Os publicanos modernos e os fariseus de sempre


Eu conversei com ele naquela tarde muito rapidamente, um simples aperto de mão, não o reconheci imediatamente, confesso que só depois que se retirou foi que eu me dei conta quem ele era. Vários foram os fatores que provocaram isso: Eu estava num lugar estranho para mim, no meio de dezenas de pessoas que não conhecia, eram muitos rostos e nomes novos para gravar, muitos apertos de mão e muitas tapinhas nas costas, ainda mais que aquela era a primeira vez que o reencontrava depois que o tinha conhecido, e mesmo assim só o tinha visto uma única vez, o primeiro contato que tive com ele, um ano antes, foi superficial e rodeado daquelas gentilezas vãs e vazias às quais somos cativos em virtude das relações familiares.

O reencontro se deu naquela mesma noite em meio às mesmas gentilezas fúteis e hipócritas das festas de fim de ano, eu estava no meio de pessoas que havia conhecido naquele dia, estava me sentindo meio perdido, não estava gostando das companhias e nem da festa, até que olhei para os lados e reparei que tinha alguém que não parecia adaptado ao contexto, não mais do que eu! Aproximei-me e após as gentilezas hipócritas iniciais, passamos a conversar sobre algumas questões mais profundas, como política e religião, tive que tolerar a pavonice do mesmo, pois não estava conversando comigo, mas sim tentando me impressionar com o conhecimento que tinha sobre alguns assuntos, e diga-se de passagem que o conhecimento que apresentava era muito superficial, isto nos levou a outras questões mais densas e de repente nos vimos conversando sobre dúvidas, sobre o tipo de fé que estávamos experimentando e sobre a nossa visão, em alguns pontos havia convergência, de igreja e religião. Acho que o fato de eu ser um ex-pastor e ele um ex-quase pastor nos aproximou mais um pouco.

Este meu novo amigo, que vou chamá-lo aqui de João Batista, por razões que só eu mesmo entenderei, vem de uma família numerosa, com grau de engajamento na igreja muito alto, casado com uma mulher que vem de uma família mais numerosa ainda, com alto grau de engajamento com igreja também, tem uma bela casa, uma esposa dedicada, filhos saudáveis e bonitos, uma condição financeira confortável, empregabilidade em alta, Se dá ao luxo de viajar de férias com a família todos os anos, filhos em escola de renome e goza do prestígio que o sobrenome lhe concede na região.

O pai dele é um dos homens mais conceituados dentro de uma denominação no estado em que mora, tem uma trajetória de vida de mais de 40 anos de serviços prestados à igreja, que incluí longas viagens a cavalo pelos rincões inacessíveis do estado, pregando o evangelho e abrindo congregações e igrejas, goza de um prestígio inabalável, sendo umas das figuras mais amadas e respeitadas na igreja, cheguei inclusive a ouvir de pessoas próximas aos dois que o pai do João Batista era um verdadeiro homem de Deus, que quando falava podia-se perceber que Deus falava por meio dele, tal a sua estatura espiritual, ouvi mesmo a sogra do João dizer que se o filho tivesse “puxado” ao pai, a filha dela não teria tantos problemas conjugais e seria muito mais feliz.

Eu poderia dizer que aquela era uma boa história para ouvir numa noite de Natal, poderia até mesmo dizer que seria como que um conto natalino, no meio de tantas histórias ruins de outras tantas famílias destroçadas, poderia, mas a história que me foi contada naquela noite não condiz em nada com as aparências. De repente o meu novo amigo, que percebi estar sob ligeira influência do álcool consumido horas antes daquele encontro, passou a me contar uma história, que para mim justificava a peregrinação por caminhos tortuosos e errantes que tinha sido a sua juventude e que culminava com a aridez desértica que vivia no auge da maturidade.

Por trás daquele pai respeitado, marido exemplar e líder eclesiástico de larga fama, havia um histórico de um homem que há 25 anos não tem nenhum contato sexual com a esposa que mora sob o mesmo teto, rejeita-a, desde que ela tinha 30 e poucos anos, sem nenhum motivo aparente, nenhum dos dois é portador de enfermidades que pudessem “desculpar” este fato, além do que, mesmo após 25 anos de abstinência, ainda estão, os dois, numa faixa de idade em que seria absolutamente normal que tivessem uma vida sexual ativa, isso sem falar de deveres conjugais de ambas as partes, que, além disso, espancava os filhos com fios de náilon até que os mesmos desmaiassem de tanta dor, ou a esposa criasse coragem e interviesse se abraçando com o filho que era espancado, e os fazia permanecer dentro de casa por mais de uma semana, até que sarassem de suas feridas, sem poderem ir ao médico, sem poderem falar do ocorrido para ninguém, nem na escola, nem na vizinhança e muito menos na igreja, por conta do prestígio do pai, este mesmo líder, de conduta ilibada, já foi surpreendido por alguns filhos, o que lhes trouxe traumas terríveis que os acompanha até hoje, praticando zoofilia com animais domésticos (João Batista me contou que um dia, quando tinha pouco mais de 10 anos foi surpreendido pelo pai tentando ter relações sexuais com um animal doméstico, ele me contou que a reação do pai foi tão violenta que as chicotadas que recebeu por conta disso deixaram mais do que marcas, tiraram sangue de suas costas, ele me disse ainda não entender e nem aceitar a hipocrisia paterna, pois flagrou o pai aos 50 anos tentando fazer o que ele tinha tentado fazer aos 10 anos) e agora, por último está sendo ameaçado de morte por parentes de uma menina de menos de 15 anos que, o pai e o irmão delas são presidiários, segundo a mesma, desde os 12 anos foi abusada sexualmente seguidas vezes por ele. Todas as vezes que ele e os irmãos tentam conversar com o pai, ele não aceita nenhuma repreensão e relembra-os quem ele é e o que faz na igreja e faz questão de dizer que é um homem de Deus e que um ungido do Senhor não pode ser contestado e nem caluniado daquela forma.

João Batista me disse que a cúpula da igreja sabe de tudo, mas que preferiu se calar para não causar um escândalo, uma vez que o pai dele nega tudo. João me contou ainda que há tempos que sua relação com Deus estava seriamente abalada, que não acreditava mais na instituição igreja e nem nas autoridades que a governam, pastores, presbíteros e diáconos, e que desistiu inclusive do ministério pastoral na juventude por conta desta contradição dentro de sua própria casa. Além do álcool, já andou por caminhos de drogas, prostituição, adultério e devassidão, isso não antes de buscar em religiões, inclusive não cristãs respostas que ele não conseguiu encontrar na igreja em que nasceu.

Em meio às suas lágrimas, ele falou por mais de uma hora, escutei esta história tão esdrúxula, acreditando que Abba há de um dia restaurar aquela vida, de alguém que tem tanta raiva do farisaísmo que se tornou um publicano e pródigo, no sentido vulgar que este termo tem, para poder não levar uma vida de fingimento.

Peço que Deus primeiro cure o pai dele, que está cego e não sabe que precisa de ajuda da família, da igreja e de Deus, porque o meu amigo João está mais perto de Deus do que ele mesmo pensa, pois ele tem consciência do pecador que é e não tem trilhado por caminhos de fariseus, ainda que ande por caminhos, por demais tortuosos. Que Abba os cure, que Ele cure todos nós! Na Tua ira lembra-Te da misericórdia! É assim que eu oro.

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