"Chora Palestina!"


O Sétimo, CD lançado em meados de 1997, representa uma fase da carreira do cantor e compositor Sérgio Lopes, generosamente considerado por muitos como “o poeta gospel” (alguns, porém, entre os quais eu me incluo, substituiriam com facilidade o “generosamente” por “exageradamente”), que poderia ser chamada de início da maturidade. Por vários motivos este disco é um marco na vida dele, dentre os quais eu citaria: é o seu sétimo CD (o que de cara já justifica o título); o lançamento foi pela Line Records, que já começava a figurar no rol das maiores gravadoras do país; o trabalho foi produzido com muita qualidade por Pedro Braconnot (aquele mesmo de Rebanhão!) e o principal motivo: foi por conta deste CD que Sérgio Lopes recebeu o primeiro Disco de Ouro de sua carreira e no ano seguinte (1998) recebeu, em Belo Horizonte (MG), o Troféu de Música do Ano pela faixa "O Lamento de Israel".

O que inspirou esta música, ou como diriam os poetas nordestinos: “o mote” que justificou a sua existência, foram as comemorações do Cinquentenário da fundação do moderno Estado de Israel, o CD foi lançado nos meses que antecederam às aludidas comemorações.

Naquela época eu já era bastante familiarizado com a obra de Sérgio Lopes, possuía todos os seis CDs anteriores ao sétimo e posso provar que não era um mero ouvinte, mas sim um legítimo apreciador de seu repertório: sabia cantar quase todas as suas músicas. Do ponto de vista do critério estético, com a devida honestidade que o caso requer, eu, ainda hoje, classificaria a maioria esmagadora de suas letras como de boa qualidade, por isso, junto com uma não tão pequena legião de “crentes”, passei a enxergar a carreira dele como uma grata surpresa e uma agradável exceção no meio evangélico (junto com Sinal de Alerta, Logos, Milad, VPC, Catedral, Rebanhão e outros poucos), que àquela altura já descambava para o besteirol e mediocridade (nem quero falar do critério heresia, porque entraria numa digressão que demandaria mais de dez páginas) que domina as rádios evangélicas e, infelizmente, as igrejas de hoje em dia. Porém o sétimo foi também o último CD de Lopes que eu comprei, desde então não adquiri mais nenhum! (Este artigo talvez sirva também para que eu exponha, ainda que não seja essa a proposta majoritária e inicial do texto, as razões que me levaram tomar esta atitude).

A música mais apreciada, reproduzida e lembrada é, sem dúvida, a já citada e premiada O Lamento de Israel, eu porém acho que A dor de Lázaro seja a música mais bela e tocante do CD (“... Outra vez Senhor, mostra o teu poder. Transforma a morte em vida, pois em tuas mãos a vida se formou. Se hoje não te ver livre desta cruz, eu vou esperar mesmo que adormeças sei que vai voltar. És a própria vida e jamais a morte te resistirá.”), preferências estéticas à parte, já que uma música religiosa, que tem como intenção conduzir o ouvinte à verdadeira adoração, aquela que mais se aproxima dos ensinos da Bíblia e que, por isso, agrade a Deus, não pode ser analisada apenas por esse prisma. Vamos relembrar a letra da música, para quem não a conhece, favor clicar aqui e ouvir antes de continuar a leitura.

“Quando em cativeiro te levaram de Sião
E os teus sacerdotes prantearam de aflição,
Foi como morrer de vergonha e dor
Caminhava triste o povo forte do Senhor.

Ah! Jerusalém por que deixaste de adorar
O Deus vivo que em tantas batalhas te ajudou?
Chora, Israel! Num lamento só
Talvez Deus se lembre do bichinho de Jacó!

Chora, Israel!
Babilônia não é teu lugar,
Clama ao teu Deus! E Ele te ouvirá
Do inimigo te libertará
”.

É uma bela música, sem sombra de dúvidas, e seria mais uma de suas músicas que eu cantaria sem nenhuma reserva, seria, mas não é! A teologia que subjaz esta música não me permite cantá-la, dois motivos principais me conduzem a isso: O pré-milenismo dispensacionalista que ele apresenta, que se propagou no meio evangélico brasileiro na década de 80 com a ênfase no “arrebatamento secreto da Igreja” (doutrina desconhecida das Escrituras Sagradas), confunde o Israel de Deus do Novo Testamento com o moderno Estado de Israel (o “povo forte do Senhor” e o “Israel” que ele cita não se referem à igreja, e isto contraria a escatologia reformada), com um sionismo exacerbado, que beira o preconceito racial e religioso, traz em seu âmago um fanatismo religioso por tudo que se refere aos judeus, como a bandeira de Israel em muitos púlpitos, o uso do shofar em algumas músicas, candelabros e outros objetos do abolido culto judaico e, o que é pior, um silêncio omisso diante da barbárie da limpeza étnica e do genocídio que Tel Aviv pôs em marcha nos últimos anos (eis o segundo motivo!)

A denúncia que Ualid Rabah (diretor de Relações Institucionais da Federação Árabe Palestina do Brasil) fez é estarrecedora (Para aqueles que quiserem entender de fato o que se passa: Genocídio na Palestina). O restante deste texto é baseado neste artigo dele.

Israel tem sistemática e indiscriminadamente atacado a população civil de Gaza, uma diminuta região da Palestina, na fronteira com o Egito, na qual vivem mais de 1,5 milhão de pessoas, o que torna aquela faixa a maior concentração populacional do mundo. Desde que a política de Tel Aviv passou a ser de ataques constantes aos civis, a cifra de mortos já se eleva aos milhares, outro tanto de feridos e mutilados, alguns dos quais em estado grave ou gravíssimo, e a destruição de toda a infra-estrutura básica, desde as redes de água e esgoto, de eletricidade, hospitais, escolas, universidades, centros religiosos, aos armazéns de alimentos, estradas, reservatórios de água e tudo o mais que pudesse assegurar a vida dos palestinos.

Estes ataques revelam um fato assustador: o holocausto palestino que já dura mais de 60 anos. Além disso, a manutenção do bloqueio por terra, pelo ar e pelo mar à Gaza que já dura mais de uma década, por meio do qual os sionistas não permitem a entrada de alimentos, medicamentos, equipamentos e insumos hospitalares ou farmacêuticos, energia ou qualquer outro item indispensável à vida. Até mesmo a ONU é impedida de entrar em Gaza ou de enviar alimentos e medicamentos previstos em seus programas para a população sofrida. Aos que insistem em furar este bloqueio, Tel Aviv responde com fogo e já afundou diversas naves de ativistas que não se intimidaram com suas ameaças.

Enquanto os turistas gastam seus dólares nas terras férteis de Israel, os moradores de Gaza convivem com uma miséria avassaladora, alta taxa de desnutrição, índice de mais de 50% de desemprego da população, doenças simples levando à morte centenas de crianças por falta de estrutura hospitalar ou medicamentos, destruição da agricultura e da pecuária e de todas as formas econômicas. Quando Richard Falk, relator especial de direitos humanos das Nações Unidas nos Territórios Palestinos disse que o bloqueio à Gaza era um: “castigo coletivo equivalente a um crime contra a humanidade”, e manifestou sua opinião de que o Tribunal Penal Internacional deveria investigar o papel dos dirigentes militares e civis de Israel no bloqueio a Gaza e levá-los a julgamento por violações do direito penal internacional, Tel Aviv mandou prender Richard Falk e o expulsou.

O sangue palestino está em nossas mãos (desde os massacres de Der Yassin e a expulsão, até 1949, de mais de 700 mil palestinos; ou dos massacres de Sabra e Chatila, no Líbano, em 1982, comandados por Ariel Sharon, depois eleito e reeleito primeiro ministro pela população judaica; ou o mais inacreditável e abominável massacre em Jenin, em 2001), pois, juntos com o resto do mundo, olhamos incrédulos para esse genocídio e não fazemos nada, nos calamos no silêncio pecaminoso de cumplicidade do extermínio de um povo.

Os banqueiros judeus de Wall Street calam os EUA, que servem como protetores de Israel e validam tudo o que o estado genocida faz ao povo palestino, isso sem falar dos ataques e das ocupações do Líbano, incluindo o último, em 2006, com destruição quase total da infra-estrutura do país e mortos e feridos às dezenas de milhares, somadas às quase centenas de milhares de mortos e feridos das ocupações e ataques anteriores.

Os palestinos são reféns de um estado genocida e criminoso por natureza, racista, que pratica crimes de lesa humanidade contra eles, que promove o apartheid, que confisca terras, que destrói plantações e olivais milenares, que leva à morte de gestantes e seus bebês em postos de controle propositalmente, que impede os jovens de concluir seus estudos, que os proíbe de frequentar cursos de pós-graduação, que constrói um muro que encarcera populações e cidades inteiras, corta escolas e propriedades ao meio e confisca milhares e milhares de hectares de terras de palestinos, que utiliza armas proibidas por todas as convenções internacionais, que pratica a tortura, inclusive com aprovação, em julgamento próprio em sua instância judicial máxima, que mantém em suas prisões mais de 11 mil palestinos, a maior população carcerária do mundo em termos proporcionais, incluindo mulheres e crianças, a maioria sem acusação ou julgamento.

Algo que deveria nos incomodar é: porque nós, homens e mulheres de fé cristã, sinceros em nossos propósitos, não fazemos nada para impedir o genocídio de um povo inteiro, ainda que sejamos testemunhas de tudo o que ocorre? Ainda valem os clamores por justiça dos profetas? Ainda valem os ensinos de Jesus para que seus seguidores busquem a paz, a justiça e se ponham ao lado do oprimido? O povo palestino não pode ser identificado com o “aos meus pequeninos” do sermão de despedida de Mateus?

Os judeus que hoje “compram” o silêncio dos EUA com dólares, são da mesma estirpe dos judeus que durante o período nazista, sabiam do que ocorria mas se calaram para não verem prejudicados seus interesses econômicos.

Estamos no caminho de que em 100 anos, ou ainda menos do que isso, o povo palestino desaparecerá da face da terra e todos nós, judeus e não judeus, responderemos como responsáveis por este crime frente à humanidade. Pode ser que, talvez percebamos, após isto, que ali esteve, por milhares de anos, um povo chamado de palestino, que resistiu como jamais um povo resistiu, mas desapareceu. Talvez para calar as nossas consciências, diremos que os palestinos não foram extintos por culpa de nossas omissões e covardias, mas assim porque era esta a vontade de Deus. Será mesmo esta a vontade de Deus? Onde estaria Jesus: em Gaza ou em Tel Aviv? Alguém tem dúvida?

Chora palestina, que eu chorarei contigo!

Chora Israel, pode chorar! Ainda há tempo para te arrependeres de teus pecados, ainda há tempo de tratares os outros da forma que outro judeu, Jesus, trataria.

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