Modo Borderline de ser


Há uma parábola, melhor dizendo uma fábula, qual as muitas estórias de Esopo, que ilustra o modo Borderline de ser: o escorpião e a tartaruga. Existem muitas variações da mesma, algumas com um sapo, outras com uma rã, eu prefiro a que apresenta como coadjuvante do enredo a tartaruga, por ser menos inverossímil, ainda que atribuir fala aos bichos não é nada que possa ser chamado de verossímil.

Vamos a ela: Na beira de um rio caudaloso encontrava-se um escorpião, olhava fixamente para a outra margem, seu destino desejado, um tanto quanto aflito, não sabia nadar e nem a sua estrutura física o permitia atravessar aquele obstáculo, a coragem que nunca lhe faltava na hora decisiva de enfrentar quaisquer inimigos, sejam grandes ou pequenos, parecia tê-lo abandonado, o que mais lhe irritava era parecer indefeso ou impotente. Eis que surge ao seu lado uma tartaruga, a mesma tencionava atravessar o lago para a outra margem, para o mesmo destino que ele. Procurando não aparentar humildade, para que não fosse confundida com fraqueza, o escorpião dirige-se à tartaruga:

- Pode me levar em seu dorso até a outra margem? A água está fria e eu não quero molhar minhas patas.

Tão surpresa quanto amedrontada a tartaruga responde incólume:

- Isso não demandaria esforço algum, seu peso é insignificante para mim, porém, como eu teria certeza de que você não me aguilhoaria se eu te colocar sobre meu dorso? Você vai me picar se eu fizer isso, seu veneno vai me paralisar e eu vou morrer dentro do lago. Ninguém escapa de tua mortífera aguilhoada, basta que esteja ao teu alcance.

Ao que o escorpião maquiavelicamente replica:

- Se eu fizer isso, nós dois morreremos, eu morreria afogado, você acha que eu vou me matar propositalmente?

Ela pensou por alguns segundos, depois admitiu que o argumento era plausível. A tartaruga, mais por medo de ser picada de qualquer jeito, do que por força dos argumentos do peçonhento escorpião, decide levá-lo em seu dorso. Ao colocar as patas dianteiras na água, consolou-se com o argumento do seu passageiro, sabia que se ele a picasse, os dois morreriam.

- Não acho que ele é tão insensato, ao ponto de cometer tal desatino.

Pensava assim, e desta forma animava-se. Quando já tinha atravessado mais da metade do lago, quando já encontrava-se na parte mais funda e onde a correnteza era mais desafiadora, por isso mesmo, mais perigosa, sente em sua nuca um golpe rápido, e quase indolor, vira lentamente a cabeça e ainda vê o escorpião com seu mortífero aguilhão em riste, ele havia lhe ferroado mortalmente. Com o veneno percorrendo suas veias e paralisando os seus movimentos, ela pergunta:

- Por que você fez isso? Agora nós dois vamos morrer. Vou afundar e morrerei envenenada, você morrerá afogado, como conseguirás fugir desta sina que tão insensatamente puseste diante de ti mesmo?

Ao que o escorpião retruca sem pestanejar, com a água já o engolfando completamente e o sepultando na fatídica tumba que ele mesmo construiu:

- Eu não sei fazer diferente, eu sou assim! Não consigo me conter, é a minha natureza.

* * *

É desta forma que me sinto como Borderline. Alguém que não tem a liberdade de “encenar” a sua própria história de modo diferente do roteiro de sua vida que lhe impingiram. Deram-lhe um script de ações, do qual ele não pode fugir, dizendo exatamente como comportar-se, a impressão que tem é que esta sina inexorável foi gravada em sua pele. Como pedir que um Borderline não haja como um Borderline? Como pedir que um escorpião negue a sua própria natureza e seja dócil, gentil e não ataque qualquer um que se aproxime de si? Como pedir a um leão que negue a sua natureza e não cace mais nenhuma presa e passe a se alimentar de vegetais? Como pedir a um ser que tem por sobrenome a sensibilidade, aja racionalmente diante de situações que lhe são adversas? Como querer que alguém, que no lugar de músculos envolvendo o coração tem apenas uma fina pele, que pode ser rompida ao menor tremor, reaja com serenidade diante de situações de suposto abandono?

Um dia ouvi que era incapaz de aprender com os meus próprios erros, meus próprios fracassos, não gostei do que ouvi, hoje sei que é assim mesmo, é assim que tem sido a minha vida, desde que me lembro. Ainda que saiba que está fazendo algo destrutivo, sempre terá uma justificativa e ainda mais, sempre parecerá a si mesmo que não é culpado pelo o que está fazendo, alguém é responsável pelos atos dele.

Como é que se pode pedir a um ser que tem nas veias tamanha instabilidade emocional, que vive com o humor mais oscilante que uma Montanha Russa, que só enxerga o que é feito de forma exagerada, exponenciando tudo, que pode ser definido como um impulsivo ansioso, que tem como bebida a angústia e come num prato chamado medo, que tenha paciência?

Como não ser algo que se confunde com a minha própria identidade? Como? Como parar com o comportamento autodestrutivo? Como parar de afastar as pessoas que me amam e que eu amo? Como atribuir valor a um emprego ao ponto de querer apenas mantê-lo? Como atribuir valor às pessoas com intuito de mantê-las próximas? Com acabar com essa sensação de vazio e de tédio que domina cada minuto de seus dias?

Tratamento, seja farmacológico, seja psicoterapêutico, não conquistou a minha confiança, por isso mesmo eu o abandonei, ou fui abandonado por ele.

Existem lembranças, existem imagens e sons numa mente Borderline que nem o tempo pode apagar, não adianta rasgar fotos, deletar fotos, queimar cartas, deletar e-mails, quebrar CDs e deixar de ouvir certas músicas que não será suficiente. Lembro de meu aniversário de um ano, como não me lembraria de coisas que me aconteceram 10 ou 15 anos atrás?

Estou a menos de duas jornadas, de 12 horas cada uma, do fim de um ciclo em minha vida, de um maléfico e maldito ciclo, que só me fez ter vergonha, humilhação, perder oportunidades e andar cabisbaixo. Há 13 anos que este ciclo começou, acho que enfim vai acabar antes do fim deste mês, como Luther King vou poder dizer: “... free at last, free at last...”, como perdoar alguém que me fez entrar neste ciclo? Como me perdoar por ter entrado neste ciclo infernal?

Como não “punir” as pessoas que eu amo por algo que elas fizeram, que eu considero errado ou não, antes mesmo que me conhecessem? Como não ter ciúmes do passado de quem eu me aproximo? Como evitar que isso aconteça, se foi sempre assim, se eu nunca agi diferente e não sei agir de forma diferente?

Como dominar o medo de ser abandonado um dia? Como não abandonar alguém que eu amo e que me ama, antes que eu seja abandonado? Como pensar diferente de que posso ser abandonado? Por que achar que não sou merecedor de tanto amor? Já disse alguém que amar um Borderline é como atravessar um furacão e querer sair ileso do outro lado. Quem pode ser considerado culpado de se afastar de alguém assim? Creio que amar um Border é sacerdócio, não é uma opção, quem consegue permanecer junto precisa de ajuda da mesma forma que alguém que sofre de TPB. Ser um cuidador perfeito é difícil, encontrar um é quase impossível. Pois entender que um Borderline precisa ser amado para poder encontrar sentido na vida, e que espera que esse amor seja o seu porto seguro, seja seu apoio, seja a sua companhia de todas as horas, alguém que lhe ajude a preencher a sua existência e o ajude a superar o vazio causticante que o acompanha por toda a vida, não é uma tarefa fácil. Amar um Border é para corajosos, ainda que fiquem despedaçados, ainda assim precisam ser de fibra.

Muitos olham apenas para os Borderlines como pessoas cruéis e insensíveis, mas isto é uma inverdade, o Borderline é apenas uma uma criança assustada que com os olhos cheios de lágrimas pede para ser acolhida, aceita e amada.

Como deixar de ser Borderline, sem deixar de ser eu mesmo? Isso sim é viver sob o signo do escorpião!

5 comentários:

Livre Pensar Teologia e Fé disse...

estou gostando muito dos seus posts...

Anônimo disse...

Já amei um borderline, e discordo do fato de que vocês só precisam ser amados. Não adianta amar vocês. Vocês são poços sem fundo, nada pode satisfazê-los. Toda a nossa energia e todo o nosso amor é como uma gota no oceano perto do vazio que vocês sentem. Essa história de que vocês precisam de amor e compreensão serve somente para manipular as pessoas, para que elas continuem, heroicamente, sofrendo do lado de vocês e não se sentirem culpadas por abandonar alguém que só precisa de todo amor que pudermos dar. Todo amor que houver nesse mundo não preenche o vazio de vocês, toda compreensão que possa haver nesse mundo não farão vocês se sentirem compreendidos. Na verdade não culpo vocês por ter perdido dez anos de minha preciosa vida sofrendo terrivelmente. Foi um aprendizado e tanto. Mas conheço cada gota e cada mínimo gesto da manipulação que vocês são capazes de fazer. Eu peço que quem conviva com um borderline não caia na síndrome de salvador do mundo ou na culpa de abandonar alguém tão sensível. Vocês não são sensíveis. Vocês são sensitivos, isso é muito diferente. Vocês são todos voltados para vocês mesmos e pessoas assim não podem ser sensíveis. Sensibilidade é muito parecido com empatia, e quem é sensível, empático, não tem coragem de fazer as pessoas o mal que vocês fazem. Acho que no lugar do discurso maravilhoso e poético, que só um borderline sabe fazer, sobre o quanto sofrem e o quanto são sensíveis e especiais apesar do mal que fazem, vocês poderiam tentar aprender a ser sensíveis de verdade. Isso não é deixar de ser quem vocês são, é passar a ser quem vocês são realmente. O ser humano é por natureza empático, e esse excesso de preocupação consigo próprio que vocês tem é que é a essência do transtorno. Qualquer vontade que alguém tenha em ajudar vocês só alimenta a doença. Por isso que vocês são o terror de qualquer terapeuta, rss. Vocês identificam o ponto fraco dos outros com maestria, tem uma percepção muito aguçada da vida, e acham que isso é sensibilidade. Não, isso não é sensibilidade. Se vocês algum dia forem capazes de descobrir o que é sensibilidade realmente, o que é empatia, se encontrarem, passarem a expressar as características que um ser humano nasceu para viver, vocês se curam. E ao se curar vocês se encontrarão, pois esses monstros que vocês representam não é a essência de vocês, não são vocês. Mas enquanto existir um idiota como eu fui achando que algum ser desse mundo possa ser capaz de salvar e proteger vocês (vocês gostam de criar essa ilusão na cabeça das pessoas) vocês não vão se voltar para dentro de vocês, para a essência de vocês e se curarem. Olha, eu sinto que por traz desse comportamento doentio existe uma pessoa incrível. Mas, vocês precisam realmente passar pelo sofrimento de não ter nenhum protetor ( o que é difícil, pois a habilidade que vocês tem para conseguir alguém é enorme) e não se matarem (precisam aguentar e não se matarem. Assim vocês terão alguma possibilidade de encontrar a cura e a essência real de vocês passar a se manifestar. Então 2 conceitos vocês precisam ter: 1- vocês não precisam de compreensão pois vocês acham que não é possível compreender vocês 2- vocês não são sensíveis, são sensitivos e perceptivos, isso é deferente de sensível 3- Vocês não são o comportamento doentio de vocês, essa não é a natureza de vocês. Vocês na essência são sensíveis de verdade. 4- Só a essência de vocês pode curar o vazio que vocês sentem, mas vocês só terão contato com vocês mesmos quando as suas energias estiverem focadas nisso, e não em manipular pessoas para que elas continuem abrindo mão das suas felicidades para tratar de um doentinho. Vocês não são esse doentinho sensível e mal compreendido em suas complexidades diferentes dos seres humanos normais.

Claudio disse...

Caro Anônimo,eu tenho que tirar o chapeu pra você. Foi a melhor definição que eu já vi de um Border. Vivi três anos e meio com uma, e que literalmente desgraçou a minha vida com seus ataques de fúria sem razão alguma, suas crises doentias de ciúmes,suas alternancias de estar tudo bem, para dapi a pouco estar odiando tudo. Deus me livre disso. Não acredito que esse povo tenha qualquer espécie de sentimento a não ser o de se satiafazerem, custe o que custar.

Anônimo disse...

O gostar de um border é muito estranho,maltrata a gente,nunca está satisfeito,é muito crítico,gosta de ser paparicado,mas não retribui,ofende verbalmente quem convive intimamente,mas é bem covarde diante de qualquer estranho mesmo tendo sido ofendido,apropria-se com a maior tranquilidade do que é nosso,principalmente dinheiro,mas o dele é só dele,gasta o queé da gente sem nenhuma cerimônia como se tivéssemos obrigação de mantê-lo,se faz de vítima do mundo,é observador dos nossos pontos fracos para depois insistir na em torná-los evidentes.Em resumo,não ama ninguém, ele é o centro de tudo e para ele a atenção tem que ser total.Exagera em eventos nas bebidas alcoólicas,dá vexames,passa mal no dia seguinte,mas é assunto encerrado.Dá a impressão de filhinho mimado tantas são as suas exigências,mas sempre terá mais uma no momento seguinte.Todo mundo é errado,só ele que sabe das coisas.Fala mal de todos,dos filhos,irmãos,colegas de trabalho,estes então não sabem nada só ele!É falso,fingido,traiçoeiro,não demora muito nos empregos,não suporta os chefes,acredita que sabe mais do que eles,é um verdadeiro sangue suga,insaciável em exigir cuidados totais.Assim,quando conseguimos encerrar o relacionamento o alívio é grande,a paz incacreditável e levamos algum tempo para recuperarmos as energias gastas.Concordo com a articulista acima,eles que se encontrem e deixem as outras pessoas viverem tranquilas.

Nicole disse...

E os comentários supracitados, meus caros, são relatos daqueles que abandonaram o barco, em resumo "pediram prá sair".

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