Mensagem para você, meu filho!

Não acho que esta música seja de teu gosto, um adolescente de 16 anos não deve gostar de músicas melancólicas, a não ser os “emos” e pelo que me consta você não é emo, mas mesmo estes não devem gostar dela, talvez a achem “brega”. Por isso peço licença para começar esta carta reproduzindo um verso composto por um grande cantor: Antônio Marcos, que era um gênio, mas também era um desajustado, um inconformado, provavelmente morreu infeliz e incompreendido:

"... Como vai você, eu queria saber da sua vida,
peço alguém pra me contar sobre os seus dias,
anoiteceu e eu preciso só saber..."

Essa música ele cantava com a alma, muito melhor que o insosso Roberto Carlos. Pena que você nunca o viu cantar, pena mesmo! Utilizo-me desta parte da música como uma forma de expressar o quanto eu sinto saudades de você. Há 16 anos ela tem sido o “hino” que eu canto em cada aniversário teu, o clamor de minha garganta em cada dia dos pais em que a tua ausência é tão presente e o grito inaudível de meu peito em cada dia das crianças. Sei que você nem se considera mais sequer adolescente e deve ser como todos os demais garotos de tua idade, como eu mesmo fui um dia, livre e independente, certamente que não desejaria presentes e nem aceitaria recebê-los hoje, afinal de contas hoje é apenas “Dia das Crianças”, por isso que para marcar esta data eu te escrevo esta mensagem, que há 200 anos estaria numa garrafa lançada ao mar, há 100 anos seria uma missiva entregue pelo carteiro à cavalo, há 10 anos seria um telegrama e hoje é “postada” num blog, mas todas expressariam, como esta, o amor incondicional de um pai que tem por sobrenome saudade. Há muito tempo que não paramos para conversar, já se passaram tantos anos desde a última vez.

A vida tem sido tão difícil, marcada por sonhos irrealizados e que nunca se realizarão e planos que foram lançados no mar do esquecimento para não lancetarem tanto, ela é tão corrida, ela passa tão rápido, ou deixamos que ela passe tão rápido, que eu chego a me perguntar se vale a pena viver oitenta anos em vinte.

Nem parece que sou pai de um adolescente com essa idade, ainda não me acostumei com a idéia. Tenho apenas a certeza do que é difícil educar filhos desta faixa etária hoje em dia, são tantos desafios, tantas dificuldades, que às vezes bate um desespero, tenho lido muito sobre o assunto, procuro me informar para poder enfrentar bem as situações que podem me sobrevir, além de você ainda tenho a Mysha (caso não saibas, Mysha é o epíteto de Jessicah Rhebeccah, tua irmã) com 14 anos, uma linda garota, no mais amplo sentido da palavra, tanto interiormente, quanto exteriormente. Inteligente, culta, sensível, escreve bem demais, tem centenas de contos que eu vivo pedindo que ela publique, mas ela sempre procrastina, digo, protela, prorroga, vocês dois são dois universos diferentes, cada um com seu mundo, cada um com suas “certezas”. Você precisa ver o que ela fala de si mesma, as lutas que tem e, olha que dá vontade de rir, as paranóias de que é feia, uma verdadeira Cinderela que se acha Gata Borralheira! Dá uma olhada de leve no blog que ela mantém e depois ver as fotos no perfil dela no Orkut. Vá entender as mulheres! Conselho de pai, não tente, é uma roubada, para cada coisa que elas disserem, diga apenas hum, hum! E balance a cabeça afirmativamente, isso vai fazer com que te considerem atencioso e você não se meterá em problemas.

Só agora que já tens capacidade de me entender e compreender de fato é que te escrevo esta, e um dos motivos é para dizer o quanto lamento não ter visto você dar os primeiros passos, eu não estava à tua frente com os braços abertos te dando a confiança que precisavas nesta fase tão importante de tua vida, eu também não limpei as feridas, que as muitas quedas e os muitos tombos te causaram. Não pude também te ensinar as primeiras palavras, como também não ouvi sequer quais foram as que você primeiro pronunciou. Nunca troquei uma fralda sequer tua, nunca me levantei à noite para te colocar no braço até que a dor ou o desconforto te deixasse dormir. Nunca arranquei nenhum dente teu e nunca te coloquei para dormir ninando-te me meus braços.

Lamento profundamente o fato de não ter te ensinado a andar de bicicleta, nem sei se sabes, se aprendeste de alguma forma, também não te ensinei a jogar bola, muito embora eu nem saiba muito, sempre fui meio desajeitado, parece que nem tenho coordenação motora, nem sei se seria capaz de fazer isso, mas com certeza correr contigo atrás de uma bola teria sido um prazer imenso para mim..

Não te ensinei a jogar pião, bola de gude e construir e empinar pipas, coisas que eu sei que os meninos de hoje nem sabem que um dia existiram, pensam que são peças de museu, mas também poderia jogar contigo no computador ou em qualquer videogame irado desses modernos.

Não pude te levar à escola, nem no primeiro dia e nem outro dia qualquer depois, não pude ver teus jogos, tuas competições esportivas, nunca pude ir à escola para comemorar o Dia dos Pais ao teu lado.

Nunca te levei ao Santuário Maior dos Rubro-negros de Recife, a majestosa Ilha do Retiro, covil do Leão do Norte, se bem que neste momento as coisas não andam muito boas por aquelas bandas não. Nunca assistimos a jogos do Sport e nem tomamos sorvetes juntos.

Nunca te levei à igreja, você nunca me viu pregando ou ensinando e nunca pudemos falar de Deus e de Jesus. Nunca pude ler histórias (e estórias também) para você, como fazia para a tua irmã quando ela era menor. Nunca pude te contar minhas aventuras, como o dia em fugi de casa ou o dia em que toquei fogo numa plantação, mas isso fica para outro dia, eu já estou correndo o risco de entrar numa digressão, e em outro lugar eu já escrevi sobre isso.

Não fiz nada disso não foi por estar ocupado, talvez se esse fosse o motivo eu estaria agora feliz, pelo menos poderia recuperar o tempo perdido, mas não fiz nada disso porque você foi embora muito antes que eu pudesse fazer algo, foi embora sem um sorriso, sem uma lágrima, sem um choro e até mesmo sem um adeus.

O dia 31 de agosto de 1993 ainda está marcado à ferro e fogo em minha alma, deixou marcas indeléveis, que, acredito eu, são eternas. Neste dia, ainda que eu tivesse 25 anos, para mim foi o dia em que perdi a noção do “mundo maravilhoso de Alice”. Onde tive que enfrentar todos os meus medos, todos de uma só vez, onde a sombra começou a pairar sobre minha vida e a “noite escura” da alma chegou de vez.

Neste dia você nasceu e floresceu, neste dia você definhou e morreu.

Você foi como um presente de Deus, chegou quando disseram que era impossível que você viesse, e foi embora quando eu achava impossível que fosse verdade. 16 longos anos imaginando como seria toda uma vida, como seria ter você e Mysha, juntos, curtindo a infância de cada um e vivenciado cada momento e cada vitória, e dividindo o peso de cada derrota que por acaso sobreviesse.

Senti-me só no dia em sepultei você, perdido, ainda que muita gente estivesse ao meu lado, uma dor profunda como eu nunca havia sentido, como nunca senti depois, porém a dor nunca mais foi embora, resisti por muito tempo, depois me acostumei, caso ela vá embora eu creio que sentirei muita falta. Não é que ela virou amiga, apenas não sei como é existir sem ela.

Alguns anos depois senti a mesma solidão, o mesmo sentimento de desamparo e abandono à beira da sepultura do meu pai, você já o deve ter conhecido, é claro! Não sabes o quanto eu sonhei com vocês dois juntos, tenho certeza que ele te colocaria nas costas e te deixaria fazer cavalinho nele, seria um problema para mim, pois ele como um bom avô iria te colocar no mau caminho, como o pai de minha mãe me colocou. A dor que eu senti foi diferente, a dor que senti quando me despedi de você foi uma dor não natural, nenhum pai deveria enterrar um filho, nenhum pai!

A saudade dói, mas a saudade que sinto pode ser, parafraseando um escritor americano, um “rumor da outra vida” que um dia teremos juntos, quando nos reencontrarmos, então a tua presença e a presença eterna da Luz Divina preencherão todos os vazios que porventura ainda existam. Sobre os vazios que só Abba pode preencher, um santo do passado um dia disse: "Fizeste-nos para Ti, e inquieto estará o nosso coração enquanto não encontrar em Ti descanso". Você já deve tê-lo conhecido, é um cara esquisito que gostava de roubar pêras, por nome Santo Agostinho. Sei que já experimentas essa plenitude, sabes bem do que estou falando, muito melhor do que eu.

E então sentaremos na beira de um rio, pescaremos, andaremos e conversaremos, colocaremos os assuntos em dia. Mas neste dia, já não terei mais lágrimas para derramar, pois elas serão enxugadas por Abba, a saudade vai desaparecer e só alegria do reencontro dominará nossos corações. E aí esperaremos aqueles que virão depois de nós e então “estaremos juntos para sempre com o Senhor”.

Até breve Ulrich, até breve garoto, dê lembranças ao teu avô, diga-lhe que sinto muito a sua falta, até breve meu filho.

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