O sistema de bem-estar social


Os anos dourados do Estado-providência sueco duraram até meados dos anos 70, quando a Suécia vivia a fama de ter criado a sociedade mais justa e igualitária do mundo. Turbulências e crises começariam porém a desequilibrar o vôo estável da economia sueca, produzindo cortes na radicalmente generosa política social. A crise do petróleo afetara profundamente a Suécia, que nos anos 90 enfrentaria ainda uma grave recessão provocada pelo estouro de uma bolha imobiliária impulsionada pelo setor bancário. No dilema da busca por um Estado de bem-estar social mais viável, já durante o governo social-democrata foram adotados ajustes e mudanças de curso, como redução de subsídios e privatizações parciais nos serviços públicos. Desde 2006, novas reformas no sistema vêm sendo promovidas pelo governo da aliança dos partidos de centro-direita.

Mas até o momento, apesar das imperfeições, o modelo social sueco ainda é um sistema robusto, em um país rico que continua a manter uma forte economia e uma indústria competitiva.

Quando uma criança nasce na Suécia, os pais têm direito a uma licença parental remunerada de 480 dias. Deste total, 60 dias devem ser usados exclusivamente pelo pai, e outros 60 dias exclusivamente pela mãe, o que significa que estes dias não podem ser transferidos para o outro progenitor. O valor da licença, nos primeiros 390 dias, corresponde a 80 por cento dos rendimentos da pessoa, dependendo de quanto a pessoa ganha. O teto máximo para o subsídio parental é de 874 coroas suecas (cerca de 140 dólares) por dia.  Para os demais 90 dias da licença, o valor do subsídio é de 180 coroas suecas (cerca de 27 dólares) ao dia. Os 480 dias da licença parental podem ser solicitados em prazos variáveis, até a criança completar oito anos de idade. O pai de um bebê recém-nascido pode tirar uma licença extra de dez dias, a partir do nascimento da criança. Se forem filhos gêmeos, o período da licença é dobrada: vinte dias.Pais adotivos têm os mesmos direitos à licença parental.

As creches pré-escolares são largamente subsidiadas pelo governo, e os pais pagam apenas oito por cento do custo mensal. Há também um teto máximo a ser pago por cada criança que frequenta a creche – para a primeira criança de um casal, este limite é de 1.260 coroas suecas (cerca de 190 dólares). O valor da taxa cai gradualmente até o quarto filho de um casal, que pode frequentar a creche gratuitamente. O salário médio de um sueco é de 35,8 mil coroas, segundo estatísticas de 2012. É também comum os pais se unirem em cooperativas para criar e gerir suas próprias creches, que são financiadas pelo governo no mesmo sistema.

A partir do momento em que nasce, cada criança recebe um subsídio mensal do governo no valor de 1.050 coroas suecas (aproximadamente 160 dólares), até completar 16 anos de idade. Quanto maior é o número de filhos do casal, maior torna-se o valor do benefício: o subsídio aumenta progressivamente a partir do nascimento do segundo filho, até atingir o máximo de 10.014 coroas mensais (cerca de 1,5 mil dólares) para uma família com seis filhos.

Após completar 16 anos de idade, cada criança passa a receber um subsídio mensal do governo no valor equivalente a 160 dólares mensais, como assistência financeira enquanto completa seu período de estudos. A contribuição é paga durante dez meses por ano, ou seja, não cobre o período das férias escolares.

O tratamento dentário é gratuito para crianças e adolescentes até os 18 anos de idade. Eles também podem ter aparelhos dentários financiados pelo governo regional: quando os especialistas julgam necessária a correção dos dentes, o paciente recebe um ”cheque saúde dos dentes” para custear os gastos com o ortodontista de sua escolha.

Quando as crianças têm problemas graves de visão, também é o governo regional que paga os óculos de grau. Para famílias com uma situação econômica extrema, os pais de crianças com deficiências de visão mais comuns podem contactar os serviços sociais, que então financiam os óculos.

O sistema de educação é financiado majoritariamente pela arrecadação de impostos, e a Suécia é um dos países que mais gasta neste setor. Não existem mensalidades escolares. A partir dos seis anos de idade, todas as crianças têm acesso gratuito à educação, que é obrigatória até o último ano do ensino médio. As escolas fornecem ainda todo o material escolar, incluindo livros, apostilas e cadernos. A merenda escolar também é gratuita, e consiste em geral de um bufê que inclui dois pratos quentes e uma opção vegetariana, além de saladas, legumes, pães e frutas. Após o horário escolar, creches e atividades supervisionadas são oferecidas nas escolas todas as tardes, para crianças entre seis e doze anos de idade. A partir das quatro da tarde, começa o entra-e-sai dos pais, que saem do trabalho diretamente para buscar os filhos na escola.

[Nota: na Suécia, 87 por cento dos adultos possuem o diploma do ensino médio, porcentagem maior do que a média de 74 por cento dos demais países da OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento). Fonte: OECD]

Se decidem cursar a universidade – que também é gratuita – os estudantes suecos têm direito a uma assistência financeira mensal, até completar os estudos. Esta assistência é composta por um subsídio de 3.066 coroas suecas (cerca de 463 dólares) por mês, além de um empréstimo no valor de 6.710 coroas suecas (cerca de mil dólares) mensais. Em caso de necessidade, o estudante pode se candidatar a um suplemento na ajuda financeira. O prazo para o reembolso do empréstimo é o dia em que o ex-estudante completa 60 anos de idade. Na minha época de estudante na Universidade de Estocolmo, eu recebia automaticamente um cheque mensal no valor do subsídio.

O sistema de saúde é também amplamente subsidiado, e a taxa de internação em um hospital é de 80 coroas suecas (cerca de 12 dólares) por dia. As taxas para atendimentos básicos variam entre 100 e 200 coroas suecas, dependendo da municipalidade. Para consultas a especialistas, a taxa máxima é de 300 coroas suecas (45 dólares). O sistema aplica ainda um limite máximo para as despesas de uma pessoa com saúde: a partir do momento em que um paciente desembolsa 900 coroas suecas no período de um ano, todas as consultas médicas tornam-se gratuitas por um prazo de 12 meses. Existe ainda um teto semelhante para as despesas com medicamentos – o que significa que ninguém gasta mais de 1,8 mil coroas com despesas de saúde no período de um ano (cerca de 270 dólares).

Em 2005, os conselhos municipais e o governo central decidiram introduzir uma garantia no atendimento à saúde. Isso significa que nenhum paciente deverá esperar mais de 90 dias, uma vez determinado o tipo de atendimento que ele necessita. Se o prazo estabelecido expirar, os pacientes têm a opção de receberem os cuidados necessários em outro local. O custo, incluindo as despesas com transporte, é pago pelo governo municipal.

O sistema de seguro social sueco também inclui subsídios de auxílio-doença. Durante os primeiros 14 dias de afastamento do funcionário, cabe aos empregadores pagar o benefício. Nos casos de enfermidades com tratamento mais longo, o sistema paga o auxílio-doença durante um período máximo de 364 dias, no valor de 80 por cento da renda do funcionário. Após este prazo, o paciente tem direito a receber o auxílio-doença por um período adicional de 550 dias, num valor correspondente a 75 por cento de seus rendimentos. O cálculo é feito com base em rendimentos anuais de no máximo 333,700 coroas suecas (cerca de 50 mil dólares). O benefício pode ser extendido em caso de doenças graves, e regras específicas regulam a concessão do auxílio-doença também a estudantes e desempregados. Pais de crianças doentes também têm direito a receber subsídios a fim de permanecer em casa para cuidar dos filhos.

Portadores de deficiência têm direito a assistência pessoal e gratuita, incluindo transporte em táxis ou veículos especialmente adaptados. Para os idosos, também é oferecida assistência social a domicílio – com taxas cobradas de acordo com a possibilidade de cada um de pagar. Para idosos com recursos limitados, o serviço pode ser gratuito. Todos têm a alternativa de escolher entre obter atendimento em casa até o fim da velhice, ou nas casas de repouso administradas pelos governos municipais.

O sistema de aposentadoria sueco é constituído por três partes – uma pensão nacional, uma pensão trabalhista que é financiada pelo empregador, e um plano de previdência privada. Um total de 18,5 por cento do salário e outros benefícios tributáveis do trabalhador são destinados à sua aposentadoria. pública. Deste total, 16 por cento vão para a conta de aposentadoria pública, cujo valor cresce de acordo com a evolução dos rendimentos e do desempenho da economia na Suécia. Os 2,5 por cento restantes vão para a chamada pensão premium, que varia segundo o desempenho dos fundos nos quais o trabalhador escolhe investir.

Para pessoas que tiveram pouco ou nenhum rendimento em suas vidas, há uma parcela menor da aposentadoria nacional, chamada de aposentadoria garantida. A finalidade é garantir a estas pessoas uma quantia mínima todo mês. O apoio de assistência aos idosos fornece uma última rede de segurança, para assegurar um padrão de vida digno.

Já o seguro-desemprego é voluntário – ou seja, o trabalhador deve se inscrever em instituições específicas para ter direito ao benefício, e pagar uma mensalidade. Estas instituições são conhecidas como ”A-Kassa” (Arbetslöshetskassor), e muitas são administradas por sindicatos. No pacote básico, a mensalidade é de 90 coroas suecas mensais (cerca de 13 dólares). Para poder usufruir de um salário-desemprego maior do que o básico, o trabalhador deve fazer um seguro suplementar, com contribuições mensais proporcionais ao salário. Quando perde o emprego, um trabalhador pode receber o salário-desemprego por até 300 dias úteis. Nos primeiros 200 dias, o benefício é equivalente a 80 por cento do valor do antigo salário – a um teto máximo, porém, de cerca de 100 dólares por dia. Nos demais 100 dias, esta porcentagem cai para 70 por cento. Os trabalhadores que perdem o emprego e não são afiliados à A-Kassa podem, ainda assim, obter benefícios – mas somente a um nível básico, e não superior a cerca de 48 dólares por dia útil.

Para famílias mais pobres ou com problemas econômicos temporários, os governos municipais prestam assistência sob a forma de apoio financeiro com base em avaliações individuais. Este apoio inclui recursos para despesas básicas, com a finalidade de garantir um padrão de vida razoável.

(fontes: Swedish Institute, Försäkringskassa (Agência Sueca para a Segurança Social), CSN (Agência Sueca de Assistência a Estudantes), Centro de Cuidados Dentários da Região Administrativa de Estocolmo e instituto sueco Global Utmaning).

É um sistema ainda amplamente generoso, que no entanto já foi melhor. Ao longo dos anos, o Estado de bem-estar social sueco sofreu uma série de reformas a fim de se adaptar às novas condições econômicas. Os subsídios ao desemprego foram contraídos, assim como o nível dos recursos para a saúde e a habitação. O sistema escolar sofre atualmente críticas pela queda no desempenho escolar dos estudantes, e pelo aumento do número de crianças em cada sala de aula. O modelo também enfrenta deficiências no número de profissionais capacitados para o atendimento aos idosos, e a imprensa sueca aponta para o fraco controle das autoridades públicas sobre a qualidade dos serviços prestados por algumas empresas privadas que, financiadas com o dinheiro dos impostos, atuam no setor. Várias escolas são hoje também administradas de forma independente, e a gestão privada do sistema de saúde é uma tendência que cresce.

Desde 2006, o governo de centro-direita busca implementar a sua visão para um modelo sueco renovado: deve ser mais atraente para os cidadãos suecos trabalhar, reza a mensagem, do que viver de subsídios sociais. A receita básica para incentivar as pessoas a trabalhar, na fórmula em curso, combina impostos mais baixos para os trabalhadores e menores benefícios sociais para quem está fora do mercado. Subsídios como auxílio-doença e pensões por invalidez se tornaram menos generosos, ao passo que os impostos sobre rendimentos têm sido reduzidos.

Para o governo de centro-direita, trata-se de modernizar o Estado-providência e dinamizar a economia sueca, sem alienar os tradicionais valores do modelo social sueco. Para a oposição de esquerda, trata-se de uma receita para a morte dos ideais de igualdade e solidariedade do país.

Cláudia Wallin
Fonte: http://www.claudiawallin.com.br/que-pais-e-este/#toggle-id-8

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