Diário de um confinado (2º dia)


Mesmo estando aqui em Uberaba, ontem eu consegui reunir minha família em diversos lugares: Recife, Olinda e Jaboatão dos Guararapes, por meio de um desses aplicativos de chamadas de vídeos e tivemos alguns momentos lúdicos e de descontração, em meio a um momento de medo, pânico e incertezas. 

Lembrei de quando nós éramos crianças e nos deitávamos no chão da sala para ouvir meu pai contar histórias e estórias. Sempre que ele contava um conto pela segunda vez, descobríamos que ele havia acrescentado um final diferente ou um viés diferente, era a forma que ele tinha de nos entreter numa época sem TV e tantas outras formas de distração. 

Também pude acompanhar algumas manifestações da população batendo panelas para ironizar o aniversário do presidente (sic) e de alguns grupos evangélicos que foram às janelas cantar um hino que fala de ressurreição e destemor diante da morte. 

O hino diz mais ou menos isso: "... Porque Ele vive, posso crer no amanhã/ Porque Ele vive, temor não há/ Mas eu bem sei, eu sei, que a minha vida/ Está nas mãos de meu Jesus, que vivo está/ E quando, enfim, chegar a hora/ Em que a morte enfrentarei/ Sem medo, então, terei vitória/ Irei à Glória, ao meu Jesus que vivo está..."

A manifestação tinha como objetivo reafirmar a fé inconteste na ressurreição de Jesus, tema central da fé cristã, mas, também, e é aqui que perde todo o sentido, de "abafar" as manifestações de críticas a Bolsonaro, já que os grupos pentecostais são aliados de primeira hora do miliciano e não perdem uma oportunidade de angariar créditos e favores do executivo, na busca por consolidação do projeto de dominação e poder dos seus líderes inescrupulosos. 

A música também tem um efeito de alienação e tem um tema preocupante: se o crente não tem medo diante da morte, seja ela qual for, por que então se trancar em casa com medo do contágio, se ele pode ir à igreja (dar o dízimo, obviamente) para louvar a Deus ou ainda, evangelizar nas ruas em busca de almas perdidas?

Vi outra postagem hoje numa rede social que alegava que não precisavam de vacina, pois o sangue de Jesus protegia aqueles que creem nele, tal como o sangue do cordeiro protegeu os israelitas no Egito, durante o evento das dez pragas.

Isso não é fé, é puro fanatismo e irresponsabilidade. Já não bastam os despautérios de Bolsonaro com sua tentativa de minimizar o tamanho do problema e ainda vem seus apoiadores tentarem desviar a atenção da população do que de fato vai trazer o escape dessa pandemia: ficar em casa.

Não, não é Deus e nem o sangue de Jesus que vai impedir que a nação sofra um holocausto, afirmar isso seria um desrespeito e desumano com as 14.611 vítimas fatais e as mais de 335.403 que foram contaminadas ao redor do mundo até esse momento (20h26).

Essa é uma crença de pequena parte da população, aquela que se diz cristã e, mesmo assim, boa parte do cristianismo que é sóbria e reflete sobre a fé sem fanatismo não propagaria isso. Não é que ter fé num momento desse é ruim ou atrapalha, o que atrapalha mesmo é o fanatismo.

Vi ontem um vídeo dos médicos cubanos (ateus em sua grande maioria) sendo aplaudidos num aeroporto da Itália, chegavam para ajudar a conter a peste inclemente. Com essa imagem me veio à mente a pergunta: quem estaria mais perto dos ensinos do Nazareno, os cubanos que estão arriscando suas vidas ao tentar ajudar os outros, que nem conhecem e nem são da mesma pátria ou Macedos e Malafaias da vida que tiveram que ser obrigados pela justiça a fechar seus templos (o que trará queda de arrecadação e prejuízo financeiro certamente)?

Pensar ainda é de graça e não faz mal.

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