Contos I - Desfile

Numa manhã de inverno ele ficou radiante quando a professora colocou o seu nome na lista dos que iriam desfilar, bem verdade que ela perguntou quem queria, mas como gostava muito dele não titubeou ao listar seu nome. A escola se preparava para o desfile cívico de 07 de Setembro, data esta muito valorizada pelo governo militar na década de 70. Era época de cantar “Este é um país que vai pra frente...”. Ninguém queria ficar de fora, muito menos um garoto de 07 anos, que ainda lembrava-se do primeiro desfile que assistiu quando morava numa cidade do interior e que, talvez por conta do calor, acabou passando mal e indo para casa mais cedo sem ter visto o desfile todo.

Ainda desfilou nas ruas do bairro durante um ensaio, a emoção de marchar sob a cadência da banda marcial da escola, o orgulho de ser visto pelos amigos e vizinhos no meio daquele pelotão era indescritível, era como se todo o mundo tivesse parado apenas para vê-lo, não seria destaque e nem guia de pelotão, mas estaria ali, num meio de um pelotão e com uma farda universal que o tornaria invisível, mas estaria ali.

Quando chegou em casa foi categórico: - Vou desfilar no dia 07, a professora disse que tem que ter a camisa da farda e a calça azul, a camisa eu já tenho, só falta a calça. Ele não contava com a resposta da mãe, dita de forma inexorável e letárgica: - Eu não tenho como comprar a calça, você não pode desfilar! Ela não entendia o que aquele desfile significava para ele. Foi ponto final, não houve choros e nem lamentos, isso não era permitido. Nem sequer o doce engano de sonhar com os olhos abertos ele teve, sabia que a mãe não voltaria atrás, sabia que ela não se preocuparia com isso, não era dada a arrependimentos. Por incrível que possa parecer seis meses depois ele fugiu de casa, foi encontrado, mas fugiu.

Numa tarde perdida, dez anos depois, tinha colocado o uniforme de educação física, pois haveria treino de judô na academia da escola naquela tarde. Era sufocante estudar numa escola de carreira militar: estudo pela manhã, atividades físicas à tarde, regime de internato, farda, desfile, bandeiras... etc. Quando se dirigia à academia disseram-lhe que haveria formatura no campo de futebol, todos, absolutamente todos deveriam ir para lá, foi meio desconfiado, pois o traje que estava destoava do restante dos 98% dos alunos. Formar no pelotão de tênis, enquanto os demais estavam de borzeguim era se expor demais e num quartel isso era perigoso.

Quando o oficial comandante do quadro de alunos deu voz de comando de “- Fora de forma, marche!”, ele esperou o pior, achou que seria punido por estar sem uniforme. - No mínimo vou pegar um fim de semana sem sair do quartel. Era o mais lógico pensamento que poderia ter, mas o que o esperava, ele não podia prever. Saiu em disparada para apresentar-se ao Tenente, enquanto corria no meio daquela fileira interminável de alunos ficava imaginando o que aconteceria se alguém estendesse a perna, por certo que o tombo seria memorável, não teve medo que algum engraçadinho fizesse isso, mais pela presença dos oficiais que por confiança nos colegas, ao chegar na frente recebeu ordem de permanecer ali ao lado de outros colegas, até que lhe disseram que ele havia sido escolhido para ser guia de pelotão, só depois ele soube que não era só guia do pelotão, mas o guia do primeiro pelotão, na absoluta vanguarda da tropa escolar.

07 de Setembro, centro da cidade, principal avenida, com milhares de pessoas observando ele desfilou com uniforme de gala, branco impecável de doer na vista, fuzil na mão esquerda e diante do pelotão de alunos, desta vez ele não estava invisível, todos os olhos o viram, mas parece que toda aquela multidão não estava ali, ele nem notava, pois tinha que desempenhar bem o seu papel e isso pedia concentração máxima, olhar em frente e puxar o desfile. As câmeras de TV o filmaram e ele foi visto nos principais telejornais naquela noite, além de saber que uma Rede de TV estava transmitindo o desfile ao vivo, no outro dia suas fotos saíram nos jornais. Era o mesmo menino de 07 anos que não conseguiu desfilar quando quis e desta vez ele era o guia e nem sequer havia pedido.

Seis meses depois ele pediu baixa, achava que a carreira militar não era para ele.

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