Confissões de um ex-pastor(X)

Creio que Timóteo, o jovem presbítero de origem judia, teve uma grande vantagem em seu ministério: a mentoria espiritual do apóstolo Paulo. Isto fica claro nas cartas que lhe são dirigidas, que pormenorizam as instruções chegando às minúcias. Mas creio que o que mais reforça esse argumento é o que está implícito nas entrelinhas: a companhia quase que onipresente de Paulo, estava sempre disposto a ouvir, a aconselhar, a dirigir os passos, a ser o paracletos de Timóteo, aquele que anda lado a lado.

Olhando para trás eu vejo que o que mais me faltou no passado foi alguém que me mentoreasse, eu hoje lamento a minha falta de humildade à época para procurar alguém que me ajudasse, que fosse o meu diretor espiritual. Acho que não encontrei a pessoa certa porque confundi a forma certa de procurar com o lugar certo, enfatizei mais o local onde encontrar do que o modo, atitude de humildade, que deveria ter feito isto.

Tive muitos tutores eclesiásticos, mas nenhum que pudesse ser chamado de mentor, no mais fiel sentido da palavra.

Tive na minha infância um pastor que quando entrei no seminário se tornou meu tutor, trabalhei em sua igreja liderando uma congregação, sentia que o mesmo me escanteava, sentia que ele não gostava de mim, seus presbíteros lhe faziam oposição e ele achava que eu fazia parte do grupo para tomar seu lugar. Um dia ele me procurou na congregação para me dizer que naquele dia deixaria a igreja por conta da perseguição dos presbíteros, eu imediatamente lhe informei que sairia junto com ele da igreja, pois não concordava com a atitude dos líderes leigos, ele começou a chorar, e em lágrimas me pediu que continuasse na igreja por amor das ovelhas, vi que não precisava mais provar para ele que eu lhe era fiel e que não estivera articulando a sua derrubada.

Tive outro pastor e tutor que era ex-militar da aeronáutica à época que eu o conheci, estava na ativa durante a ditadura militar e pelo que me consta era um torturador nos calabouços infames dos DOI-CODI´s. O que mais me assustava era a sua arrogância intelectual e autoritarismo, ele não pastoreava a igreja, ele a conduzia com chicotadas e açoites, era uma igreja assustada, nervosa, doentia e que até hoje, mas de 10 anos depois da saída dele ainda sofre os efeitos daquele pastorado caótico. Um dia, eu estava muito alquebrado, ele gritou comigo, meu pai estava presente, era presbítero do conselho, eu apontei para meu pai e disse: - Meu pai não fala assim comigo, quem é o senhor para falar? Ele me respondeu que era meu pastor, eu me levantei e saí da sala dizendo: - Pastor não, o senhor é reverendo!

Um dia, alguns anos depois numa assembléia para decidir a permanência dele à frente da igreja ele se portou de uma maneira tão indecente, vulgar, desonesta e anticristã que eu me encolhi nos bancos da igreja, estava morto de vergonha de ver alguém tratar a noiva de Cristo daquele jeito, manipulando a votação, que lhe era na maioria contrária, para poder continuar à frente de uma igreja que nem lhe pagava salário, tudo apenas pelo poder e pelo status.

Fui para uma igreja que me chamou para ser pastor, mas à época eu só queria estudar teologia e ensinar, tinha o objetivo de ser apenas professor, não queria pastorear. Ocupei o cargo até que um ex-colega de turma meu chegou para pastorear a igreja, éramos da mesma idade, tínhamos idéias iguais, linhas teológicas semelhantes, mas éramos de universos paradoxais. Passei um ano na igreja sem que me pedisse para pregar, tinha ciúmes de mim por conta da igreja gostar de me ouvir pregando, não sei o que ele pensava, eu não quis ser pastor antes dele, porque tomaria a igreja dele então? Chegou até a enviar relatórios negativos ao meu respeito para o presbitério e ainda os apresentou na minha ausência, não esperou que eu chegasse para apresentá-los. Fui incisivo numa reunião da mesa do presbitério, meu mal sempre foi ser honesto, disse que o tal pastor tinha gabarito, pregava bem e exercia sua função a contento, mas eu não tinha o mesmo como homem no sentido da palavra aqui no nordeste: alguém com caráter e de palavra. Lógico que isso causou rebuliço e naquela reunião eu desisti de ser pastor, foi meu primeiro passo para abandonar de vez o ministério.

Após um tempo eu, que já tinha perdido a esperança de exercer o ministério, entrei em contato com um pastor que havia adulterado e por isso mesmo tinha sido expulso da denominação, estava numa comunidade pequena que era ligada a uma igreja de outro estado, forte e com um pendor para a tolerância, ecumênica e extremamente politizada, diria que era uma igreja de esquerda, eu já tinha tido contatos com essa comunidade antes, mas sempre os considerei exóticos, mas naquele momento eu achei que era o lugar ideal para mim, tínhamos as mesmas idéias e os mesmos objetivos. Ocorre que o pastor era um aproveitador, ele não tinha nenhuma veia ecumênica, acho que era até mesmo anti-ecumênico, mas como queria a todo custo exercer o ministério, fingia que aceitava as doutrinas dessa igreja, era tolerado e aceito. Descobri que ele era uma farsa, além do mais era um mentiroso contumaz e incorrigível. Quando falei com o pastor líder no outro estado, fui não só mal compreendido como acabei sendo forçado a sair da igreja me sentindo injustiçado e muito abalado espiritualmente.

Acabei procurando a supervisão espiritual de um pastor reconhecido nacional e internacionalmente, fui bem recebido, deram-me até cátedra no seminário da igreja, depois me pediram para supervisionar uma igreja em outro estado, distante mais de 12 horas de viagem de ônibus, eu ia aos fins de semana, sem reclamar e sem ganhar nenhum tostão por isso. Um dia este pastor me deu um telefone de uma mulher que tinha tentado suicídio, minha missão era dar apoio pastoral e ajudar naquilo que pudesse. Depois de algumas conversas descobri que a mulher estava em crise porque tinha se envolvido com aquele pastor, que dizia para ela que a relação com ele não era pecado, pois a poligamia estava na Bíblia, e a esposa dele não poderia oferecer o que ela poderia. O corpo dela aceitou, mas a mente e o coração não, por isso entrou em crise e tentou se matar. Fiquei indignado, ter sido enviado para “limpar a sujeira” que ele havia feito. Senti-me usado, não só nessa ocasião como em outras, quando o meu nome saiu em manifestos que eu sequer havia lido, depois de sentir-me um bagaço de cana jogado fora, deixei a igreja com muita tristeza. Este foi o passo final para a desistência plena do ministério pastoral.

Meses atrás eu recebi uma mensagem num site de relacionamento de um velho pastor de São Paulo, o Rev. Enos Moura, presbiteriano de larga tradição, que foi pastor em Recife e professor do mesmo seminário que eu estudei e ensinei, muito embora eu não tenha sido aluno dele, diria que no jargão anglicano ele é um verdadeiro “Pai em Deus”. Eu tinha postado uma foto minha pregando em uma igreja numa cidade vizinha, era a única foto que eu tinha digitalizada no meu computador, por isso que a tinha colocado, debaixo dela, à guisa de comentário eu havia escrito: “Faz tanto tempo que eu nem sei mais como é que se faz!”. Algumas pessoas que me conheciam bem e que viram a foto disseram que tiveram um choque, um colega meu havia dito que sentira um “murro” quando leu o que eu tinha escrito. A mensagem do Rev. Enos me trouxe lágrimas aos olhos, não chorei mais por estar num local público, ele me pedia que o deixasse me ajudar, queria dividir a minha dor e queria saber o que poderia fazer por mim. Não tivemos tempo depois para conversar por conta da distância, sei apenas que em algum lugar há um pastor de almas disposto a me pastorear e a me carregar nos ombros, caso eu mesmo não consiga voltar ao redil por minhas próprias pernas. Enos Moura é o seu nome, alguém que tem o coração de pastor, um Pai em Deus!

Hoje com toda a experiência que tenho sei que preciso de um diretor espiritual, de alguém que me mentoreie, alguém a quem eu tenha que prestar contas, sei que Brennan Manning, Henry Nouween e Eugene Peterson seriam ótimos diretores, mas me dou conta que não posso buscar mentores que sejam super-espirituais, estes não existem, por isso nunca encontrei nenhum, estava buscando errado, só tinha encontrado vasos de barros como eu, mas é por meio de vasos de barros com pés de argila que Deus implanta Seu Reino. Quero apenas um pastor que seja honesto, comigo, consigo mesmo e principalmente com Deus, alguém assim eu seguiria, alguém assim eu obedeceria. Ainda busco, sei que existe, Rev. Enos me provou isto, por isso não desisto.

P.S.: Eu já “sigo” o Rev. Enos Moura no Twitter.

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