ou injetando anúncios nos feeds das pessoas, ou minerando dados para inteligência de marketing, ou, por outra, degradando a utilidade do aplicativo ou a integridade da empresa. Twitter tem êxito, mas não tanto esperado financeiramente. Já houve ingresso suficiente para os empregados estarem felizes, os usuários bem servidos e mesmo os investidores originais para serem bem recompensados. Mas nunca há suficiente para os acionistas, que esperam lucros 100x maiores. Busca-se relação desproporcional entre capital e valor – ou dinheiro investido vs entrada real – como marca da economia digital dominante. Ao final, as firmas continuam crescendo, mesmo sem criar valor novo. Isto não é novo – nos últimos 70 anos ou mais, conforme economistas do Deloitte Center for the Edge (Hagel et alii, 2013), lucros corporativos sobre valor líquido estão sempre caindo; empresas acumulam dinheiro e recursos mais rápido que os pode utilizar. Continuam ricas, mas não sabem aplicar – cresceram demais para seu tamanho e desenvoltura. 

IV. ACELERAÇÃO CAPITALISTA
O que é novo nesta discussão é que, aplicando nossas inovações tecnológicas ao crescimento acima de tudo, deslanchamos forma poderosamente desestabilizadora de capitalismo acelerado. Piora a disparidade entre rico e pobre, punindo os que realmente trabalham para ganhar a vida, perdendo controle humano sobre os mercados de capital e deixando investidores de visão curta endurecer inovação de longo prazo. Para muitos, tecnologia digital é apenas convite ao jogo dos mercados de modos novos, criando crescentemente instrumentos abstratos e ultrarrápidos de bater o sistema, ao invés de criar valor. Há achegas melhores para realizar prosperidade na paisagem digital dos negócios. Se pudéssemos nos livrar do vício do crescimento, temos potencial para avançar sistema econômico mais funcional e mesmo compassivo que favorece o fluxo de dinheiro sobre acumulação e remunera as pessoas por criarem valor, ao invés de apenas extrair. Antes, porém, há que mudar a rota radicalmente, flagrando o suicídio organizado no sistema atual.

Como o sistema tem um centro próspero, mesmo com alguns beneficiários ensandecidos e em número cada vez menor, parece temerário virar a mesa. Ficaríamos com o quê? Melhor uma canoa furada do que nenhuma? Será? Funciona também o fascínio da prosperidade, como no caso Chinês, que conseguiu deslanchar um processo incrível de crescimento frenético, acumulando riqueza, ainda que extremamente concentrando, à revelia de qualquer fundamento “comunista”. Todos os países querem chegar lá, mesmo que matematicamente seja inviável, porque não há recursos para isso, ambientalmente falando. Como sempre – a evolução usada no argumento indica isso – o êxito é de quem chega antes, custe o que custar. Como as distâncias são grandes, todos querem correr, provocando acelerações do crescimento de toda sorte. Até mesmo certas esquerdas assim querem, no embalo da argumentação marxista de que o socialismo só viria após o esgotamento do capitalismo. Há, pois, que esgotar o capitalismo, fazê-lo correr na velocidade possível e impossível. Enquanto isso estamos todos nos suicidando.

CONCLUSÃO
São tempos kafkianos. Quanto mais crescemos, mais nos suicidamos, porque a insustentabilidade se potencializa desesperadamente. Não podemos ficar sem crescimento, porque sem riqueza gerada, nada há a distribuir. Este argumento é fraco, naturalmente, porque geral riqueza é uma coisa, distribuir ou redistribuir é outra. O autointeresse leva ao bolso do interessado, não ao bem comum. Assim, o conflito entre autointeresse e interesse comum se exacerba, tornando inacreditável a tese do pensamento único, patrimônio maior de instituições economicistas com Davos. Questionar o mercado liberal é insanidade, desinformação, ou jogo sujo. Um passo à frente e vamos encontrar a tese mais ainda inacreditável de que as grandes fortunas, sendo mérito dos afortunados, não podem ser coibidas, constritas, tributadas, castigadas. O mundo sempre foi uma hierarquia, mas agora ela ficou rarefeita aos bilionários.

Como o projeto é suicida, algo será feito – assim se espera. O mercado liberal como regulador da sociedade é aberração que vai custar caro, porque move uma sociedade totalmente dilacerada entre um poucos que têm quase tudo e os muitos que não têm quase nada. Uma sociedade global impossível.

REFERÊNCIAS
DEMOS, T., DIETRICH, C., KOH, Y. 2013. “Twitter Shares Take Wing with Smooth Trading Debut,” Wall Street Journal, November 6, 2013.
GIANG, V. 2013. “A New Report Ranks America’s Biggest Companies Based on How Quickly Employees Jump Ship,” businessinsider.com, July 25, 2013.
GUMBEL, A. 2014.  “San Francisco’s Guerrilla Protest at Google Buses Swells into Revolt,” Guardian, January 25, 2014.
HAGEL, J. et alii. 2013. Foreword, “The Shift Index 2013: The 2013 Shift Index Series,” Deloitte, 2013.
NOYS, B. 2014. Malign Velocities: Acceleration and capitalism. Zero Books, N.Y.
RUSHKOFF, D. 2016. Throwing rocks at the Google bus: How growth became the enemy of prosperity. Portfolio, N.Y.
SCHWARTZ, P. & LEYDEN, P. 1997. “The Long Boom: A History of the Future, 1980–2020,” Wired, July 1997.

Fonte: https://docs.google.com/document/d/1lkYX00aMV0lE3Uu4oUnql0655Pf1z9IczDD0PyzwTOs/pub

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