Desisto

Desisto de tudo que é doce,
Mas desisto também de tudo que é amargo. 
Desisto de ver o pôr-do-sol,
Mas desisto também de contemplar a alvorada.
Desisto de chorar sem parar, 
Mas desisto também de sorrir sem causa. 
Desisto de lavar o rosto com lágrimas, 
Mas desisto também da máscara do riso. 
Desisto de procurar a beleza nas pequenas coisas, 
Mas desisto também de tornar belo o que é feio. 
Desisto de ouvir a canção mansa da chuva no telhado, 
Mas desisto também da elegia do vento. 
Desisto de ouvir o sorriso da criança, 
Mas desisto também do olhar dos velhos. 
Desisto de abraços que aproximam, 
Mas desisto também do adeus que afasta. 
Desisto da guerra que animaliza, 
Mas desisto também da falsa paz. 
Desisto de ver a luz na escuridão, 
Mas desisto também do sol que cega. 
Desisto do frio que congela a alma, 
Mas desisto também do calor que derrete os sentimentos. 
Desisto de olhar do alto da montanha, 
Mas desisto também de ver a vida abissal. 
Desisto de sonhos que nunca se realizarão, 
Mas desisto também de pesadelos que sufocam. 
Desisto da infelicidade que mata aos poucos, 
Mas desisto também da felicidade utópica. 
Desisto da vida que se arrasta, 
Mas desisto também da morte que sepulta para sempre. 
Desisto do amor que é ilusão, 
Mas desisto também do ódio que envenena. 
Desisto de dormir e sonhar, 
Mas desisto também de acordar e enfrentar a dura realidade. 
Desisto de tudo, 
Mas também não desisto de nada.

[Concebi este texto nesta madrugada, quando o sono me abandonou e a realidade da vida me fez ver que os sonhos não precisam se realizar para serem bons, melhor que seja só um sonho].

1 comentários:

Jocelenilton "Maltrapilho" Gomes disse...

Nunca achei que houvesse tanta coisa para desistir, eu nem sabia que tinha tanto assim.

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